Filosofia política

Tema do curso:

Não há dúvida que a remota origem do estudo da política no ocidente europeu radica na filosofia, principalmente na procura da cidade melhor (Kallipolis), da boa sociedade ou do melhor regime, quando a política era entendida como aquela ciência arquitectónica que incluía no seu seio a religião e o direito.

A partir da modernidade, desencadeada com a Renascença, começa um longo processo de decadência da filosofia política, provocada pelas sucessivas ondas da modernidade que tiveram o epicentro em Maquiavel, desde o movimento da razão de Estado, laicizante, católica e protestante, ao iluminismo e ao cientismo, para utilizarmos a terminologia de Leo Strauss.

Contudo, depois da Segunda Guerra Mundial, assistiu-se a um processo de renovação da filosofia política, com o regresso às linhas de força do platonismo e do aristotelismo, em que se destacaram autores como Eric Voegelin (1901-1985), Leo Strauss (1899-1973) e Hannah Arendt (1906-1975), principalmente a partir dos Estados Unidos da América, num processo que é acompanhado na Europa pelo movimento do regresso à filosofia prática e à hermenêutica, no qual se destacam os autores neo-escolásticos, todos erigindo como principal adversário as correntes positivistas e neopositivistas.

A Arendt cabe talvez a mais original retomada do conceito clássico de polis como um espaço público, uma praça pública, esse lugar integrador que não admite a oposição dualista Estado/Sociedade, regressando-se a uma perspectiva que também está próxima do conceito neotomista de sociedade política, procurando a harmonização do Estado-aparelho de Poder com o Estado-comunidade.

Nesta senda de crítica à modernidade, embora sem cedências a certas modernices da pós-modernidade, importa também referir Jan Patocka, o checo dinamizador da Carta 77 e inspirador do poder dos sem poder de Vaclav Havel, o principal representante do novo libertacionismo das revoltas anticomunistas do Leste. Tal como Thadeus Mazowiecki, na Polónia, um dos principais ideólogos do Solidariedade.

Numa posição paralela, Habermas refere a esfera pública (Öffentlichkeit), recordando que o núcleo primordial da polis era aquilo que era comum (koiné) aos cidadãos, salientando que a vida pública (bios politikos) tinha mais imperium do que dominium, e considerando que do político sempre fez parte o comunitário, dado que a esfera comunitária (gemeine) também era marcada pelo bem público (o public wealth ou a common wealth dos ingleses). Reconhece que, contudo, desde os finais do século XIX, a esfera pública se ampliou cada vez mais de forma quantitativa, ao mesmo tempo que, no plano qualitativo, a sua função possuía cada vez menos força. Assim se chegou a um Estado padecendo do mal da despolitização, onde mais Estado não significa melhor Estado.

Também a linha neotomista retoma as grandes perspectivas abertas pelo humanismo integral de Jacques Maritain (1882-1973) e pelo personalismo de Emmanuel Mounier (1905-1950), conciliando-se, muitas vezes, com a sociologia da esperança de certo existencialismo e com a própria hermenêutica, um pouco na linha de Martin Heidegger (1889-1976). Outros preferem as grandes abstracções pluridisciplinares, como Hans-Georg Gadamer, considerando que a verdade é superior ao método, enquanto Wilhelm Hennis, da Escola de Friburgo, procura a reabilitação da filosofia prática. Quase todos criticam acerbamente o facto do positivismo ter levado a ciência política a distanciar-se da tradição do saber clássico, e propõem uma retomada da consciência e o regresso à reflexão.

Uma outra faceta do regresso à filosofia política situa-se ao nível dos trabalhos de John Rawls e de Robert Nozick. O primeiro, em A Theory of Justice [1971], retoma as grandes reflexões dos contratualistas do liberalismo ético, principalmente de Kant e, num tempo de neoliberalismo exacerbado pelo comutativo, ensaia-se uma reperegrinação pela justiça distributiva e pela justiça social, para conforto teórico dos que procuravam manter-se fiéis a um terceirismo, crítico do capitalismo selvagem e dos colectivismos. O segundo, em Anarchy, State and Utopia [1974], continua a senda neoliberal, numa perspectiva da New Right norte-americana, dando novo impulso às contestações hayekianas ao intervencionismo estadual.

