Eis a genealogia liberdadeira dos meus liberais clássicos

Eis a genealogia liberdadeira dos meus liberais clássicos: organizam-se continuadamente a partir de 1802 por patente conseguida por Hipólito da Costa; resistem aos invasores franceses, com José Bonifácio e Manuel Fernandes Tomás; aplicam os modelos da globalização com as teses de José da Silva Lisboa, instituindo o primeiro banco português, o do Brasil; propõem com Palmela e Silvestre Pinheiro Ferreira, uma constituição; criam o Reino Unido de Portugal e do Brasil em 1816, sob o signo da armilar; morrem no Campo dos Mártires da Pátria contra o protectorado de Beresford; conspiram no Sinédrio; lançam as bases da democracia com o 24 de Agosto de 1820; tornam o Brasil independente em 1822; desembarcam no Mindelo e instituem o estado contemporâneo com Mouzinho da Silveira; promovem a abolição da pena de morte e lançam o coódigo civil…   Um liberal assume, sem equívocos, uma concepção do mundo e da vida anti-construtivista, anti-revolucionária e anti-estatista, segundo a qual não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, mesmo sem saber que história vai fazendo. Porque o mundo é mais produto da acção dos homens que da intenção de alguns deles, os ministros, os deputados, os planemanentistas, as consultadorias, os banqueiros e os intelectuais. Um liberal pode e deve conjugar o patriotismo português, o federalismo europeísta e o cosmopolitismo, tal como deve ser o primeiro a defender a dignidade do trabalho, que é a única propriedade a que tem direito um pobre. Faço parte da mais antiga e identificável das famílias espirituais do liberalismo clássico. A de Newton, Montesquieu e Kant, organizad desde 1717. A de Silvestre Pinheiro Ferreira, Vicente Ferrer de Neto Paiva e Alexandre Herculano. A que esteve na raiz do posterior federalismo, mesmo a do anarquismo de Proudhon, do radicalismo solidariza e do cosmopolitismo dos projectistas da paz. Esse liberalismo tradicional dos velhos liberais foi uma das colunas fundacionais da Sociedade das Nações em 1918; da Organização das Nações Unidas em 1945; da NATO; da CECA, da CEE, da EFTA e da actual União Europeia. Ganhámos a Guerra contra os impérios centrais e o nazi-fascismo. Conseguimos vencer o soviético e estamos nas bases do modelo dos que conjugam o direito universal com as autodeterminações nacionais deste mundo que é potencialmente melhor. Porque tem menos guerra, menos doença e menos fome e, sobretudo, mais liberdade de consciência. Os liberais tradicionais saúdam os católicos que, a partir de 15 de Maio de 1891 assumiram as coisas novas da doutrina social da Igreja, conciliando-se com o demoliberalismo; os socialistas que passaram a sociais-democratas e passaram a fazer o jogo do sufrágio universal; os fascistas que passaram a sociais-fascistas e os comunistas que passaram a ser ex-comunistas, todos gerindo a casa comum da democracia das sociedades abertas e pluralistas, neste mundo de sete mil milhões de homens. O Estado Contemporâneo é uma criação dos liberais tradicionais (só em 1832, as ordens religiosas recebiam do povo 1 162 contos de rendas, enquanto o Estado, em impostos directos, apenas tinha 1 600 contos). O Estado contemporâneo é uma criação dos liberais como a obra do nosso Mouzinho. Infelizmente, a criatura libertou-se do criador e tem de voltar a ser capturada pelos princípios que a geraram. Isto é, tem de voltar a ser cérebro social e a ter os nervos da governação, para não constituir uma governança sem governo, com muita adiposidade, pouca flexibilidade muscular, ossos descalcificados e pés em lugar da cabeça, com sucessivos tropeções. O Estado-aparelho de poder, o principado, incluindo os agentes da partidocracia e as empresas de regime, tem de voltar a ser comandado pelo Estado-comunidade, ou república. Mesmo a dita sociedade civil, onde civil vem de civis, ou política, isto é, cidadão, tem de voltar a ser sinónimo de política, como o diziam Suárez, Locke, Espinosa ou Rousseau. Não subscrevo o conceito hegelianismo de sociedade civil como “bürgerlisch Gesellschaft”, na linha de Hegel, Marx ou Gramsci. Mas reconheço que o estado a que chegámos não passa de um arremedo de política, de um “asserem Staat”, a que Marx chamou sociedade de classes. Não quero economificar o Estado, pelos tecnocratas sem democracia, ou pelo