Out 18

Hoje é dia um de Sã Cimeira

Hoje é dia um de Sã Cimeira, com trânsito condicionado, carros de reportagem, discursos, barganhas, apertos de mão, fotografias de grupo e o antecipado verão de São Martinho. Que a Senhora de Fátima e todos os outros deuses os ajudem e nos ajudem, porque, se calhar, só daqui a treze anos e picos é que poderemos voltar a ser presidentes desta união que ainda não chegou a acordo comercial com a Rússia de Putine. Na véspera, em dia de Makukula cazaquistanense, o lusitano governo, propagandeando-se, em nome da Europa, disse que, dela, vamos receber milhões e milhões por dia, mas que, desta, é que os vamos gastar como deve ser, assim confirmando oficialmente que, antes, eles, os subsídios, foram efectivamente uma oportunidade perdida, dado que os gastámos por gastar, para não termos de os devolver. Entretanto, anuncia-se o resultado destas três décadas de governação de preconceitos de esquerda e de fantasmas de direita: somos o país da Europa com mais disparidades sociais, com cerca de dois milhões de pobres, velhos e novos, assim se demonstrando que de boas intenções socialistas e sociais-democratas está o nosso inferno cheio. Os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos. Os pobres, cada vez mais e cada vez mais pobres. Para que os ricaços discursem arrogantemente. Para que os pobres caiam no engodo de pensar que se acaba com a pobreza, acabando com os ricos. Vale-nos que chega mais um orçamento, dizendo que desta é que vai ser. Ao mesmo tempo, um conhecido e afamado banqueiro declara que não cometeu nenhuma irregularidade jurídica, quando o banco que controla emprestou dinheiro ao respectivo filho, para, depois, não lhe cobrar a dívida. Como se o problema fosse apenas dessa artificialidade chamada direito, onde não há relações de vida, mas apenas relações jurídicas. Mesmo banqueiros anarquistas e cristãos têm que assumir as regras da ética protestante do capitalismo. Por outras palavras, devem assumir outro padrão, tanto no tocante ao exame de consciência, como relativamente ao exemplo social que representam. Porque não basta o presidente do respectivo sindicato desculpá-lo com a teoria da conspiração. Um cristão diria que ele deveria amar ao próximo como a si mesmo e não fazer aos outros o que não queria que lhe fizessem a ele, nomeadamente quanto à cobrança de juros. Um confuciano repetiria tal regra das religiões universais. Até um Kantiano acrescentaria que, da respectiva conduta, se deveria extrair uma norma universal. Só o sapateiro de Braga concluiria que não havendo moralidade, todos devem comer. O homem não é naturalmente mau e não actua apenas movido pela necessidade. Qualquer retiro espiritual aconselhará esse paradigma a arrepender-se e a dar bons exemplos. De outra maneira, o Zé Povinho continuará a fazer seu gesto feio de homem revoltado.

Out 18

Europa. Tratado de Lisboa.

Hoje, pela madrugada, a Murganheira jorrou pelas gargantas, celebrando o acordo. Mais uma vez, na Europa, ganhou o sim pelo não. O Tratado de Lisboa, que vai além de Maastricht e Nice, quase se aproxima dos Tratados de Paris e de Roma. Se tem o “champagne” da convenção valéria, isso é por homenagem ao maçon Jean Monnet, que era produtor da bebida. E os deuses todos ajudaram. O cenário do Parque das Nações e do Pavilhão Atlântico, com São Pedro e São Martinho a ajudarem, foi perfeito. Portugal ganhou, aqui, à beira Tejo, de olhos postos na partida Atlântico fora. Como Sócrates sintetizou nos “apanhados” da conferência de imprensa, dirigindo-se a Barroso, no abraço final, “porreiro, pá!”. É natural que o nosso primeiro se sinta “um político realizado…” No plano doméstico, é que a realização se vai engasgando. Porque também ganharam Carvalho da Silva, Jerónimo de Sousa e os duzentos mil que se manifestaram na rua, em nome da pluralidade política e social. Estive com os manifestantes e com os artistas da representação institucional cimeira, deste novo Congresso de Viena, com a sua hierarquia das potências, onde Portugal, gerindo dependências e interdependências, deu provas de estar vivo, como grande potência espiritual, onde, nalguns segmentos, até estamos nos dois primeiros lugares das hierarquias fundacionais. Bem recordo do último trabalho universitário em que cooperei com Barroso e da disciplina que ele sempre insistiu em reger: teoria da decisão em política externa. Agora levou à prática aquilo que sempre ensinou. E, na prática, a teoria não foi outra. Noto a faceta planeamentista de Sócrates e a respectiva teimosia. Quando aplicada em objectivos diversos do semear de micro-autoritarismos subestatais, ela pode ser útil ao país. Aos dois, obrigado! Mas discordo frontalmente da manobra com que alguns pretendem evitar os referendos. Mesmo que concorde com a retórica de Vitorino sobre a não constitucionalidade do tratado reformador, julgo que há promessas que se devem cumprir, por razões substanciais, sem desculpas silogísticas. O povo não pode apenas ir à manifestação da CGTP, tem de ir à urna e que ser mobilizado pela maioria das nossas pluralidades. Por mim, que, na hipótese do outro referendo, logo participei na campanha do “não”, estou, hoje, disponível para ir para o “sim”. Vamos a ele. É a hipótese que temos de dar democracia ao Tratado de Lisboa.

Out 18

Europa da Sã Cimeira

Hoje é dia um de Sã Cimeira, com trânsito condicionado, carros de reportagem, discursos, barganhas, apertos de mão, fotografias de grupo e o antecipado verão de São Martinho. Que a Senhora de Fátima e todos os outros deuses os ajudem e nos ajudem, porque, se calhar, só daqui a treze anos e picos é que poderemos voltar a ser presidentes desta união que ainda não chegou a acordo comercial com a Rússia de Putine. Na véspera, em dia de Makukula cazaquistanense, o lusitano governo, propagandeando-se, em nome da Europa, disse que, dela, vamos receber milhões e milhões por dia, mas que, desta, é que os vamos gastar como deve ser, assim confirmando oficialmente que, antes, eles, os subsídios, foram efectivamente uma oportunidade perdida, dado que os gastámos por gastar, para não termos de os devolver. Entretanto, anuncia-se o resultado destas três décadas de governação de preconceitos de esquerda e de fantasmas de direita: somos o país da Europa com mais disparidades sociais, com cerca de dois milhões de pobres, velhos e novos, assim se demonstrando que de boas intenções socialistas e sociais-democratas está o nosso inferno cheio. Os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos. Os pobres, cada vez mais e cada vez mais pobres. Para que os ricaços discursem arrogantemente. Para que os pobres caiam no engodo de pensar que se acaba com a pobreza, acabando com os ricos. Vale-nos que chega mais um orçamento, dizendo que desta é que vai ser. Ao mesmo tempo, um conhecido e afamado banqueiro declara que não cometeu nenhuma irregularidade jurídica, quando o banco que controla emprestou dinheiro ao respectivo filho, para, depois, não lhe cobrar a dívida. Como se o problema fosse apenas dessa artificialidade chamada direito, onde não há relações de vida, mas apenas relações jurídicas. Mesmo banqueiros anarquistas e cristãos têm que assumir as regras da ética protestante do capitalismo. Por outras palavras, devem assumir outro padrão, tanto no tocante ao exame de consciência, como relativamente ao exemplo social que representam. Porque não basta o presidente do respectivo sindicato desculpá-lo com a teoria da conspiração. Um cristão diria que ele deveria amar ao próximo como a si mesmo e não fazer aos outros o que não queria que lhe fizessem a ele, nomeadamente quanto à cobrança de juros. Um confuciano repetiria tal regra das religiões universais. Até um Kantiano acrescentaria que, da respectiva conduta, se deveria extrair uma norma universal. Só o sapateiro de Braga concluiria que não havendo moralidade, todos devem comer. O homem não é naturalmente mau e não actua apenas movido pela necessidade. Qualquer retiro espiritual aconselhará esse paradigma a arrepender-se e a dar bons exemplos. De outra maneira, o Zé Povinho continuará a fazer seu gesto feio de homem revoltado.

Out 17

o vazio de estratégia que marca a actual encruzilhada

Bastou que um, ou dois, perturbadores estratégicos entrassem na liça politiqueira, para que se tornasse patente o vazio de estratégia que marca a actual encruzilhada. Isto é, tanto a ideia de Portugal como a ideia de democracia estão dependentes do actual modelo de gestão de dependências e interdependências e falta uma reflexão mais profunda sobre o elenco das nossas potencialidades e das nossas vulnerabilidades. Falta, sobretudo, uma adequada forma de transformarmos as vulnerabilidades em potencialidades e de evitarmos que as potencialidades se transformem em vulnerabilidades.

Out 14

Bloco central

Há um fantasma conceitual que nos costuma obcecar o raciocínio: o Bloco Central.  Porque se uns ainda reduzem o conceito à velha aliança do PS com o PSD, na fase soarista e pré-cavaquista da nossa democracia, poucos reparam na emergência de um novo bloqueio situacionista, gerado pelo cavaquismo governamental e, depois, pela presente coabitação do cavaquismo presidencial e do socratismo governamental. Porque estas são as duas faces da mesma moeda do situacionismo…

Out 13

Colóquio em Sintra

Sintra,  13 de Outubro de 2007

 

Pedem-me que lance alguns tópicos sobre a relação de Salazar com o pensamento dito de direita no Portugal autoritário.

 

Estar à direita e à esquerda e ser de direita ou de esquerda – As permanentes discussões sobre as fronteiras entre a direita e a esquerda suscitam sempre o problema em qualquer sistema político pluralista, onde há sempre quem esteja à direita e à esquerda, por força do sufrágio popular, bem como quem seja de direita e de esquerda, invocando convicções, concepções do mundo e da vida, valores, princípios ou crenças.

 

Só que, entre o ser e o estar, há sempre a tal distância que separa a teoria da prática, onde, na prática, a teoria é outra, porque é tudo teoricamente prático bem como praticamente teórico e, de boas intenções, acaba por ficar o próprio inferno cheio. Por exemplo, no Portugal deste regime abrilista, geneticamente marcado pelos fantasmas de direita e pelos complexos de esquerda, começou por decretar-se, como axioma, que a ditadura derrubada era de direita.

 

Talvez por isso é que, no plano das aparências, nos tornámos num país formalmente tão canhoto que os líderes políticos sempre estiveram à esquerda dos militantes dos respectivos partidos, com programas ainda mais à esquerda, mas sempre com eleitorados bem mais à direita.

 

Desta maneira, o mais à direita dos partidos sistémicos, gerados pelo golpe de Estado, acabou por ficar rigorosamente ao centro, enquanto a dinâmica eleitoral levou a uma liderança da direita, a partir de um partido social-democrata, dito do centro-esquerda, ao mesmo tempo que o principal partido de esquerda, por caso o campeão do anticomunismo, se assumiu como socialista democrático.

E foi só uma década depois do 25 de Abril que apareceu um líder de um dos partidos portugueses com representação parlamentar e experiência governativa, Francisco Lucas Pires, a ousar quebrar o tabu, ao dizer-se da direita democrática e liberal. O que gerou tempestade de tal monta que os antigos adeptos do centrismo fundacional do respectivo grupo logo o apodaram de fascista, enquanto o líder rival da não-esquerda, Cavaco Silva, se assumiu como social-democrata à maneira de Bernstein, em nome de uma esquerda moderna.

Na altura, o líder do Partido Socialista, depois ter governado segundo o lema de  meter o socialismo na gaveta, dizia-se liberal no plano da política e apenas economicamente socialista para a economia, apesar de ter sido obrigado pelo FMI a liberalizá-la, com fortes medidas de austeridade, muitos salários em atraso e apressadas privatizações.

 

Aliás, a existência de uma direita e de uma esquerda, enquanto posições relativas a um certo tempo e a um certo espaço, só são possíveis numa democracia pluralista e numa sociedade aberta, dado que, nas degenerescências da usurpação, do despotismo, da tirania, da ditadura e do totalitarismo, os usurpadores, os déspotas, os tiranos, os ditadores e os agentes do totalitarismo, venham de anteriores posições de direita ou de esquerda, assumem-se, precisamente, contra a existência das parcelas, das partes, das faccções ou do partidos, proclamando, quase sempre, que, depois deles, deixou de existir a direita e a esquerda. Todas as degenerescências antidemocráticas tendem, com efeito para a monocracia, vício que também costuma marcar os vanguardismos e os cesarimos, sempre satisfeitos com as votações dos 98% e dos 99% que, na maior parte dos casos, não são votações mas rituais litúrgicos de consagração do monolitismo.

Entre nós, o Doutor Salazar, que não veio da esquerda, que não era democrata, que proibiu os partidos e que nos governou, primeiro, em ditadura e, depois, em autoritarismo, pode ter sido genial, mas seria anacrónico considerarmos que a direita e a esquerda das nossas presentes circunstâncias estão condenadas a ser, respectivamente, salazaristas ou antisalazaristas.

O totalitarismo nazi era tão nacionalista quanto o jacobinismo esquerdista da Revolução Francesa e tão socialista quanto todos os socialismos. O totalitarismo fascista de Mussolini foi gerado por um antigo militante socialista, marcado pela memória messiânica do republicanismo maçónico de Mazzini. O totalitarismo comunista de Estaline e de Mao, esses sim, vieram mesmo da esquerda. Todos, contudo, se irmanaram na abolição da esquerda e da direita, proibindo, prendendo e assassinando os opositores. Entre todos eles, venha o diabo e escolha!

Perguntar a um direitista se ele denunciou o autoritarismo salazarista é tão insignificante quanto perguntar a um actual deputado socialista se ele denunciou, na altura certa, o estalinismo, o maoísmo ou o sovietismo vigente até 1989. O Dr. Mário Soares, que chegou a ter juvenis apoios ao estalinismo, foi um dos nossos melhores professores de democracia. Da mesma forma, só um vesgo de espírito pode negar a envergadura libertacionista de Sá Carneiro, apenas porque este foi deputado independente nas listas do partido único do regime da Constituição de 1933.

Contra o nazismo e o fascismo, ergueram-se muitos esquerdistas, mas seria injusto esquecermos que alguns dos mais eficazes opositores a essa barbárie quase demoníaca vieram da direita conservadora, à maneira de um tal Winston Churchill ou de um tal Charles de Gaulle, tal como eram da direita, e conservadores, os principais membros da resistência alemã a Adolfo Hitler, com destaque para o chamado círculo de Kreisau. Da mesma forma, houve muitos socialistas e homens de esquerda que tiveram a triste sina do colaboracionismo com o nazi-fascismo, como foi flagrante na França de Vichy, com Laval e outros mais que, depois, hão-se ser heróis da esquerda mais recente.

Aliás, em Portugal, talvez importe recordar que o líder do 28 de Maio, Gomes da Costa, era um antigo militante do partido radical e que alguns dos históricos opositores ao salazarismo eram tão direitistas quanto Paiva Couceiro e tão católicos quanto Lino Neto, para não falarmos das origens retintamente fascistas de Humberto Delgado e da marca direitistas de alguns dos mais distintos apoiantes da respectiva candidatura, onde passsaram monárquicos como Rolão Preto, Vieira de Almeida ou Luís de Almeida Braga, um pouco à imagem e semelhança daqueles miguelistas que se irmanaram com os setembristas na Maria da Fonte e na Patuleia, contra a degenerescência cabralista.

Ninguém pode esquecer a presença direitista nas revoltas da Mealhada e da Sé, e, nas próprias origens conspirativas do 25 de Abril, há uma ampla coalisão, onde não faltam oficiais monárquicos, conservadores e direitistas, reflectindo as razões que levaram os próprios Congressos Republicanos de Aveiro a terem passado a Congressos da Oposição Democrática, num movimento onde homens como Francisco Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Telles ou Henrique Barrilaro Ruas, não podem ser esquecidos.

O mais importante talvez não esteja nestas viagens retroactivas pelo Ancien Régime, mas antes na circunstância da reconstrução pós-revolucionária da democracia, desencadeada a partir do 25 de Novembro de 1975, ter sido obra tanto da esquerda como da direita. Se a partir de então retomámos as senda da democracia prometida em Abril de 1974, tal só foi possível porque a força de Ramalho Eanes, Jaime Neves e Melo Antunes foi mais forte que o vanguardismo da esquerda revolucionária, dos comunistas e dos otelistas político-militares, permitindo o respeito pelo voto livre de 25 de Abril de 1975 e pelos anseios manifestados pelos manifestantes da Alameda e das muitas outras alamedas dos católicos que, a partir de Aveiro e de Braga, geraram a primeira revolução de veludo da chamada terceira vaga da democracia, conforme Samuel P. Huntington, onde Mário Soares não foi Keresnki e Ramalho Eanes se assumiu como o anti-Totski e o anti-Lenine.

Como membro da tribo político-cultural de direita, como antigo militante e dirigente de um dos partidos nucleares do arco constitucional do actual regime democrático, gostaria de declarar a Vª Exª que esta democracia é também obra da minha tribo, desses sociais-democratas não marxistas, desses democratas-cristãos, desses liberais, desses conservadores e desses direitistas, entre os quais estão alguns honrados membros do actual governo, que, em Abril de 1975, votaram contra os comunistas e o esquerdismo vanguardista do PREC, que apoiaram Ramalho Eanes e que fundaram a AD, com o PSD, o CDS, o PPM e os antigos socialistas do grupo dos reformadores, onde, ao que parece, circulavam nomes como Medeiros Ferreira, António Barreto e Francisco Sousa Tavares, não esquecendo a adesão ao sá-carneirismo da poetista Natália Correia.

Isto é, muita gente da tribo político-cultural da direita chegou bem mais depressa à democracia prática que muitos proclamados democratas da democracia vanguardista que pensam que o antifascismo de há mais de vinte e cinco anos tem de ser superior à livre manifestação da vontade popular através do efectivo sufrágio universal, como o temos praticado desde 25 de Abril de 1975.

A democracia vive-se e pratica-se. Aprende-se, fazendo-a, sujando as mãos nos compromissos com as circunstâncias do Estado de Direito. Os que apoiaram as figuras simbólicas de Sá Carneiro, Amaro da Costa e Francisco Sousa Tavares, para falar apenas nos ausentes sempre presentes do regime que temos, não precisam de pedir certificados de democrata a outros democratas com outras histórias, que talvez não tenham votado PS, PPD, CDS ou PPM em 25 de Abril de 1975, nem Eanes nas primeiras presidenciais. O democratas da democracia pluralista não precisam de pedir certificados de democrata a certos antifascistas de antanho que, depois da democracia restaurada, tentaram impor um novo totalitarismo, prendendo e matando os que não tinham o perfil dos manuais terroristas do antifascismo, para não falarmos nos grandes latrocínios da chamada Reforma Agrária e das nacionalizações decretadas nas noites posteriores ao 11 de Março, quando algumas vozes do vanguardismo chegaram a propor a restauração da pena de morte que, em 1852 e 1867, foi abolida pela direita liberal, conservadora e monárquica da regeneração. Um assassino que seja antifascista ou anticomunista não deixa de ser assassino. Um ladrão que se diga democrata, não deixa de ser um ladrão.

 

Cantam-se loas às glórias governativas e ninguém pode dizer o contrário. O Portugal legítimo do “senão, não” foi substituído por um Portugal artificial, espécie de títere, de que o Governo puxa os cordelinhos. Vela a Polícia e o lápis da censura. Incapacitados uns por esse regime de proibições, entretidos outros com a digestão que não lhes deixa atender ao que se passa, e jaz a Pátria portuguesa em estado de catalepsia colectiva. Está em perigo a integridade nacional. É isto que venho lembrar
(Paiva Couceiro, em carta a Salazar, de 22 de Outubro de 1937)

 

O situacionismo – Depois da segunda guerra mundial, o regime do Estado Novo, fica isolado numa Europa Ocidental marcada pela euforia da restauração das democracias e da reconstrução económica, perdendo muito do que, na década de trinta, tinha de criativamente reformista e entrando numa rotina da sobrevivência. Isto é, deixa de haver uma revolução nacional e passa-se ao regime da mera situação. Atinge-se, deste modo, o extremo do hibridismo e o próprio Salazar até chega a reclamar para o regime os atributos de uma democracia orgânica. O sistema ideologicamente hesitante, mas firme no plano da praxis, se já não tem uma doutrina, não deixa de ser uma força, dado que o respectivo elemento aglutinador é, sobretudo, a obediência à bissectriz do conglomerado de forças que o mesmo federa, de maçons conservadores a católicos, de republicanos a monárquicos, passando por ex-comunistas e antigos românticos fascistas, sindicalistas, capitalistas, agrários ou burocratas. De facto, os condicionamentos geopolíticos impedem o livre desenvolvimento da semente corporativa do salazarismo, que é condenado a murchar doutrinariamente. Sucede assim uma espécie de desertificação da sociedade civil, onde acaba por preponderar a mera rotina do temor reverencial. Contrariamente ao quem não por mim é contra mim dos totalitarismos, este modelo autoritário prefere o quem não é contra mim, é a meu favor, que, através de subtis processos de condicionamento psicológico, gera um dos menos policiescos de todos os aparelhos ditatoriais. Se não há um Estado de Direito, não deixa de existir um Estado de Legalidade, tal como, no plano económico, nunca se estabeleceu uma economia de mercado, com regras de concorrência, apesar de funcionar em pleno um regime de economia privada, com condicionamento industrial, proteccionismo, lucros máximos, preços controlados, num sistema onde, apesar de faltar o planeamento, abundam os organismos de coordenação económica. De qualquer maneira, o modelo, se propõe uma certa concepção do mundo e da vida, à maneira dos Estados éticos, nunca cai na tentação de a impor. Por isso, o regime não é condenado à quarentena que marca o franquismo em Espanha e, graças à política de neutralidade colaborante praticada face ao aliados durante a Segunda Guerra Mundial e por pressão da guerra fria, participa activamente na fundação da NATO, da União Europeia de Pagamentos, da OECE e da EFTA, assumindo um acordo de associação com a CEE, em 1972.

Estado de Segurança Nacional – Entre 1945 e os começos da década de sessenta, o regime transforma-se assim num situacionismo que ensaia os modelos do Estado de Segurança Nacional dos tempos da guerra fria. Se a oposição, herdeira do reviralhismo republicano e da unidade antifascista entra em refluxo, eis que se dá uma alteração nas antigas forças vivas apoiantes do Estado Novo, emergindo uma oposição católica, que invoca exógenas democracias-cristãs, bem como alguns movimentos monárquicos e conservadores que se independentizam do regime, não faltando um forte movimento operário que, começando por ser marcado pela doutrina social da Igreja Católica, vai sendo gradualmente atraído pela eficácia, disciplina e teimosia dos antigos adversários marxistas. É também no período que se torna dominante, entre o oposicionismo, a capacidade organizacional do Partido Comunista Português, intimamente ligado ao sovietismo e dotado de um aparelho clandestino bastante eficaz que acaba por resistir à repressão da polícia política.

 

O Estado de Segurança Nacional – De 1951 a 1958, período correspondente ao mandato de Craveiro Lopes, o regime viveu um típico situacionismo de guerra fria, marcado pelo domínio de Santos Costa e a emergência da facção de Marcello Caetano. O salazarismo, enredado no modelo neo-fontista dos chamados planos de fomento, põe fim à hipótese de solução monárquica e enreda-se na falta de solução para o problema ultramarino. Se, do lado situacionista, cresce a corrupção e a decadência, também a oposição clássica dos reviralhistas parece incapaz de fugir à tenaz do controlo comunista, apesar de terem surgido sinais de uma nova oposição vinda dos católicos e dos próprios monárquicos. Com efeito, o salazarismo faz um excelente aproveitamento da situação de guerra fria, instrumentalizando a nova divisão surgida na oposição entre os atlantistas e os pró-soviéticos. De qualquer maneira, assinale-se o crescente descontentamento dos militares face à política de Santos Costa e a incompreensão no tocante à política ultramarina.

Como se espoliaram os operários  –  O período em causa é suficientemente relatado pela Carta do Bispo do Porto a Salazar de 13 de Julho de 1958. O prelado, se concorda com a política externa, a política ultramarina e a política económica do salazarismo, já discorda radicalmente da solução dada ao problema social. Se Salazar em 31 de Maio de 1958 salienta que a greve é entre nós um crime, declarando não aceitar a ideia da incompatibilidade de interesse entre o patronato e o operariado mas a da sua solidariedade permanente, já D. António Ferreira Gomes (1906-1989), por seu lado, observa que o corporativismo português foi realmente um meio de espoliar os operários do direito natural de associação, de que o liberalismo, em 91, os privara, e que tinham reconquistado, penosa e sangrentamente. De qualquer maneira, quebrando um longo ciclo, o governo acaba por aumentar por um nadinha o vencimento dos funcionários públicos em 7 de Dezembro, no mesmo mês em que se inaugura a nova ponte sobre o Tejo em Vila Franca de Xira.

