Abr 27

O regime das companhias majestáticas, das empresas de regime e dos emplastros

A parangona define a maior hipocrisia do nosso tempo: a geração dos quinhentinhos, a dos meus filhos. Por mais qualificações que apresentem, por mais valores que assumam, o sistema prefere aplicar o modelo que Saint-Simon qualificou como de “exploração do homem pelo homem”. Cada um deles recebe trezentas vezes menos por mês que a pensão de um célebre bancário, ou vinte vezes menos que a uma das aposentações, acumuláveis, de certos ex-ministros no activo eléctrico. A injustiça envergonha. E vai dar revolta.

O chefe da situação disse hoje ter muita pena da situação a que chegámos. Por isso fui ler textos budistas sobre a compaixão e aqui deixo o essencial sobre o nosso estado vegetativo, sem ar livre e terra livre: “Digamos que alguém olha para uma planta que se encontra num vaso dentro da casa. Pelo olhar compassivo, em vez observar se gosta dela ou não, pergunta como é que ela se sente sem a luz do sol, a água da chuva e sem as suas plantas amigas e companheiras. Quando olhamos uma planta pensando se gostamos ou não, nossa mente opera obstruída pela sensação de gostar ou não gostar. Uma inteligência maior é olharmos para aquela planta perguntando do que ela necessita. E mais do que isso, nós podemos olhá-la e ver com os olhos do bom jardineiro quais as flores e frutos que essa planta tem escondidas dentro dela, e que ela mesma não sabe”.

Parece que podem acabar os falsos consensos do centrão mole e difuso.

Seguro deve estar a exagerar. O presidente que temos, por causa do último prefácio, vai, desta, ser devidamente informado. E, sem dúvida, informará o líder do principal partido da oposição.

Ex-secretário de Estado diz que não sabe como é que o presidente da EDP “teve conhecimento de um estudo” sobre rendas excessivas, poucas horas depois da sua entrega aos restantes membros do Governo. Nem eu. Só sei a hierarquia dos interesses instalados no situacionismo. O das companhias majestáticas, das empresas de regime e dos emplastros. É visível pelos resultados.

“O tratado não se pode voltar a negociar”, afirmou Merkel. “Não é a Alemanha que vai decidir pelo conjunto da Europa”, afirmou Hollande. “O PS não assina de cruz nenhum documento enviado para Bruxelas sem ser discutido no Parlamento”, afirmou Seguro. Infelizmente, já estamos cruzados. Até fomos os mais merkelianos da Europa. Como se demonstra pelo seguinte recado de empresário lusitano, na Feira de Hanover: ““A Alemanha exporta em grandes quantidades para a China e enquanto isso acontecer nós vamos continuar a ter trabalho em Portugal. Quando o panorama se alterar, aí muitos fecharão portas”. Estou fartos destes bons alunos.

Abr 26

Perdoo, mas não esqueço

Ontem, minhas memórias de servidor institucional dos aparelhos de poder, nomeadamente como adjunto político de dois governos presidenciais e de um governo provisório, nas fileiras daquilo que Eanes representava, ficaram avivadas de memórias e deram entusiasmo ao pensamento, sem qualquer coincidência no PRD ou no actual apoio ao cavaquismo. É por isso que aceito a análise do desencanto que fez Vasco Lourenço, mas sem ceder às terapêuticas que insinua. Antes desta ou daquela ideologia pode estar em causa a nossa casa comum, a democracia assente na vontade de sermos independentes. E se apodrece a raiz não há esquerdas nem direitas que tenham sentido.

O principal dos actuais donos de Portugal é uma entidade vaga e difusa, aquela a que Hannah Arendt chama o senhor ninguém, parente de todos os patifes que instrumentalizam o comunismo burocrático e que tanto servem as esquerdas como as direitas, sejam elas comandadas por democratas ou por salazarentos. Aliás, certos crimes de persiganga compensam, para os mandantes, os executantes e os torcionários. Como ainda sou institucional, não considero as moscas inimigas. Responsabilizo directamente os ministeriais que dão tais prémios à incompetência, ao despotismo e às garras aduncas do “ancien régime”. O que está em cima é como aquilo que eles escolheram como martelo inquisidor para os pretensos heréticos, mesmo que mudem o nome à besta. Perdoo, mas não esqueço.

