Jun 19

Discurso faccioso e tribal, proferido ontem, por mim próprio, sem heterónimo,em Viseu

Estive em Viseu, no sábado e no domingo, no Congresso da Causa Real. Confirmei as minhas crenças políticas na metapolítica do poder real e das Cortes, desde menino e moço, como aqui e em todo o lugar tenho proclamado e como aqui e em todo o lado sou conhecido. Ah! No Congresso prestei homenagem a Saramago e fui aplaudido por isso. Aqui vão notas que serviram de base à intervenção…

Claro que, como tradicionalista, sou contra os reaccionários e, como conservador, sou contra os revolucionários e os contra-revolucionários, seus irmãos-inimgos, os que querem uma revolução ao contrário, mesmo que seja o que dizem ser, ou ter sido, uma revolução nacional…

De mal com certa esquerda por ser monárquico e de mal com certa direita por ser liberal, sou, como sempre fui, por amor de el-rei e da pátria, disposto a restaurar a república, para, em cortes, poder reeleger um rei…

De mal com o situacionismo, por ser do contra, também sou contra as oposições que se iludem com a febre das revoluções, porque sou mesmo contra as revoluções que não sejam revoluções evitadas…

Aliás, sou tão tradicionalista que certos membros da ortodoxia ultramontana, a ala dos ditos catolaicos, me diabolizam como herético, panteísta e relativista.

Confesso ser um homem religioso (Régio dixit) e que não faço parte dos ateus estúpidos e das cliques libertinas (ainda sigo Anderson). Isto é, continuo tão tradicionalista que reinvindica uma tradição mais antiga do que a do ano um…a que não tem o privilégio de uma religião revelada pelos povos ditos do Livro.

Liberal à antiga, assumo o vintismo e o cartismo, desembarcaria no Mindelo, defenderia o setembrismo e entraria na patuleia como histórico, embora prefira o Pacto da Granja com os reformistas…

Continuo disposto a militar no partido do Passos, de Sá da Bandeira, de José Estêvão, de Anselmo e Luís Magalhães. Por outras palavras, mantenho orgulhosamente a fidelidade azul e branca, dos liberdadeiros e da liberdade que, sem ser por acaso, também foi a bandeira da Europa e do projecto de Quinto Império do Padre Vieira…

Menino e moço, me assumi como tal, seguindo o exemplo cívico de um Henrique Barrilaro Ruas, de um Rolão Preto, de um João Camossa, que me ensinaram a detestar o despotismo ministerialista da salazarquia. E com tais exemplos, continuámos contra outros despotismos, mesmo os iluminados pela desculpa da ideologia, sempre em nome de pretensos amanhãs que cantam.

Aliás, salazarquia sempre foi aquilo que um dia disse Almada: “foi substituído Portugal pelo nacionalismo que apenas foi uma maneira de acabar com os partidos…”

E com tipos como o Luís Almeida Braga fui bebendo aquela profunda tradição regeneradora que nos deu o consensualismo anti-absolutista, coisa que em inglês se diz pluralismo e guildismo e que é o cimento fundamental das revoluções evitadas daquela revolução atlântica que nos deu o presente demoliberalismo…

E comungando no estoicismo de Herculano, era capaz de voltar a subscrever o Manifesto de Dezembro de 1820, da autoria de D. Francisco, o futuro Cardeal Saraiva, seguidor de Cádiz e Martínez Marina, dessa bela aliança peninsular contra o usurpador, como praticámos na Restauração de 1808…

Procuro retomar as teses expressas no Código de Direito Público de António Ribeiro dos Santos, seguido por Palmela, por Silvestre Pinheiro Ferreira e pelas tentativas constitucionais históricas e cartistas do governo de D. João VI…

Assumo a herança de Francisco Velasco Gouveia e de João Pinto Ribeiro e detesto as tentativas absolutistas de Pascoal e de Penalva. Prefiro as chamadas Alegações de Direito de 1579, em favor Dona Catarina e, naturalmente, prefiro a síntese das Actas das Cortes de Lamego, positivadas pelas Cortes de 1641