Campanha eleitoral – Surgem dois candidatos da oposição: Quintão Meireles, pelo sector não-comunista, e Ruy Luís Gomesö, pelo unitarismo antifascista, comandado pelo PCP. Em Maio, Augusto de Castro, no Diário de Notícias, escreve um editorial defendendo que Salazar suceda a Carmona. Jorge Jardim é um dos mais entusiastas da tese.

●União Nacional lança a candidatura de Craveiro Lopes (1 de Junho), proposta por Santos Costa a Salazar. Chegou a ser sondado o general Afonso Botelho, que recusa. Também foram falados outros militares, como Aníbal Passos e Sousa, Fernando Pereira Coutinho e Miguel Pereira Coutinho. Marcello Caetano chegou a ponderar, na altura, a candidatura de Américo Tomás.

Candidaturas da oposição (3 de Junho). Anunciadas as candidaturas de Quintão Meireles (segundo o SNI apoiada por situacionistas descontentes) e de Rui Luís Gomes, apoiada pelo MND, pelo MUD Juvenil e pelos comunistas. Partido Republicano não apoia nenhum. Norton de Matos sugerira a de Egas Moniz, que, entretanto, recusa.

Quintão Meireles é apoiado por Sérgio, Cabeçadas, Vieira de Almeida, Aquilino Ribeiro, Vasco de Carvalho, António Maia, Mário Pessoa, David Neto, Acácio Gouveia, Cunha Leal, Augusto da Fonseca, Teófilo Carvalho Santos, Rolão Preto e Henrique Galvão. A candidatura é marcada pelo estilo combativo de Cunha Leal e Henrique Galvão que, sem peias, denunciam a corrupção e a confusão entre o poder político e o poder económico. Promove apenas uma sessão de propaganda na Garagem Monumental ao Areeiro. No seu manifesto de 3 de Julho, considera que o país está doente; assume-se contra o partido único; e defende a integridade da pátria e da sua extensão territorial ultramarina. Critica o Partido Comunista, por ser inspirado por uma potência estrangeira. Acaba por desistir de ir às urnas em 19 de Julho.

O 28 de Maio prevertido pelo ódioA supressão de direitos ou liberdades gerou o mal estar e o temos. Hoje não há direitos, nada se obtém que não seja por favor, palavras de Mendes Cabeçadas, para quem o 28 de Maio foi pervertido por um técnico de finanças que gerou uma política de ódio e que se criaram instituições que dividem os portugueses.

 

Republicanos

Em 1932, é criada Criada uma União dos Combatentes Republicanos com um Comité Supremo Político, dirigido por Bernardino Machado, Afonso Costa, José Domingues dos Santos e Francisco da Cunha Leal. Não se concretiza uma frente única da oposição, da iniciativa de Francisco da Cunha Leal e de Catanho de Meneses, elementos não integrados na Aliança Republicana e Socialista.

 

Regressam a Portugal vários republicanos exilados em França, como Bernardino Machado e Jaime Cortesão (28 de Junho 1940). São quase todos presos e depois deportados para o Brasil. A Bernardino Machado é fixada a residência a norte do Douro, instalando-se em Paredes de Coura.

 

Maçonaria

Deputado José Cabral, então director-geral dos serviços prisionais, monárquico e antigo nacional-sindicalista, propõe a extinção das sociedades secretas, no projecto de lei nº 2 (19 de Janeiro de 1935). A lei será publicada em 21 de Maio de 1935.

Carta de Norton de Matos a José Alberto dos Reis, então presidente da Assembleia Nacional e antigo-maçon, protestando contra o projecto de José Cabral (31 de Janeiro de 1935). Artigo de Fernando Pessoa, no Diário de Lisboa, contra a proposta de Cabral de extinção da Maçonaria (4 de Fevereiro de 1935).

1937 de Maio 11

Morte de Afonso Costa, no exílio parisiense, no hotel onde residia às 0 h, em virtude de uma angina de peito. Pouco antes tinha sido indigitado para Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano.

A imprensa noticia o acontecimento em Portugal, há condolências do parlamento brasileiro e homenagens formais na Faculdade de Direito de Lisboa, expressas tanto pelo democrático Barbosa de Magalhães, como pelo monárquico Artur Montenegro.

1937 de Maio 19

Morte de Maurício Costa, grão-mestre interino do Grande Oriente Lusitano, sucedendo-lhe Filipe Ferreira, até 12 de Junho .

1937 de Junho 12

Luís Gonçalves Rebordão sucede a Filipe Ferreira como Grão-Mestre interino do GOL. é auxiliado por José de Oliveira Ferreira Dinis, Ramon Novatola Feria, José da Costa Pina, Alfredo Mourão, José Roberto de Brito e José da Costa Veiga, a estrutura dirigente da Ordem durante o salazarismo.

Vão manter a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, o Asilo de S. João e a Escola-Oficina nº 1, bem como a Associação dos Velhos Colonos,em Lourenço Marques. Masem 1974 apenas restam quatro oficinas em pleno funcionamento.

 

Aliança Republicana e Socialista

Grupo fundado em 1931 e com alguma actividade até 1934. Pretende assumir-se como uma espécie de resposta à institucionalização da União Nacional.

Presidida por Norton de Matos, então Grão-Mestre da Maçonaria, conta com a participação de Tito de Morais e de Mendes Cabeçadas.

O directório, em 8 de Julho de 1931, chega a solicitar uma audiência a Carmona, onde reivindica direitos de partido político.

 

Frente única da oposição (1932)

Surge uma proposta não concretizada, da iniciativa de Francisco da Cunha Leal e de Catanho de Meneses, elementos não integrados na Aliança Republicana e Socialista.

MUNAF, Dezembro de 1943

Movimento de Unidade Nacional Antifascista

Liderado por Norton de Matos, reúne PRP, SPIO, União Socialista, grupo da Seara Nova, Maçonaria, anrco-sindicalistas, católicos oposicionistas e PCP.

Cria em 1944 os GAC, Grupos Antifascistas de Combate e um comité revolucionário secreto

União Democrática Portuguesa, 1944

Com Mayer Garção, Carlos Sá Cardoso e Adão e Silva. Hão-de integrar a União Socialista (1945)

 

Núcleo de Acção e Doutrinação Socialista, Dezembro de 1942

Com Vitorino Magalhães Godinho, Teixeira Ribeiro, Fernandes Martins e Afonso Costa Filho. Hão-de integrar a União Socialista (1945).

Surge em Lisboa, visando a divulgação dos ideais do socialismo. Trata-se de um grupo de estudantes universitários que, em 1944, se integra na União Socialista.

Entre os fundadores de 1942, depois alargados a Coimbra, destacam-se José Magalhães Godinho, Vitorino Magalhães Godinho, Afonso Costa Filho, Mário de Castro, Gustavo Soromenho, António Macedo, Mário Cal Brandão, Artur Santos Silva, Paulo Quintela, José Joaquim Teixeira Ribeiro e Fernandes Martins.

De assinalar que parte desse grupo é filho de anteriores dirigentes da esquerda republicana.

 

Liga Portuguesa contra a Guerra e o Fascismo, 1934

Destaque para a liderança de Bento de Jesus Caraça. Organismo criado em Agosto de 1934 pelos comunistas, sob a direcção de Bento de Jesus Caraça, na sequência da fundação de uma liga internacional com o mesmo nome criada em 1932 pela Internacional Comunista. A LPCGF assumia um carácter frentista, um programa de democracia popular e, a partir de 1935, tenta a criação em Portugal de uma Frente Popular.

 

Frente Popular Portuguesa, 1936

Dominada pelo PCP, mobiliza José Domingues dos Santos. Programa publicitado em 1937.

Constituída a Frente Popular Portuguesa, dominada pelos comunistas, mas com a participação de alguns grupos republicanos. Nasce da actividade da Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, dirigida por Bento de Jesus Caraça, e criada em Agosto de 1934. Apenas publica o respectivo programa em 1937, sob as palavras de ordem pão, paz, liberdade e cultura. Defende a democracia popular e a economia cooperativa e considera  as províncias ultramarinas, como parte integrante e inviolável da nação portuguesa. Um dos aderentes republicanos é José Domingues dos Santos.

1936 de Agosto 00

Os oposicionistas no exílio, com a participação de Afonso Costa, tentam constituir uma Frente Popular Portuguesa, destinada a unir todas as tendências anti-salazaristas.

Dominada pelos comunistas, mas com a participação de alguns grupos republicanos, nasce da actividade da Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, dirigida por Bento de Jesus Caraça.

Apenas publica o respectivo programa em 1937, sob as palavras de ordem pão, paz, liberdade e cultura. Defende a democracia popular e a economia cooperativa e ainda considera as províncias ultramarinas, como parte integrante e inviolável da nação portuguesa. Um dos aderentes republicanos é José Domingues dos Santos.

PCP

Pavel, líder das Juventudes Comunistas, instala-se na URSS, como representante do PCP junto da Internacional Comunista (Março de 1934).

Os comunistas organizam um Dia Mundial contra a Guerra e o fascismo, com uma manifestação onde é apedrejada a embaixada italiana, protestanto contra a invasão da Abissínia. Um dos organizadores da manifestação, sob as ordens de Bento Gonçalves, é Francisco Ferreira, depois chamado Chico da CUF (1 de Agosto de 1935).

 

Vaga de detenções de vários oposicionistas, principalmente membros do partido comunista. Entre detidos, Prisões do secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, José de Sousa e Júlio Fogaça. Nesse ano há duas delegações de comunistas que se deslocam à URSS: Bento Gonçalvesm Pavel e Manuel Roque Júnior, para o VII Congresso da Internacional Comunista. E Álvaro Cunhal, Florindo de Oliveira, Francisco Miguel, José Gregório, José de Sousa e Domingues dos Santos, para o VI Congresso da Internacional da Juventude Comunista.

Em Novembro de 1935 são presos Bento Gonçalves, José de Sousa e Júlio Fogaça, os elementos que formavam o secretariado do PCP. Em 25 de Julho , Bento Gonçalves havia participado no VII Congresso da Internacional Comunista. Nesse ano e também preso o dirigente comunista Manuel dos Santos, depois de er morto um polícia quando realizava um comício em Alcântara, Lisboa.

Em Abril de 1936 é constituído um comité central do PCP, ao qual peretencem Alberto Araújo, Manuel Rodrigues da Silva, Álvaro Cunhal e Pires Jorge. Em Outubro de 1936, com Bento Gonçalves no Tarrafal, recompõe-se o secretariado do comité central, passando a ser constituído por José Gregório, Manuel Guedes, Pires Jorge e Álvaro Cunhal. O Avante começa a ser publicado semanalmente e terá atingido uma tiragem de 10 000 exemplares, logo em 1937.

Reorganização do PCP

1936

Com Bento Gonçalves no Tarrafal, emerge nova direcção onde começa a destacar-se Álvaro Cunhal. Começa a edição semanal de O Avante.

1937 de Janeiro 00

Pavel e Álvaro Cunhal regressam a Portugal, vindos da URSS, através de Marselha, por via marítima. Ambos passam a integrar o secretariado do PCP, tornando-se Pavel o principal dirigente da organização (Janeiro de 1937).

1938 de Janeiro 10

O principal dirigente do PCP, Pavel, é preso no apartamento que servia de sede ao partido. A polícia considera-o, então, o mais hábil e perigoso condutor de massas revolucionárias, depois de Bento Gonçalves e José de Sousa.

1938 de Maio 23

Pavel e António Gomes Pereira, do PCP, conseguem evadir-se da prisão do Aljube , contando com a colaboração do enfermeiro da unidade. Pavel vai para Paris e em Abril de 1939 instala-se no México, onde assume nova identidade, Antonio Rodriguez, nunca mais regressando à actividade política. Já professor universitário, chaga a visitar Portugal em 1976 e 1988.

1938 de Setembro 05

A Internacional Comunista, através de Dimitrov, decide suspender as relações com o PCP. A ordem é comunicada a Pavel que, entretanto, se encontrava exiladoem Paris. Opartido tinha visto serem presos os principais quadros dirigentes e os que estavam detidos eram acusados de colaboração com a PVDE. Desconfiava-se mesmo da própria figa de Pavel do Aljube, em 23 de Maio , talvez uma encenação da própria polícia política

 

Libertados vários dirigentes comunistas, como Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Júlio Fogaça que começam a reorganizar o PCP (Novembro de 1940)

Inicia-se, em Coimbra, o movimento neo-realista em torno da revista O Novo Cancioneiro (Dezembro de 1940).

Em 1941 dá-se a  reorganização do PCP, sob o impulso de Álvaro Cunhal e o partido retoma ligações à Internacional Comunista (Janeiro),

Depois da Internacional Comunista ter cortado as relações com o PCP em 1939 e de ter sido suspensa a publicação do Avante, o partido é reorganizado, pela acção do secretariado constituído por José Gregório, Militão Ribeiro e Álvaro Cunhal. Cria-se um corpo de revolucionários profissionais, os funcionários, e adopta-se o modelo conspirativo leninista. Contra este modelo, há uma dissidência participada por Velez Grilo, Cansado Gonçalves e Vasco Carvalho que se reclamam então como a verdadeira direcção do partido.

Em Agosto de 1941 reaparece o jornal comunista Avante!

 

União Nacional

Em 12 de Novembro  era designada a Comissão Central e a Junta Consultiva da organização, onde o estado-maior do regime se confundia com o próprio partido único. Na presidência da comissão central, Oliveira Salazar. Acompanham-no, o vivaz Manuel Rodrigues, o maçon e antigo membro da União Liberal, Bissaya Barreto; o duro Lopes Mateus; o delfim Armindo Monteiro. Na Junta Consultiva, os militares Passos e Sousa e Linhares de Lima; o ideólogo João Amaral; os catedráticos de direito José Gabriel Pinto Coelho e José Alberto dos Reis; o jovem colaborador de Salazar, Marcello Caetano. Como presidente da comissão executiva, Nobre Guedes. Outros republicanos colaborantes são os ex-ministros democráticos Vasco Borges e Francisco Velhinho Correia; o ex-ministro unionista Vicente Ferreira; e o ex-ministro sidonista Alfredo Magalhães.

Em 23 de Novembro , na sala do Conselho de Estado, tomavam posse os corpos directivos. Salazar é explícito: temos uma doutrina, somos uma força … fora da União Nacional não reconhecemos partidos. Dentro dela, não admitimos grupos. Critica indirectamente os nacionais-sindicalistas, apela aos monárquicos e aos católicos. Mas considera que a União Nacional não é uma união de interesses, não é uma associação de influências, não é uma representação de forças eleitorais.

De 26 a28 de Maio de 1934 decorre o I Congresso da União Nacional na Sociedade de Geografia. Salazar:  a economia liberal que nos deu o supercapitalismo, a concorrência desenfreada, a amoralidade económica, o trabalho mercadoria, o desemprego de milhões de homens, morreu já. Receio apenas que, em violenta reacção contra os seus excessos, vamos cair noutros que não seriam socialmente melhores. No encerramento do Congresso, em 28 de Maio , Lopes Mateus proclama: quem não é por Salazar é contra Salazar. Mais poeticamente, António Correia de Oliveira recita: Patria Nostra:  O Sereno Escultor/da Imagem Nova sobre a Velha Traça…

Em Maio de 1944 chega o II Congresso da União Nacional. Discurso de Salazar A Preparação Nacional para o Pós Guerra

Em 4 de Março de 1947 Marcello Caetano toma posse como presidente da Comissão Executiva da União Nacional. Na altura, o regime está dividido entre os partidários da facção militar liderada por Santos Costa e os partidários da facção civil onde se destaca Marcello Caetano. Teotónio Pereira é embaixador no Brasil. Um dos pretextos gira em torno de Santos Costa que parece apostar na solução monárquica para o regime; outros acusam no de ter sido germanófilo durante a guerra

De 22 a24 de Novembro de 1951 surge o III Congresso da União Nacional em Coimbra. Marcello Caetanoassume-se contra a restauração da monarquia, defendida por Soares da Fonseca. No discurso inaugural Salazar considerou  que a monarquia  não pode ser, por si só, a garantia da estabilidade de um regime determinado senão quando é o lógico coroamento das demais instituições do Estado e se apresenta como uma solução tão natural e apta, que não é discutida na consciência geral. comando de um só Em 23 , Marcello Caetano assinala: o comando político apoiado no snetimento e na vontade da nação, cujos anseios profundos e legítimas aspirações interpreta, exprime e realiza, esse é que é a forma que o novo tipo de Estado solicita para poder corresponder à extensão e profundidade das tarefas que os homens dele esperam … A História está a gerar novos regimes de Governo por um só, diferentes das monarquias antigas cuja estrutura social obedeceu a condições de vida muito diferentes das actuais. No dia 24 Miranda Barbosa defende  que a restauração monárquica seria o complemento da situação política. Da mesma opinião foi o deputado Avelino de Sousa Campos. Marcello defende que Salazar deveria ascender à Presidência da República que permitiria que ele mesmo presidisse à sua substituição na chefia do Governo, e assim habituasse o País a ver na presidência do Conselho um homem vulgar, ainda que experiente, sabedor e devotado ao bem público. Diz que faz essa proposta desde 1947, contra a opinião de Salazar

Em 6 de Dezembro de 1958, nova Comissão executiva da União Nacional presidida por Castro Fernandes com Costa Brochado, António Pinto Mesquita e Henrique Tenreiro. Segue-se nova comissão presidida por Veiga de Macedo, onde apenas continua Costa Brochado. Volta, depois, Castro fernandes, mas já sem Costa Brochado, lançado para a direcção do Centro de Estudos Políticos.

Destaca-se nesse período a acção de Henrique Tenreiro, o principal organizador das manifestações de apoio ao regime que também controlava o Diário da Manhã, o órgão de imprensa da organização.

O movimento mudará de nome em Fevereiro de 1970, já sob a presidência de Marcello Caetano, passando a designar-se Acção Nacional Popular.

Segundo relatos de Costa Brochado, a União Nacional praticamente não tinha filiações. Nem ele nem Castro Fernandes, por exemplo, nunca foram formais filiados na organização. Chega a observae que ela nunca conseguiu impor a doutrina que Salazar lhe impôs, como seu presidente. Pior ainda: ela nunca quis impor o Regime, porque os seus mentores e dirigentes eram sempre monárquicos restauracionistas, defensores do que chamávamos marcelismo, ou, então, simples testas-de-ferro da tal flor do mal do capitalismo, a que salazar se referia…

 

 

 

Acção Escolar de Vanguarda, 1934

Defesa do Estado Totalitário. Organização dirigida pelo estudante Ernesto de Oliveira e Silva e por António Eça de Queirós. Defesa da Ordem Nova e de um Estado Totalitário. No dia da fundação, há uma sessão no Teatro São Carlos de apresentação do movimento, promovida por João Ameal e Manuel Múrias. Preside Carmona.

 

Surge o jornal Revolução Nacional, dirigido por Manuel Múrias, de acordo com Salazar. Rolão Preto e os que restam do nacional-sindicalismo entram em quase clandestinidade (1 de Março 1934).~

 

Legião Portuguesa

1936

 

Mocidade Portuguesa

1936

Democratas-Cristãos

Em torno do semanário Era Nova, de 1932. Liderados pelo Padre Alves Correia. Católicos que não se integram na União Nacional

Grupos de católicos que decidem não diluir-se na união nacional, onde se destacam a era nova e o grupo de estudos sociais do porto, liderados pelo padre alves correia. O primeiro começou a editar um semanário em 30 de Janeiro de 1932 e o segundo, dissidência do círculo católico de poerários,  deu a conhecer-se em 1929, quando editou um número único do jornal o grito do povo comemorando a rerum novarum

Em Dezembro de 1934, uma série de militantes do Centro Católico Português aparecem como deputados salazaristas, como Diogo Pacheco de Amorim, Pinheiro Torres, José Maria Braga da Cruz, Joaquim Diniz da Fonseca, Juvenal de Araújo, Mário de Figueiredo, António Sousa Gomes e o cónego Correia Pinto. António Lino Neto abandona a presidência do Centro Católico (Fevereiro de 1934).

Salazar considera então o Centro como inconveniente e dispensável, porque era intromissão da política na religião levando a uma confusão indesejável da Igreja com um partido.

Entram também como deputados os republicanos Vasco Borges e Camarate de Campos, bem como Henrique Galvão, Araújo Correia, o cónego Correia Pinto, Domitila de Carvalho, Maria Guardiola, Luís da Cunha Gonçalves, Alberto Pinheiro Torres, Ulisses Cortês, Mário de Figueiredo e Pedro Teotónio Pereira.

 

Acção Católica Portuguesa, 1933

Pio XI  institucionaliza a Acção Católica Portuguesa, levando à dissolução na prática do Centro Católico, considerado a partir de então como mero órgão de defesa da Igreja no campo legal, embora distinto e separado da Acção Católica, conforme a nota oficiosa do episcopado de 16 de Novembro de 1933.

Em Dezembro de 1937 começam as emissões da Rádio Renascença, a segunda estação radiofónica católica do mundo, depois da Rádio Vaticano.

Em 1938, conflito entre Carneiro Pacheco e o Cardeal Cerejeira. O Ministro pretendia integrar o Corpo Nacional de Escutas na Mocidade Portuguesa. O conflito só é superado em 1940, com a entrada de Marcello Caetano para Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa. Também em 1938, Humberto Delgado faz parte de uma missão militar a Angola e Moçambique. Organiza as Semanas Sociais Católicas em 1940, 1943.

 

 

O Trabalhador, 1934-1948

Quinzenário dirigido pelo Padre Abel Varzim, nascido no dia 1 de Maio. Surge como quinzenário do operariado católico. Inspirado pelo Padre Abel Varzim o seu principal editorialista, mas onde também colaboram Artur Bivar e António Sousa Gomes. A primeira série é editada até 20 de Dezembro de1946. Asegunda surge em 17 de Janeiro de 1948, até 3 de Julho  desse mesmo ano quando é encerrado, sob a acusação de usar um estilo marxista. Mas em 1941 ainda defende o empenhamento dos católicos no corporativismo.

 

Monárquicos

A morte de D. Manuel II, no exílio inglês, em 1932, coincidiu com a ascensão de Salazar à chefia do governo e no primeiro conselho de ministros do mais longo gabinete da história portuguesa, o novo chefe decidiu promover funerais nacionais ao falecido. Assim enterrou a monarquia em Portugal, dado que D. Manuel II poderia ser o seu principal opositor, principalmente se estivesse vivo no dia seguinte ao fim da II Guerra Mundial, onde toda a oposição democrática, com o eventual apoio dos Aliados, poderia desencadear uma restauração tanto da monarquia como da democracia.

 

Monárquicos protestam contra a criação da Fundação da Casa de Bragança, com José Vaz Pinto, Domingos Pinto Coelho, Luís de Almeida Braga e Simeão Pinto Mesquita a protestarem, contra a aliança que Salazar fez com Fernando Martins de Carvalho e Fernandes de Oliveira, representantes de D. Amélia de Bragança (Fevereiro de 1934).

 

Em 1935, o monárquico Afonso Lopes Vieira lança em Éclogas de Agora, uma violenta diatribe contra o método geométrico, cercitivo e glaciar do salazarismo, considerado contrário ao parentesco dos portugueses.

1937 de Outubro 22

Carta de Paiva Couceiro a Salazar : Cantam-se loas às glórias governativas e ninguém pode dizer o contrário. O Portugal legítimo do “senão, não” foi substituído por um Portugal artificial, espécie de títere, de que o Governo puxa os cordelinhos. Vela a Polícia e o lápis da censura. Incapacitados uns por esse regime de proibições, entretidos outros com a digestão que não lhes deixa atender ao que se passa, e jaz a Pátria portuguesa em estado de catalepsia colectiva. Está em perigo a integridade nacional. é isto que venho lembrar.

Salazar publica nota oficiosa sobre Paiva Couceiro que, em Dezembro, é deportado para Espanha.

É apreendido, à saída da tipografia, o livro de José Hipólito Raposo, Amar e Servir. História e Doutrina, editado no Porto pela Livraria Civilização. No prefácio, denuncia-se o regime de constrangimento que oprime a vida do espírito em Portugal, bem como a dissolução moral que diariamente vamos assistindo. Condenam-se os totalitarismos como o nazi e denuncia-se o arbítrio pessoal do salazarismo (Fevereiro de 1940).

 

Sidonistas

Fernando Pessoa em 1935  clama por uma Monarquia Nova a ser intermediada por uma República presidencialista que deveria ser uma República aristocrática, capaz de conciliar a oligarquia dos melhores com o Nacionalismo liberal, promovendo uma Teoria da República Aristocrática.

 

Movimento Nacional Sindicalista, 1932

chefiado por Francisco Rolão Preto. Surge em 1932 e atinge o seu auge em 1933, sendo proibido em Agosto de 1934, antes de tentar um golpe de Estado em Setembro de 1935. Conhecido como o movimento das camisas azuis, constituindo a forma mais similar ao fascismo, ocorrida entre nós.