recurso à ditadura do partido único para a construção do capitalismo, como na China do PCC, ou como nos que advogam a mexicanização lusitana, pelo regresso ao Bloco Central. Não foram os revolucionários de 1792, de 1917 ou de 1922 que permitiram o Welfare State do segundo pós-guerra nem as regulações do capitalismo selvagem do Clayton Act, do Sherman Act ou das leis de defesa da concorrência, mas o demoliberalismo, já também gerido pelos antigos inimigos do século XIX, os democratas cristãos e os sociais-democratas. Como todos juntos atingiremos a regulação global da OMC e dos impostos mundiais contra os especuladores e os tecnocratas, a bem da república universal. A partir de 1989 não foi o comunismo que acabou, mas a ilusão da nostalgia revolucionária que invocava 1792 e 1917 e nos estrangulava numa cartilha que esquecia a mais funda das revoluções altlânticas, desde a inglesa, dos finais do séculos XVII, à americana, do séculos XVIII, bem como à francesa de 1789, antes do Terror e da Repressão da Vendeia. Eu continuo girondino. Prefiro as revoluções evitadas que mudaram o mundo. Prefiro as libertações Sul-americans do século XIX, a primavera dos povos, de 1848, na Europa Central e do Leste, e o presente processo das autodeterminações nacionais e da globalização sem totalitarismo. Um liberal apenas tem de se universalizar, concluindo que vale mais ser whig do que conservative. Quem for liberal e não revolucionário também não pode cair na tentação dos que são contra as revoluções à maneira reaccionária, ou contra-revolucionários, pelas revoluções ao contrário, como proclamaram os fascismos e os das revoluções nacionais, de salazarentos a nasseristas. Um liberal tradicional, aqui e agora, no Portugal de Gaspar, não é pela direita que quer conservar o que está, nem pela esquerda que quer conservar o que estava. É do centro excêntrico, porque, como diria Garrett, o jardineiro, vintista, setembrista e regenerador histórico, Portugal já não é o que foi nem pode voltar a ser o que era. O que vai ser é do querer de Deus, do sonho dos homens e da obra que eles fizerem. Isto é, da acção dos homens concretos, contra os planeamentistas da troika e os decisões do eixo. Os liberais apenas podem ser conservadores do que deve ser, dos homens livres num país livre. Eu sou um liberal lusitano que não gosta de traduzir em calão o jacobino, socialista e laico. Fiel aos girondinos que foram guilhotinados pelo terror, vintista e mindeleiro, gostaria de ter sido filiado na aliança de históricos e reformistas que passaram da Patuleia ao partido progressista. Logo, rejeito os preconceitos e os fantasmas da clivagem do socialismo contra o capitalismo que serviu de alento para as frentes populares. E sou mais do que laicismo, sou pelo pós-secular habermasiano, mesmo sem ter religião revelada, porque defendo o papel das religiões institucionais no espaço público, como foi admitido pela nossa I República, depois da revisão da lei da seperação de Alberto Moura Pinto em 1918, no programa de pacificação da relações entre a política e a religião que António José de Almeida praticou como presidente. As ideias básicas da revoluções liberais clássicas são hoje património comum da humanidade e exigem a necessidade de regulação universal da liberdade, igualdade e fraternidade, pela instituição universal de laços políticos contra a violência naturalística da lei da selva. A política é a ciência dos actos do homem como membro da polis e da cosmopolita. É bem mais do que a economia, a ciência dos actos do homem como membro da casa. E todas têm na base a moral, a ciência dos actos do homem enquanto indivisus. Porque se o Estado e os Estados organizados em repúblicas universais, o homem e os homens estão acima dos Estados. Só agora estou a passar a escrito as notas que ontem comuniquei…mesmo as da conclusão sobre haver em Portugal, hoje, uma pluralidade de pertenças liberais; o liberalismo político é partilhado pelos PS e PSD; o liberalismo económico, pelo PSD, pelo CDS e, na prática governaria, pelo PS; o liberalismo das causas, ou social, mais Pelo PS e às vezes pelo PSD…o resto são lendas, entaladas entre as pulsões reaccionárias que endoidecem o CDS e as pulsões da doença infantil dos esquerdismo que às vezes gerontocratiza o PS…

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