Só agora espreitei este video. Podem não saber história, mas sabem muitas estórias. Já uma vez aqui escrevi que, se fosse déspota iluminado por vinte e quatro horas, obrigava todos os membros da classe política a uma leitura de três livros: Portugal Contemporâneo, de J. Pedro OLiveira Martins; Vale de Josafat, de Raul Brandão; e Conta-Corrente, de Vergílio Ferreira. Para que não continue a comédia, nem volte a tragédia.

Conselho de Ministros aprova taxa de isqueiros e estuda o regresso do papel selado, das portagens nas ruas menos esburacadas e do sobretaxa sobre janelas viradas para o sol. “Os planos de controlo são obrigatórios. O Estado tem que os desenvolver para garantir que o produto disponível para consumo está sempre em boas condições. Tudo isto é oneroso”. O consumidor agradece.

Aconselho os senhores deputados a procurar na rede o conceito de revolta das maçarocas. Porque consta que vários conjurados se preparam para a emissão de uma Carta do Emplastro contra Filipe IV.

Chegou-me agora a boa nova: por iniciativa dos donos dos nossos hipermercados, os cem homens mais ricos de Portugal, muitos deles membros da comissão de honra da candidatura do actual presidente, vão doar metade das respectivas fortunas para um fundo de solidariedade social. A cerimónia da doação terá lugar no próximo dia 1 de Maio, nas antigas instalações da Sopa do Sidónio.

«E, daqui mesmo, nós exortamos o nosso povo que, para comemorar esta vitória sobre a reacção o próximo domingo seja um dia de trabalho nacional, um domingo em que o povo vá para a oficina, vá para os campos, vá para a fábrica, trabalhar, como (manifestação de alegria por esta vitória que obtivemos sobre a reacção. Estamos convencidos de que o povo compreenderá e que poderá fazer do próximo domingo como jornada de vitória nacional, de vitória do 25 de Abril. E no trabalho demonstrar que está, de facto, interessado, verdadeiramente interessado, no progresso da Nação. Não pretendemos que o fruto desse trabalho seja entregue, nem ao Governo Provisório, nem ao Movimento das Forças Armadas: o produto desse trabalho será para quem trabalhar. Mas nós sabemos que esse produto irá juntar-se ao produto nacional.”

Qualquer observador desapaixonado pode chegar a uma conclusão óbvia: o novo modelo do gasparismo cristíco, apesar do papel de embrulho neoliberal, com que os opositores o alcunham, apenas padece de fanatismo antiliberal, na prática do extorsionismo fiscal. Para mim, há uma qualificação papal, de Pio XI, que se lhe aplica com toda a lindeza: não passa do mais do mesmo da estatolatria!

“Os inconvenientes da subida de preços que estavam a ser evitados ao consumidor, à custa de subsídios do Estado financiados pelas instituições de crédito, obrigaram a gastar no consumo aquilo que deveria ser investido na actividade económica reprodutiva, com evidente prejuízo para a Nação, a médio e a longo prazo. É necessário, portanto, aproximar os preços do valor real dos produtos. Trata-se de uma operação dolorosa, com reflexos no nível de vida da população, mas indispensável para se evitar um desequilíbrio financeiro demasiado grave. .. Para evitar um maior agravamento do custo daqueles produtos alimentares, os subsídios do Estado continuam, embora em menos volume, e há ainda que aumentar os preços dos combustíveis. (discurso da pesada herança, de 18 de Agosto de 1974)