Porque na base está a Constituição política das Cortes de Coimbra de 1385, expressas por João das Regras e desenvolvidas pelas teorias da Casa de Aviz, principalmente na Virtuosa Benfeitoria do Infante Dom Pedro, duque de Coimbra

Claro que me entusiasmam os exemplos cívicos de Sá da Bandeira contra os devoristas e os esclavagistas, ou Herculano, pela regeneração e pela descentralização, contra os cabrais. E iria para a Patuleia não deixando morrer em vão Luís da Silva Mousinho de Albuquerque…

Tal como resistiria por D. Manuel II, como Paiva Couceiro, o mesmo que foi um dos primeiros desterrados por Salazar, por denunciar a estúpida política do Acto Colonial, no que se irmanou com Norton de Matos…

Até estaria com Rolão Preto, Almeida Braga e Vieira de Almeida ao lado de Delgado, como estive com Barrilaro, Gonçalo, Camossa e Rolão Preto, em defesa da democracia de Abril…

Mas não esqueceria a armilar mesmo depois da descolonização, como tem feito o duque de Bragança, até por Timor, na senda das perspectivas de um Luís Filipe Reis Tomás…

A fé na bandeira azul e branca, sem recusa da que é hoje o símbolo nacional e daquela armilar que esteve na base simbólica do Reino Unido de 1816, nessa herança de D. João II, da esfera, da espera, da esperança, para que o abraço armilar possa semear futuro…

Daí não poder ser anti-republicano, porque sou, além de republicano, monárquico, querendo como o título de um livro dos finais do século XV, de Diogo Lopes Rebeleo: “De Republica Gubernanda per Regem”…

Importa restaurar a república para que se refaça a comunidade política, esse concelho em ponto grande, como disse o Infante Dom Pedro, onde o príncipe deve aliar-se à comunidade da sua terra, para que a política possa regenerar-se em coisa pública, com bem comum e saudades de futuro…

O caminho da restauração da república pode reforçar-se com a eleição do rei por consenso nacional, nomeadamente como bandeira contra a desertificação do país das realidades contra o país nominal (Herculano dixit), até para podermos voltar ao mar-oceano com os pés na terra, contra o centralismo capitaleiro de Pombal, Fontes, Afonso Costa, Salazar, Soares e Cavaco Silva…

Nov 25

Sobre a forma republicana de governo

Intervenção no colóquio sobre a revisão constitucional e a monarquia em 25 de Novembro de 1989

