Abr 03

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“É um verdadeiro protectorado comandado, não pelo Governo legítimo mas pelo exterior. Não há patriotismo que resista a uma tal situação”. Um dos pais da criatura, nos jornais de hoje.

“Ontem eu reparava no sorriso das vacas, estavam satisfeitíssimas olhando para o pasto que começava a ficar verdejante.” As afirmações não foram feitas pela senhora ministra. Porque a vaca que mediaticamente visitou não foi uma das que inspirou o nosso presidente. Esta ainda espera que chova e que lhe forneçam ração. São Pedro não a deixa pastar em paz.

Já somos pretexto para a gozação universal. No tempo em que havia bilhas, cântaros, púcaros e em que para bebermos alguém tinha de ir à fonte, por falta de água canalizada e de água mineral engarrafada ao preço da chuva, que é muitos, vários provérbios diziam que, de tanto irem, um dia quebrariam ou deixariam lá a asa ou o pescoço. Prefiro outro da sabedoria dos povos e das freguesias: “Tantas vezes vai o cão ao moinho, que alguma vez lá lhe fica o focinho”.

O mundo tem de saber que somos um povo de brandos costumes. Nunca a Grécia assassinou um rei e um príncipe real em 1908. Um presidente em 1918. Um chefe do governo e dois fundadores do regime em 1921. E um chefe da oposição em 1965.

O problema não está em sermos bons alunos. O problema não está sequer na aula. Está no capítulo. Nos directores ocultos da escola. E na crescente sensação de impunidade dos deslumbrados, dos que têm sempre respostas para as únicas perguntas que eles permitem fazer. Deitaram foguetes, incendiaram a mata e agora pedem condecorações como bombeiros, só porque se apressaram a apanhar as canas. Estou farto de notas oficiosas. E dos telejornais de Ramiro Valadão, os que precedem as conversas em família.

Receita da troika: arranjar as pescadinhas (retirar a tripa, cortar as barbatanas e lavar), retirar os olhos (pois ao fritar saltam) e arrepiar (esfregar com sal no sentido contrário ao das escamas para que o peixe fique às lascas no fim de frito). Temperar com louçã a gosto, jerónimo picado e regar com sumo de laranja, deixar a marinar em rosas. Passar os ministros por farinha, colocar o rabo na boca do bicho e premir com os dedos e fritar em eleições bem quentes. Pode servir com cavaco e acompanhar com arroz de durão e continuar tudo na mesma.

O maior poder de subversão da desordem instalada não reside nas jogadas de Corte ou no controlo da informação, mas antes no clássico processo do ir de consciência a consciência, de centro a centro, em termos de exemplo e de convicção. Quando a comunidade dos que pensam de forma racional e justa atingir o consenso não há chicote que chegue nem cenoura que compre. Sucederá a inevitabilidade da emergência, mesmo que se mantenham anteriores convergências e divergências. Teilhard de Chardin apenas precisou o “Space-Time” de Samuel Alexander.

“A separação pode vir a ser difícil, mas pode ser melhor do que ficar num mau casamento” (guru, nº 1 que ainda não almoçou comigo, embora saiba que não há almoços grátis). “Teremos de ver se [a medida] se tornará permanente ou não. Mas isso agora ainda não foi discutido” (funcionário nº 2, que nada tem a ver com a autoridade de “nəgusä nägäst”, derrubada em 1975). Nenhum estava a comentar a relação entre Portugal e a Europa. Melhor: as declarações de Gaspar na Dinamarca, depois de conversações com Constâncio.

O país não está a ser governado a partir de Bruxelas. Apenas vivemos, como a maior parte do mundo: em governança sem governo. Porque a maior parte dos factores de poder não é nacional. Porque acreditámos que a pilotagem automática era mais importante que a vontade de sermos independentes. Porque pensámos que a gestão de dependências, onde está o último grau da real independência, poderia ser accionada pelo GPS do poder banco-burocrático. E porque até não há ninguém que diga: basta!

Os compadres e as comadres do país oficial batem realmente palmas ao primeiro que grita: “L’État c’est moi!”.

Passei os olhos pela net, pesquisando o apelo espanhol a vocações sacerdotais. Mas fiquei a meio caminho, deliciado com esta questão de teologia pura. Ri e reli. E fui à estante para voltar a trazer para a cabeceira Andrés Torres Queiruga, o galego, autor de “Para unha filosofía da saudade”. A notificação da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé é um primor, mas o objecto de notificação ainda é mais estimulante. Leiam as duas coisas. Eu cheguei, há muito, à conclusão que só poderei estudar mais ciência política se souber um pedacinho teologia. Não é ironia, é verdade.