“O País tem necessidade de conhecer a sua situação real.
Só assim poderá compreender os sacrifícios e a austeridade que se lhe pedem. O Governo Provisório tem o dever de tomar a tempo as medidas que se impõem para o saneamento económico, não fazendo política demagógica, e criando assim condições que facilitem o trabalho do Governo que, no próximo ano, há-de ser livremente escolhido pelo Povo Português.De imediato, estão a ser e vão ser tomadas medidas no sentido de sanear toda uma vida económico-social doente, ao mesmo tempo que se lançam iniciativas cujos reflexos se não farão sentir a curto prazo…Não se passa de um momento para o outro de país dos mais atrasados da Europa para o nível de uma França ou de uma Itália…É um processo que exige uma devoção e um patriotismo capazes de fazer aceitar a todos, mas a todos, os maiores sacrifícios, quer na austeridade em que teremos que nos habituar a viver, quer no trabalho, muito trabalho, a que temos que nos entregar, tudo isto num clima de verdadeira ordem democrática e de paz social, condições indispensáveis para a reconstrução nacional a operar.” (Não é Gaspar, é Vasco)

Má nova: Bill Gates já não vem abrilhantar a cerimónia da doação que os mais ricos de Portugal prometeram fazer no dia 1 de Maio, na Sopa do Sidónio. Descobriu-se que noventa e cinco deles mudaram de nacionalidade. Parte deles, já é neerlandês e grande fatia foi apanhada pela TVE a abandonar o consulado da Guiné-Bissau, com o papel da cidadania já concedido. São agora cidadãos do mundo!

 

 

 

Abr 26

A revolta é superior à revolução (DN)

Acompanhei o discurso do Presidente Cavaco. Não o senti por dentro. Foi mais um discurso para se consultar no sítio da presidência e posterior prefácio. Porque passou ao lado da justa revolta da comunidade e da urgente reivindicação do papel de Portugal na balança da Europa. E não quis atender ao sobressalto cívico, semeado pela ventania simbólica da Associação 25 de Abril, mais andorinha de primavera do que sombra ameaçando tempestade. Porque, um ano antes, o mesmo Presidente, de legitimidade refrescada, foi inclusivo, mobilizando a boa companhia dos antigos presidentes do regime, eleitos por sufrágio universal, todos com discursos consensuais, não apenas da aritmética partidocrática, mas também da geometria social. No nosso modelo constitucional, o Presidente não tem poderes, mas precisa de uma reforçada “autoridade”. E só a tem se for consentido como “autor”, isto é, integrando a não resignação dos pais fundadores desta democracia, para evitar os instintos do poder na rua, ou o desespero do contrapoder. É mais prudente a esperança dos desesperados, porque a revolta é superior à revolução.

Abr 26

Diário Económico

José Adelino Maltez diz que a mensagem de presidente “ficou muito aquém do discurso do ano passado”e acabou por “quebrar de forma passiva a visão pluralista do regime pós-25 de Abril”. Além disso, “houve um assobiar para o lado quando não houve nenhuma referência ao contexto europeu”, reforça. Adelino Maltez lembra que “os portugueses também têm um papel na Europa”.

Abr 25

Por uma democracia em que desapareçam não só os despotismos centrais mas também os despotismos privados

Investigação coordenada pelo DCIAP ‘descobriu’ mais 2 mil milhões de euros ligados a negócios da construção civil (DN, hoje, sobre o paradigma da governação laranja na Pérola).

O meu contributo para a comemoração do 25 de Abril: a defesa do pacto de constituição, pela regeneração do pacto de união ou pacto de comunidade. Só depois vem o pacto de governo, ou pacto de sujeição. Há muitos que pensam que se pode viver ao contrário, com o governo a revogar clandestinamente a constituição e a inventar a pátria por decreto. Registo da minha intervenção na Reitoria da Universidade do Porto.

O drama do nosso tempo são esses papagaios de certo discurso dominante para os quais a liberdade e os homens livres merecem o respeito da história, pelo que fizeram, mas agora já não fazem sentido, porque a história agora são eles e os que que querem passado presente com saudade de futuro devem ser denunciados e marcados com o triângulo invertido.

Ouvi o discurso Cavaco. Foi mais um discurso Cavaco. Para se guardar no sítio. Com posterior prefácio. De facto, não valia a pena lá ir.

Quem cantou?
Ó vós, que sois secretários
das consciências reais,
que entre os homens estais
por senhores ordinários;
porque não pondes um freio
ao roubar que vai sem meio,
debaixo de bom governo?