O choque das teses de Rawls no universo anglo-saxónico constituiu a machadada final nalguns preconceitos behavioristas e permitiu que, pelo menos no universo norte-americano, se desse uma recepção das posições neo-kantianas, a qual já fora concretizada, no plano das reflexões políticas europeias, pela teorização da Escola de Baden e da filosofia dos valores, pelo menos desde os anos trinta.

A nível das vulgatas teóricas, Rawls serviu também como forma de defesa dos adversários do neoliberalismo radical, dado que justificava uma posição do New Deal Liberalism à americana ou da social-democracia à maneira europeia. Alguns opinion makers de certa esquerda dissidente do comunismo adoptaram-no imediatamente, pelo menos, em termos nominalistas. Por exemplo, entre nós, Eduardo Prado Coelho, depois de um lento abandono das posições do estruturalismo marxista em meados da década de oitenta, e na véspera de se tornar adido cultural em Paris por nomeação do Governo de Cavaco Silva, chegou a declarar-se um rawlsiano-habermasiano, tentando assim casar a segunda geração do marxismo aberto da Escola Crítica de Frankfurt com essa forma de pretensa esquerda liberal.

Mas muito do que Rawls trouxe já fora adquirido noutras culturas, nomeadamente da Europa de tradições católicas e neotomistas, onde os conceitos de justiça social e de justiça distributiva nunca deixaram de mitigar o unilateralismo comutativista. Basta recordar que um pensador da estirpe de Cabral Moncada lançou no universo cultural português Gustav Radbruch, aliás, um destacado militante da social-democracia alemã que sempre coincidiu no subsolo filosófico com o mestre de Coimbra, de matriz integralista e um dos sustentáculos teóricos do próprio salazarismo.

Com efeito, os grandes temas de reflexão da actual filosofia política, conforme a inventariação de Norberto Bobbio - a procura da melhor forma de governo, a procura do fundamento do Estado e da justificação da obrigação política, a procura da essência do político ou da natureza das coisas políticas, e a análise da linguagem política -, não deixam de ser problemas tratados pela ciência política, principalmente na subdisciplina da teoria política.

Além disso, mesmo no campo da ciência política propriamente dita do universo norte-americano e britânico, a partir de fins dos anos sessenta, por ocasião da chamada revolução pós-behaviorista, a subdisciplina da teoria política deixou de se limitar à mera história das ideias políticas e tratou de enfrentar os chamados conceitos normativos, como os de liberdade, igualdade, justiça e direitos.

Disso são exemplo, os trabalhos de Dante Germino [1967] [6], George Kateb [1968][7], McDonnald [1969], MacFarlane [1970], Peter Ordeshook [1973], William Riker [1973], Richard Bernstein [1975], Brian Barry [1976 e 1989], Charles Beitz [1979], John Gunnel [1979], Norman Barry [1981], Albert Weale [1982], John Nelson [1983], John Dunn [1984 e 1985], Alan Cawson [1986], William Connoly [1988], H. Williams [1989], Tracy Strang [1990], David Held [1990 e 1991], S. White [1990], Robert Goodin [1988], Jean Cohen [1992], Andrew Arato [1992], George Klosko [1995], Gerald Gaus [1995], Terence Ball [1995], Rennger [1995] e James Wiser [1995].

Também no universo francês Claude Lefort, Pierre Birnbaum, Michel Maffesoli, Raphael Drai, Regis Debray, Blandine Barret-Kriegel, Luc Ferry, Alain Renaut, Simone Goyard-Fabre, Edgar Morin e Paul Valadier[8] confirmaram o regresso da preocupação teórica sobre o político, equilibrando o exagero de positivismo e de comportamentalismo.