Embora tenha de agradecer aos organizadores o convite que me foi feito, queria dizer que não me sinto titulado para debates da área puramente constitucionalista. Apesar da minha remota formação de jurista, do meu gosto pelo direito constitucional e da minha vocação politológica, julgo que iria além da minha chinela se entrasse em dialécticas típicas da hermenêutica constitucionalista. Além disso, até nem tenho fé absolutamente nenhuma naquele tipo de constitucionalismo que olha o Texto à maneira dos Pontifices romanos e que certas ilusões do nosso tempo têm transformado numa espécie de religião civil.
Mas se não posso interpretar, como constitucionalista, a cláusula pétrea vigente em Portugal, não quero deixar de a tentar ler de forma político-cultural.
Interpretando tal parcela de texto que vincula os portugueses à forma republicana de governo, talvez seja capaz de dizer, com todo o cuidado literal e doutrinário, que foi alguém de formação monárquica que inspirou esse agregado de palavras. Com efeito, julgo não poder haver nenhum doutrinador monárquico, dos clássicos aos contemporâneos, incluindo os próprios integralistas, que não defenda a monarquia como forma republicana de governo.
Em abono desta afirmação, poderia, aliás, começar por invocar Francisco Suarez e depois passar aos clássicos do tradicionalismo contra-revolucionário e anti-absolutista, dado que todos eles assentaram as suas crenças consensualistas no pacto de associação e na consequente origem popular do poder.
Diria até que, para ser profundamente constitucionalista, teria de começar por reverenciar a matriz de todos os constitucionalismos modernos, que é o muito res publicano constitucionalismo da monarquia britânica, um constitucionalismo que nunca precisou do conceito de Estado nem do conceito de Constituição para ser a matriz de todos os Estados de Direito Democráticos da nossa contemporaneidade.
E mesmo na nossa história portuguesa, talvez convenha dizer que antes das constituições liberais escritas, nós já tínhamos sido, antes da recepção do iluminismo absolutista, com o seu despotismo ministerial, um Estado Constitucional e, desse modelo de Constituição Histórica, ainda hoje poderíamos extrair muitas lições de consensualismo para alguns desvios absolutizantes do nosso tempo.
Até tivemos uma monarquia e uma constituição, as nossas tão esquecidas leis fundamentais, antes de se terem elaborado os conceitos de Estado Moderno e de soberania, nos séculos XV e XVI. Isto é, a organização política dos portugueses tinha não só uma espécie de Estado pré-estadualista como também um género de constituição pré-constitucionalista.
A este respeito, direi apenas que o problema da Constituição é um problema eterno do homem, o problema da luta pelo controlo do poder através de uma ideia, de uma ideia de moral ou de uma ideia de direito, contra a pura força.
E como acontece sempre, cada situação histórica tem a sua constituição e o consequente registo do equilíbrio que se conseguiu estabelecer entre a força e a ideia, entre o poder e a liberdade. Ora, porque cada constituição é sempre uma obra humana eis que tem necessariamente de ser uma obra imperfeita.
Porque o problema de qualquer Constituição é sempre o problema de institucionalização do poder. É sempre o problema de construirmos o Estado à imagem e semelhança de algo que não foi construído: o Homem.
Na verdade, muitos parecem esquecer que o Homem, além de razão e vontade, é também imaginação, é também um animal simbólico e, consequentemente, a nossa Cidade e a nossa Constituição não podem excluir esta realidade, a verdadeira e necessária terceira dimensão: o Homem como animal simbólico, onde o elemento imaginação constitui uma vertente estrutural da existência.
Daí que não possamos ter apenas um Estado racional e construtivista. Temos que ter um Estado e uma Constituição que assumam a dimensão mítica da polis, que institucionalizem, não apenas a autoridade racional, mas também a autoridade tradicional, aliás as únicas formas de seguro contra o desespero da autoridade carismática, para utilizarmos as categorias weberianas. Isto é, temos de ter uma organização das coisas políticas que não seja apenas sociedade, mesmo que nascida de um contrato de constituintes ou de um referendo, mas também comunidade.
Temos que ultrapassar o simples problema de uma sociedade de legalidade e que assunir os génios invisíveis da cidade, a chamada legitimidade. Temos que dar alma àquelas constituições escritas que continuam marcadas por velhas e caducas ilusões de historicismo e de construtivismo positivistas, temos que lhes dar a força daquelas clássicas concepções do homem que são as forças dos consensualismos gradualistas, dos realismos, dos evolucionismos, das velhas leis fundamentais.
Temos todos que fazer uma hermenêutica adequada para o nosso tempo, que fazer um esforço de construção da lei à imagem e semelhança da cidade. E para tanto, temos de ter a humildade de ler os velhos clássicos, de ler a melhor constituição que nós tivemos, aquela constituição que não saiu, como dizia o velho Professor Cabral de Moncada, da cabeça de Minerva, num determinado momento histórico, com a ilusão de querer controlar todo o futuro.
Temos de regressar ao espírito daquelas constituições que nascem dos plebiscitos quotidianos, dos seculares consensos, dos contratos permanentes entre as sociedades e essas coisas que são puros instrumentos dessas mesmas sociedades que são os Governos.