“Os indivíduos morrem; depois da morte vem a justiça, e começa a imortalidade das famas honradas. Eu não sou materialista religioso nem político, espero salvar a minha alma em Jesus Cristo, e o meu crédito na lembrança dos Portugueses: nessa esperança certa de ressurreição adormeço tranquilo ao som dos uivos infernais com que presumiam fazer-me desesperar nesta hora que cuidaram de morte.
Mas não é assim das crenças e opiniões políticas; essas não morrem, essas precisam desagravadas em vida dos que a professam, e por isso as vim hoje defender, e aos meus irmãos em doutrina, dos traiçoeiros ataques de seus inimigos. Por mim, ladrem todas as três gargantas do cão infernal, que nem me importa açaimá-lo de força, nem uma sopa lhe hei-de deitar para lhe calar um latido.
Como cidadão nunca renunciei um direito, nem que me custasse a fazenda, a vida, a pátria: tenho-o provado nos cárceres, no exílio, na miséria…
Como súbdito nunca faltei a uma obrigação: e não menos duramente asselei a minha lealdade…
Como português, nem um pensamento leve, momentâneo, – chegou a cruzar-me ainda no cérebro, de que não possa vangloriar-me à face do mundo…
Como funcionário público, quis minha boa estrela que ainda não estivesse em lugar a que pudessem chegar nem as suspeitas da inveja…
Fraco homem de letras sou, não presumo delas; mas nunca prostitui a minha prosa numa mentira, os meus versos numa lisonja… Falem esses opúsculos que a Nação portuguesa ainda tem a indulgência de ler.” (deputado Almeida Garrett, em 8 de Fevereiro de 1840)