Moncada, um aderente, reconhece que o movimento não passou de um epifenómeno de superfície como o da fosforescência de certas vagas no mar, marcado pelos ventos soprados da Itália e da Alemanha, com uma grande confusão de ideias e de sentimentos

Em 15 de Fevereiro de 1932, surge o jornal Revolução, intitulado diário académico nacionalista da tarde que, a partir de 14 de Março , passa a ter Rolão Preto como director, transformando-se, a partir de Maio, no órgão do nacional-sindicalismo.

Dominam-no jovens estudantes, quase todos provindos do integralismo e quase todos de direito. Entre os colaboradores, Amaral Pyrrait, António Lepierre Tinoco, Dutra Faria, António Pedro, Júlio de Castro Fernandes, Fernanda de Castro, Manuel Múrias, Garcia Domingues, João de Almeida, Barradas de Oliveira, Almada Negreiros, Augusto Ferreira Gomes, João Ameal, Teófilo Duarte, Eduardo Frias. Publicam vários textos e poemas de Fernando Pessoa.

 

 

 

 

MUD

1945

Movimento de Unidade Democrática

 

MAUD

1945

Movimento Académico de Unidade Democrática. Nasce do MUD, visando ligar os estudantes oposicionistas

 

MUD Juvenil

1946

Criado a partir do MAUD, sendo dominado pelos comunistas, mas ligações aos católicos oposicionistas, próximos do Padre Alves Correia

 

Directório Democrato-Social

1950

Criada a partir da candidatura de Quintão Meireles. Dura até 1974.

 

Partido Trabalhista

1945

Projecto de partido, nascido em torno do jornal O Combate, dirigido por Castanheira Lobo, e mobilizando Raul Rego, Vasco da Gama Fernandes, Lello Portela, Carlos Vilhena e Natália Correia

 

União Socialista

1945

Tem como base a União Democrática Portuguesa (1944) e o Núcleo de Doutrinação e Acção Socialista (1942). Aderirão ao MUD Juvenil

 

Frente Socialista

1950-1954

 

Movimento Nacional Democrático

1949

Grupo pró-comunista do Porto, liderado por Ruy Luís Gomes

 

Comissão Portuguesa pela Paz

1950

Estrutura criada pelo PCP, com António José Saraiva e Maria Lamas.

União Nacional

Centro de Acção Popular

1948

Grupo dentro da União Nacional, ligado a Marcello Caetano

Legião Portuguesa

Mocidade Portuguesa

 

Católicos oposicionistas

Ligados ao Padre Alves Correia que participam no MUD, como João Sá da Costa e Fernando Ferreira da Costa

 

III Semana Social Católica

1949

Mobiliza Guilherme Braga da Cruz, Afonso Queiró, Antunes Varela e J. S. Silva Dias

 

Monárquicos

José Pequito Rebelo critica o regime em 1 de Setembro de 1943.

 

Centro Nacional de Cultura

1945

Nasce sob a égide de Fernando Amado e de outros monárquicos oposicionistas

 

Portugal Restaurado pela Monarquia

1950

Manifesto anti-regime dos sobreviventes do Integralismo Lusitano

 

 

÷ Da esquerda

 Para a direita ø

Organização Cívica Nacional

●Criada em 1951 a partir da comissão de candidatura de Quintão Meireles, com António Sérgio, Carlos Sá Cardoso, Henrique Galvão e o coronel Maia. Estes dois últimos organizam um comité revolucionário e acabam presos.

●Vários oposicionistas apresentam ao governo civil de Lisboa um requerimento contendo os estatutos da Organização Cívica Nacional.

●A pretensão será indeferida (1 de Novembro).

●Em 1952 Prisão de Henrique Galvão e de outros membros da Organização Cívica Nacional, acusados de encobrimento de um movimento revolucionário. Estão reunidos na sede do grupo na Rua da Assunção. Chegam a solicitar a aprovação dos respectivos estatutos ao governador civil de Lisboa, que indeferiu o requerimento (7 de Janeiro).

●Descoberta uma conspiração organizada por Henrique Galvão, com o brigadeiro Maia e os coronéis Martins dos Reis e Tadeu. Os conspiradores são condenados com penas de prisão entre dois e três anos, pelo Tribunal Militar Territorial de Lisboa (17 de Dezembro).

●O julgamento, anulado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1953, será repetido em 17 de Março seguinte.

Comissão Promotora do Voto

●Organização oposicionista promovida em 1953 por António Sérgio, visando as eleições de Novembro desse ano. Integra-a Carlos Sá Cardoso.

●Em Dezembro de 1956, é reactivada a organização.

●Oposicionistas, liderados pela Comissão Promotora do Voto, promovem no Hotel Império, no Porto, um jantar de homenagem a José Domingues dos Santos (8 de Maio de 1957).

●Subscrevem mais uma representação do Presidente da República em 1957.

Liga Portuguesa de Direitos do Homem

●Eleitos os novos corpos gerentes desta organização ligada ao GOL, em 11 de Fevereiro de 1953.

Liga Cívica

●Vários oposicionistas subscrevem, em requerimento dirigido ao governador civil de Lisboa o pedido de aprovação dos estatutos de uma Liga Cívica (15 de Março de 1954).

Centro Eleitoral Democrático

●Oposicionistas do Porto, liderados por António Macedo, requerem ao Governador Civil do Porto autorização para a constituição no distrito de um Centro Eleitoral Democrático (5 de Julho de 1954).

Causa Republicana

●Criada em Novembro de 1954 uma Grande Comissão Nacional para a organização da Causa Republicana.

●O grupo subscreve uma representação ao Presidente da República pedindo a legalização, que é indeferida em Junho de 1955 por despacho do ministro do interior.

Comissões eleitorais da oposição

●Almoço de confraternização de elementos da oposição democrática em Lisboa, onde se aprova a formação de comissões eleitorais da oposição em todos os distritos, independentemente da Comissão promotora do Voto. Formada uma comissão de honra para o efeito (13 de Dezembro de 1956).

●Novo almoço de confraternização de oposicionistas em Aveiro comemorando a revolução liberal de 1828 (16 de Maio de 1957). Vários elementos da oposição solicitam mais uma amnistia ao Presidente da Assembleia Nacional.

●Subscrevem junto do Presidente da República uma Representação dos Democratas Abstencionistas (4 de Outubro de 1957).

I Congresso Republicano de Aveiro

●Organizado por Mário Sacramento. Preside à sessão o antigo ministro da I República, Dr. António Luís Gomes (6 de Outubro).

Candidatura oposicionista

●Tendo em vista a campanha eleitoral, a oposição candidata por Lisboa Ferreira Martins, Câmara Reys, Manuel da Palma Carlos e Arlindo Vicente (1906-1990).

●É apresentado um protesto a Craveiro Lopes, subscrito por Jaime Cortesão, Azevedo Gomes, Hélder Ribeiro, Tito de Morais, Nuno Simões, José Domingues dos Santos, Adão e Silva e Acácio Gouveia, que defendem um governo nacional (Outubro de 1957).

●Cunha Leal assume-se como abstencionista e critica o veneno corrosivo da insinuação bolchevista, apelando à democracia pluralista, que seria capaz de melhor conter o comunismo que o Estado Novo (Outubro de 1957).

●A lista da oposição por Lisboa não é autorizada a concorrer por decisão do Supremo Tribunal Administrativo.

●As listas apresentadas em Aveiro e no Porto logo desistem. Apenas persiste a lista de Braga (18 de Outubro de 1957).

●Sessão de recepção à imprensa dos oposicionistas, realizada no café Chave d’Ouro em Lisboa, onde os candidatos explicam porque se abstêm do acto eleitoral. A notícia é dada na imprensa do dia seguinte (30 de Outubro).

●Um grupo de oposicionistas, liderado por Câmara dos Reys esboça um movimento destinado a propor Mário de Azevedo Gomes como candidato à Presidência da República. O movimento não avança (Novembro de 1957).

Socialistas

●Ramada Curto abandona a SPIO em 1953.

●Nesse ano surge um grupo de reflexão política que começa por designar-se apenas como Resistência Republicana. Liderada por Mário Soares que, em 1951, conclui a respectiva licenciatura em Letras e que, entre 1952 e 1957, também tira o curso de Direito, depois de expulso do PCP em 1951.

●O grupo reúne elementos vindos do Partido Comunista, da União Socialista, como Manuel Mendes (antigo militante do MUD Juvenil), Fernando Piteira Santos (expulso do PCP em 1949), Gustavo Soromenho e Ramos da Costa, a que se juntam, depois, José Ribeiro dos Santos, Teófilo Carvalho Santos, José Magalhães Godinho, Eurico Ferreira e Fernando Homem de Figueiredo.

●É em representação do grupo que Mário Soares entra em 1956 para o Directório Democrato-Social, a convite de Adão e Silva. Como reconhece o próprio Soares trata-se de um sólido grupo de amigos.

Comunistas

●Em Fevereiro de 1951, o jornal Avante denuncia a cisão do grupo de Mário Soares, Fernando Piteira Santos, Jorge Borges de Macedo e Francisco Ramos da Costa. São considerados oportunistas.

●O dirigente Manuel Domingues é assassinado em Belas (4 de Maio de 1951).

●Em 1952 emerge um Movimento Nacional de Defesa da Paz que distribui um manifesto intitulado Defesa da Paz. Assinalam-se manifestações estudantis contra a reunião em Lisboa do Conselho da NATO (Fevereiro).

●Participam de forma discreta na campanha eleitoral da oposição em 1953. Beneficiam da amnistia de 28 de Março desse ano. São os principais activistas das greves de Junho no Alentejo que mobilizam cerca de 20 000 pessoas.

●Cunhal define o ano de 1954 como momento de refluxo revolucionário, na altura em que o PCP tenta desmantelar uma fracção de direita, com João Rodrigues e Cândida Ventura. De Fevereiro a Março surgem várias greves de operários têxteis no norte, nomeadamente em Riba d’Ave e Vila do Conde. Inserem-se na luta desencadeada pelo PCP contra a chamada campanha da produtividade. Também nesse ano de 1954 retomam-se as comemorações do Dia do Trabalhador, com manifestações em várias localidades (1 de Maio).

●Morte de Catarina Eufémia no Baleizão. Terá sido assassinada pelo tenente Carrajola da GNR (19 de Maio de 1954). Estamos no ano em que se encerra a colónia penal do Tarrafal, onde apenas está preso o comunista Francisco Miguel (26 de Janeiro).

●Estão na base da formação do Partido Comunista Angolano em 1955. Neste ano, promovem várias greves e sofrem uma vaga de prisões que afectam Ângelo Veloso, Borges Coelho e Pedro Ramos de Almeida (5 de Janeiro).

●Defendem em 1956 uma solução pacífica para o problema político português. Pedro Soares e Júlio Fogaça (1907-1980) até advogam o entrismo, a luta na legalidade, principalmente nos sindicatos existentes.

●Realiza-se, neste ano, a sexta reunião plenária do Comité Central, onde as palavras de ordem são as de luta contra o sectarismo e de desenvolvimento de um amplo trabalho de massas, preparando a viragem do V Congresso do ano seguinte.

●Em 1957, assinalam-se algumas greves durante o ano: dos salineiros de Alcochete, dos pescadores de Matosinhos e dos mineiros do Pejão.

●Lançam uma campanha pelo salário mínimo de 100$00 por dia. Manifestações do Dia do Trabalhador (1 de Maio de 1957).

●Depois do XX Congresso do PCUS em Fevereiro de 1957, o PCP adere à chamada coexistência pacífica, aprovando uma solução pacifica para o problema português, naquilo que será, depois, qualificado como um desvio de direita. Júlio Fogaça e Pedro Soares, em carta ao Comité Central, propõem que o partido trabalhe dentro dos sindicatos nacionais e opte pela via eleitoral.

●O Avante tem então uma tiragem de 5 000 exemplares, devendo o partido contar com cerca de 2 500 miltantes (Dezembro de 1957).

 

 

 

Henrique Galvão

●Em Abril de 1954, começa a surgir o jornal clandestino Moreano (sigla de Movimento de Resistência Antitotalitária, dito de militares e para militares, que Henrique Galvão edita a partir da cadeia onde está detido. Colabora também com o jornal brasileiro Anhembi que repete os panfletos.

●Polícia detecta que o jornal Moreano é emitido da Penitenciária de Lisboa por Henrique Galvão, através de um copiógrafo, emitindo-se cerca de 500 exemplares de cada edição.

●Depois de busca, encontram-se também edições de livros de Galvão, como O Caso da Índia, Subsídios para o Estudo do Problema Político Português e Vagô.

●Henrique Galvão tenta evadir-se do Hospital de Santa Maria de Lisboa, em 4 de Novembro de 1955, agredindo o polícia que o guardava. Será julgado por esta conduta em 5 de Novembro de 1955.

Directório Democrato-Social

●Criado em Dezembro de 1950, mantém-se até 1974, passando a designar-se por Acção Democrato-Social em 1963. Começa por reunir Mário de Azevedo Gomes, Jaime Cortesão e António Sérgio, os barbas.

●Entra depois Mário Soares, em 1956, em nome da Resistência Republicana e Socialista. O grupo faz, sobretudo, exposições ao Presidente da República, naquilo que Humberto Delgado chama a pequena guerra dos papéis.

●Outros fundadores são Acácio Gouveia, Artur Cunha Leal, Carlos Sá Cardoso, Carlos Pereira, comandante Moreira de Campos, Nuno Rodrigues dos Santos e Raúl Rego.

Frente Nacional Liberal e Democrática

●Organização criada em Outubro de 1956, por iniciativa de Nuno Rodrigues dos Santos e chefiada pelo general Ferreira Martins.

●Membros da mesma entregam no Ministério do Interior estatutos do grupo, no sentido da respectiva aprovação, que não vai ser concedida (13 de Março de 1957).

Acção Católica

●O movimento da Acção Católica nos anos cinquenta vai politizar-se e começa a esboçar críticas ao regime. Destaca-se o Congresso da JUC de 1953, bem como a renovação nas lideranças da JOC a que estão ligados João Gomes e Manuel Serra (n. 1925).

●Parte desta geração vai colaborar intensamente na campanha de Humberto Delgado em 1958 e alguns deles estão empenhados na organização da intentona da Revolta da Sé de 1959.

Bispo da Beira

●Na Beira, em Moçambique, termina uma reunião colectiva dos representantes das várias missões da diocese, presidida pelo bispo, D. Sebastião Garcia de Resende, onde se denunciam vários abusos das autoridades (18 de Outubro de 1953).

●O mesmo bispo emite uma pastoral bastante crítica para o ministro do ultramar Raúl Ventura. Salazar protesta junto do Núncio (Dezembro de 1957).

●Já antes, o bispo recusara receber o presidente Craveiro Lopes, ferido pela circunstância do governo ter decidido construir um liceu público na cidade, em vez de construir o edifício do Colégio dos Maristas, afecto à diocese

I Congresso da JOC

●Proibida em 1955 a publicação das conclusões, bem como as cerimónias de um jogo cénico que teria lugar depois da sessão de encerramento por interferirem no terreno concreto do mundo político ou político-económico e político-social.

Encontro

●Surge em 1957 a revista da geração nascida no Congresso da JUC de 1953. Tem como director João Salgueiro, colaborando João Bénard da Costa, Pedro Tamen e Carlos Portas.

Monárquicos

●Integrada na campanha oposicionista, surge a palestra de Rolão Preto, aos microfones do Rádio Clube Português, Tudo pelo Homem, nada contra o Homem, onde fala no salazarismo como a revolução a frio, esquematizada pela razão, conduzida pelos caminhos da inteligência como se fosse uma experiência de laboratório, repetindo o que do Estado Novo disse Miguel de Unamuno em 1935, um fascismo de cátedra (31 de Outubro de 1953).

●Causa Monárquica apela ao voto nos candidatos monárquicos da UN, defendendo a abstenção nos círculos onde estes não concorram (2 de Novembro de 1953).

●Confronto entre Salazar e D. Duarte Nuno sobre o destino dos bens da Casa de Bragança, no ano de 1954, quando Franco chega a acordo com D. Juan de Bourbon sobre a educação do príncipe Juan Carlos, visando a restauração da monarquia em Madrid.

Movimento Monárquico Independente

●Movimento de monárquicos oposicionistas, onde se destacam Fernando Amado, João Camossa e Gonçalo Ribeiro Teles. Surge em 1957.

●Participam nas movimentações da Revolta da Sé de 1959.

●Candidatam-se em 1961, juntando-se-lhe Francisco Sousa Tavares, Mário Pessoa e Fernando Vaz Pinto.

●Ainda têm intervenção nas eleições de 1965.

Nacionalistas

●Em Maio de 1953, esboça-se oposição nacionalista que pretende concorrer em Aveiro, mas acaba por desistir.

●Em 1958, é criado o Movimento Jovem Portugal que vai ter alguma importância na luta universitária. Um dos fundadores deste movimento que tem como símbolo a cruz céltica é Zarco Moniz Ferreira., assumindo-se contra as oficinas de Moscovo e as lojas da franco-maçonaria liberal e capitalista. Colaboram no processo António José de Brito e Florentino Goulart Nogueira. Nos anos sessenta chega a publicar em Coimbra o jornal Combate.

 

1958

Sou liberal – Sou liberal e como liberal me dirijo a todos os portugueses que desejem a sua pátria libertada (Humberto Delgado).

Contra a ditadura policial – Condeno o híbrido sistema político tirânico e vingativo que está a arrastar-nos para a pior catástrofe da nossa história… a idolatria da autoridade, o materialismo da obediência passiva… tendo começado por ser uma ditadura administrativa, manhosamente se transformou em ditadura policial, contrária ao destino moral e pessoal do homem… O Estado Novo tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres… para me declarar monárquico não peço licença ao rei nem aos bobos da Corte (Luís de Almeida Braga).

O Chefe de Estado não se discute – Considero que o Chefe de Estado não pode ser discutido nem discutir, pois tem de ser respeitado (Américo Tomás)

Retirada de Cunha Leal e Arlindo Vicente – Cunha Leal comunica nos microfones do Rádio Clube Português que retira o seu projecto de candidatura, apoiando Humberto Delgado. Anunciada também a retirada de Arlindo Vicente, depois do acordo feito em Cacilhas com Delgado (noite de 29 para 30 de Maio). Cunha Leal havia sido proposto pelos membros da comissão informal que liderara o processo da campanha eleitoral da oposição do ano anterior, com destaque para Cruz Ferreira, Manuel Sertório, Manuel João da Palma Carlo e Constantino Fernandes. A proposta tem o imediato apoio dos comunistas bem como de Nuno Rodrigues dos Santos que, por esta razão, entra em conflito com o Directório Democrato-Social.

Os verdadeiros nacionalistas – Um governo autoritário, que vive à custa do silêncio dos adversários e nega os direitos do cidadãopode impor-se num país de escravos, nunca a um povo que teve de lutar com extremos de bravura para fundar a sua independência e expandir-se no mundo. Nada de um português do velho cerne pode perdoar do que reduzirem-nos à condição de menor. É deste fundo de oito séculos de Nação que os portugueses aclamam o candidato independente. E por uma razão apenas: porque ele lhes prometeu, por forma heróica, as liberdades a que tem direito. Os verdadeiros nacionalistas são os partidários do general Humberto Delgado (Jaime Cortesão)

1961

 

 

÷ Da esquerda

 Para a direita ø

PCP (1921)

●Cunhal e outros destacados militantes do partido fogem da prisão de Peniche (3 de Janeiro de 1960).

●Fuga de presos políticos da prisão de Caxias, utilizando o próprio carro blindado de Salazar que aí se encontra (4 de Dezembro de 1961).

●O militante comunista José Dias Coelho é morto por agentes da PIDE em Alcântara em 16 de Novembro de 1961. Segundo a versão dos comunistas trata-se de um assassínio. Segundo a polícia política, mero acidente.

●Conferência da oposição em Praga (19 a 21 de Dezembro de 1962) dá origem à Frente Patriótica de Libertação nacional (FPLN).

PIDE provoca rombo na direcção do PCP, com a prisão de Blanqui Teixeira, Guilherme de Carvalho, José Carlos e Jorge Araújo, por denúncias de um detido, Verdial (28 de Maio de 1963).

●Em Abril de 1964, é aprovado no PCP o relatório de Álvaro Cunhal Rumo à Vitória.

● Terceira Conferência da Frente Patriótica de Libertação Nacional, reunindo o PCP, a Resistência Republicana e o MAR, onde Humberto Delgado é afastado da organização.

●Em Maio de 1965 é preso Domingos Abrantes, do Comité Central do PCP, no âmbito de uma operação policial onde se desmantela parte da rede clandestina do partido no sul do país.

●Neste ano, realiza-se na URSS, nos arredores de Kiev, o VI Congresso do PCP. Secretariado do Comité Central, com Álvaro Cunhal, Sérgio Vilarigues e Manuel Rodrigues da Silva. Mobilizam-se três dezenas de militantes, cerca de 75% dos quais são funcionários do partido. Participa Silva Marques bem como altos hierarcas de então, como Pedro Ramos de Almeida, destacado em Argel, Francisco Miguel, Pedro Soares, Joaquim Gomes e Georgette Ferreira. É o primeiro congresso depois da cisão de Francisco Martins Rodrigues.

●Circular do Comité Central do PCC defende que a luta proletária deve estender-se contra os representantes do revisionismo existentes no partido, na universidade e no exército (16 de Maio de 1966).

Em Agosto, reunião do comité central do PCP que reconhece a dificuldade do processo de luta, numa altura em que devido à acção policial estão já presos todos os dirigentes do CMLP.

●Vaga de prisões de dirigentes comunistas na margem Sul do Tejo e em toda a zona Sul do país em Maio de 1967. Prisão de, pelo menos, uma dezena de funcionários do partido, estendendo-se pelo mês seguinte.

●PCP apoia a invasão de Praga pelas tropas do Pacto de Varsóvia (23 de Agosto de 1968).

●Começam as chamadas reuniões Intersindicais de carácter clandestino entre membros das direcções sindicais oposicionistas, dominadas pelos comunistas, a maioria dos quais é oriunda do sindicalismo católico (1 de Outubro de 1970).

●Surge a ARA, estrutura militar do PCP que tem a sua primeira acção em 26 de Outubro de 1970, com uma bomba no navio Cunene. O dirigente máximo da organização é Jaime Serra. A segunda acção é de 20 de Novembro contra equipamento militar (no mesmo dia em que Alpoim Calvão desembarca em Conakri).

Frente de Acção Patriótica (1964)

●Dissidência do PCP criada em Janeiro de 1964 por Francisco Martins Rodrigues, depois de divergências na reunião do comité central de Agosto de 1963. Acompanham-no João Pulido Valente e Rui d’Espinay. Acusam o PCP de mero eleitoralismo.

●Em Abril surge a partir da FAP um Comité Marxista-Leninista Português que passa editar o periódico Revolução Popular.

●Os principais dirigentes deste grupo serão presos em 1965, mantendo-se apenas um Comité do Exterior que organiza uma I Conferência em 1967.

●Uma II Conferência, no interior, ocorre em 1969, já dominada pela acção de Vilar, o antigo estudante do Instituto Superior Técnico, Heduíno Gomes.

●Em 1968, o que resta da direcção do CMLP vai dar origem ao jornal O Comunista, de que saem 14 números, mais próximo dos trotskistas, entre os quais está o grupo de Maria Albertina, animado então pelo ex-comunista e futuro deputado do PSD, Silva Marques. Depois da expulsão deste grupo, e sendo desmantelada a organização no interior, o remanescente concilia-se com os que circulam em torno do jornal O Grito do Povo, particularmente actuante no Norte, constituindo-se em 1972 a OCMLP, a Organização Marxista-Leninista Portuguesa.

Desta OCMLP vai destacar-se uma UCRPML, dirigida por José de Sousa, a União Comunista para a Reconstrução do Partido Marxista-Leninista.

●A OCMLP, quase destroçada em 1974, retoma a actividade depois do 25 de Abril integrando-se no chamado Comité Anti-Colonial.

●Contudo, nas eleições de 1975, destaca-se dos mesmos e retoma a autonomia, designando-se FEC ML (Frente Eleitoral de Comunistas Marxista-Leninista)

Jornal O Comunista (1968)

●Junção do que resta do CMLP. Aparece em 1968. Próximo dos trotskistas, com o grupo Maria Albertina e Silva Marques. Na mesma senda o jornal O Grito do Povo, actuante no norte.

PCP-ML (1970)

●Partido Comunista de Portugal (Marxista-Leninista), surgido em finais de 1970. Tem como órgão o jornal Unidade Popular. Liderança de Francisco Martins Rodrigues.

●Há uma dissidência dos militantes do interior, dinamizada por Heduíno Gomes que em Maio de 1974 é expulso.

PCP-ML -Heduíno Gomes (1974)

●Organiza partido e jornal com o mesmo título, a partir de Maio de 1974. Base da

Aliança Operário-Camponesa, surgida em Novembro de 1974.

