Jan 10

Farpas de 10 de Janeiro de 2012

Nos tempos do laicismo e da secularização, quando, nalguns Estados, chegou a admitir-se a não existência da religião no espaço público, certas polémicas teriam algum sentido de arqueologia ideológica. Num tempo já pós-secular, traduzir em calão dispositivos legislativos iranianos soa a tiro na alma daquele modelo ocidental e europeu que foi edificado através da aliança do humanismo cristão com o humanismo laico.

Ao contrário do que alguns por aí dizem, não estamos a assistir a nenhuma campanha antimaçónica. Porque, uns, os da teoria arqueológica, “a vêem como um grupo de velhos inofensivos que gostam de brincar aos disfarces”. Outros, contudo, preferem a teoria da conspiração e “referem-na como uma cabala secreta de agentes do poder que governam o mundo”, para repetirmos palavras de Dan Brown. D. José Policarpo, em superior divergência, colocou a questão no plano mais ascendente, para além do título da parangona que emite a declaração.

 

Jan 10

Económico 10 de Janeiro de 2012

O Governo já mudou de ideias quanto a coisas bem mais graves“, lembra o politólogo Adelino Maltez, referindo-se ao aumento de impostos, ou ao corte da TSU. Mas inverter o rumo faz “aumentar a falta de autenticidade do poder, que é a distância entre aquilo que se proclama e o que se pratica”, adianta. Por outro lado, é certo que “houve líderes políticos que utilizaram o facto de não haver acordo para ter mais apoio social” – como foi o caso de José Sócrates, no primeiro mandato, recorda – mas agora “há alguma falta de geometria social”, avisa o professor. Esta medida era uma forma de pedir um esforço ao privado, depois dos cortes salariais aplicados à função pública.

Jan 10

Reflexões

Há momentos de encruzilhada psicológica que são excelentes reveladores de algumas mentalidades decretinas e merceeiras, onde a bula do Komintern, a lei de Santos Cabral, a matança de Hitler ou os tribunais de Franco se podem traduzir por obediência ao patrão, folha de contabilidade ou ideologia de nostálgico do cacete, da cavalariça ou do auto de fé, com dispensa do poema, da religião, da crença, da facção ou do sonho. As sementes do totalitarismo já despontam em silvados sem amoras.

 

O problema em Portugal está nas canalizações. Sobretudo nas representativas. Por causa dos curto-circuitos e dos comandantes no fornecimento de energia. Gostam imenso da casa dos segredos, da história da carochinha, do papão e da teoria da conspiração. Dá “share”. Mas a gula que faz inchar também leva a rã a rebentar, quando quer imitar o boi sagrado.

 

Nestes dias desfilaram tantas rãs velhas pensando que são vacas sagradas. Claro que há golpes de estadão, mas o primeiro milho é para os pardais, o segundo para a razão. Para a razão animada.

 

A maior das energias sociais é a sede de justiça. Basta colocá-la acima da luta de invejas. E encher a raiva, de ternura. Dá rebeldia, sem insolência. E pode causar libertação.

 

Tudo o que foram instituições de igualização social na luta contra a estratificação do “Ancien Régime”, isto é, o que estava antes de Mouzinho da Silveira, estão, lentamente a ser comprimidas. Foi a tropa, foi a universidade, foram os magistrados, foram os funcionários públicos, são os partidos, são outras associações morais e cívicas, não tarda que seja a igreja. Não é a esquerda contra a direita, os socialistas contra os liberais, ou o público contra o privado, mas o que esteve por trás das próprias rixas de Campo de Ourique, o partido dos fidalgos (não dos nobres) contra o partido dos ditos funcionários, o do Portugal Novo. A própria democracia ameaça ser ocupada, através dos tradicionais inocentes úteis que os donos do poder apenas usam como feitores.

 

Não é um acaso a programação de anarquia ordenada pelos agentes do velho poder de sempre. Só com uma desorganização bem organizada é que o neofeudalismo pode manter-se.

 

O processo de terraplanagem dos símbolos libertadores dos indivíduos e das pátrias, que está em curso, não se insere em nenhuma campanha. É apenas um revelador dos vermes que nos ocuparam a cidade, chamando pensamento à unidimensionalização da complexidade do comunitário e às representações que o iluminam através dos símbolos.

 

Quando falta o amor que nos elevou da casa, ou empresa, à política, pode voltar o chefe da casa, aquilo que, em grego, chamavam déspota e, em romano, dominus, ou dono, e chegar o principado, ou império. E de vez em quando, há repúblicas que regressam ao doméstico, quando cedem ao pai tirano, ou quando esquecem que inventámos a política para deixarmos de ter um dono. Reparo que, por cá, muitos têm saudades do patrão que usurpou a cidadania. É sinal de regresso ao feudalismo.

 

As nações e as outras comunidades políticas de dimensão patriótica, sejam cidades, reinos ou repúblicas, correspondem à terceira potência da alma, inventariada por Platão, a imaginação. São comunidades em torno das coisas que se amam, correspondendo à razão complexa e não apenas à mera razão finalística, a dos chamados rácios. Mas exigem a vontade de sermos, ou continuarmos independentes. Nascem, crescem e podem morrer. Uma das causas da morte anunciada é faltarem poetas que movam os povos.