Nov 10

Do golpe de Estado

Depender apenas da ajuda externa, sem crescer no apoio interno, é jogar na roleta russa.

Equidade é tratar o desigual, desigualmente, atendendo ao caso concreto. Nunca foi o corte cego onde, pela percentagem, paga o justo pelo pecador. A régua de ferro não mede a indivualidade dos seres que nunca se repetem. Sobretudo dos que servem sem quererem servir-se.

Pedro diz que o empréstimo da troika não é uma agressão, mas uma necessidade. Certo. Mas agressão não deixa de ser a condição de protectorado em que ficámos.

Desde o senhor D. Afonso Henriques que os velhos do restolho, incluindo os avaliadores das consultadorias internacionais, nos consideram impossíveis. Por isso é que resistimos há quase nove séculos.

Assisti na minha vida de cidadão a um golpe de Estado. O que começou a 25 de Abril de 1974 e se conformou em 25 de Novembro de 1975, mas que passou pelas eleições para a Constituinte, em 25 de Abril de 1975, e pelas eleições constitucionais do Parlamento e do presidente em 1976. Isto é, os golpes duram mais do que um dia.

Um golpe de Estado é uma forma de violência pré-política, quando uma parte do Estado se põe contra outras partes do mesmo Estado, visando acabar com uma anarquia ordenada, ou com uma desordem bem organizada, onde, pela magia do povo, um acto ilícito se pode tornar legítimo. Se vencer. E tiver a imediata adesão pública, em torno de uma nova ordem.

Aqui e agora, quem fala em golpe de Estado, apenas usa o aguilhão da palavra, conforme a origem etimológica da própria ideia de argumento. Serve apenas para a dialéctica e pode ser uma forma de provocação ao patriotismo. Mesmo quando diz que os militares não devem enveredar por manifestações subversivas, dado que a única subversão em que são eficazes está no uso da máxima violência concentrada que a comunidade, ou república, neles depositou. Uma violência que não é deles mas do povo. Julgo que Otelo apenas quis dizer isto.

Horas e horas de debate parlamentar para que brilhem os marchuetas dos governamentalistas e oposicionistas. Hora e meia de “cross examination” ou de acareação geriam melhor os recursos escassos da palavra posta em discurso.

Papademos o ex-vice do BCE é o primeiro a chefiar um governo de unidade nacional nos periféricos do euro. Há quem já fale em Victor Constâncio. Esquecem que já temos um ex-quadro do Banco de Portugal na presidência Belenense.

Outrora, o denunciado acordo anglo-germânico, sobre a partilha das possessões lusitanas, serviu de pretexto para um conseguido protesto que, mesmo depois do Ultimatum e em plena bancarrota, tivesse sido possível a construção do nosso império africano, rapidamente e em força. Era um objectivo tido por permanente da então estratégia nacional.

 

Foi em nome dessa estratégia estrutural, a do patriotismo imperial, que a I República se sacrificou, com a participação na Grande Guerra. Colocou os interesses nacionais acima da conjuntural conservação do regime, quando bem poderia ter jogado, de forma calculista, numa espécie de antecipação da neutralidade colaborante. Pelo menos, morreu com honra.

O modelo do euro a várias velocidades quase repete os temas da Conferência de Berlim e da consequente partilha das colónias, violando flagrantemente o “pacta sunt servanda”. Não é muro da vergonha, é desenvolvimento separado, aquilo que em holandês africano se chamava “apartheid”. O chamado fundamentalismo de merceeiro, conforme a história dos pretensos vencedores. Raio que os parta!

Sim! O nosso primeiro ganhou o debate. Aliás, quando jogamos a soma zero, os nossos primeiros ganham sempre os debates do género. Como também aconteceu com os antecessores. A comunidade é que tem sido sempre derrotada. A política deveria ser um jogo de soma variável, onde as partes e os partidos competem uns com os outros, mas onde todos devíamos ganhar conjuntamente. Só com alma se dignifica a democracia competitiva. Não com o mais do mesmo

Continua o exercício sobre o sexo dos anjos decaídos, quando deveríamos estar a negociar uma plataforma de emergência nacional, com a classe política, mobilizando a compreensão das forças sociais, económicas e morais, incluindo o total empenhamento do presidente e seu conselho

O maior dos perigos de Portugal tanto está no presente ambiente europeu, de quase subversão instalada, como na eventual autoclausura reprodutiva da classe política que pode tornar-se na coveira do regime, se continuar a discutir o sexo dos anjos.