UCRPML (1971)

●União Comunista para a Reconstrução do Partido Marxista-Leninista, liderada por José de Sousa. Surge em 1971. Depois de 1974 integra-se no Comité Anti-Colonial e depois na UDP.

URML (1971)

●Unidade Revolucionária Marxista-Leninista, surgida em 1971. Publica o jornal Folha Comunista. O grupo adere, depois de 1974 e durante um breve período, às Comissões de Base Socialistas

MRPP (1970)

●Com Arnaldo Matos. Fernando Rosas. Surge em Setembro de 1970. Cria a Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas, com Saldanha Sanches e José Manuel Durão Barroso. Tem como órgão, a partir de 1974, o Luta Popular, dirigido por Saldanha Sanches. Dá origem, em 1976, ao

Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses. Neste, destaca-se a liderança de António Garcia Pereira.

OCMLP (1972)

●Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa surgida em 1972. Junta herdeiros da CMLP, gente de O Grito do Povo, e de O Comunista, depois de expulso o grupo de Maria Albertina

FEC-ML (1975)

●Frente Eleitoral de Comunistas Marxistas-Leninistas, surgida em 1975.

●Herdeiros da OCMLP que se destacam do Comité Anti-Colonial e reclamam a autonomia

LCI (1973)

●Liga Comunista Internacionalista, criada em 1973.

●Trotskysta, integra-se na IV Internacional.

PRP/BR (1972)

●Partido Revolucionário do Proletariado. Uma dissidência da FPLN, de 1972, que integra as Brigadas Revolucionária. Liderado por Carlos Antunes e Isabel do Carmo.

UDP (1974)

●União de três grupos marxistas-leninistas. UCRPML, CARP-ML (Comité de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista) e URML (Unidade Revolucionária Marxista-Leninista). Surge em Dezembro de 1974

Comissões de Base Socialistas (1974)

União de militantes do PRP, da LCI e da URML. Surge em Maio de 1974

PCP (R) (1976)

Partido Comunista Português (Reconstruído). Surge em Maio de 1976.

Programa para a Democratização da República (1961)

●Programa comum da oposição, elaborado sob a inspiração de Jaime Cortesão e Mário de Azevedo Gomes. Embora datado de 31 de Janeiro, só é tornado público e concluído em 11 de Maio.

●Entre a equipa que elaborou o programa, destacam-se os militantes da Resistência Republicana e Socialista, com destaque para Mário Soares, José Ribeiro dos Santos, Fernando Piteira Santos e Ramos da Costa, em colaboração com o liberal Acácio Gouveia e certos elementos representantes da Seara Nova, como Rui Cabeçadas e Nikias Skapinakis.

●Na sequência da conferência de imprensa que divulgou o programa, realizada no escritório de Acácio Gouveia, são presos, para além deste advogado, Mário Soares e Gustavo Soromenho.

●Neste mês, assinala-se também a tentativa de constituição de um Conselho Nacional Democrático.

Frente Patriótica de Libertação Nacional (1962)

●Surge da conferência da oposição em Praga (19 a 21 de Dezembro). A formal reunião da Conferência das Forças Antifascistas Portuguesas dá origem à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN).

●Nessa reunião estão presentes o Movimento Nacional Independente de Delgado, representado por Manuel Sertório; a Resistência Republicana e Socialista, de Mário Soares; o PCP e o MAR.

●Baseia-se no movimento das Juntas Patrióticas, nascidas em 1959, antes de assentar em Argel, em 1960.

●Em 9 de Novembro de 1970, a FPLN, instalada em Argel, afasta o representante do PCP, Pedro Soares, e trata de afirmar-se revolucionária.

●Deste grupo se destacam as Brigadas Revolucionárias, em 1971, e os militantes fundadores do Partido Revolucionário do Proletariado, em 1973.

●Em 6 de Junho de 1974, os militantes remanescentes, com destaque para Manuel Alegre e Fernando Piteira Santos dissolvem a frente, integrando-a nos efémeros Centros Populares 25 de Abril.

Frente Portuguesa de Libertação Nacional (1964)

●Criada por Humberto Delgado no Verão de 1964, quando entra em ruptura com as estruturas integrantes da FPLN, principalmente o PCP. É então que o general passa a ser apoiado por Henrique Cerqueira, a partir de Rabat.

●Acusa os membros do grupo de Argel de politiqueiros palavrosos. O delírio conspirativo de Delgado leva-o a conceber vários planos de derrube do regime, nomeadamente uma chamada operação laranjas, com a instalação de um governo provisório em Macau, para o que pensa contar com o apoio da China.

●O isolamento do general propicia que este acabe por cair numa cilada armada pela polícia política que o atrai a Espanha em Fevereiro de 1965 e onde viria a ser assassinado.

Movimento de Acção Revolucionária (1962)

●Movimento oriundo das lideranças da crise estudantil de 1962, com Medeiros Ferreira, Vítor Wengorovius, Manuel de Lucena, João Cravinho, Nuno Brederode dos Santos e Vasco Pulido Valente.

●Escrevem na revista O Tempo e o Modo que acabam por dominar. Pretendem assumir-se como uma espécie de partido socialista revolucionário, conforme a observação de Mário Soares.

●Através de Lopes Cardoso e Rui Cabeçadas, participam na FPLN.

Grupo Socialista Revolucionário (1970)

●Exilados em Genebra, em Novembro de 1970, constituem o Grupo Socialista Revolucionário.

●Com António Barreto, Medeiros Ferreira, Eurico de Figueiredo, Ana Benavente e Manuel de Lucena, que começa a publicar a revista Polémica.

Acção Socialista Portuguesa (1964)

●Estrutura-se em 1964. Criada, em Genebra, por Mário Soares, Tito de Morais e Ramos da Costa, procurando a ligação com cerca de meia centena de militantes no interior do país, para onde se mobilizam José Magalhães Godinho, Gustavo Soromenho, Raúl Rego, Francisco Salgado Zenha, José Ribeiro dos Santos, Catanho de Meneses, António Macedo, Mário e Carlos Cal brandão, Álvaro Monteiro, Costa e Melo, Fernando Vale, António Arnaut e António Campos.

●Mário Soares volta a ser detido, acusado de participar nas movimentações que levam ao golpe de Beja (15 de Fevereiro de 1962). Será posto em liberdade no dia 8 de Março.

●Mário Soares é deportado para S. Tomé por decisão do Conselho de Ministros (21 de Março de 1968).

●Hermínio da Palma Inácio entra clandestinamente em Portugal, visando uma acção de ocupação da cidade da Covilhã que sai frustrada, dado que o grupo armado é detido em Moncorvo (18 de Agosto).

●Fundado o Partido Socialista em Bad Munsterfeld, nos arredores de Bona (19 de Abril).

LUAR (1967)

●Fundada em Paris, sob a liderança de Palma Inácio, em 19 de Junho de 1967, depois do assalto ao banco de Portugal na Figueira da Foz. Entre os principais aderentes, Camilo Mortágua e Fernando Pereira Marques, futuro deputado do PS. O grupo está ligado a ilustres exilados como Emídio Guerreiro e José Augusto Seabra, futuros militantes do PPD.

O Tempo e o Modo (1963)

●A revista é fundada em 1963, tendo como primeiro director António Alçada Baptista. Ligada à Editora Moraes e à colecção do Círculo do Humanismo Cristão. Mobiliza, na sua primeira fase, uma série de intelectuais católicos críticos do salazarismo, como Nuno de Bragança, Pedro Tamen, João Bénard da Costa, Alberto Vaz da Silva, Mário Murteira, Adérito Sedas Nunes, Francisco Lino Neto, Orlando de Carvalho, Mário Brochado Coelho.

●Alarga-se a outros sectores da esquerda, como a Mário Soares e a Salgado Zenha, vindos do MUD, ao então comunista Mário Sottomayor Cardia, e à jovem geração de líderes estudantis, como Manuel Lucena, Vítor Wengorovius e Medeiros Ferreira.

●Esta última acaba por preponderar na revista, mobilizando Vasco Pulido Valente.

●Em 1967-1968, perde as raízes personalistas e católicas e vira ainda mais à esquerda, iluminada pelos fulgores do Maio de 1968, sob a direcção de Bénard da Costa e de Helena Vaz da Silva e com a entrada de Luís Salgado Matos e Júlio Castro Caldas. Colaboram então futuros socialistas e comunistas como Alfredo Barroso, Jaime Gama, José Luís Nunes, António Reis, Luís Miguel Cintra, Jorge Silva e Melo, Nuno Júdice e Manuel Gusmão.

●Em 1970, numa maior guinada à esquerda, a revista passa a ser porta-voz do maoísmo lusitano, com a entrada de Arnaldo Matos e Amadeu Lopes Sabino.

Movimento Cristão de Acção Democrática (1965)

●Depois da emissão de um manifesto Cristianismo e Política Social, em Maio de 1965, organiza-se o Movimento Cristão de Acção Democrática.

●Na campanha eleitoral de Outubro de 1965, destacam-se vários cristãos que alinham com a oposição democrática, pondo acento tónico na defesa dos direitos do homem e utilizando como bandeira a pastoral de João XXIII.

Cristãos progressistas

●Surge em 1964 a Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária, visando os princípios da Pacem in Terris. Será encerrada pela Pide em 1967.

●No Porto constitui-se a cooperativa Confronto, liderada por Francisco Sá Carneiro, Leite de Castro e Mário Brochado Coelho.

 

 

1974

 

Da esquerda para a direita – Em Portugal, os sentimentos de direita e de esquerda têm, sobretudo, a ver com questões de tribalismo cultural quanto a interpretações históricas. O ser de esquerda talvez passe por comemorar a Revolução Francesa e o 5 de Outubro, sofrer com a derrota dos rojos na guerra civil espanhola e saudar efusivamente o Maio de 1968 e o 25 de Abril. Já o ser de direita é fundamentalmente assumir-se contra a esquerda e não alinhar nas procissões comemorativas desse folclore, invocando-se o realismo da continuidade das instituições humanas, e concluindo-se que as revoluções não equivalem às divinais recriações do mundo. Quase subscrevo as palavras de René Rémond, numa entrevista a François Ewald, em Dezembro de 1992: cada vez que procurava uma definição de direita, verificava que a mesma não funcionava senão parcialmente e que, deste modo, o mesmo tema podia alguma vez servir para qualificar a esquerda. É que a divisão apenas pode servir para qualificar um nível da realidade, o das escolhas políticas que, pela força das coisas, é dualista, binário. Ou se é contra, ou se está a favor, mas quanto à distribuição das opiniões entre os cidadãos o número da realidade não é o dual, mas o plural.

●Se optarmos pelas lentes galicistas e continuarmos na senda do mesmo René Rémond, La Droite en France, 1969, teremos que encontrar, entre nós, três direitas: a legitimista, a orleanista e a nacionalista. Se seguirmos Jean Christian Petitfils, La Droite en France de 1789 à Nos Jours, 1976, importa pesquisarmos a extrema-direita (tradicionalismo, nacionalismo e fascismo) e a direita clássica (liberal e autoritária). Poderemos até concluir como Bertrand Badie, dizendo que a direita é menos universal nos seus ideais, mas mais universal na sua atitude, considerando a defesa da liberdade como superior à igualdade. Porque a identidade da direita é cultural e não política, havendo também um reflexo plebiscitário da direita. Até será possível dizer, como Patrice Bollon, que a direita se define como a recusa, pela impotência ou pela vontade, de enfrentar um futuro que seja diferente do passado. Por isso é que não subscrevemos o paradigma de Jaime Nogueira Pinto, que, na enciclopédia Polis, indica as seguintes características da direita: pessimismo antropológico (recusa da ideia rouseauniana da bondade natural do homem, admitindo como primordial a ideia da “luta de todos contra todos”); anti-utopismo e rejeição do linearismo evolutivo; direito à diferença contra o igualitarismo; defesa da propriedade e rejeição do economicismo; nacionalismo; organicismo; elitismo. Se subscrevermos esta perspectiva, teremos que concluir pela existência de três tipos de direita: direita revolucionária; direita conservadora; nova direita. E enlevar-nos por esta última, a que busca reconciliar uma divisão orgânica  e comunitária do homem e da sociedade com as concepções do mundo baseadas nos conhecimentos actuais  das ciências humanas e da natureza, ao mesmo tempo que chama a atenção para o papel da revolução cultural e das mentalidades na transformação do mundo, numa réplica de sinal oposto ao percurso iluminista clássico. Continuando nesta senda, teremos que atentar no que é definido por Alain Bénoist e pelo GRECE (Groupement de Recherches et d’Études de la Civilization Européenne), onde a direita é definida como: defesa da diferença ou da desigualdade natural; a vida como luta, individual ou colectiva; indeterminismo histórico, rejeição de um sentido da história. A direita não é apenas a que veio de Bonald e Maistre, que passou por Charles Maurras; e apoiou Vichy. Nem a direita bonapartista  que veio da esquerda, que estava mais à esquerda do que os liberais, quando defendia o sufrágio universal. A que foi plebiscitária com Luís Bonaparte e que continuou no gaullismo, com democracia directa, referendo, eleição do Chefe de Estado por sufrágio universal e não- parlamentarismo. Também não se reduz àquela direita liberal que também veio da esquerda. A oriunda dos liberais que em 1830 se opuseram aos democratistas, a tal direita orleanista que, depois, funda a Terceira República e que vai de Thiers a Jules Férry, de Poincaré a Giscard d’Estaing, pela defesa da democracia parlamentar pluralista; do anti-bonapartismo, da luta contra um governo forte, o plebiscito,  e a democracia directa, sempre à procura do juste milieu. Prefiro pensar em português vivido.

As muitas direitas da direita Sobre a concreta direita portuguesa do nosso tempo, podemos dizer, muito preambularmente, que hoje, ela não tem cartilha, raramente está de acordo quanto à ordem de preferência dos respectivos mestres e não reconhece ninguém como efectivo líder. Vive cada vez menos à procura do tempo perdido e começa a perceber que a respectiva unificação política só pode conseguir-se através de um movimento ascendente, de cima para baixo: da sociedade civil para o Estado, da inteligência para o Poder, dos princípios para a acção.

Da direita sociológica à direita política A natural variedade da direita implica que possam estabelecer-se vários tipos-ideais de direita, várias direitas dentro da direita, conforme a perspectiva de análise e os conceitos operacionais. Há, em primeiro lugar, a chamada direita sociológica, uma grande massa de portugueses que sente que é de direita, mesmo quando não se diz de direita, e vai votando, útil ou inutilmente, em vários partidos. A maioria deles apenas reage instintivamente e só de formas intermitente se congrega num determinado partido político. Paralelamente a esta grande direita silenciosamente despolitizada, existe uma direita politicamente comprometida com o ser de direita e é neste grupo que os vários cortes operacionais podem adquirir contornos adequados.

Da direita dos interesses à direita dos valores Pensemos, desde logo, no corte que se costuma fazer entre a direita dos interesses e a direita dos valores ou direita dos princípios, distinção que tem utilidade, não tanto para contrapor a direita à boa direita, mas, sobretudo, para chamar a atenção para a existência de uma direita que não aceita os valores do capitalismo individualista. Uma direita que mesmo quando luta por um programa liberal de governo, não está a confundir os meios com os fins nem as vias com os objectivos. Com efeito, aqueles que acreditam serem os valores da direita portuguesa globalmente incompatíveis com os valores de certos liberalismos estrangeirados, mais ou menos traduzidos do calvinismo anglo-americano, talvez pouco tenham a ver com certas constantes do modo português de estar no mundo, tanto antes como depois da reforma luterana.

Da direita tradicional à nova direita Outra conceitualização corrente conduz à distinção entre a direita tradicional e a nova direita, expressões bastante equívocas, porque há muita direita velha que é revolucionariamente antitradicionalista e muita direita nova que não é, nem gosta, de ser chamada como nova direita. Com efeito, nem toda a direita foi salazarista e até existe uma certa direita democrática anti-autoritarista e antitotalitária, desde a direita republicana, independente da maçonaria, àquilo que foi oposição monárquica ao salazarismo, primeiro integralista e, depois, personalista. Não nos esqueçamos que muita da direita, que, hoje, dizem tradicional, até foi vanguardista, modernista e messianicamente construtora de um Estado Novo que, em muitos aspectos, foi efectivamente novo. E quem fala na direita saudosista esquece, pura e simplesmente, que o saudosismo foi uma criação republicana, daquilo que pretendia ser uma esquerda republicana e que, com o correr do tempo, acabou por ser acolhido e difundido por certa direita filosófica.Há também a direita que está nos partidos e a direita que se diz independente. Só que a primeira não se torna ipso facto dependente e a segunda tem, não raras vezes, sujado as mãos em compromissos partidários conjunturais. Quem neste momento está à direita, apenas está à direita da esquerda, diluindo-se crescentemente num situacionismo híbrido e de sistema que proclama não ser de direita nem de esquerda e que segue as lições de todos os situacionismos que não são carne nem peixe, dado conceberem a maioria de forma meramente quantitativa. Mas as confusões e as rápidas mudanças de campo político são o normal das anormalidades do processo demo-liberal português. Entre aquilo que um dia se proclamou, em momento de exaltação, por simples táctica ou para poder obedecer-se a uma directiva superior, da Igreja, da loja ou do próprio principado governativo, e aquilo que há-de ser a postura permanente de cada um, vai, por vezes uma longa distância. As circunstâncias mudam mais rapidamente que as crenças, enquanto as obediências permanecem, vencendo mudanças de regime, de governo, ou de sinais ideológicos oficiais e oficiosos. Assim, quem perspectiva o dia seguinte a uma qualquer revolução política reduzindo-o à força que acabou por sair vencedora de forma monista continua o vício das interpretações retroactivas segundo o modelo da história dos vencedores, esquecendo que, entre nós, todas as revoluções sempre resultaram de coligações negativas, de uma federação de descontentamentos de sinais contrários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

÷ Da esquerda

 Para a direita ø

Frente Socialista Popular

●Surge em 9 de Janeiro de 1975. Herdeira do Movimento Socialista Popular de Manuel Serra, integrada como grupo autónomo do PS, até Dezembro de 1974.

Liga de Unidade e Acção Revolucionária

●Fundada em Paris em 19 de Junho de 1967, aparecendo aos olhos do público sob a liderança de Palma Inácio, bastante celebrizado depois de ter liderado o assalto ao banco de Portugal na Figueira da Foz. Entre os principais aderentes, Camilo Mortágua e Fernando Pereira Marques, futuro deputado do PS.

MDP

●Próximo do Partido Comunista, circula o Movimento Democrático Português, fundado a partir das Comissões Democráticas Eleitorais, institucionalizadas por ocasião da campanha eleitoral de Outubro de 1969.

Partido Comunista

●Entre as organizações que emergem na rua nos primeiros dias de Abril, estam, em primeiro lugar, os movimentos já existentes na clandestinidade ou na semi-legalidade. O principal é o Partido Comunista Português que havia sido fundado em 6 de Março de 1921 que, apesar do escasso número de militantes, apareceram como a única organização política minimamente estruturada, através de uma longa e dura experiência de clandestinidade, norteada por um disciplinado esquema doutrinário, por um efectivo centralismo democrático e bem apoiada, política e financeiramente, pelo bloco socialista soviético.

●Tinha uma eficaz implantação nos formadores da opinião pública que aparecem na comunicação social e na vida literária; domina os principais movimentos estudantis; tinha um forte aparelho sindical, bem disseminado no sector dos serviços, na cintura industrial de Lisboa e nos meios rurais do Alentejo e do Ribatejo. Esta, sobretudo, fortemente infiltrado no aparelho militar, controlando muitos dos oficiais do MFA.

●O PCP é o elemento fulcral do processo revolucionário. Se até ao 28 de Setembro é simples influenciador do mesmo, em paridade com outros protagonistas nascentes; se, desde então e até aos acontecimentos de 11 de Março, passa a ser a força política predominante, logo se tornou no controlador revolucionário, de forma directa ou indirecta.

●Aliás, o referido processo revolucionário tem etapas bem distintas, onde, paulatinamente, são eliminados os anticorpos passíveis de impedirem o controlo do poder pelos comunistas.

●Com o 28 de Setembro, liquidam-se as resistências tanto de um poder político-militar que lhe é adverso (Spínola e os spinolistas) como dos nascentes partidos de direita, então em fase de germinação, que acabam por ser pura e simplesmente extintos.

●Só depois de controlados os militares e desfeitos os partidos políticos inconvenientes, importa a eliminação do poder económico, o que se consolidou com o dia seguinte ao 11 de Março.

●Mesmo durante o PREC, o PCP continuou a ser uma organização complexa e erram todos os que o caricaturizaram como um fossilizado estalinismo, sempre disposto a partir os dentes à reacção e a conquistar o poder do Estado. Durante esse período o partido foi obrigado a dar alguns passos em frente na subversão do aparelho de Estado, apenas para poder controlar o processo de decisão da descolonização e assim servir a estratégia soviética. E que essa aceleração lhe veio estragar os planos de fundo de conquista prévia da sociedade civil, onde foi obrigado a dar alguns passos atrás. Isto é, o revolucionarismo golpista fez com que episodicamente os mestres Gramsci e Althusser fossem postos na gaveta e deu origem a algumas pesadas heranças que durante décadas não foram digeridas pelo aparelho cunhalista.

Extrema-esquerda

●Nas bandas da extrema-esquerda ou da esquerda revolucionária, há um explodir borbulhante de pequenos grupos.

●Uns eram mais adeptos da acção directa, como o Partido Revolucionário do Proletariado, com Isabel do Carmo e Carlos Antunes, ligado às chamadas Brigadas Revolucionárias, e a Liga de Unidade e Acção Revolucionária

●Outros procuram o maoísmo, como o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, criticando o social-fascismo do PCP, e o Partido Comunista de Portugal (Marxista-Leninista), invocando o monaquismo de Mao

●Não faltam sequer os trotskystas da Liga Comunista Internacionalista.

●Mais moderados parecem ser a Frente Popular de Libertação, até então sedeada em Argel, com Manuel Alegre, e o Movimento da Esquerda Socialista (MES), ligado a antigos dirigentes dos movimentos estudantis de esquerda, onde aparecem pessoas como Jorge Sampaio, Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Mateus e César Oliveira.

MES

●Ainda sem este nome, o Movimento da Esquerda Socialista configura-se em Julho de 1970, a partir da acção dos Comités Operários de Base, tendo abandonado o plenário da CDE em Julho de 1973.

●Em finais de 1971, o grupo tem reuniões no seminário de Valadares, dos padres combonianos, onde desempenha importante papel de ligação o padre Soares Martins, sobrinho do bispo da Beira, D. Sebastião Garcia Resende, e autor de vários trabalhos anticolonias, sob o pseudónimo de José Capela.

●Anunciado com o nome de MES, em 10 de Maio de 1974, tem como formais fundadores Jorge Sampaio, César Oliveira, José Manuel Galvão Teles, João Cravinho, Joaquim Mestre e Vítor Wengorovius, Nuno Teotónio Pereira, João Martins Pereira, Manuel de Lucena, Nuno de Bragança, Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Mateus.

●Ligado ao movimento, funciona o CIDAC, a Comissão para a Independência das Antigas Colónias, dirigida por Luís Moita e Nuno Teotónio Pereira.

●O I Congresso, que decorre em 21 e 22 de Dezembro de 1974, aprova as bases programáticas e leva à cisão do chamado Grupo do Flórida, com Jorge Sampaio, João Cravinho e César Oliveira.

●Depois do 11 de Março de 1975, saem Luís Nunes de Almeida, João Bonifácio Serra e Eduarda Dionísio.

●Só depois abandonam o grupo Manuel Braga da Cruz, Jorge Strecht Ribeiro e Rui Namorado.

Comissões de Base Socialistas

●As Comissões de Base Socialistas, que se designam como da esquerda revolucionária, são constituídas em 24 de Maio de 1974, unindo militantes do PRP, da LCI e da URML que editam o jornal Lutar pelo Socialismo.

UDP

●A União Democrática Popular forma-se em 16 de Dezembro de 1974 a partir de três grupos marxistas-leninistas, o Comité de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista (CARP-ML), surgido depois de 1974, os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCR-ML), que se assumem como verdadeiros sucessores da FAP, e a URML.

●Tem o seu I Congresso em 9 de Março de 1975 e elege um deputado para a Assembleia Constituinte em 25 de Abril de 1975, Américo Duarte.

URML

●A Unidade Revolucionária Marxista Leninista, aparecida em 1971, depois de, nos primeiros dias de Abril, ter participado nalgumas associações a grupos trotskistas, acaba por fazer uma autocrítica e voltar à militância ml.

FAP

●A Frente de Acção Patriótica é uma dissidência do PCP criada em Janeiro de 1964 por Francisco Martins Rodrigues, depois de divergências na reunião do comité central de Agosto de 1963. Acompanham-no João Pulido Valente e Rui d’Espinay. Acusam o PCP de mero eleitoralismo.