E mais:
Ó vós, que sois secretários
das conciências reais,
que entre os homens estais
por senhores ordinários;
porque não pondes um freio
ao roubar que vai sem meio,
debaixo de bom governo?
Pois um pedaço d’inferno
por pouco dinheiro alheio
se vende a Mouro e a Judeu

Porque a mente, afeiçoada
sempre à real dignidade,
vos faz julgar por bondade
a malícia desculpada.
Move a presença real
üa afeição natural,
que logo inclina ao juiz
a seu favor; e não diz
um rifão muito geral
que “O abade donde canta,
[daí janta”?

Nada dá quem nam dá honra, no que dá.
Nada tem, que agradecer, quem, no que recebe, a nam recebe, porque bem comprado vai, o que com ella se compra.
Nada se dá de graça, o que se pede muito.
Está certo, quem quem nam tem hua vida, tem muitas.
Onde a razão se governa pela vontade, há muito que praguejar, & pouco que louvar.
Nenhua cousa homezia os homes tanto consigo, como males, de que senão guardarão, podendo.
Nem ha alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este Purgatorio, a que chamais honra, donde muitas vezes os homes cuidão, que a ganhão, ahi a perdem.
Onde ha inveja, nam ha amizade, nem a póde haver em desigual conversação.
Bem mereceo o engano, quem crê mais o que lhe dizem, que o que vê.
Agora, ou se há de viver no mundo sem verdade, ou com verdade sem mundo…

Quem disse: “Um governo autoritário, que vive à custa do silêncio dos adversários e nega os direitos do cidadão, pelo que pode impor-se num país de escravos, nunca a um povo que teve de lutar com extremos de bravura para fundar a sua independência e expandir-se no mundo. Nada de um português do velho cerne pode perdoar do que reduzirem-nos à condição de menor. “?

Quem disse: “as ditaduras, por muito que durem, são um regime sem futuro”?

quem disse: “Por uma democracia em que desapareçam não só os despotismos centrais mas também os despotismos privados, aquela em que a liberdade abstracta se transforme em liberdades concretas, em que a igualdade tenha uma base e um sentido económico, em que a fraternidade não morra como uma ave ferida, nos silveirais das fronteiras”?

Em finais de 1807 um frota inglesa comandada pelo Almirante Samuel Hood ocupou a ilha da Madeira. A ilha foi declarada colónia britânica e os funcionários portugueses obrigados a juramento de fidelidade ao monarca de Londres. Beresford foi o Governador nomeado para dirigir a Madeira. É por isso que digo Malvinas em vez de Falkland. Para homenagear Gomes Freire e não chamar populista a Cristina Krichner.

Este General António Ramalho Eanes é mesmo o meu general. Tenho orgulho de fazer parte de uma geração que o elegeu e o serviu.

Abr 24

Miguel Portas

O MIguel Portas, hoje falecido, era um lutador que nos deu alma. Confrontei-o em vários debates públicos, com grande honra. Apenas uma pequena história: um dia, num dos intervalos, uns jovens do Bloco, comigo, ao lado, vieram aconselhar-se com ele, sobre uma dessas lutas estudantis, nos jogos habituais de poder pelo poder. Ele apenas lhes disse: “não! temos de ter moral, temos de ter moral!”. E eles cumpriram! Obrigado, Miguel!

Abr 24

Memórias na véspera

Ontem regressou Pires Veloso, tal como voltou Sousa e Castro e um comunicado da associação mais representativa dos militares de Abril provocou a suspensão da própria sessão parlamentar. Isto é, as comemorações produziram uma espécie de terramoto simbólico que acabou por fazer com que os pais-fundadores do regime se recentrassem, escapando a algumas margens que os instrumentalizavam. Bom sinal. A autoridade dos fundadores ainda continua a ser mais importante que o poder. Sobretudo, quando o poder parece ceder aos poderes dos velhíssimos príncipes.

A grande virtude do nosso processo é a circunstância de ter como amigos próximos alguns do que eu teria combatido numa guerra civil. Hoje olhamos todos na mesma direcção. E rimo-nos com a bela aprendizagem do confronto de adversários que não se tornaram inimigos.

