Secretário de Estado anuncia, Ministro desanuncia. No intervalo houve desmentido do Primeiro-Ministro. Ninguém já se espanta. Aliás, tanto o programa eleitoral como o próprio programa de governo têm sido desmentidos pelas circunstâncias. Vivemos em ditadura dos factos. E contra factos não há argumentos.
Na velha Grécia da primitiva democracia, havia grande qualidade de cidadania para a pequena minoria de cidadãos, os que até eram dispensados de trabalhar. A esmagadora maioria, a que trabalhava, o grupo dito dos idiotas, tem agora sufrágio universal, desde o fim do apartheid. E está em vigor a regra de São Paulo, segundo a qual quem não trabalha não come. Pena continuar a ser comido pelos pretensos da casta politiqueira que não quer funcionários a controlá-lá, à pretensa casta, das subvenções vitalícias e medidas de efeito equivalente. Tenham juízo!
Não se vislumbram sobressaltos que nos possam perturbar ou mobilizar, nesta “apagada e vil tristeza” em que a cobardia nos enredou. “Ninguém sabe que coisa quere, nem o que é mal, nem o que bem”, mas também não há nevoeiro. Logo, D. Sebastião também não pode regressar. Já não somos quem sempre fomos, pátria antiga, de fibra multissecular. Mas é preciso voltar a ter “saudades de futuro”.
Faltam mobilizações ideológicas, à esquerda e à direita, e secaram os mitos, dos amanhãs que cantam ou do regresso ao passado. A democracia vai degenerando, mesmo sem ser por acção dos inimigos da democracia, até porque muitos democratas temem criticar o situacionismo, lavando as mãos como Pilatos.
Nestes dias de interregno, sem que se vislumbre qualquer sinal de regeneração, apesar de forte identidade nacional, todos nos diluímos em ambiente de “finis patriae”. Até padecemos daquela temperatura messiânica que nos dava alma, por ocasião de anteriores crises.
Se a democracia, através dos partidos e dos outros grandes figurantes do Estado, não assumir uma nova gramática e os apoiantes e opositores não reencontrarem o sentido da palavra, tudo o que disserem pode ser imediatamente desdito, pelos próprios ou pelos seus pretensos superiores hierárquicos. Não gosto do sistema do manicómio em autogestão.
Apesar das habituais danças e contradanças que antecedem as grandes greves, incluindo o mito da soreliana, julgo que ainda vai continuar a viver-se em regime de povo de brandos costumes. Não por causa da falta de revolta, mas por insuficiência de faísca. É como a agulha num palheiro, com tanta palha molhada, pela chuva da rotina, a do mais do mesmo. Apenas um acrescento: se pudesse aderia à greve geral.
Se a democracia, através dos partidos e dos outros grandes figurantes do Estado, não assumir uma nova gramática e os apoiantes e opositores não reencontrarem o sentido da palavra, tudo o que disserem pode ser imediatamente desdito, pelos próprios ou pelos seus pretensos superiores hierárquicos. Não gosto do sistema do manicómio em autogestão.
Quando qualquer suprapoder quiser, o nosso poder de quintal, entre comadres e compadres, pode fazer, em cinco minutos, um acordo de governo da actual coligação com o PS. Mas passos seguros já não chegam. Seria mais avisado que, em cinco dias, contratássemos uma adequação da aritmética parlamentar à geometria social. Estamos a pisar as raias da falta de legitimidade, enquanto somos distraídos por casos de polícia, mexericos de deputados e depressões nas bolsas do outro mundo. Esta é mais um “fait divers”.