CMLP

●Em Abril de 1964 surge a partir deste grupo um Comité Marxista-Leninista Português que passa editar o periódico Revolução Popular.

●Os principais dirigentes deste grupo serão presos em 1965, mantendo-se apenas um Comité do Exterior que organiza uma I Conferência em 1967.

O Comunista

●Em 1968, o que resta da direcção do CMLP vai dar origem ao jornal O Comunista, de que saem 14 números, mais próximo dos trotskistas, entre os quais está o grupo de Maria Albertina, animado então pelo ex-comunista e futuro deputado do PSD, Silva Marques.

Grito do Povo/OCMLP

●Depois da expulsão deste grupo, e sendo desmantelada a organização no interior, o remanescente concilia-se com os que circulam em torno do jornal O Grito do Povo, particularmente actuante no Norte, constituindo-se em 1972 a OCMLP, a Organização Marxista-Leninista Portuguesa.

●Criada em 1972, pela junção dos herdeiros do CMLP, reunindo os membros do jornal O Grito do Povo com os apoiantes de O Comunista. Dará origem, depois de 1974, à FEC, Frente Eleitoral dos Comunistas. Em Maio de 1976, integra-se no PCP (R), Partido Comunista Português (Reconstruído).

UCPRML

●Desta OCMLP vai destacar-se uma UCRPML, dirigida por José de Sousa, a União Comunista para a Reconstrução do Partido Marxista-Leninista.

CAC

●A OCMLP, quase destroçada em 1974, retoma a actividade depois do 25 de Abril integrando-se no chamado Comité Anti-Colonial.

FEC (ML)

●Contudo, nas eleições de 1975, destaca-se dos mesmos e retoma a autonomia, designando-se FEC ML (Frente Eleitoral de Comunistas Marxista-Leninista)

PCP (ml)

●Uma II Conferência, no interior, ocorre em 1969, já dominada pela acção de Vilar, o antigo estudante do Instituto Superior Técnico, Heduíno Gomes.

●Destes grupos vai surgir em 1970 um PCP (ML), Partido Comunista de Portugal (Marxista-Leninista). Tem como órgão Unidade Popular.

●Em Maio de 1974 Heduíno Gomes é expulso do partido, fundando outro, com o mesmo nome e editando um jornal, também com o mesmo título.

●Este partido, em 17 de Novembro de 1974, dá origem à Aliança Operário-Camponesa, proibida de concorrer às eleições de 1975.

●Enquanto os primeiros, ainda liderados por Francisco Martins Rodrigues, continuam a dizer que os principais inimigos do povo são os monopólios e o imperialismo norte-americano, já os segundos consideram como tais o social-fascismo de Cunhal e o social-imperialismo russo.

MRPP

●O chamado Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado é fundado em 18 de Setembro de 1970 por Arnaldo Matos, secretário-geral e futuro grande educador da classe operária. O grupo chega a dominar antes de 1974 a revista O Tempo e o Modo, com Amadeu Lopes Sabino, bem como o jornal Comércio do Funchal, dirigido por Vicente Jorge Silva. Um dos seus militantes, o estudante José Ribeiro dos Santos, é morto pela PIDE/DGS em 12 de Outubro de 1972. Assumem-se como marxistas-leninistas, estalinistas e maoístas, contra o revisionismo e o social-fascismo do PCP.

●Em 4 de Maio de 1974 já ocupam casas e impedem o embarque de soldados, lançando o grito nem mais um soldado para as colónias. Têm uma eficaz máquina de propaganda, principalmente em acções de pinchagem de paredes e através do jornal Luta Popular, cujo primeiro número legal sai em 23 de Maio de 1974, dirigido pelo futuro professor de direito fiscal, José Luís Saldanha Sanches. Este é preso logo em 7 de Junho de 1974, por incitar à deserção em massa e com armas dos soldados mobilizados para África.

●A sua activa organização estudantil, a Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas, chega a dominar a Faculdade de Direito de Lisboa, considerada a terceira região libertada do mundo, depois da China e da Albânia.

●Aí se destaca José Manuel Durão Barroso, futuro ministro do cavaquismo e, depois, presidente do PSD.

● Em Dezembro de 1976 transformam-se em Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, sendo liderados pelo antigo assistente de direito e célebre advogado de causas laborais, Garcia Pereira.

PRP

●O Partido Revolucionário do Proletariado é uma dissidência da Frente Patriótica de Libertação Nacional, integrando as Brigadas Revolucionárias, fundadas em 1971. A partir de 31 de Maio de 1974 começam a publicar o jornal Revolução. Destacam-se como dirigentes Carlos Antunes e a médica Isabel do Carmo.

LCI

●A Liga Comunista Internacionalista considera-e como organização pertencente à IV Internacional, de cariz trotskysta.

Partido de Unidade Popular/PCP (R)

●Fundado em Dezembro de 1974, assume-se organização política de inspiração maoista, sendo originária da denominada facção Mendes do PCP (ML).

●Depois das eleições legislativas de 1975 retoma a designação inicial de CM-LP. Em 5 de Janeiro 1976, juntando-se à ORPC (M-L) e à OCMLP, dá origem ao PCP (R).

 

Partido Socialista

●A espinha dorsal do PS é constituída pelos marxistas dissidentes do PCP, desde os que vieram dos tempos do MUD, como Mário Soares a outros exilados, como os do grupo de Genebra, com António Barreto.

●O segundo grande núcleo provém dos republicanos históricos, afonsistas ou sergianos, como Henrique de Barros, Vasco da Gama Fernandes e Raúl Rego, quase todos eles próximos da maçonaria clássica do Grande Oriente Lusitano.

●O terceiro vector é o dos católicos dos anos sessenta, provindos da JUC e da JOC, que não começam pelo marxismo, mas pela doutrina social da Igreja Católica.

●Seguem-se alguns revolucionários das intentonas contra o regime, adeptos da acção directa, mas insusceptíveis de enquadramento pela disciplina subversiva dos comunistas, não faltando os exilados estacionados em Argel marcados por um esquerdismo intelectual quase libertário, como Lopes Cardoso e Manuel Alegre.

●Em 1974 o grupo ainda invoca como inspiração teórica predominante o marxismo, saudando a revolução soviética como marco fundamental na história da Humanidade, embora advogue uma via portuguesa para o socialismo, repudiando, nos sociais-democratas, o facto dos mesmos conservarem as estruturas do capitalismo e de servirem os interesses do imperialismo.

●E Soares, face aos comunistas, dirá sucessivamente que não é Marx nem Lenine que nos dividem, invocando a faceta estalinista do movimento cunhalista.

●Este partido, com os ventos de Abril, passa do restrito grupo de amigos de Mário Soares a um dos maiores partidos políticos do regime.

●Um partido que hibridamente procura misturar o método científico de Karl Marx, o sonho de Antero, a pedagogia de António Sérgio e o realismo criador de Mário Soares, como mais tarde sintetizará Manuel Alegre.

●No Congresso do PS dos dias 13 e 14 de Dezembro de 1974, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, Mário Soares é eleito secretário-geral, mas na votação para a comissão nacional, a lista dos históricos apenas obtém mais 94 votos que a de Manuel Serra, que consegue 44%. Ambas as listas tinham Soares como cabeça. Rejeita-se a social-democracia e em vez de uma rosa adoçar um punho, o partido assume como símbolo o agressivo punho erguido, proposto por Manuel Serra.

Republicanos históricos

●Dos republicanos históricos, ligados à maçonaria clássica, resta a Acção Democrato Social que logo anunciou o fim da sua actuação, repartindo-se os seus membros pelo PS e pelo PPD, apesar dalguns deles tentarem a constituição de um frustrado Partido Social Democrata Português, criado em 15 de Julho de 1974.

●Invocam o humanismo racionalista de António Sérgio, Mário Azevedo Gomes e Jaime Cortesão, preconizando a realização do socialismo pela via democrática não marxista. Adelino da Palma Carlos é um dos dirigentes, mas abandona o grupo em 7 de Agosto seguinte.

●Outros nomes são Armando Adão e Silva (aderirá ao PS, entra na dissidência dos Reformadores e será, depois, Grão-mestre do grande Oriente Lusitano), Ângelo Almeida Ribeiro (será bastonário da Ordem dos Advogados e Provedor da Justiça), Norberto Lopes (decano dos jornalistas portugueses e antigo director de A Capital), António Valdemar e Paradela de Abreu, quase todos intimamente ligados a actividades maçónicas. Desaparece depois do 28 de Setembro de 1974.

Partido Popular Democrático

●Nos primeiros dias de Maio de 1974, três deputados da antiga ala liberal, Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, anunciam a fundação de um Partido Popular Democrático, marcado por uma orientação social-democrata, conforme havia sido enunciada em 15 de Abril de 1971 pelo mesmo Sá Carneiro, numa entrevista concedida a um jovem jornalista do diário oposicionista República, Jaime Gama, onde o deputado do Porto declarou: amanhã se me pudesse enquadrar em qualquer partido, estou convencido de que, dentro dos quadros da Europa ocidental, comummente aceites iria para um partido social-democrata.

●Francisco Sá Carneiro, que viera do Porto para Lisboa em 26 de Abril, é entrevistado pela RTP, onde fala na criação de um partido político (27 de Abril).

●Em 5 de Maio, na sede do Expresso, na Rua Duque de Palmela, dão-se os últimos retoques no comunicado destinado a anunciar um novo partido, nova a ser emitida no telejornal da noite, mas que já não pode chamar-se social-democrata, como pretende Sá Carneiro. É o escritor Ruben Andersen Leitão que, passando ocasionalmente pelo jornal, sugere o nome Partido Popular Democrático.

●Este grupo inicial contou desde logo com a colaboração de um valioso grupo de jovens professores e assistentes das Faculdades de Direito. De Coimbra vieram Mota Pinto, Barbosa de Melo, Figueiredo Dias, Costa Andrade e Xavier de Bastos; entre os lisboetas, contam-se Sousa Franco, Rui Machete, Sérvulo Correia, Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa. Na maioria eram docentes de direito político, mas não faltam penalistas, todos irmanados na defesa do rigor do Estado de Direito.

●Em quase todos eles, havia uma marca da militância católica e um certo consenso quanto a uma axiologia personalista, ao estilo da que é difundida pelos herdeiros de Emmanuel Mounier, quando a revista O Tempo e o Modo, fundada por Alçada Baptista ainda não degenerara em marxista e maoista.

●Imediatamente se junta ao grupo inicial um conjunto de republicanos históricos e de veneráveis maçons que não eram capazes de dar caução ao marxismo teórico em que se enreda o PS, como Nuno Rodrigues dos Santos, Artur da Cunha Leal, Olívio França e Emídio Guerreiro. A título de curiosidade, refira-se que, nos primeiros dias de Abril, a Junta de Salvação Nacional chegou a atribuir a sede do Grande Oriente Lusitano, ocupada pela Legião Portuguesa, a este partido, mas os velhos advogados maçons haviam-se munido do formal título da Conservatória para evitar o mal-entendido e logo reclamaram o edifício de que tinham sido desapossados pelo salazarismo. Basta recordar que o primeiro chefe do governo era um venerável da ordem, indicado a Spínola por Fernando Olavo, outro irmão, antigo colega do presidente na Siderurgia. E não etrá sido por acaso que o mesmo Spínola chegou ao Largo do Carmo, no dia 25 de Abril, transportado no automóvel de outro maçon, Carlos Vieira da Rocha.

●A social-democracia que servia de ponto de encontro a todos estes heterogéneos percursos pouco tinha a ver com o marxismo e os movimentos operários do século XIX. Resulta, sobretudo, do prestígio que então alcança o modelo do SPD que, depois de ter abandonado o programático marxismo em 1959, alcança um enorme prestígio na Europa, principalmente com o estilo de Helmut Schmidt.

●O I Congresso do PPD, com aprovação do programa e dos estatutos ocorre nos dias 24 e 25 de Novembro de 1974. Sá Carneiro como secretário-geral. Lista unitária para todos os órgãos, mas esboça-se a oposição do grupo de Jorge Sá Borges.

Movimento Social Democrata

●Dissidentes do PPD, saídos no Congresso de Dezembro de 1975, instituem em 8 de Fevereiro de 1976 um movimento liderado por Jorge Sá Borges.

Centro Democrático e Social

●No dia seguinte à constituição do primeiro governo de Vasco Gonçalves cria-se um novo partido, o Centro Democrático Social, três meses depois do PPD e quando já estam em actividade vários partidos de direita. O grupo inicial, marcado por Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costaö, procura assumir-se como um partido rigorosamente ao centro, um pouco à imagem e semelhança do paradigma de Giscard d’Estaing.

●Dizia-se entre o centro-esquerda e o centro-direita e invoca o humanismo personalista, com muitas coincidências com o equivalente francês de Jean Lecanuet.

●Optando por dialogar com o poder  revolucionário estabelecido, até pela circunstância de Freitas do Amaral ser membro do Conselho de Estado, sempre tenta reivindicar um lugar no Governo provisório.

●Ser do centro no final dos anos sessenta do século XX dependia do lugar em que parlamentarmente se estava. Ser de tal lugar na França de De Gaulle ou na Grã de Bretanha de Mac Millan não era o mesmo que ser do mesmo sítio no Portugal de Marcello Caetano. E ser do centro podia não ser o mesmo que dizer-se do centro.

●Como tal se dizia, na I República, tanto a direita republicana de Egas Moniz, herdeira dos evolucionistas, fundadora, em 1917, de um Partido Centrista Republicana, como os adeptos do catolicismo social, à maneira de António de Oliveira Salazar, que nesse mesmo ano integraram o Centro Católico Português. Os primeiros queriam situar-se entre o partido-sistema de então, o PRP de Afonso Costa, e todos os que se opunham à República. Os segundos estavam contra o politique d’abord de certos monárquicos, que, então, queriam derrubar o sistema, preferindo aceitar as regras do jogo e fazer oposição dentro do sistema.

●O centro durante o marcelismo já era o programa dos novos líderes do situacionismo, visando aliciar aqueles que com o regime não colaboravam, sendo particularmente assumido por José Guilherme de Melo e Castro e passando a emblema da ANP no Congresso de Tomar, onde se destacou Silva Pinto, futuro militante do PS.

●Os acontecimentos do 25 de Abril de 1974, se derrubaram um regime, vieram também pôr termo a um segundo ensaio de reformismo que Marcello Caetano procurava encetar. Depois de falhada a primeira ala liberal, com Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, uma série de figuras que gravitavam em torno de Freitas do Amaral e estavam prestes a apostar numa segunda experiência de efectiva renovação na continuidade, que talvez viessem a gerar uma nova SEDES e uma inevitável remodelação governamental que desse novo fôlego a Marcello.

●O centrismo era então uma forma de apoiar do sistema em oposição aos chamados ultras que ameaçavam destacar-se do mesmo.

●Quando o jogo deste circunstancialismo foi lançado no rodopio dos primeiros tempos de Abril, julgou-se que em Portugal poderia iniciar-se uma caminhada democrática com organizações de esquerda e de direita, onde o novo hemiciclo reproduzisse todas as anteriores famílias políticas.

●Era, pois, natural que Sá Carneiro se declarasse, em coerência com a primeira ala reformista do marcelismo, como da esquerda democrática. Era inevitável que Freitas do Amaral e os companheiros da potencial segunda ala reformista do anterior situacionismo optassem por situar-se entre o centro-direita e o centro-esquerda. Pensavam que, depois de Abril, podia pensar-se como antes de Abril e nem sequer tiveram perfeita noção do que era uma efectiva revolução.

●A própria simbologia escolhida pelos dois grupos reflectia a funda opção de cada um. O PPD, entusiasmado pela experiência do PSD de Willy Brandt e Helmut Schmidt, optou pelas setas com que, com a resistência anti-nazi, se riscavam as suásticas. O CDS considerou-se a bola sob a pressão de uma seta vinda da esquerda e outra vinda da direita, mas rigorosamente limitada por um vigoroso quadrado.

Frente de Libertação dos Açores

●Tem a primeira manifestação pública em 6 de Junho de 1974. Destaca-se como líder da organização o antigo deputado da Acção Nacional Popular, José de Almeida, com fortes apoios da burguesia micaelense

Confederação da Indústria Portuguesa

●Um grupo de industriais liderados por António Vasco de Melo e José Manuel Morais Cabral constituem em 10 de Junho de 1974 a CIP.

●Na mesma linha, o Movimento Dinamizador Empresa-Sociedade, uma organização de banqueiros, como António Champalimaud, Mário Vinhas, José Manuel de Melo e Miguel Quina, criada em 22 de Agosto de 1974.

Partido Popular Monárquico

●Os monárquicos, de pergaminhos oposicionistas, não ligados à Causa Monárquica, constituem em 23 de Maio um Partido Popular Monárquico, com elementos afectos à lista da Comissão Eleitoral Monárquica de 1969, como Henrique Barrilaro Ruas, e outros que apareceram como candidatos pela CEUD, como Gonçalo Ribeiro Teles. Francisco Rolão Preto será presidente do Congresso.

Partido Cristão Social Democrata

●Surge em 5 de Maio de 1974, fundado por António da Cunha Coutinho e Frei Bento Domingues.

●Une-se, dias depois, a um Partido Democrático Popular Cristão de Nuno Calvet Magalhães.

●Em 10 de Maio já há uma dissidência, donde deriva o Partido da Democracia Cristã.

Partido Social-Democrata Independente

●Publica em 25 de Maio o seu primeiro manifesto, com Luís Arouca e José Ribeiro dos Santos.

Movimento Federalista

●Presidido por Fernando Pacheco de Amorim, surge em 6 de Maio de 1974. Tenta mobilizar apoio dos que pretendem a continuação da união de Portugal ao Ultramar, invocando a aplicação das teses do livro do general Spínola, Portugal e o Futuro.

●Entre os principais aderentes, José Miguel Júdice, Nuno Cardoso da Silva, Miguel Seabra, Luís de Oliveira Dias, José Valle de Figueiredo e José da Costa Deitado, vindos quase todos do movimento da cooperativa Cidadela.

●Depois do discurso do General Spínola de 27 de Junho reconhecendo o direito das colónias à independência, e alterando o primitivo programa do MFA de 25 de Abril de 1974, o grupo passa a designar-se Partido do Progresso, mudança anunciada em 19 de Julho.

●Vai ser dissolvido, na sequência do movimento de 28 de Setembro de 1974. Mas o nome por ele assumido, vai impedir que o CDS se assumisse como CDP- Centro Democracia e Progresso. Começa a emitir o jornal Tribuna Popular, dirigido por Miguel Seabra, em 24 de Julho.

Partido Liberal

●Criado em 28 de Maio de 1974 por dissidentes da Convergência Monárquica que não concordam com a criação do PPM e que junta militantes da Acção Católica.

Tempo Novo

●O semanário Tempo Novo, surge em 16 de Agosto de 1974, sendo dirigido por José Hipólito Raposo e ligado a membros do Partido Liberal.

Frente Democrática Unida

●Constitui-se em 27 de Agosto de 1974, com o Partido do Progresso, o Partido Liberal e o Partido Trabalhista.

Bandarra

●O jornal Bandarra assume-se como porta-voz da Frente Democrática Unida. O número zero aparece em 14 de Setembro de 1974, tendo como director Miguel Freitas da Costa.

●Um dos mais destacados colaboradores do mesmo é Manuel Maria Múrias. Apoia a manifestação da maioria silenciosa, marcada para 28 de Setembro.

Movimento Popular Português

●O Movimento Popular Português surge em 15 de Julho de 1974. Organização dinamizada pelo Círculo de Estudos Sociais Vector e pela revista Resistência, de António da Cruz Rodrigues, que publica o primeiro manifesto em 15 de Junho de 1974.

●Tem ligação ao movimento dos católicos integristas, ligando-se aos jornais A Ordem, do Porto, dirigido por José Ruiz de Almeida Garrett, e Amigo da Verdade, da Guarda, dirigido por Francisco Inácio Pereira dos Santos. Desaparece depois do 28 de Setembro de 1974.

Movimento de Acção Portuguesa

●Efémera tentativa de reorganização da direita fascista, com os Rodrigo Emílio, Goulart Nogueira, António José de Brito, Caetano Beirão, Armando Costa e Silva e José Rebordão Esteves Pinto, que há-de casar-se com Vera Lagoa e assumir a direcção de O Diabo, depois da morte desta. Desaparece depois do 28 de Setembro de 1974.

Partido Nacionalista Português

●Criado no Porto em 24 de Julho de 1974, ligado a militantes próximos dos ultras do regime anterior. Desaparece depois do 28 de Setembro de 1974.

Movimento Nacionalista

●Invocando o nacionalismo revolucionário e tendo como militantes mais destacados Nuno Rogeiro e Vítor Luís Rodrigues, destaca-se, entre 1976 e 1982, organizando, com Vera Lagoa, manifestações no dia 10 de Junho, até 1979. Tem ligações a outra organização, a Frente Nacional, de Guedes da Silva, surgida em 1977 e o Centro de Estudos Renovação, de Santos e Castro, Nuno Barbieri e José Valle de Figueiredo.

 

Out 09

O situacionismo sempre foi um casamento de conveniência entre a esquerda moderna e a direita dos interesses

Voltando às pedradas no charco, posso observar que quando Cravinho estabelece a clássica lei do preconceito de esquerda, segundo a qual uma governação liberal, mesmo que neo, ainda por cima assumida por governantes socialistas e sociais-democratas, promove a corrupção do chamado Bloco Central de interesses e trata de apelar ao regresso à ideologia, identificando-se com o socialismo de esquerda, acaba por entrar em mera retórica de um vicioso silogismo. Em termos de linguagem de comadres, bem doméstica, eu poderia sublinhar que, desde os inícios da democracia pós-revolucionária, o situacionismo sempre foi um casamento de conveniência entre a esquerda moderna e a direita dos interesses, com a segunda a entender que os seus melhores feitores são os políticos mais à esquerda do estado a que chegámos, da mesma maneira como os interventores da CIA durante o PREC sempre preferiram instrumentalizar os MRPPs. Não me apetece ir por aí. Prefiro notar as estatísticas comparadas da “Transparency International” e observar que quanto mais consolidadamente demoliberal é um regime, menor é o indíce de percepção da corrupção e mais eficaz é a punição judicial do corrupto. Porque melhores são a prevenção e a repressão de tais actividades de compra de poder. Do mesmo modo, quem ocupa os lugares da cauda são os regimes onde os antigos partidos únicos marxistas-leninistas passaram a liberais globalizadores pelo discurso, mas a cleptocráticos na prática, mesmo que o ministro, que foi estagiário do KGB, tenha agora dois seminários de transição para a democracia e quatro conferências de Hayek e Von Mises. Com estas bicadas, não queremos desvalorizar a coragem analítica do antigo governante de Vasco Gonçalves e do PS, também antigo e distinto colaborador da governança tecnocrática de Marcello Caetano e autor de pós-revolucionários projectos proteccionistas de substituição das importações na fase pré-europeia e pré-globalizadora da nossa democracia, rigorosamente vigiada pelo FMI. Por mim, se aceito alguns dos erros que ajudou a cometer, nomeadamente certos elefantes brancos que nos continuam a agravar o défice, nem por isso deixo de louvar as suas bem intencionadas estratégias de investimento público. Tal como louvo a sua attaliniana conversão à economia de mercado. Apenas pretendo recordar que não há apenas liberalismos processuais e por mera conclusão bancária. Há também concepções liberais do mundo e da vida, feitas de normas morais, princípios e valores, que tanto rejeitam um Estado de Favores como rimam com a Justiça, combatendo efectivamente os processos de compra de poder. Especialmente em espaços políticos com um pedacinho mais de autenticidade do que aquele nosso universo bem caseirinho, onde, na prática, os socialistas e sociais-democratas transformaram a prática na teoria do nem carne nem peixe, com alguma água benta de seita catolaica ou leninista à mistura.

Out 08

falta de educação das elites

Não subscrevo a alarmista tese dos que proclamam a falta de autenticidade de toda a presente classe política. Apenas observo, com algum realismo, a existência de amplas zonas de incompetência. E que a principal causa deste desassossego está na evidante falta de educação das elites e da consequente desorganização do trabalho nacional, conforme denunciava o seareiro Ezequiel de Campos. E que radica na crescente incapacidade de justa avaliação do mérito individual, com o quantitativo a destruir o qualitativo. Cravinho reconhece que não temos um Estado-Estratego, mas antes um Estado de Favores. Catalina, expondo factos indesmentíveis, envergonha o sistema de administração da justiça em nome do povo. Cravinho tem toda a razão quando proclama que o problema da corrupção não pode ser monopolizado pelo policiesco e pelo judiciesco. Por outras palavras, ambos reconhecem que o país está moralmente desarmado. Infelizmente, cada um deles continua a alimentar os fantasmas de direita e os preconceitos de esquerda que nos têm embargado. Cravinho retoma a diabolizante cláusula geral do neoliberalismo, invocando uma nebulosa egotista que confunde com a ideologia esquerdista. Catalina continua obcecada pela serôdia e maniqueísta divisão de progressistas contra conservadores. Como se não houvesse socialistas corruptos e esquerdistas pedófilos. De qualquer maneira, as duas análises foram inteligentes e corajosas pedradas no charco que nos vai desesperando. Tornaram indisfarçável a podridão que vai corroendo os nossos aparelhos de poder, presas fáceis de neofeudalismos, neocorporativismos e populismos.