Quem disse, no Outono de 1988, o seguinte: “o plano operacional do golpe do 25 de Abril de 1974 foi mal feito: por acaso tudo correu bem e as coisas passam-se de uma maneira muito cómica. Porque se a PIDE tivesse actuado bem, hoje não tínhamos o 25 de Abril”?

Quem disse o seguinte: “o povo português é bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto, mas excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção e de tempos a tempos assiste-se ao fenómeno de nascimento de certas ondas de pessimismo, dessa ânsia de deitar tudo a perder, não se sabe bem porquê, porque sim, desejo infantil de variar, de mudar, de quebrar o boneco para ver o que tem dentro. “?

Quem disse: “No primeiro dia do ano de 1974, tudo se passou como em iguais dias dos anos imediatamente anteriores”?

Quem disse: “a reacção não é senão um parasita da revolução”?

Quem disse: “Sirvo melhor o meu País, afastando-me do cargo do que permanecendo nele, face ao predomínio das paixões políticas e das ambições pessoais: estou a lembrar-me a propósito da presente situação, de uma frase de Aristóteles: o homem aperfeiçoado pela sociedade é o melhor dos animais mas é o mais terrível quando vive sem justiça nem leis”?

Quem disse: “Prosseguem as retaliações, os saneamentos selvagens, os plenários de estudantes e trabalhadores enfurecidos, o assalto e a pilhagem de casas, ocupações laborais de empresas, a agressão ideológica maciça e tutti quanti patenteia a mobilização das massas para uma agressividade revolucionária que visa abafar o teor reformista do programa do MFA”?

Quem disse: “Em três meses, a poeira da excitação vai-se acamando. E com ela, a inevitável surpresa dos que vivem em “ideias”, em teorias desencarnadas que vêm nos livros… Todo o entusiasmo dos primeiros dias – do primeiro mês, nos começa a parecer infantil. Mas ele foi talvez necessário, inevitável. Não se é adulto sem ser criança. Mas o mais impressionante é verificar-se a impraticabilidade de ideias armazenadas durante o fascismo. Eterno conflito da imaginação com a realidade”?

Quem disse: “… Ainda menos compatível com a plena liberdade política é a democracia socialista, uma vez que não pode consentir nem em movimentos antidemocráticos, como a democracia formal, nem em movimentos anti-socialistas que ponham em risco a construção do socialismo”?

Quem disse: “qualquer força se legitima sobretudo pela sua correspondência efectiva às necessidades populares que não somente a vontades populares que a controlam apenas no momento da eleição”?

Quem disse: “só há duas posições, ou estamos na revolução ou estamos contra a revolução… Não há meio caminho”?

No dia 26 de Novembro de 1975, Comandos da Amadora controlam Regimento da Polícia Militar na Ajuda e triunfa o contra-golpe dos moderados. Melo Antunes declara que o PCP é necessário à democracia. No dia 6 de Dezembro, Ramalho Eanes toma posse como Chefe de Estado-Maior do Exército. Diz querer fazer dele “uma força apartidária e uma instituição nacionalmente prestigiada, intimamente ligada ao povo que deve servir”. Cumpriram o que prometeram.

“A civilização não se mede pelo número de faladores balofos, pela extensão de programas vagos, e pela multiplicidade dos artigos de uma constituição; avalia-se pelas academias e escolas, pelos estabelecimentos de crédito e associações industriais, pelos caminhos de ferro, estradas e canais, pelo bom estado da fazenda pública, pela administração regular do Estado” (Herculano)

“……quando da justa liberdade, que é um meio, se sobe para o despotismo, que é um dos seus pólos, ou para a anarquia, que é o seu outro pólo oposto…evidentemente se tocam os extremos políticos: a suma liberdade é a suma escravidão, como a suma escravidão é a suma liberdade” (Herculano)

 

