Sérgio chamava a esta coisa moluscular, cuja cobardia permitia o salazarismo, reino cadaveroso. Não vale a pena replicar, dizendo república cadaverosa. Já não somos reino nem república, mas estadão prenhe em venerandos, exigindo respeitinho. Mas continuamos o cadaveroso, do adiadamente, sempre enjoado, com medo de ficar à solta e com grandeza. Só com homens revoltados poderemos refundar-nos. Não com ministerialismo sentenciador, de ministros e ex-ministros, fingindo que são alternativa.
Os governantes que temos, isto é, que vamos tendo e tivemos recentemente, todos ele têm medo. Não do povo, que importa construir, mas da liberdade de cada um dos indivíduos. A única realidade que nos separa dos aparelhos que nos tramam em solidão, para esmagarem na nossa intimidade e a nossa criatividade. As que passam pela libertação face ao estado de necessidade com que nos continuam a escravizar. Enquanto nos enredarem nesta manipulação discursiva, continuaremos a ser mandados. Libertação, precisa-se! Para crescermos por dentro!
Glosando Pessoa, podemos dizer que o prestígio de actuais ministros também “nasceu vagamente da sugestão do seu prestígio universitário e particular, mas firmou-se junto do público, logo desde as suas primeiras frases como ministro, e as suas primeiras acções como administrador, por um fenómeno psíquico simples de compreender. Todo prestígio consiste na posse, pelo prestigiado, de qualidades que o prestigiador não tem e se sente incapaz de ter”.
Não é de estranhar que discursem sobre a meritocracia os seus exactos contrários, da mesma forma como não falta ocupação de tempos de antena de luta contra a corrupção por parte de quem, pelo menos, deveria envergonhar-se de falar no tópico. Politologicamente falando, a usurpação ainda resulta. Aqui e agora.
Os controladores do tráfego político, do “agenda setting” e da gestão da empregomania e da subsidiocracia ainda não perceberam que o respectivo GPS avariou, por mais palmas que recebam dos auditórios e por mais palmadinhas nas costas com que sejam mimoseados nos corredores da cunha. Um quarto de hora antes de morrerem ainda parecem vivos. E ainda despacham.
Nada mais clarificador do que ver juntinhos, numa só fotografia, um situacionista de agora, um situacionista de ontem e um situacionista de anteontem. São todos o mesmo. Está no registo do sindicato das nomeações mútuas.
Sou mais libertário, do anarquismo místico, que do embrulho populista com que se costuma disfarçar o jacobino, ou o seu irmão-inimigo reaccionário. Desculpem a revolta, mas os meus queridos Camus e Arendt, que pensaram o essencial no ano em que nasci, ainda me continuam a referenciar neste caminho.
Porque hoje é o dia mundial da poesia, ontem foi o mais do mesmo e amanhã, greve geral. Vi este programa e li este artigo.