Out 03

O democratismo socratista e a exaltação “racha-sindicalista”

Andam muito agitadas as hostes situacionistas e oposicionistas, principalmente depois de uma alegada e inspeccionável actuação policial preventiva junto de um sindicato que prometeu, e tem praticado, protestos contra o chefe do governo, mas que este tem qualificado como insultos, vindos dos comunistas. Por mim, não me aflijo com esses bailados discursivos e julgo que a coisa tem mais a ver com o estilo do nosso Primeiro, dotado de um temperamento que o faz aproximar de um dos mais insignes democratas do século XX: Afonso Costa. O tal que, apesar de, demagogicamente, chegar a citar Karl Marx, em plena revolta dos abstecimentos de 1917, foi generosamente cognominado pelos activistas operários da época como o “racha-sindicalistas”. Julgo que não estamos nesse ano de fome, pneumónica e grande guerra, até porque não parece que voltem aparições em Carnaxide ou na Serra de Aire, nem que um dos partidos da oposição democrática prepare um qualquer golpe dezembrista que leve Sidónio Pais ao presidencialismo, apesar dos apelos de Medina Carreira e dos relatórios do SIS sobre as infiltrações do alvará do partido eanista no partido de Manuel Monteiro. Em 1917 ainda não havia secretas dessas, detectando que o latifundiário Fernandes, do tal partido de Brito Camacho, subsidiava um golpe anti-afonsista… As invocações do fantasma repressivo do salazarismo não passam de mera literatura de justificação de situacionistas e oposicionistas, e não se vê rasto de uma qualquer Legião Vermelha, com o seu Bela Kun, a promover atentados contra o chefe da polícia republicana, o coronel com familiares de hoje na Lusoponte que há-de lançar a secreta do 28 de Maio e ter como adjunto um tal Agostinho Lourenço, o célebre institucionalizador da PVDE, exactamente o mesmo que veio da democracia para a ditadura, porque era um bom tecnocrata destes meandros. Isto é, de uma democracia irritada, quando as forças vivas lutavam contra o governo e o proletariado ia aplaudi-lo ao Terreiro do Paço, enquanto a classe média ficava entalada entre o camartelo daqueles milionários e a bigorna do proletariado (Rocha Martins, o jornalista monárquico manuelino, que a partir do “República”, se torna no “fala o Rocha, fala o Rocha, o Salazar está à brocha…”). A PIDE é do pós-guerra, já aliada dos aliados, e até começou por prender os nazis que aqui estavam exilados… Estas comparações da intimidade da nossa história contemporânea que me vieram das imagens televisivas são certamente provocadas pelo trabalho de casa que vou fazendo, porque, no próximo sábado, estarei na Biblioteca Municipal de Sintra, a ter que apresentar uma tese sobre a relação de Salazar com o pensamento político da direita desse tempo, em confronto com o Professor Doutor António Reis, que vai fazer a apresentação inversa, na relação com o pensamento de esquerda. Vale-nos que nas campanhas de Quintão Meireles, Norton de Matos e Delgado, pensadores políticos de direita e de esquerda estiveram juntos contra um regime que não era de direita nem de esquerda, mas que nos suspendeu a política durante meio século. Por mim, não quero repetir as causas que o geraram. Nem com novos democratíssimos e racha-sindicalistas. De outra maneira, o primeiro secretário-geral do PCP, Carlos Rates, ainda pode vir a aderir ao Estado Novo dos viracasacas e dos troca tintas… Por isso, ouvi atentamente o meu amigo José Miguel Júdice, ontem na SIC-Notícias, já na qualidade de tão independente como eu, embora me tenha libertado do compromisso, depois de brevíssima ilusão de coisa nova, já lá vão três anos, recindindo-a pela justa causa que hoje se torna patente. Confesso que o compreendi, apesar de antiquíssimas divergências. Sempre preferi a revolta à revolução e a tradição à ideologia, mas nem por isso deixei de saudar os primeiros dias de Abril, embora sem ter as ilusões dos grupos que, então, se foram gerando. Só voltei a acreditar e a aderir a um quando o Francisco Lucas Pires teve a ilusão de refundar o CDS, para logo o largar quando voltou o Diogo. Por isso relativizo esta fúria de menezistas e socrateiros e continuo a assumir a revolta para servir a tradição, longe dos neoliberais que não são comunitaristas, e dos neoconservadores que se tornam reaccionários, ou clericalistas.

Out 01

Colóquio na Faculdade de Letras de Coimbra

Neste final do milénio, nós, os ocidentais, que fomos capazes de, em nome da ciência, construir uma civilização, ainda não somos capazes de a ordenar. Num tempo de velocidade, vertigem e impaciência, neste império do vazio e do efémero, continua a faltar-nos uma concepção do mundo e do homem, uma concepção da vida, que entenda o homem e o mundo como um cosmos, dotado de uma ordem que nos faça olhar para cima e para dentro. Continuam a dominar concepções do homem e imaginários típicos do iluminismo e do romantismo, bem como ideologias e ideias-feitas para séculos pretéritos, e não temos a alternativa de uma nova fundamentação, para o dobrar do milénio, dado que continuamos a não querer misturar o lume da profecia com a serenidade da razão.

Como salientava André Malraux numa das suas últimas obras, L’Homme Précaire et la Littérature [1977], o mundo separa-se do homem para tornar-se espectáculo([1]), porque as imagens transmitem, mas não contróem([2]).  E tudo isto acontece porque o cientismo, o materialismo e o positivismo do século XIX geraram esta nossa sociedade que nos trouxe um determinado número de conhecimentos rigorosos que não se ordenam necessariamente([3]).

Com efeito, o cristianismo formava cristãos; a ciência, que não formava cristãos, também não formava ateus. Capaz de elaborar, sozinha, a força nuclear, de descobrir a anestesia, ela era incapaz de educar um único adolescente([4]).

Acresce que o cientismo e o materialismo, caldos onde se gerou tanto o positivismo como o marxismo, assumiram-se como uma espécie de anti-religião, proclamando, do mesmo modo, que eram o caminho e a verdade, ao mesmo tempo que pretendiam descobrir um homem novo e recusavam os poderes que não repousam sobre conhecimentos, mas sobre crenças([5]).

Eis o pano de fundo das angústias do nosso tempo, onde se insere o problema da política e talvez seja melhor reconhecermos aquele homem de sempre que levou Platão, há vinte e cinco séculos, a formular problemas que continuam sem resposta.

Ainda hoje continuamos a procurar a salvação do mundo, para utilizarmos o título de uma tragicomédia de José Régio, de 1954. Ainda hoje, nos dividimos entre o partido democrático, para quem só os princípios da liberdade são a garantia do progresso, o aristocrático,  defensor da qualidade dos governantes contra a inconsciência e a mediocridade das maiorias, e o extremista, acreditando em regimes de autoridade baseados as aquisições da Ciência e da Técnica. E todos apenas vão concordando naquela metodologia que os leva a estar em desacordo, como Lenine a invocar Ford e Taylor, o futurismo fascista a repetir as imprecações do surrealismo anarcocomunista ou Georges Sorel a servir de inspirador para todos os totalitarismos dos anos vinte. Resta-nos a esperança de um rei Pedro da Traslândia que proclame: venho nu, cheio de boa fé e de boa vontade. Perdi toda a ciência que tinha…, que julgava ter, e que nem era ciência nem era sabedoria. Agora não sei quase nada. Vou tentar aprender a cada instante com as realidades interiores e exteriores([6]). Um rei Pedro, aprendendo com aquele Profeta que volta a falar num novo Evangelho sem palavras, ideias e doutrinas: Enchestes os vossos livros de letras; as letras mataram o Espírito! Viveis soterrados em fórmulas([7]).

 

 


As perspectivas básicas

Por nós, aceitamos mais a lei da complexidade crescente da autonomia dos sistemas complexos do que a versão trinitária da dialéctica hegeliana, talvez por estarmos mais sujeitos à influência da luminosidade meridional de certa tradição reflexiva, filha da escolástica, do humanismo jusnaturalista, do activismo romântico e da interpretação espiritualista da evolução, do que a certas brumas nórdicas e continentalistas, introspectivadas pela Reforma e pelo puritanismo, à maneira do idealismo alemão ou dos moralismos norte-americanos. É a partir desta perspectiva que tentamos encarar as constantes tensões que atravessam a política, nomeadamente as antinomias básicas da liberdade-poder, do comando-obediência da legitimidade-eficácia ou do homo aequalis-homo hierarchicus

Dos autores clássicos e neo-clássicos, retemos, sobretudo, a necessidade do método tópico, tentando sempre seguir algumas das pistas de certa hermenêutica, aprendida nos bancos da Faculdade de Direito de Coimbra, com António Castanheira Neves, com quem pudemos descobrir o novo jusnaturalismo do pós-guerra, esse reencontro entre algum pensamento alemão da filosofia prática e a tese da natureza das coisas provinda da escolástica neotomista e institucionalista. Neste sentido, embrenhámo-nos nos meandros da chamada sociologia compreensiva de matriz weberiana, cujas raízes se plasmaram, entre nós, na chamada filosofia dos valores que teve em Luís Cabral de Moncada o principal cultor.

Com efeito, não nos parece que possamos fugir do essencial das propostas de Heinrich Rickert (1863-1936), com o diálogo entre o geral, ou a natureza, e o particular, ou a cultura([8]), e de Wilhelm Dilthey (1833-1911), com a tensão entre a explicação das ciências da natureza e a compreensão das ciências do espírito([9]), não tanto para retomarmos o dualismo neokantiano entre o ser e o dever-ser, mas antes para globalizarmos o conceito de cultura e caminharmos para aquela aliança metodológica que exige a permanência do saber clássico adaptado às metodologias dos nossos tempos, levando, por exemplo, a que possamos ler Platão, Aristóteles e São Tomás, nas bibliotecas electrónicas que a Internet permite atingir no nosso pequeno computador pessoal.

Aliás, nos domínios da ciência política, ainda não estão esgotadas algumas das propostas da sociologia do Verstehen de Max Weber (1864-1920), muito embora algumas das linhas mais formalistas da sua ciência livre de valores (Wertfreiheit)([10]) pareçam justamente superadas por aquele culturalismo que não trata os valores como essências objectivas, mas sim como algo que só subsiste pelo reconhecimento e pela avaliação da nossa consciência. Isto é, na autonomia ética do homem, na intimidade da nossa consciência, o tal momento de subjectividade que torna efectiva a objectividade dos valores, conforme nos ensinou António Castanheira Neves([11]).

Com efeito, a compreensão, como assinalava Hannah Arendt, é distinta conhecimento científico e da informação exacta, a compreensão é um processo complexo que nunca nos pode dar resultados sem equívocos, É uma actividade sem fim, sempre mutável e variada, pela qual nos vamos ajustando ao real, nos reconciliamos com ele e nos esforçamos por estar em harmonia com o mundo. Mas a compreensão está fundada no conhecimento, e o conhecimento não pode actuar sem uma compreensão preliminar implícita. Esta compreensão prévia denuncia a tirania do totalitarismo e pressupõe que o nosso combate é um combate pela liberdade([12]).

A partir de Weber, sempre podemos trilhar algumas sendas daquele individualismo metodológico que foi capaz de conciliar-se com o institucionalismo, sem cedência, por um lado, ao holismo e ao causalismo do positivismo de Durkheim e, por outro, ao utilitarismo e ao pragmatismo dos teóricos do homo economicus.

Nesta via, voltámos a peregrinar através de Hannah Arendt, aprofundámos Eric Voegelin e Leo Strauss e viajámos pelas grandes polémicas do pós-behaviorismo.

De Hannah Arendt, retivemos, sobretudo, a recente publicação do inédito Was ist Politik?, primeiramente publicado em Munique, em 1993, e, depois, traduzido em francês, em Novembro de 1995, texto que talvez constitua uma das principais novidades da reflexão política desta década de noventa.

De Friedrich Augustus Von Hayek, aprendemos a crítica ao construtivismo da modernidade dominante, onde permanece aquela mentalidade primitiva do animismo, segundo a qual todos os factos sociais são o resultado de actos intencionais, esquecendo tanto as variáveis individuais como os efeitos emergentes, isto é, os efeitos nascidos da agregação de actos individuais e não desejados pelos actores([13]).

De Karl Popper, aceitámos algumas das linhas fundamentais do individualismo metodológico, essa vacina contra os colectivismos estruturalistas provenientes do sociologismo de Lévy-Bruhl e de Émile Durkheim. Tentamos, contudo, dar-lhe uma coloração personalista, na linha de Mounier e de Paul Ricoeur. Isto é, se aceitamos que o nós precede o eu, não deixamos de reconhecer que há uma génese do nós a partir do eu, de acordo com aquela perspectiva personalista que faz superar a noção de indivíduo pela noção de pessoa, incluinda nesta tanto uma dimensão individual como uma dimensão social, dimensão esta bem mais dinâmica do que as noções de função ou de rôle que o estruturalismo atribui aos indivíduos.

Da mesma forma, quando dizemos institucionalismo, assumimos aquela tradição valorativa que passa por Hauriou e tenta conciliar-se com as escolas do pluralismo, do jusnaturalismo, do federalismo, da doutrina social-cristã e do liberalismo ético, não nos confundindo com as perspectivas metodológicas do recente institucionalismo histórico, valorativamente neutralista, que é invocado pelos adeptos da sociologia histórica de autores como Theda Skocpol ou de politólogos da rational choice, numa posição próxima à que, entre nós, é advogada pelo Professor Doutor Manuel Braga da Cruz, esse vasto ponto de encontro de autores neomarxistas ou neo-utilitaristas e de outros mais que, justamente, pretendem reabilitar o estudo das instituições políticas, não para a mera exegese, mas para uma avaliação empírico-comparativa.

Aliás, as críticas ao construtivismo levam a que, neste final de milénio, se consolide a ideia da não existência de paradigmas dominantes nas ciências sociais e a tornar ridícula a procura de uma qualquer ciência arquitectónica nestes domínios, pelo que talvez não valha a pena prosseguirmos nessa estafada via dos que tentam dizer qual é o mais científico só porque tentou fazer ciência de acordo com as regras metodológicas de um qualquer mestre-pensador. Esses erros metodológicos que produziram muita ciência de fotocópia e toda uma legião de pensadores pronto-a-vestir com edições cheias de muitas dívidas a prestações. Ainda recentemente, os jornais falavam num qualquer autor que tratou de pôr a ridículo uma revista de ciências sociais da pós-modernidade, inventando um desconexo artigo que foi alvo de elogios fartos dos coordenadores da mesma.

Sem ousarmos pisar os terrenos da filosofia, não deixámos de insistir num ancestral tendência que sempre nos marcou para a procura da especialidade dos assuntos gerais e das grandes sínteses. Sobretudo, procurando assumir uma postura não positivista, dado que subscrevemos o que Álvaro Ribeiro proclamou a tal respeito: o positivismo perdura sempre entre escritores que deliberada ou involuntariamente aceitam quer o cientismo quer o materialismo e que, por qualquer forma, teimam em afirmar a atitude gnóstica perante a ordem da trans cendência para deduzirem a atitude pragmatista na ordem da imanência([14])

Não quero nem posso disfarçar a minha formação jurídica de base. Radicado na perspectiva clássica da filosofia do direito e do Estado, daquele direito político que, no século XVIII, se identificou com o que havia sido o direito natural; iniciado no campo das investigações da história das instituições e do direito; tendo tido o alento de peregrinar pela história do pensamento portugês; e havendo ensaiado estudos de caso sobre as origens das instituições penais, processuais, financeiras e constitucionais, tive a oportunidade de lançar fundações globalistas para o entendimento de uma certa maneira de estar no mundo da república dos portugueses. Neste sentido, até ousarei dizer que as escolas jurídicas portuguesas que querem, podem ou sabem manter a postura clássica, talvez não devam confundir-se com um qualquer centro de formação de técnicos do direito, devendo continuarem a assumir-se como centros deontológicos mobilizados pela justiça e sem abdicarem de uma tradição que remonta à própria fundação da universidade portuguesa.

Não posso também deixar de reafirmar que não procuro a filosofia à maneira das Faculdades de Letras, tendência onde não sei sustentar-me, ficando-me apenas por uma simples via filosofista ou filosofante, tanto por carência de bases como por não procurar um objectivo final de ensimesmamento e alheamento do mundo e das circunstâncias.

Confesso ter chegado à politologia pelas preocupações manifestadas em torno da procura do Estado e da Nação, baseado nos modelos dos grandes pensadores de um lato conceito de direito público. E foi nesses grandes pensadores do direito que aprendi a rejeitar o normativismo e o positivismo, metodologias que, aliás, impregnam muitos dos que clamam contra tais nomes.

Aliás, o saber que tenta sublimar-se em sabedoria, ultrapassa os departamentalismos e não é de admirar que mestres da sociologia, como Weber e Gurvitch, pensadores da economia, como Hayek, ou filósofos políticos, como Voegelin, sejam oriundos do jurídico. Curiosamente, os que mais clamam contra a interferência das filosofias e de outros saberes especulativos nos domínios da sociedade, fazem-no presos ainda a formações de normaliens ou de teologia.

Nada de temer. Especialmente daqueles nomes que se invocam para denegrir os outros, os quais fazem parte das tais plurisseculares demonizações vocabulares que pretendem o silenciar antes do analisar, continuando aquele inquisitorialismo que, das trevas passou às luzes e permaneceu no posterior marxismo dos mestres-pensadores, tendo contaminado o mais recente marxismo-branco de alguns antimarxistas históricos, ambos formados em torno da relação Freund-Feind, onde os extremos acabam por tocar-se numa camaradagem de irmãos-inimigos. Mesmo, na vaga neoliberal e pluralista em que estamos submergidos no plano supra-estrutural em certo discurso que dele deriva, seja o politically correct dos que pretendem visibilidade intelectual ou o economicamente conveniente para certos grupos de pressão, subsidiadores de centros de investigação não estaduais, não deixa de estar em minoria aquele liberalismo ético, baseado no consensualismo anti-absolutista e fazendo ponte com tradicionalismos e neotomismos. O que predomina é um neoliberalismo de importação marcado por ideologismos e praticado por antigos marxistas-leninistas que, se mudaram de valores e de objectivos, não deixam de conservar a metodologia da fidelidade ao mestre-pensador e do doutrinarismo das vulgatas compendiárias e da dose propagandística das palavras de ordem.

O estudo das relações internacionais ajudou-nos a compreender a globalidade e a fugir aos metodologismos e aos epistemologismos que, recentemente, têm sido agitados pela nebulosa da pós-modernidade. Porque a ciência também se faz caminhando, tendo dúvidas, enganando-nos, corrigindo erros, procurando a perfeição.

A ciência também exige a tal leitura do que não está na escritura, conforme a expressão de Álvaro Ribeiro([15]), porque, depois do método a pessoa escolhe a aventura, e a palavra que flui sobre a tinta, conforme o simbolismo do barco, nem sempre pode ser animada de movimento uniforme, sobre as oscilações que resultam das marés e das correntes dos ventos([16]), pelo que urge erguer a palavra libertada à altura do pensamento, e procurar depois atingir a mais pura região do espírito, onde a palavra livre se dissocia dos prévios sentidos e conceitos que a amarram([17]).

Neste sentido, não sentimos atracção por aquele tipo-ideal que Pierre Bourdieu qualificou como homo academicus e em todos os nossos trabalhos há muitos esboços, à maneira do conceito de ensaio, pelo que abundam os vestígios da pincelada, dos toque e retoques de quem também gosta de escrever pelo prazer de escrever. Infelizmente, não são raras as gralhas e nem com todas serve a desculpa da informática.

Acresce que preferimos usar uma certa linguagem capaz de dar lugar à percepção do simbólico na política, um mundo onde abundam as metáforas e se torna quase impossível não misturarmos factos com valores e realidades de facto com realidades normativas. Com efeito, a política não se reduz à relação entre governantes e governados. Entre os dois lados dessa pretensa barricada, há todo um vasto campo de intermediação, onde o simbolismo e o vínculo espiritual acabam por ligar os homens entre si.

Os fenómenos do poder, da autoridade, da elite, da liberdade, da igualdade e do interesse não podem apenas ser fotografados de acordo com a super-estrutura das regras de organização pública, eventualmente codificadas numa constituição, e sobre as quais deambulam as teorias do Estado dos constitucionalistas e dos especialistas no direito público. Há toda uma infra-estrutura, toda uma dinâmica social e económica que foge às regras, todo um espaço de falta de autenticidade do poder, todo um campo intermediário entre os governantes e os governados que não admite a redução do político à mera coacção estadual, ao mero fenómeno do comando e do controlo. O político é bem mais amplo do que aquilo que pretendem as perspectivas maquiavélicas e realistas, embora também seja mais preciso do que as meras noções de sistema ou de organização, a que o pretenderam reduzir funcionalistas e sistemistas, adeptos da perspectiva do jogo de soma zero, pelo que importa um regresso às visões mais inclusivas.

Dizer poder executivo, por exemplo, é misturar o ser com o dever-ser, as realidades de facto com as realidades normativas, os data com as boas intenções do Estado de Direito, dado que subscrever a ideia de poder executivo implica, por exemplo, uma prévia adesão aos valores da separação de poderes e do governo sob o império da lei. Do mesmo modo, falar em Estado de Direito implica uma escolha apaixonada por um campo de concepções do mundo e da vida, exigindo a rejeição das categorias de Machtstaat e obrigando a que se tome partido pelo rule of law.

 

 

Do desencanto à reforma

Infelizmente, a ciência política em Portugal continua a padecer da nossa pequena dimensão universitária, onde, em vez de um harmónico small is beautiful, se acentuam os ancestrais vícios de uma certa guerra civil ideológica típica do Portugal Contemporâneo, do qual ainda não foi possível eliminar algumas heranças inquisitoriais, bem como os subsequentes traumatismos resultantes das rupturas revolucionárias e das ilusões construtivistas, com as suas procuras de um homem novo feitas a golpes de cacete ou de decreto, as inevitáveis doutrinas oficiais e o eventual saneamento dos que não se integram na nova ordem. Toda essa herança do burguesismo iluminista que supôs poder o homem ser dono e senhor da natureza, dono e senhor da sociedade e dono e senhor da história, essa ilusão de revolução, de homem novo, tão negativa como o seu irmão-inimigo contra-revolucionário, adepto de uma revolução ao contrário ou de um andar para trás reaccionário.

Ora, uma das consequências habituais do estabelecimento de novas intelligentsias oficiais consiste na expulsão dos universitários que não jurem fidelidade ao novo estado de coisas e no estabelecimento, directo ou indirecto de livros únicos, conforme o modelo da reforma pombalina da universidade e dos subsequentes saneamentos de lentes liberais pelos miguelistas ou de lentes miguelistas pelos liberais, num semear de intolerância que continuou por ocasião da instauração da República, da institucionalização do Estado Novo ou do lançamento do processo revolucionário em curso dos anos de 1974-1975.

Todos estes traumatismos provocaram a falta de serena continuidade reflexiva e, consequentemente, a impossibilidade de evolução espontânea, gerando medo onde deveria estar sentido de escola e subserviência onde deveria frutificar a lealdade, ao mesmo tempo que se desenvolvia uma acrítica aceitação de construtivismos que cheirassem a moda ou revelassem sinais de força.

Mesmo na actividade intelectual, dos que formalmente deveriam praticar a necessária liberdade de cátedra, eis que, muitas vezes, surgem recônditos medos ou incompreensíveis cedências aquele andar meio-mundo em bicos de pé e outro tanto de pé atrás, como costuma salientar o Professor Adriano Moreira.

Muitas vezes, alguns dos mais originais criadores portugueses, acabam por ser esquecidos e  silenciados no seu próprio tempo. Já neste século, um Cabral de Moncada ficou reduzido à torre de marfim do eruditismo universitário e um Moses Bensabat Amzalak continua perdido em pequenos folhetos editados pela Academia das Ciências, apesar de ser estudado em centros culturais norte-americanos ou de ser citado em obra recente de Peyrefitte sobre a teoria da confiança, enquanto se vão sucedendo elogios fáceis a glosadores de modas efémeras, sem qualquer espécie de enraizamento na realidade da nossa história. Do mesmo modo, as investidas da imaginação criadora, da filosofia simbólica e das parábolas de um Agostinho da Silva, acabaram por ser reduzidas ao fait-divers de uma qualquer manipulação mediática, como se os apelos que esse mestre foi fazendo pudessem reduzir-se à dimensão de flor na lapela para uso de certos políticos.