Abr 22

Sarkozy ou Hollande

Sarkozy ou Hollande. Serão dois irmãos siameses (Marine Le Pen), ou qualquer deles daria um bom-primeiro ministro do outro? Sarkozy diz que já não há risco de implosão do euro, embora reconheça que a Europa está em convalescença, enquanto Hollande ficou pelo “socialismo habitual” (Bayrou) e as margens do centrismo e do esquerdismo vão bailando, talvez para se transformarem nas novas regiões autónomas do eventual “hollandisme” que diz querer dar “crescimento” à mera “austeridade” da regra de ouro…Por outras palavras, andam todos em Passos Seguros, embora possa desencadear-se um contraciclo europeu…

Um país como o nosso, onde falta extrema-direita, gaullismo de contrapoder, ecologismo e adequado centrismo, tem de admirar a França, a inventora da esquerda e da direita, com os seus clubes de ideias, assentes numa variedade regional e autárquica que é incomparável com o deserto em que nos tornámos. De semelhante, apenas temos, na UMP de Sarkozy, uma réplica da nossa caricatural coligação PSD/CDS; em Mélenchon, um aliado de Louçã; e no PS, um socialismo sem Soares. Por outras palavras, continuamos em atraso.

Algumas propostas eleitorais em França. Qual dos candidatos proclamou o seguinte) (1) A França deve ceder a um representante europeu o respectivo lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. (2) Novos acordos de Bretton Woods contra o neomalthusianismo (3) Criação de dois dias de feriado para judeus e muçulmanos. (4) O Facebook é um campo de concentração sem lágrimas (5) Criação de uns Estados UNidos Socialistas da Europa (6) Eleição do presidente do Conselho Europeu por sufrágio universal directo (7) Passagem do euro único a euros nacionais (8) Dar aos Estados europeus liberdade de acção. (9) Renegociação do tratado europeu de 9 de Dezembro de 2011 (10) Criação de eurobonds (11) Criação de um “Buy european act” e de um banco europeu de investimentos.

A França vai votando. A Itália e a Grécia hão-de votar. Tal como a Alemanha. Infelizmente, somos protectorado, até nas votações. E continuaremos a ter mudanças importadas. Dos eleitorados dos outros. Se a Europa não mudar por dentro, faltam-nos suficientes forças espirituais e materiais para mudarmos domesticamente. E é pena. Porque eu faço parte dos que gostavam de praticar a vontade de sermos independentes. Mesmo na gestão de dependências e na navegação através da interdependência.

Rodrigo Sousa e Castro fala no 25 de Abril como um lugar de desejo, por mais liberdade, mais igualdade e mais fraternidade e reconhece que um golpe de Estado é tecnicamente impossível, mesmo com a mentira permanente deste ciclo de jotas e jotinhas. Em vez da transparência, do valor da palavra e da dignidade, o nepotismo e o pornográfico dos privilégios. Porque, mais uma vez acreditámos e mais uma vez fomos enganados. Subscrevo.

O rotativismo da Eurolândia lá vai a votos, entre um “action man” que põe todas as ideologias na gaveta, por causa da hiper-amnésia, e um socialista de gabinete de planeamento, uma verdadeira estrela no tratamento dos dossiês, que, sem ser por acaso, constitui um galicismo. Infelizmente, a Europa está entalada entre uma espécie de socratismo de direita e um género de esquerda sob o comando de um Carlos Moedas mais crescido, enfrentando uma Joana d’Arc feita madama de água oxigenada e um Jerónimo de Sousa com retórica de Louçã.

Eleições presidenciais em França, ou de como até ao lavar dos cestos ainda é vindima…

Os franceses conseguiram saltar o eixo. Nada será como dantes, mesmo que Sarkozy passe pelo buraco da agulha e volte de camelo para o Eliseu.

