A cidadania impõe uma felicidade pública e não apenas o bem-estar privado

A cidadania impõe uma felicidade pública e não apenas o bem-estar privado, que a própria tirania pode permitir. Como salienta a mesma Arendt há o perigo de confundir felicidade pública e bem-estar privado, dado que aquela consiste no direito de acesso do cidadão ao domínio público, da sua participação no poder público e os homens sabem que não podem ser totalmente felizes se a sua felicidade estiver situada e for apenas usufruída na vida privada. Além disso, a cidadania não se confunde apenas com a protecção dos indivíduos contra os abusos do poder. A liberdade política implica a felicidade política

Também para Kant a cidadania é o mesmo que autonomia. Uma terceira via que permite conciliar a ordem com a liberdade e só possível através do direito. É a submissão à autoridade que cada um dá a si mesmo. Assim, é possível rejeitar a liberdade sem ordem, a anarquia, bem como a ordem sem liberdade, o despotismo. Aqui é treta, onde ministros, superministros e primeiro-ministro falam por dá cá aquela palha. Sem encontrarem a agulha no palheiro. Apenas estou tristemente revoltado. Pela falta de exigência.

A cidadania, enquanto participação nos assuntos públicos, impõe necessariamente um espaço público, um espaço onde a liberdade aparece e se torna visível a todos, não havendo instauração da liberdade sem que um corpo político garanta o espaço onde a liberdade pode surgir, onde a liberdade pode existir em público, transformando-se numa realidade mundana, tangível, qualquer coisa criada pelos homens para ser gozada pelos homens.Porque sem esta cidadania do agir em público, na praça pública, o domínio público transforma-se numa obscuridade, em algo de invisível, no segredo de Estado. Desculpem o arendtianismo.

Grande parte da incompetência reinante resulta de um deficiência estrutural de base de certa classe política, onde o primado do agir segregou a harmonia com o pensamento entusiasta. Isto é, há uma deficiência de teoria democrática que transformou a arte política num exercício técnico, à boa maneira do maquiavelismo de algibeira, onde dizem que tem razão quem vence e todos nunca serão demais para o servilismo, desde que sejam de antes torcer que quebrar.

Foram os pretensos irmãos-inimigos da ampla coligação situacionista, assente no poder banco-burocrático e no pato bravo, com ramificações no interior da partidocracia dominante, que nos incendiaram de endividamento.

Sempre que me submeto ao chamado dever cívico de preencher os papéis, mesmo electrónicos, da impostagem, sinto a antiquíssima revolta de rurícolas origens. Sou um simples indivíduo, feito solidão de número fiscal, diante da máquina violentista desse aparelho abstracto que se chama Estado e vai usurpando a República. Sinto saudades da vizinhança, a falta de concelho e o vazio de solidariedades institucionais, como as dos sindicatos, dos partidos e da própria universidade. E confirmo que a revolta pode ser mais enérgica que a revolução. É preciso evitar a Maria da Fonte, saltando já para uma Patuleia que não seja controlada pela Convenção do Gramido.

Mesmo quando ganha a minha equipa, não comento jogos de futebol nem jogos de poder. No fim dos jogos de soma zero, perdemos todos. Prefiro jogos de soma variável, onde, pela mobilização competitiva, crescendo por dentro, todos podemos ganhar. Estes dependem da justiça, de tratar desigualmente o que é desigual, para que procuremos a perfeição da igualdade.

 

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