Os juristas da Restauração, de Francisco Velasco Gouveia a João Pinto Ribeiro, proibidos pelo pombalismo, foram efectivamente saneados das nossas anteriores culturas políticas, do absolutismo ao demoliberalismo, monárquico e republicano. Muita da filosofia política da escolástica peninsular dos séculos XVI e XVII, nunca mais foi repensada, por não se enquadrar nos moldes laicistas e anticlericalistas, que mobilizou iluministas, positivistas e marxistas. Obras contra-revolucionárias, como as de Gouveia Pinto e José da Gama e Castro [1795-1873), autor de O Novo Princípe ou o Espírito dos Governos Monarchicos [1841],  eram objecto de censura explícita ou implícita e por isso nem se reparou que o último autor citado foi o tradutor de The Federalist.

Os velhos liberais da era do constitucionalismo monárquico são quase todos banidos pelos posterior republicanismo. Os republicanos dissidentes do partido conformado por Afonso Costa e pelo anticlericalismo carbonário deixam de ser citados. Com o salazarismo, novo absolutismo trata de vingar-se de demoliberais da direita e da esquerda e até o próprio pensamento social-cristão quando desalinha do modelo oficioso passa para a marginalidade.

Um país que, desprezando a continuidade das instituições históricas e o evolucionismo reformista, foi sendo sucessivamente decepado, tanto das suas raízes como dos posteriores enxertos que voltavam a radicar-se no húmus dos valores permanecentes. A atracção pelo Estado-exíguo tornou-nos numa quase res nullius susceptível de ocupação por uma qualquer minoria militante capaz de controlar a intelligentzia dependente do subsídio estadual, onde os próprios opinion makers se desligaram dos últimos redutos académicos e universitários onde se ousava pensar português. A inevitável colonização cultural e o consequente nihilismo não tardaram a chegar, matando a esperança, a vontade de manutenção de uma autonomia cultural e a necessidade de um sustentado programa de formação de elites políticas, culturais e administrativas. Portugal, depois dos exageros de um pretenso Estado Ético e de uma política de espírito ficava bem mais acanhado na sua dimensão intelectual do que no tocante as respectivas dimensões territoriais, populacionais e económicas. O vazio de política levava às tentativas concretizadas de ocupação dessa espaço por jornalistas e por pequenos lobbies de pequenos patrões, pequenos sindicatos e muitos outros exíguos corporativismos de grupos de amigos e de grupos de interesses.

Ainda hoje podemos dizer, como Álvaro Ribeiro, que quem não escreve em papel pautado por qualquer ortodoxia, quem não está inscrito numa congregação de elogio-mútuo([18]), quem está disposto a lutar contra a sindicalização do trabalho intelectual que ameaça o pensamento livre([19]) pela recíproca defesa das mediocridades([20]) e pela agressividade da inveja que se manifesta pela humilhação([21]), corre o risco de nem sequer poder comunicar com outros que gostariam de fugir dos pretensos canalizadores da opinião crítica e da opinião pública.

Quando a opinião crítica quase se reduz às páginas culturais das revistas e semanários de fim de semana que vão traduzindo as últimas novidades do vanguardismo e quando a própria universidade se vai eriçando na sua concha sebenteira ou monografista, corremos o risco de mantermos um arquipélago de inúmeras torres de marfim, insusceptíveis de fecundarem a realidade e de influenciarem os movimentos sociais com um pouco de pensamento. Daí continuarmos refugiados no Vale de Lobos da ficção romanesca e no exercício lírico da poesia ou do ensaísmo, onde muitos literatos maiores e menores, apesar de tudo, conseguem transmitir uma corrente que se aproxima do sentimento geral da comunidade.

Aliás, não é por acaso que algumas das mais profundas reflexões sobre a política em Portugal nascem da pena de escritores como Virgílio Ferreira, principalmente em Espaço do Invisível  [1965, 1976 e 1977] e nos diários Conta Corrente [1980, 1981, 1983, 1986, 1987, 1993], ou de críticos literários e professores de literatura, como Eduardo Lourenço [1976, 1978 e 1988].

Alguns brilhantes teorizadores portugueses continuam a dividir o mundo segundo as dimensões da direita e da esquerda, mas padecendo daquela visão paroquial e demonizante de certos fantasmas da década de sessenta, segundo a qual até personalidades que se autoqualificam como da esquerda liberal passam a ser determinados como da direita democrática, para que, a partir de tal posição, não exista mais mundo polido e civilizado, mas tão-só as trevas da reacção.

Continuamos, com efeito, a sofrer os efeitos daquele gnosticismo típico do século XIX que irmanou cientismo, materialismo e positivismo, de tal maneira que qualquer governante dos dias que passam, ou dos imediatamente antecedentes, não deixa de invocar a Luz contra as Trevas, o Progresso contra o Atraso e a Modernização contra o Bloqueio.

Pode ter razão Gabriel Almond quando fala nas chamadas seitas existentes entre os que estudam a política, mas a respectiva qualificação de direita e esquerda, vive no mundo onde a esquerda tem a humildade de conhecer a direita e não reduz a esquerda àquele conjunto dos que nem sequer tratam de ler o que a chamada direita escreve([22]). Assim, refere uma hard right que, no plano metodológico, é essencialmente descritiva, estatística e experimentalista, apontando os exemplos de V. O. Key, James Buchanan,  Gordon Tullock e William Riker, contrapondo-a a uma soft right, marcada por uma miscelânea conservadorista que ataca o iluminismo e o cientismo e colocando Leo Strauss como chefe de fila. Na banda da direita, enumera uma hard left, onde destaca a escola dependencista representada pelo actual Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e uma soft left, herdeira da Escola Crítica de Frankfurt.

Contudo, se tentássemos utilizar os critérios de Almond, onde a esquerda e a direita tanto se medem pela dimensão ideológica como pela dimensão metodológica, verificaríamos que, em Portugal, não há campo possível para tal análise. Se achamos salutar que a própria dialéctica empobrecedora de um confronto entre a direita e a esquerda seja superado, sempre preferiríamos que o mesmo se mantivesse, porque o que lhe sucedeu, ou foi o domínio de um dos hemisférios, pelos esmagamento do outro, ou, pior ainda, um vazio nihlista.

Diremos até que podemos perspectivar a direita e a esquerda em sentido psicológico, como disposições de temperamento. Se há quem considere que a direita prefere a injustiça à desordem, optando pelo primado da moral de responsabilidade, enquanto a esquerda tende a ser marcada pela moral de convicção, acontece que, na prática, os planos podem confundir-se, governos de direita conduzidos por temperamentos de esquerda e revoluções de esquerda feitas por temperamento de direita, para utilizarmos palavras de Jacques Maritain.

Acaba por ser mais importante o modelo dos conformismos estruturais, onde os situacionismos, sejam de esquerda ou de direita, acabam por irmanar-se, enfrentando aqueles que apelam para os valores, sejam de esquerda contra um situacionismo de direita, sejam de direita contra um situacionismo de esquerda. Acresce que a internacionalização das sociedades civis, das relações intyergovernamentais e dos próprios modelos económicos, principalmente os resultantes da unificação europeia, podem levar a que governos de contraditórios sinais ideológicos acabem por confundir-se em idênticas misérias e grandezas, pelo que invocações de tribalismos internos podem assumir a dimensão do paradoxo.

Alguns exemplos preocupantes, poderíamos anunciar. Com efeito, até o ancestral confronto universitário português entre o humanismo católico e o humanismo laico, um, tendencialmente marcado pelo nihil obstat e outro, mais ou menos maçónico, depois de se perder nos meandros das teorias da conspiração, deixou de ter sentido([23])

Aliás, os tradicionais estrangeirados portugueses da Idade Contemporânea, onde era esmagadora a hegemonia do pensamento político francês, foram recenteente substituídos pelas ways of thinking anglo-saxónicas. Curiosamente, alguns dos principais vultos do pensée 68 francês, pouco dados à New Left, foram substituindo Sartre, Althusser e os vultos da filosofia do desejo pelos membros da Escola Crítica de Frankfurt mais citados nos Estados Unidos da América.

Se ainda há alguns anos o vanguardismo português considerava como capital cultural do país o nível de discussões travadas entre bolseiros, refugiados e escrevedores que circulavam pelos Champs Elysée, eis que, nos dias que correm, parecemos deslizar para um novo foco colonizador, agora posto no além-Atlântico, entre Madison e Stanford, com viagens por Nova Iorque, Providence e Chicago. O resto do país, que é o país, situado fora dessa nova capital mental, porque não quer ir além da dimensão deste país, transformando-se em mera província, onde apenas se cultiva a paisagem, num sítio que quer abster-se de história, enrodilhado na vergonha pelo que fomos, apesar de muitos o querem erigir em reserva ecológica ou em campo de concentração para escavações arqueológicas.

Com algum atraso, pensadores neomarxistas como Immanuel Wallerstein transformaram-se num dos luzeiros mais atractivos nesta pequena casa lusitana e a própria Fundação Calouste Gulbenkian editou, com pompa e circunstância, um relatório Para Abrir as Ciências Sociais, onde, apesar da qualidade intelectual, se descobre muito do que já estava descoberto e se inventa muito do que já estava inventado, nomeadamente pela UNESCO, logo no pós-guerra. Outros, quando procuram pensar sobre a invenção democrática, parecem continuar a tratar tal ideal como coisa importada do desenvolvimento dos outros, como se entre nós não houvesse tradições plurisseculares de consensualismo, resistência libertadora e vontade de autonomia. Especialmente numa época em que o Ocidente precisa de reaprender os génios invisíveis que vão agitando espaços culturais de quem estamos tão próximos, como o islâmico, o africano, o sul-americano e os da China e do Japão. Esses mundos que precisam daquele diálogo que aceitam a contemporaneidade de todas as civilização, a dimensão da cidadania do género humano e a vontade de acedermos ao universal pela diferença. Porque, de outro modo, as reacções fundamentalistas contra formas etnocêntricas, poderão multiplicar-se, decepando a esperança de uma terra dos homens.

Talvez só nestes finais da década de noventa estejamos a assistir à ressaca do recepcionismo marxista dos anos sessenta. Se Popper chegou com muita décadas de atraso e se traduzimos também de forma retardada a Teoria da Justiça de John Rawls, eis que, nos tempos áureos do recepcionismo marxista, publicámos quase imediatamente as teses de Nicos Poulantzas (algumas vezes traduzido por José Saramago) e de Louis Althusser, quando muitos consideravam a filosofia como uma espécie de luta de classes na teoria.

O exagero de um certo positivismo organicista, já serôdio, não permitiu que, nas décadas de quarenta e cinquenta, tivéssemos importado o behaviorismo. Se as próprias teorias elitistas chegam com quase um século de atraso, eis que as teorias pluralistas quase não são citadas, apesar da crítica do neocorporatism a essas mesmas teses ter entrado na moda.

Temos uma democracia, plurissecular, apesar de ainda continuar a ser qualificada como uma jovem democracia, com necessidade de consolidação e aprofundamento, mas falta-nos uma nova teoria da democracia, susceptível de dar pedagogia aos activistas políticos e aos políticos profissionais e de servir para uma efectiva formação para a cidadania.

As teorias sobre a democracia pensadas em português são quase todas de alguma excelente, mas serôdia, literatura antifascista, desde as páginas políticas dos seareiros Raul Proença e António Sérgio, aos trabalhos de Domingos Monteiro ou de alguns monárquicos personalistas.

Falta, sobretudo, um reconhecimento dos efectivos factores democráticos da formação de Portugal. Não apenas das raízes comunitárias medievais, tão profundamente tratadas por Jaime Cortesão, Paulo Merêa e Agostinho da Silva, ou do poder político no Renascimento português, como tão magistralmente teorizou Martim de Albuquerque, mas também dos elementos de soberania comunitária que deram corpo à Restauração de 1640.

Falta também ultrapassar uma certa historiografia de guerra civil ideológica, por exemplo, o perspectivar-se 1820 como uma reacção contra o despotismo ministerial do absolutismo e que, neste sentido, se configurou como uma efectiva restauração do consensualismo.

As relações dos intelectuais com a reflexão política em Portugal vivem entre o reviralhismo e o modismo, categorias com que procuramos aportuguesar o againstism e o movimentism de Giovanni Sartori [1991]. Com efeito, em Portugal, mesmo às minorias falta a chamada coragem de estar em minoria, como costuma dizer o Professor Adriano Moreira e daí que o nosso intelectual com intervenção na política não cesse de viver em rebanho, para, numa curva da estrada, cair na tentação de ser conselheiro de um qualquer césar de multidões como ameaçam os neopopulismos de esquerda e de direita.

A power elite à portuguesa já não circula apenas nos passos perdidos, dado que os principais factores de poder deixaram de ser manifestação interna da soberania e mesmo os que dela estão dependentes foram readquiridos por uma nova actualização da classe bancoburocrática que não se reduz apenas ao comunismo burocrático dos funcionários, gestores públicos e dirigentes partidários, entre a Linha de Cascais, a Foz do Douro e os banhos nas praias algarvias, com bisbilhotices nos semanários políticos, lidos pela snobbery dos radical chic e dos young urban profissionals.

Os antigos analistas e comentadores políticos foram substituídos pelos fazedores de uma opinião attrape tout, mesmo quando parlamentares, transformados ou em canalizadores da opinião política ou em simples fabricantes de má língua, uns tentando vender a democracia segundo métodos herdados da agit prop social-fascista ou anti-social-fascista, outros levando ao rubro o decadentismo de alguns salões de certa burguesia queirosiana.

Aliás, o nosso sistema político-partidário constitui um sistema de canalização da representação política que corre o risco de desenraizar-se da cultura portuguesa e da  sociologia dos portugueses que temos. Está e estará em crise porque pura e simplesmente lhe  faltam ideias e lhe falta povo, isto é, nem tem sustentáculo na vida nem horizonte de sonho. O que leva ao crescente indiferentismo das massas face aos profissionias da política que nele circulam e acirra a tendência do mesmo servir de agente colonizador de ideias estrangeiras, no sentido de estranhas  à nossa própria índole. Isto é, continuamos a dar razão a meia dúzia de autores bem lusitanos, desde o Joaquim Pedro de Oliveira Martins ao Raúl Brandão, desde o Ramalho Ortigão ao próprio Fernando Pessoa, desses que, sem catastrofismos, perceberam Portugal nas suas próprias entranhas e que continuarão perenes enquanto os portugueses continuarem os inveterados portugueses que somos.

Aliás, politologicamente falando, é um erro reduzir o sistema político ao sistema político partidário. O sistema político é um todo onde o sistema politico-partidário constitui um simples subsistema, ao lado de outros subsistemas, como o social e o económico, e integrado num determinado ambiente internacional. O poder político, aquele poder que produz decisões políticas, também não é uma coisa que possa conquistar-se, como  uma espécie de terra de ninguém. O poder polítio é uma relações entre vários poderes e micropoderes…

Portanto, falar em qualquer reforma do sistema político-partidário, pensando exclusivamente a partir das suas quezílias intestinas e julgar que, de cima para baixo ou de dentro para fora, é possível alterá-lo, constitui mero exercício de ilusionismo que não consegue intervir nas circunstâncias do ambiente que não só o condicionam, como também o conformam. O sistema politico partidário não passa de uma peça de um mais vasto sistema político. Não passa de um mero subsistema dentro de um sistema mais vasto que o diluiu.

Os factores de poder que o dito subsistema politico-partidário pode gerir são infimos, dado que grande parte da nossa soberania não passa de uma capacidade para gerirmos dependências e interdependências. Da mesma forma, o poder internacional do Estado português não é uma coisa é uma relação, medindo-se menos pela física do poder e mais pela estratégia, pelo que as grandes potencialidades podem transformar-se nas grandes vulnerabilidades.

Por tudo isto, importa ganharmos consciência da nossa dimensão, percebermos que, mesmo integrados na União Europeia, temos de viver com aquilo que temos e que não deveríamos viver acima daquilo que produzimos, dado que esse excedente de sociedade de abundância que por aí pulula é artificial, resultando de subsídios dos outros que, longe de surgirem da solidariedade, apenas significam contrapartida indemnizatória face aos factores internos de poder que cedemos ao conjunto.

Quem não tiver consciência desta realidade, está a perder aquela fibra multissecular que nos deu o essencial do que somos. Aquilo que Herculano, muito simplesmente qualificava como a vontade de sermos independentes. Esse qualquer coisa que nos levou a ser Portugal livre, quatro séculos antes de Maquiavel ter inventado o Estado. Quatro séculos e meio antes de Bodin ter inventado a soberania. Seis séculos antes de começar a balbuciar-se a teoria do princípio das nacionalidades. Essa fibra portuguesa que suscitou 1640, 1820 ou aquela geração que tratou de cantar os heróis do mar por ocasião do Ultimatum.

O último representante desses velhos fazedores e defensores da conservação da pátria morreu há poucos anos. Chamava-se Agostinho da Silva e reinventava todos os dias as conspirações do manuelinho de évora e dos frades alcobacences que nos deram as Actas das Cortes de Lamego, recuperando aquela seita dos  velhos crentes, onde militaram Garrett, Herculano, Oliveira Martins, Raul Brandão, Pascoaes, Leonardo Coimbra e o maior de todos os profetas dessa geração: Fernando Pessoa.

Nenhum desses resitentes da liberdade portuguesa alguma vez escreveram Grandes Opções do Plano, contratos de legislatura, programas de governo ou relatórios do Banco de Portugal. Esses velhos crentes preferiram continuar, através da pena, sem espada nem livro de cheques, a guerrilha inventada pelos falsos D. Sebastião.Essa guerrilha intelectual dos homens livres, cultivando o quinto império do  poder dos sem poder

Sempre acrescentarei que o actual sistema político dito República  Portuguesa, nasceu das circunstâncias prequianas e pós-revolucionárias. É a soma do 25 de Abril, do 28 de Setembro, do 11 de Março, do 25 de Novembro, mais Mário Soares, mais Sá Carneiro, mais Ramalho Eanes,  mais Cavaco Silva. Um híbrido ou uma mistura que teve nas margens Álvaro Cunhal, de um lado, e o saudosismo salazarista, do outro. Um sistema que provindo do último Império Colonial Europeu, não quis ser a Cuba da Europa nem o líder do terceiro-mundismo, acabando por tornar-se no bom aluno  do Presidente Delors.

Para nos organizarmos politicamente, tivemos diligentes constitucionalistas e esforçados constituintes e montámos, quase laboratorialmente, um sistema político-partidário. Que teve o defeito de ter nascido de cima para baixo. Do Estado-Aparelho de Poder para o Estado-Comunidade. Que foi decretado a partir da classe político-cultural que tomou as rédeas do cavalo do poder lisboeta. Que desceu da capital para a província, da elite para o povo, não a partir do telégrafo, mas do telejornal, da cunha e da distribuição de empregos.

O que temos é uma mistura entre um sentido ideal e uma realidade prática. No plano ideal, no plano normativo, somos uma democracia e ainda bem. No plano prático, somos uma poliarquia, e também diremos, ainda bem. Isto quer dizer que a democracia constitui algo que é, mas que não existe. Não é uma utopia, mas um ideal histórico concreto, uma espécie de imperativo moral que nos vai conformando, uma espécie de medida que apenas serve para quotidianamente podermos medir a falta de autenticidade do poder.

Mas tal como no plano ideal, a democracia tende a ser expropriada pela não democracia, também no plano prático, a poliarquia tende a ser confiscada pelo corporativismo. Por outras palavras, o subsistema político-partidário tende a ser dominado ou condicionado pelo susbsistema económico e pelo ambiente internacional, de tal maneira que a decisão política pode tornar-se mera presa de grupos de pressaõ e de grupos de interesse que, na prática, podem fazer depender o poder político do poder económico e os factores de poder nacionais das forças anónimas que circulam pelos vazios de poder internacionais.

Com efeito, a lei do Portugal Contemporâneo demoliberal, sempre foi a do crescendo da degenerescência do sistema representativo pela falta de autenticidade do susbsistema partidário, onde a necessária estabilidade provoca a incoveniente corrupção que, por sua vez, gera a decadência que leva os regimes a cairem de pôdres, como árvores sem seiva que se esvaem pelo mero corroer do tempo. Tal como no tempo de Raúl Brandão, a mocidade vive nas antecamaras do governo como os antigos poetas do século passado nas salas de jantar dos fidalgos ricos. Os velhos são agiotas ou servidores do estado. Os moços são bacharéis ee querem bacharelar à acerca da coisa pública e à custa da mesma coisa àcerca da qual bacharelam([24]). Porque, utilizando palavras de Júlio Dinis, a vida política tem isso consigo. Quanto mais estreito, mais apertado é o círculo social onde se manifesta, quanto mais vizinhos e conhecidos são os que vivem dela, tanto mais acanhada, mexeriqueira e antipática se torna. Se a política do nosso país é já pequena como ele, se degenera em desavença de senhoras vizinhas, que fará nas terras pequenas deste país, em que muito acima dos princípios e dos partidos estão os mexericos e as vaidadezinhas que brotam como tortulhos à sombra das árvores do campanário?([25]). Porque, seguindo agora Camilo Castelo Branco, continuamos a viver uma época essencialmente analisadora; e o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos até à demissão imprevista de um cabo de polícia. também julga os grandes e pequenos homens, desde o heróis de cem batalhas até bagageiros inofensivos: desde César a João Fernandes([26]).

Tal como sempre, o nosso actual demoliberalismo padece dos males da  falta de influência dos intelectuais sobre a actividade política; das manias das falsas elites em confronto com a tentação populista e vanguardista; da falta de tradição partidária em comparação com a enraízada democracia da sociedade civil; da permanente tentação do confronto entre um pretenso Portugal Novo e um real Portugal Velho.

Por tudo isto, a ciência política tem também direito ao desencanto (à Entzaubrung de Weber), a consequência inevitável do desenvolvimento de uma perspectiva racional-normativa, marcada por uma exagerada moral de responsabilidade, num universo ainda carregado de legitimidades tradicionais e carismáticas e que só pode racionalizar-se pelo recurso ao esforço de uma moral de convicção, geradora de uma perspectiva racional-axiológica.

Utilizando uma linguagem típica dos sistémicos, recordarei que um sistema político, enquanto processo de interacção que visa uma atribuição autoritária de valores, tem de ser visto como uma unidade inserida num ambiente, donde, por um lado, recebe entradas (inputs) os apoios às exigências que se articulam, agregam e manifestam pela acção de grupos de interesse, grupos de pressão, movimentos políticos e partidos políticos   e, para onde, por outro, deve emitir saídas (outputs). Para que entre o ambiente e o sistema se gere um fluxo contínuo que permite que o sistema seja um sistema aberto e evolutivo, mantendo embora a respectiva autonomia.

Acontece que os produtos do sistema político, as decisões políticas, não se reduzem às clássicas funções estaduais (o fazer regras do poder legilativo ou rule making, o executar programas do governar ou rule application, e o aplicar regras em situações contenciosas do rule adjudication ou poder judicial), dado que há um outro campo de produção de tal sistema, a comunicação política, a troca de informação entre governantes e governados, bem como a própria troca de informação horizontal entre os governados. Por outras palavras, a função de comunicação política é, ela própria, tanto um produto nitidamente político, como o sangue irrigador dos canais nevrálgicos do próprio interior do sistema político. Com efeito, a troca de informação, constitui o fluído através do qual se procede à irrigação do sistema de nervos estadual, sendo, por isso,  o elemento fundamental do sistema político.

A questão da informação, da circulação da informação e do controlo da informação, constitui a questão fundamental do sistema político. Aliás, governar é proceder à retroacção da informação. É converter os inputs em outputs, converter os apoios e as exigências em decisões políticas. É pela informação, pelos sensores dos centros de recepção de dados, que o sistema político contacta com o respectivo ambiente, com os outros subsistemas sociais e com os outros sistemas políticos. É pela operação de processamento de dados, confrontando mensagens do presente com informações arquivadas no centro da memória e dos valores, que o sistema político pode, ou não, adquirir autonomia e identidade. É depois, no estado maior da consciência, onde se selecciona a informação presente e passada e se confronta este conjunto com as metas programáticas, que o sistema político prepara a pilotagem do futuro em que se traduz a governação.

Os meios de comunicação social, dos mass media aos próprio meios de reflexão científica, não são pois sociedade sem política, não são comunidade sem poder. Todos os meios de comunicação social são meios de comunicação política. Eles estão, aliás, no centro da política. São uma das principais bases da política, mesmo que a respectiva titularidade seja privada.

Com efeito, o processo político, o processo de conquista do poder, se adoptarmos uma perspectiva da poliarquia pluralista,  consiste num processo de conquista da adesão do governado. O processo político não se reduz à luta pelo poder supremo ou à conquista do poder de sufrágio. O processo político é global e desenrola-se em todo o espaço societário. O poder político não é uma coisa, é uma relação. Uma relação entre a república  e o principado, entre a comunidade e o aparelho de poder  e destes com um determinado sistema de valores.

