Criticando Sampaio, trazendo de novo Hannah Arendt

Jorge Sampaio diz que os regimes portugueses, mesmo no fim, duram mais uma dúzia de anos, ao reconhecer que a crise académica de 1962 “prenunciou o princípio do fim do Estado Novo”. Duvido da observação. Basta ler a lista dos ministros de Salazar nesse momento. E sermos tolerantes para com o máximo de situacionismo que se assume em nostalgia pela revolução perdida. Eu continuo a gostar mais das revoluções evitadas.

O ex-Presidente diz que nesse dia percebeu a força da “acção colectiva”. Aos estudantes de hoje pede “inovação” para enfrentar a crise.

Apenas insisto numa ideia de Edmundo Burke glosada por Hannah Arendt em “On the Revolution”, a propósito das revoluções inglesa e norte-americana que mudaram bem mais que o período jacobino da chamada Revolução Francesa. O mesmo poderemos dizer da bolchevique de 1917. E de todas as que pretendem continuar Robespierre ou Lenine.

Claro que incluo no conceito de revolução jacobina as revoluções ditas ao contrário do fascismo e seus derivados, a partir de 1922. Meros irmãos-inimigos.

O Estado Novo, mesmo o de hoje, sempre foi o Estado Velho. O dito bom e velho estado a que chegámos.

A grande força da acção colectiva que derrubou o regime foi a da tropa em golpe de Estado. Isto é, quem o fez foi quem o desfez.

É preciso mesmo reler Hannah Arendt. A que não foi em ideologia nenhuma. Apenas linguajou o que pensava. O que muitos pensam. Há vinte e cinco séculos.

Apenas me apetece dizer que, tal como os chineses, retomaram Confúcio e estão vencendo, por cá, nestas bordas do mar interior, houve quem fosse contemporâneo de Confúcio e nos pensasse. Arendt apenas retoma a senda. Diz de novo o que é antigo, mas não antiquado.

Eu, como sou professor dessas coisas, porque dentro das coisas é que as coisas realmente são, apenas repito. E aplico. Embora reconheça a velhice, porque também sou avô de mim mesmo.

Inovar sempre foi relembrar. A tal anamnese. Onde ana é trazer de novo e mnesis é memória.

O mal das crises é o esquecimento.

 

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