Bernard-Henri Lévy já tinha dado o tom. À questão : « A-t-il la trempe d’un chef de guerre comme Sarkozy ? » (sobre Hollande), BHL respondeu : « Probablement pas. Et c’est d’ailleurs bien ce qu’il dit quand il nous annonce, lui-même, qu’il sera un président « normal ». Et après ? Qu’à la suite d’un président dont je montre qu’il a « le sens de l’histoire tragique » arrive un président plus apaisant, pourquoi pas? »

Luc Ferry já tinha comentado o confronto entre Hollande (“um social-democrata tranquilo”) e Sarkozy (“um pragmático que desconfia das doutrinas”)

 

 

Abr 21

A cidadania impõe uma felicidade pública e não apenas o bem-estar privado

A cidadania impõe uma felicidade pública e não apenas o bem-estar privado, que a própria tirania pode permitir. Como salienta a mesma Arendt há o perigo de confundir felicidade pública e bem-estar privado, dado que aquela consiste no direito de acesso do cidadão ao domínio público, da sua participação no poder público e os homens sabem que não podem ser totalmente felizes se a sua felicidade estiver situada e for apenas usufruída na vida privada. Além disso, a cidadania não se confunde apenas com a protecção dos indivíduos contra os abusos do poder. A liberdade política implica a felicidade política

Também para Kant a cidadania é o mesmo que autonomia. Uma terceira via que permite conciliar a ordem com a liberdade e só possível através do direito. É a submissão à autoridade que cada um dá a si mesmo. Assim, é possível rejeitar a liberdade sem ordem, a anarquia, bem como a ordem sem liberdade, o despotismo. Aqui é treta, onde ministros, superministros e primeiro-ministro falam por dá cá aquela palha. Sem encontrarem a agulha no palheiro. Apenas estou tristemente revoltado. Pela falta de exigência.

A cidadania, enquanto participação nos assuntos públicos, impõe necessariamente um espaço público, um espaço onde a liberdade aparece e se torna visível a todos, não havendo instauração da liberdade sem que um corpo político garanta o espaço onde a liberdade pode surgir, onde a liberdade pode existir em público, transformando-se numa realidade mundana, tangível, qualquer coisa criada pelos homens para ser gozada pelos homens.Porque sem esta cidadania do agir em público, na praça pública, o domínio público transforma-se numa obscuridade, em algo de invisível, no segredo de Estado. Desculpem o arendtianismo.

Grande parte da incompetência reinante resulta de um deficiência estrutural de base de certa classe política, onde o primado do agir segregou a harmonia com o pensamento entusiasta. Isto é, há uma deficiência de teoria democrática que transformou a arte política num exercício técnico, à boa maneira do maquiavelismo de algibeira, onde dizem que tem razão quem vence e todos nunca serão demais para o servilismo, desde que sejam de antes torcer que quebrar.

Foram os pretensos irmãos-inimigos da ampla coligação situacionista, assente no poder banco-burocrático e no pato bravo, com ramificações no interior da partidocracia dominante, que nos incendiaram de endividamento.

Sempre que me submeto ao chamado dever cívico de preencher os papéis, mesmo electrónicos, da impostagem, sinto a antiquíssima revolta de rurícolas origens. Sou um simples indivíduo, feito solidão de número fiscal, diante da máquina violentista desse aparelho abstracto que se chama Estado e vai usurpando a República. Sinto saudades da vizinhança, a falta de concelho e o vazio de solidariedades institucionais, como as dos sindicatos, dos partidos e da própria universidade. E confirmo que a revolta pode ser mais enérgica que a revolução. É preciso evitar a Maria da Fonte, saltando já para uma Patuleia que não seja controlada pela Convenção do Gramido.

Mesmo quando ganha a minha equipa, não comento jogos de futebol nem jogos de poder. No fim dos jogos de soma zero, perdemos todos. Prefiro jogos de soma variável, onde, pela mobilização competitiva, crescendo por dentro, todos podemos ganhar. Estes dependem da justiça, de tratar desigualmente o que é desigual, para que procuremos a perfeição da igualdade.

 

Abr 21

Jornal de Negócios

A comunicação chamava-se Relvas e perdeu o estado de graça…

A falta de qualidade de ministros, subministros, líderes partidários da maioria e da oposição confirma que entrámos em regime de garnizés, gambozinos e emplastros. Basta comparar a presente incompetência generalizada com o último governo da monarquia constitucional ou o derradeiro da Primeira República. Estes eram infinitamente superiores em sentido de serviço público, honra e inteligência.