Jan 02

A nova balança de poderes

A NOVA BALANÇA DE PODERES

 

Por José Adelino Maltez

Depois de um atribulado “annus electoralis”, onde a palavra da política quase se prostituiu pelo abuso de ideologismos, manhas e engodos, a comunicação presidencial, sem prometer um ano porreiro de uma ilha sem lugar, parece anunciar um roteiro de autenticidade, para menos “desemprego”, “pobreza” e “exclusão social”, que deixe de nos iludir com revisões de regime, em sentido mais presidencialista ou de governo de assembleia. Em nome de mais “verdade” e mais “país real”, sem “querelas artificiais”, ficou um “alerta” para um maior “concertação” parlamentar, para que o exemplo “venha de cima” e com o regresso aos valores da “família”  e da “ética republicana”,  mas com o “empenho dos magistrados”, para que se evite uma solução “dramática”. Os sinais destas palavras, apelando, de imediato, para um novo contrato social, a partir da decisão orçamental, não parecem ser pólvora seca nem música celestial, mas antes o princípio de um novo conceito de separação e interdependência da presente balança de poderes. Para que o sistema partidocrático não seja o coveiro do regime. Pode vir a chamar-se esperança dos que estão desencantados e revoltados, mas que não querem renunciar pelo medo.

Abr 18

No princípio pode voltar a estar o verbo

Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento.

Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa.

Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

Mar 08

Três anos de Cavaco como presidente

O grande livro de Aníbal Cavaco Silva, “Política Orçamental e Estabilização Económica”, de 1976, é um excelente revelador do planeamentismo e da previsibilidade do homem político que preside à república dos portugueses. Por outras palavras, se, no primeiro ciclo presidencial do cavaquismo, se viveu um estado de graça na coabitação com a governação socrática, bem expresso pelo Tratado do Mar da Palha, também os avisos à navegação e os vetos belenenses começaram a lançar sombras de uma eventual punição dos eleitoralismos da governança. E todos reconhecem a autocontenção do primeiro presidente da república que é professor de economia, sem atingir a violência simbólica dos discursos do seu mandatário Medina Carreira, fica nos subentendidos da desavença ideológica entre dois keyanesianos.

Porque a alteração anormal das circunstâncias da presente crise global, pode levar o presidente social-democrata a não identificar-se com a ideia socrática de esquerda, quase reduzida ao mero intervencionismo do aparelho de poder do velho e proteccionismo dos pequeninos, em inevitável contraciclo com os parceiros europeus e com a ameaça, já prevista por Daniel Bessa, de um regresso a Lisboa dos controleiros do FMI ou de outras instâncias financeiras supra-estaduais.

Mantendo o previsível programa de não se assumir como força de bloqueio, o presidente, sem reeditar os governos eanistas de iniciativa presidencial, pode ter que assumir a plenitude do poder moderador no caso de nenhum dos nossos dois grandes partidos atingir a maioria absoluta. Porque, sendo insuficiente o regresso ao bloco central, o presidente já deve ter equacionado a necessidade de restauração de uma convergência interpartidária, ao estilo dos governos provisórios, isto é, alargada a ministros do CDS e do PCP, onde a arbitragem da cúpula constitucional pode ser essencial para que se encontrem prestigiadas figuras partidárias que sejam capaz de uma governação suprapartidária. Isto é, Cavaco pode ser obrigado a largar os etéreos campos da “auctoritas”, tendo que pisar as raias da “potestas”, até aqui ocupada pela partidocracia.