Mesmo no âmbito da cultura lusíada, o pensamento brasileiro sobre a matéria deu passos significativos, com João Maurício Leão Adeodato [1978 e 1989][9], Vamireh Chacon [1979], Aloysio Ferraz Pereira [1980].

Entre as teorias da democracia, destaquem-se as de Dahl [1956], Downs [1957], Mayo [1960], Chambers e Salisbury [1962], Frankel [1962], Lacharrière [1963], Cnudde e Neubarer [1969], Kariel [1970], Thompson [1970], Pateman [1970], Keines e Ricci [1970], Purcell [1973], Holden [1974 e 1988], MacPherson [1975], Cohen e Rogers [1983], Sartori [1987], Magagna [1988], Thiebaut e González [1988], Garcia Cotarello [1990], Spragens [1990], Arthur [1992], Birch [1993], e Hyland [1995]. Abordam a problemática da democracia liberal Chapman e Pennock [1983], Dunleavy [1987], e Harrop [1992]. Sobre a democracia participativa, escrevem Cook e Morgan [1971], e McKinnon [1973]. Destaquem-se também os trabalhos de Lijphart sobre pluralismo e democracia [1968, 1977 e 1984], bem como Leibholz [1958, 1971, 1973 e 1974].

Mas dezenas de outros títulos merecem destaque. Dahl estuda a democracia pluralista [1967], a democracia processual [1979], os dilemas da democracia pluralista [1982], a democracia económica [1985], e os críticos da democracia [1989]. Sartori procura repensar a democracia [1991], fazendo uma prospectiva da mesma depois do fim do comunismo [1993]. Da mesma forma procede Brian Barry [1970 e 1989]. No tocante às origens da democracia, Finley [1973] compara a democracia antiga e moderna, Lefort trata da invenção da democracia [1981] e compara a democracia antiga e a liberal [1990]. Outros estudam o confronto entre a democracia e o autoritarismo, como Ferrando Badiá [1980 e 1987] e O’Donnel, que aborda o Estado democrático autoritário [1973]. Novak analisa o capitalismo democrático [1982]. Outros realçam as relações entre o cristianismo e a democracia, como Maritain [1943], Bradley, Grasso e Hunt [1995], os fundamentos morais da democracia [Halllowell, 1954] ou a relação entre a democracia e a constituição [Friedrich, 1950].

Enfrenta-se a questão da democracia na sua relação entre maiorias e minorias nas obras de Berger [1965], Lombardini, Bobbio e Offe [1981]; a tirania da maioria é teorizada por Guinier [1995]. Na relação entre democracia e economia, refiram-se Downs [1957], Tullock e Buchanan [1962], Van Den Doel [1979], Wagner e Buchanan [1977], e Hodgson [1984]. Sobre a democracia e o Estado-Providência, temos, nomeadamente, Gutman [1988]. Não faltam mesmo as teorias sobre a third wave of democracy [Huntington, 1993] e sobre a luta pela democracia [Greenberg e Page, 1995].

Tem especial desenvolvimento o tema da participação política: Milbrath [1965], Di Palma [1970], Pateman [1970], Cook e Morgan [1971], Dahl [1971], Capitant [1972], Chapman [1975], Scaff [1975], Kim, Verba e Nie [1978], Muller [1979], Powell [1982], Arterton [1984], Barber [1984], Ramirez [1985], e Denni [1986].

Mas há também os eternos pessimistas que tratam da crise da democracia [Watanuki, Crozier, Huntington, 1975], da chamada teledemocracia [Arterton, 1987], das relações entre a democracia e o corporatismo [Deetz, 1992], não faltando os que falam na democracia sem cidadãos [Entman, 1989], no fim da democracia [Guéhenno, 1993], na ditadura liberal [idem, 1994] ou no futuro da democracia num tempo de não-razão [O'Brien, 1995].

Elementos bibliográficos e desenvolvimentos no nosso “Metodologias da Ciência Política”, Lisboa, ISCSP, 2007. Destaque para o exercício da lição de agregação, pp. 551 ss.

Recordando Eric Voegelin Em 

Doze glosas voegelinianas, aqui e agora Em