Tal como o Estado, enquanto quadro estrutural de exercício do poder, enquanto estrutura de rede (network structure), enquanto espaço de regras do jogo e de enquadramento institucional do processo de ajustamento e de confronto entre os grupos, não é também uma coisa, mas antes um processo. O poder político é, conforme a clássica definição de Weber, uma estrutura complexa de práticas materiais e simbólicas destinadas à produção do consenso. Isto é, um poder político, ao contrário das restantes formas de poder social, implica que haja uma relação entre governantes e governados, onde o governante exerce um poder-dever e o que obedece obedece porque reconhece o governante pela legitimidade deste. Em suma, o poder político vive sobretudo da obediência pelo consentimento.

Assim, o espaço normal do processo político é o da persuasão. O da utilização da palavra para a obtenção da adesão e do consentimento. Só quando falha este processo normal de adesão comunicativa é que o governante trata de utilizar a persuasão com autoridade, com o falar como autor para auditores, onde o autor está situado num nível superior e o auditor no nível inferior da audiência. Num terceiro passo vem a astúcia. Isto é, quando falha a comunicação pela palavra, mesmo que reforçada pela autoridade, vem o engodo, a utilização da ideologia, da propaganda ou do controlo da informação. Só como ultima ratio se utiliza a força física ou psicológica, o uso efectivo da mesma ou a ameaça da respectiva utilização para obter o consentimento. Para forçar à obediência independentemente do consentimento.

Podemos pois dizer que o normal da chamada conquista do poder é conquistar a palavra. Que o chefe é aquele que discursa. Aquele que, pela palavra, tenta transformar o conceito em preceito. Que tem a natural tentação de controlar o programa de debates. De dizer que deixa dar todas as respostas, mas que tem a natural tentação de só ele ter o poder de fazer as perguntas. Chefe é aquele que utiliza os recursos da fase invisível do poder. Que convence os auditores, nomeadamente fingindo que actua de acordo com os respectivos interesses e que, para tanto, até cria interesses artificialmente.

A comunicação é assim o cerne do combate político. Porque em política o que parece é. Melhor dizendo, em política o que aparece, na comunicação, é aquilo que é. Torna-se pois inevitável o nível de compenetração entre a classe política, a classe mediática e a classe fabricadora dos modelos do discurso. Compenetração que tanto gera coincidências como conflitos, com as inevitáveis relações de amor-ódio.

Um povo é cada vez mais uma comunidade de significações partilhadas. Quem controla a produção de símbolos, quem controla a palavra e os signos, quem controla a comunicação, controla o poder.

Se, no Portugal Velho, quase tudo se resumia à família, à igreja, ao quartel e à escola, sobretudo à escola primária. Um Portugal Velho que não deixou de o ser com o próprio salazarismo, onde ainda havia nobreza (o militar) e clero (do membro da Igreja tradicional ao próprio mestre escola). Mas hoje o Portugal Velho já era. A sociedade já não é o que foi nem pode voltar a ser o que era. O que vai ser só Deus sabe, como reflectia Garrett. Neste tempo de aldeia global, a escola é cada vez mais o professor do ensino preparatório e secundário e o telepoder acaba por concentrar o essencial da produção de signos.

Quem controla a produção de signos controla o poder. Os novos clérigos  são cada vez mais os opinion makers do videopoder e os anónimos fazedores dos dicionários de opinião comum, o thesaurus donde aqueles retiram os argumentos, os lugares comuns, os conceitos, as interpretações dos factos e as palavras. O púlpito foi substituído pela caixa televisiva. O comentador substituiu o retórico, o histriónico passou a dominar os picaretas falantes e uma salada russa ideológica do politicamente correcto passou assim a impor-se à moral do esforço interior de libertação, como manancial das regras de conduta justa.

Os velhos armazéns da memória de um povo, como eram a família, a universidade, o adro da igreja ou do pelourinho das comunidades locais, tendem a ser substituídos pelos arquivos de fast food dos chamados opinion makers que traduzem em calão as ideias vindas de centrais de condensação neo-enciclopédicas com as suas lendas negras. O papel de controleiro e repetidor passou  a caber aos canalizadores oficiosos da opinião, previamente demarcados por quem organiza o programa dos debates e que assim limita o âmbito das escolhas. Eles impõem-se-nos, assim, como prontos a vestir tendencialmente bipolarizados, mesmo que lhes coloquemos ao lado o elemento decorativo do pária, do marginal ou do extra-sistémico. E não deixam de obedecer a um manual básico de programação, recorrendo a um manancial metodológico onde pode ler-se que temos de viver em regime de conspiração permanente para a conquista da hegemonia no seio dessa coisa primitiva e gelatinosa a que se dá o nome de sociedade civil. Que antes de conquistar o poder supremo, há que conquistar os aparelhos culturais da formação da opinião.

E eis que o processo de luta entre os grupos transforma-se de luta aberta em luta oculta, onde, na nebulosa e nas brumas, conspiram sociedades secretas, sociedades discretas, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes  e feudalizantes ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem saberem de programação.

Os apoios e as reivindicações, assim instrumentalizados, tendem a favorecer um crescente indiferentismo acaba por ser o principal input dos actuais sistemas políticos que não sabem manter relações de troca com os outros subsistemas sociais. Tudo se joga no tabuleiro de um esotérico, onde comunistas, ex-comunistas, maçónicos, antimaçónicos, anticomunistas e anti-ex-comunistas, brincam ao jogo dos iniciados, sem estabelecerem comunicação com quem é cada vez mais abstencionista, mesmo que se procure inverter a disfunção com o recurso aos populismos e as vozes tribunícias.

É por tudo isto que Portugal se vai dessangrando em autonomia, em identidade e em consciência. Colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, tendemos para uma mediocracia. A classe política caminha para um rebaixamento de fins  porque o nível dos apoios e das reivindicações tende a expressar-se dominantemente por minorias militantes, essas que circulam no conúbio entre a classe política e a classe medicorática. Surge assim um crescente volume de indiferença abstencionista como principal forma de entrada no sistema político. O sistema político tende apenas a produzir decisões para quem o provoca e corre assim o risco de se desenraizar do ambiente, de entrar em disfunção, mesmo que internamente funcione de forma correcta.

Temos resultados eleitorais adequados aos meios de comunicação política de que dispomos. Temos os políticos que a classe mediática merece e a classe mediática que os políticos que temos também merece. Depois de uma crise do discurso sem sujeito (o tempo das ideologias dos anos do Maio 68), vivemos o espectáculo do sujeito sem discurso (o tempo do artista mediático, onde vale mais o continente do que o conteúdo). A solução é só uma. Devolver o discurso ao sujeito, devolver a palavra ao discurso, devolver ao homem a palavra.  Só assim podemos regressar à política como comunicação e retomarmos a política como coisa do homem, desse animal comunicacional que além dos grunhidos animais, que expressam a dor e a alegria, também é capaz de exprimir o útil e o inútil, mas que não se fica pela racionalidade técnica, dado que teve de construir a política para expressar o justo e o injusto da racionalidade ética que, afinal, constitui o cerne daquilo que no homem tende a subir e a convergir, para cima e para dentro, para uma evolução que é cada vez mais humana e, portanto, mais centrada nas leis que estão inscritas no coração dos homens.

Com efeito, sobre a relação Estado/Sociedade, eis que a palavra crise  se tem tornado obsidiante. E com justeza. Vivemos, na verdade, no centro da vagalhota de uma daquelas crises estruturais que, se não conduzem à ruptura do finis patriae ou de um mais apocalíptico fim da história, pode contribuir para a chamada  decadência e pôr em causa os factores democráticos da formação de Portugal, isto é, da mais antiga comunidade política autodeterminada da Europa.

Daquele Portugal que já era independente quatro séculos antes de se terem inventado o nome de Estado e o conceito de soberania. Que teve a primeira mudança política pós feudal em 1385. E que aplicou as teorias da autodeterminação popular em 1640, quando quase todos se diluíam em absolutismos de potências sem pátria e de monarquias sem povo.

Uma crise que não se debela com panaceias programáticas ou ideológicas de curto prazo, nem com as utopias da revolução, mas antes através de um trabalho de militância cívica, de médio e longo prazos, onde os objectivos têm de ser marcados por um ideal histórico concreto, as metodologias que assumir-se como reformistas, e os valores, como permanecentes.

Julgamos, aliás, que o debate dos anos setenta e oitenta em torno da dialéctica colectivismo/liberalismo, que muitos subliminarmente confundem com o dualismo Estado/Sociedade, perdeu o sentido nesta fase pós-socialista e de desconstrução daquele Estado Providência que foi um Estado de Bem Estar e que agora é um Estado de Mal Estar.

De um Welfare State muito à portuguesa, aliás, que, tendo sido fundado pelo salazarismo como Estado Novo, com algum atraso comparativamente a Napoleão III e a Bismarck, diga-se de passagem, nem por isso deixou de ser o respectivo herdeiro, quando gerido pelo marcelismo, pelo gonçalvismo e pela pós-revolução, donde, em muitos subsistemas, ainda não saimos.

As linhas de força que apontavam para o mais sociedade, menos Estado e para a libertação da sociedade civil, mesmo quando remodeladas pelo agiornamento do menos Estado, melhor Estado, ou de menos Estado, mais sociedade, têm agora sabor algo retroactivo, muito principalmente, face ao actual processo de revolução globalista a que, entre nós, acresce a aventura de participação no projecto europeu.

Porque, perante um Estado que é, ao mesmo tempo, grande demais (no centralismo, na burocratite, no gestionarismo e no regulamentarismo), e pequeno demais (face aos desafios da internacionalização da segurança, da economia e das ameaças globais do risco maior, seja armamentismo, ambiente, doença ou fome), isto é, um Estado com muita adiposidade, pouco músculo e terrível défice de nervos, persistirmos em serôdios soberanismos de pacotilha acaciana é minguarmos, senão suicidarmos, o essencial daquela realizável vontade de sermos independentes que nos fundou, manteve e restaurou em anteriores crises de viabilidade.

O Estado e a Sociedade apenas são dois dos rostos da comunidade politicamente organizada, de uma comunidade política que tem de se manter viável face ao exterior e fiável face ao interior. O Estado e a Sociedade correm o risco de se perderem nas teias dissolventes de uma mundialização que tanto tem novas formas de público, os grandes espaços, como novas formas de privado, a internacional das sociedades civis.

O Estado e a Sociedade não são coisas, são processos, exigem-se mutuamente, não podem entrar num duelo revolucionário ou contra-revolucionário, que, enfraquecendo-os, acaba por inviabilizar a comunidade política que devem servir.

A questão fundamental não está na visualização da sociedade como um contrapoder mas no assumir da plenitude da democracia. É que, em democracia, o Estado não é um c’est moi do soberano exterior à sociedade. Em democracia, o Estado é um c’est nous, um c’est tout le monde. Em democracia, o Estado somos nós, os cidadãos, os que têm o dever e o direito de participar na decisão e de escolher os representantes.

Nós, cada um de nós, os homens comuns, somos as únicas realidades substanciais da política. Os grupos, as instituições e a própria instituição das instituições que abstractizámos como Estado, não passam de meras realidades relacionais, de formas que devem servir o conteúdo: os homens que as vivificam.

O fundamental está no refazer da aliança, ou da comunhão, entre o Estado a que chegámos e a Sociedade que temos. Está menos na contratualização de duas fraquezas e mais no estabelecimento de uma institucionalização, onde 1+1 seja mais do que o resultado aritmético. Onde a união comunitária da política faça a força do pluribus unum, gerando uma mais valia de sonho, de imaginação, de energia.

Em suma, precisamos de política-Política, pela reinvenção dos laços comunitários de uma pilotagem do futuro,  capaz de refazer o software das pilotagens automáticas que os tecnocratas e pequenos e médios intelectuais costumam importar através da tradução em calão de muitas fotocópias pirateadas a partir de manuais de programação estranhos à nossa índole, à nossa maneira de estar no mundo, à nossa realidade.

Para tanto, importa distinguir o Estado-Aparelho-de-Poder, o principado, do Estado-Comunidade, a res publica, a fim de se declarar que não pode haver democracia se aquele não resultar deste. O Estado-Aparelho em democracia tem de ser o representante do Estado-Comunidade, o soberano não poder ser algo que paire sobre uma unidimensionalidade de súbditos. Em democracia, a soberania resulta da cidadania, o Estado-Aparelho tem de potenciar-se no Estado-Comunidade.

Logo, tanto tem de haver integração da sociedade no Estado como uma resposta (output) do Estado às exigências e aos apoios (input) da sociedade. Porque se o principado não for mero instrumento da res publica, a comunidade tem de revoltar-se contra o poder estabelecido e expulsar o usurpador, se possível, através dos meios legais disponíveis.

Acontece que a democracia constitui apenas um ideal, um sentido regulativo, da mesma natureza que a exigência do Estado de Direito Democrático, aquele que proclama que o fundamento e os limites do poder passam pelo direito e por aquela forma que é irmã gémea da liberdade e inimiga do arbítrio. Já não é lei aquilo que o príncipe diz e o príncipe está submetido à própria lei que edita.

Na prática, porém, a teoria é outra, porque qualquer democracia, marcada que está pela plenitude da procura da perfeição, tem que ser instrumento dos homens imperfeitos que somos, e das inevitáveis instituições imperfeitas que constituímos.

Qualquer democracia, no plano das realidades, assume-se como uma poliarquia, como um sistema de competição pluralista e como uma sociedade aberta. Democracia para o país legal e para a cidade dos deuses e dos superhomens. Poliarquia para o país das realidades e para a cidade terrena dos homens concretos! E é dessa mistura entre o céu dos princípios e o enlameado, ou empoeirado, do caminho pisado que, afinal, nos vamos fazendo.

Tentando, agora, pensar em português, para o Portugal de hoje, diremos que pode estar em causa a viabilidade do modelo português de Estado. Sofre, com efeito, o Estado que os portugueses têm vindo a instituir e a refundar, de alguns desafios existenciais que constituem o cerne da presente crise.

Começa por estar em crise o primórdio de qualquer comunidade política: o Estado Segurança, dado que volta a pôr-se em causa o monopólio da força física legítima tanto no plano da segurança interna, como no plano da própria segurança externa. A força legítima ameaça deintegrar-se pelos sintomas de regresso à vingança privada, nomeadamente através do apelo que muitos fazem a agências privadas  de segurança que, assim, negam a essência do aqui d’el rei, como aparecia na célebre lei de D. Duarte que acabou com o feudalismo em Portugal e lançou as bases da predominância do direito sobre o arbítrio do Machtstaat, mesmo que vestido das peles de cordeiro de uma higiénica companhia de seguros funcionando a cunhas.

Segue-se a crise do Estado- Administração da Justiça ou do Estado Justiceiro, da confiança dos povos nos seus juízes e nos seus procuradores, com a ameaça de esporádicas emanações da lei de Lynch quando não pelo desespero de certos mini-pogroms contra os pigmentarmente diferentes, com que se deleita o falso nacionalismo zoológico. O que tem levado alguns, marcados pelo sombrio de tal horizonte de medo, a propor que eliminemos a plurissecularidade consequente do nosso humanitarismo penal, quando o caminho é apenas darmos meios fácticos ao humanitarismo e não invertermos os valores de que nos orgulhamos. Mas o que também não nos deve fazer esquecer que muitos erros temos cometido, com o legalismo, a chicana processual e a falta de sentido de missão de alguns servidores da Justiça, tentados pelo sentido de casta dos corpos especiais e pelo vedetismo de certa espectacularidade. Ai de nós, se enveredarmos pelo mediático de uma qualquer telejustiça! Aí de nós, se o terceiro poder entrar em conúbio com o chamado quarto poder! Porque então, só daí sairemos com juízes eleitos ou com juízes sorteados…

Vem, depois, a crise do Estado Imposto. Parece que nos esquecemos que a história da democracia é a história do imposto, dessa longa resistência dos povos no sentido da necessidade do consentimento para a tributação, coisa que constituiu sempre o cerne das Magna Charta e que praticamos desde que instituimos os parlamento em 1253. O que está em causa é simplesmente a evasão fiscal, um problema mais moral do que fiscalista, dado que, neste momento, continua a pagar o justo pelo pecador, o que menos tem em benefício da petulância do prevaricador, porque, não havendo moralidade, deixa de haver consciência comunitária de punição e sentido contratual de contribuinte. Quando é impossível o aumento da nossa carga fiscal e não parece curial deixarmos de honrar os compromissos para com os milhões de pensionistas.

Finalmente, é a crise do Estado Burocracia, esse instrumento vital do Estado Racional Normativo, dado que de tanta reforma administrativa e de tanta modernização administrativa se perdeu o próprio sentido dos gestos e se desprestigiou o funcionário, aquele que é um servus ministerialis, o escravo de uma função, marcada pelo direito à carreira e paga pelo vencimento, contra o clientelismo e o emolumento. Uma crise que determinados erros de falta de pensamento têm agravado, dado que continua a faltar uma escola de quadros e uma coordenação de policies que nos liberte de certo orçamentalismo casuístico, para não falarmos de alguma tentação dos anos oitenta que fala em privatizar os métodos de gestão pública, na mesma altura em que os grandes holdings privados tratam de copiar modelos da estratégia dos governments.

Todas estas crises sitiam a democracia e o Estado de Direito, onde o poder político, tanto o do poder governante como o do poder representativo, deve preponderar sobre os grupos e sobre as facções. O poder político não é uma coisa, é uma relação, um processo de condução da network structure, de comando da rede de micropoderes, um sistema de sistemas e subsistemas, onde até aquilo que habitualmente se designa como classe política não passa hoje de um mero subsistema de um processo global.

É evidente que a governação, isto é, a pilotagem do futuro, numa sociedade aberta e pluralista, não passa de um modo dinâmico de gestão de crises, dado que o governo pelo consentimento impõe a emergência de forças vivas, onde a a articulação de interesses  e a emergência de pressões  constitui o normal  anormal da competição.

Mas reconhecer o pluralismo não pode significar cedência ao neocorporatism. Do mesmo modo, como aceitar as facções, os partidos e a competição para a conquista eleitoral do poder não implica necessariamente a partidocracia.

As democracias e as sociedades abertas estão cercadas pela corrupção em sentido amplo, isto é, pelos inúmeros processos de compra do poder. Tal como as burocracias estão minadas pelo clientelismo, pelo nepotismo, pela pantouflage e pelo negocismo.

Por isso é que as democracias têm de defender-se, em primeiro lugar, contra as degenerescências típicas dos próprios fenómenos democráticos, garantindo-se a democracia com ainda mais democracia, isto é, sem cedências ao despotismo dos césares, das multidões e dos próprios césares de multidões, onde a demagogia, aliada a poderes pessoais tende inevitavelmente para a usurpação e a tirania doces, isto é, para a negação do governo pelo consentimento.

Do mesmo modo, não há forma de superar-se a crise da sociedade aberta, senão com mais sociedade aberta, incluindo a via do mercado, da internacionalização da economia e do reconhecimento da actual internacionalização da própria sociedade civil. Qualquer regresso ao Estado Gestor, ao Estado Confiscador ou ao Estado Planeador seria desgastarmos o político em funções para as quais não está vocacionado, quando não persistirmos no latrocínio.

O que não deve significar cedência à teologia do mercado de certos missionários ultraliberais, mas antes o humilde reconhecimento de que os problemas económicos só se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Porque o mercado não é o Estado, porque a oikos não é a polis.

O nível da política  é o que está acima do doméstico, o decisor acima das partes, onde não há um dono mas um todo de cidadãos que não são os escravos, os dependentes, os clientes ou os súbditos, mas aqueles que dão o consentimento na decisão, participando na mesma, mesmo que federativamente, ou escolhendo os representantes que, em nosso nome e para os nossos interesses, a proferem.

Mais política é mais Estado no plano qualitativo, para que também possa haver mais Sociedade. Precisamos de mais estratégia de Estado, de mais pensamento de Estado, de mais política internacional, de mais segurança, de mais justiça, de que todos paguem o imposto, de mais imparcialidade da administração, para que haja mais mercado, mais produção, mais solidariedade, mais bem-estar, mais espaço para a intimidade da família e da pessoa, em suma, para a realização do direito dos direitos, que é o direito à felicidade.

Só que mais Estado nunca poderá ser o menos-que-Estado de um Estado-Empresário, de um Estado interventor nos preços e na gestão, de um Estado quase merceeiro, policiesco, vigilante ou caceteiro.

Apesar de tudo, a democracia e o Estado de Direito, com partidos e poliarquia, são péssimos regimes políticos mas os menos péssimos de todos. Bem menos péssimos que qualquer tentação de vanguardismo, elitista ou autoritarista, onde acabam sempre por preponderar  os sargentos e os censores, mesmo que com brandura de costumes. Bem menos péssimos do que aqueles regimes que, em nome da ideologia, decretam a verdade, esquecendo que o bem tem sempre um bocado de mal e o mal, um pedaço de bem.

Sempre é melhor dialogar com o adversário, pôr o poder a travar o poder, e evitar que ele se torne ab-solto, absoluto, porque se o poder enlouquece ou corrompe, o poder em soltura, corrompe absolutamente ou enlouquece absolutamente, mesmo que apenas se manifeste apenas pela arrogância.

Acontece apenas que a principal das forças vivas da actualidade é o povo português, isto é, a mistura de povo com uma certa ideia de Portugal, onde o valor Portugal, a primeira palavra da nossa Constituição, é que dá sentido ao povo, mas onde o adjectivo português só existe em função do substantivo homem concreto. Onde a essência só se realiza através da existência que, afinal, constitui a única realidade substancial

É em nome da fidelidade a Portugal e à solidariedade entre todos os portugueses que devemos assumir a resistência do nosso libertacionismo, compatibilizando-o com o grande jogo do europeísmo e do globalismo.

É um novo modelo de Estado e de Sociedade que temos de reinventar, restabelecendo a Segurança do direito contra a força, impulsionando a Justiça contra o arbítrio, dando força à Justiça e impondo justiça à Força. Um novo modelo que restaure a legitimidade do Imposto, para que a justiça distributiva e a justiça social não percam o sentido unitário e compensem as falhas da justiça comutativa. Onde seja possível realizar o de cada um segundo as suas possibilidades, para que possa praticar-se o a cada um segundo as suas necessidades, através do alterum non laedere, do suum cuique tribuere e do  honeste vivere, os fundamentos perenes da nossa civilização que permitiram a separação de poderes, a instituição da representação e a universalização dos direitos do homem.

Um novo modelo que faça renascer a confiança do cidadão na sua Administração, que deve voltar a ser posta ao serviço do todo, sem fenómenos de compra do poder, e onde o mais competente da legitimidade racional, vença os atavismos do fidelismo patrimonialista ou do lealismo carismático. Onde o saber possa, pela igualdade de oportunidades, constituir a principal forma de acesso ao poder, contornando-se os desvios do mandarinato. Um Estado de liberdades, de grupos e de partidos, onde se vença a demagogia do star system, o neopatrimonialismo corporativo e os tentáculos da partidocracia.

Só uma grande estratégia pode garantir a continuidade de um Estado feito à imagem e semelhança dos portugueses que somos. Um Estado sem vãs glórias de mandar que assuma o realismo de apenas ter o tamanho da Sociedade que somos, daquilo que economicamente produzimos ou da ciência que intelectualmente geramos ou aplicamos. Um Estado que retome as boas máximas do viver com aquilo que temos, para não passarmos pela vergonha do pedinchão, nós que talvez devêssemos continuar a ter a fibra do antes quebrar que torcer. Um Estado situado na classe média baixa da sociedade das nações, quando os novos predadores  da geofinança ameaçam tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, proletarizando as classes médias dos Estados e das Sociedades, em nome de uma globalista  sociedade de casino que denega a solidariedade e a justiça. Um Estado que não transforme as potencialidades em vulnerabilidades, mas, antes pelo contrário, que assuma o respectivo poder funcional e volva a vulnerabilidades em potencialidades, principalmente no ritmo da balança da Europa.

É sobretudo no palco da política internacional que se jogará a viabilidade portuguesa. Do Estado e da Sociedade dos portugueses. Só com a Sociedade no Estado e o Estado com a Sociedade poderemos enfrentar o desafio da Europa e da globalização. Só uma estratégia que estabeleça a network da grande política conseguirá levar-nos a submeter-nos para sobreviver, mas sempre com o norte de lutarmos para continuar a viver.

Por outras palavras, só gerindo dependências, potenciando inderdependências e assumindo o patriotismo de queremos continuar independentes é que valerão a pena os vínculos libertadores de cumprir Portugal. Esperanças de Portugal, futuro do mundo. Que faltas ou fracas ideias não tornem fraca a forte gente…

 

 



([1])ANDRÉ MALRAUX, O Homem Precário e a Literatura [1977], trad. port., Lisboa, Edições António Ramos, 1978, p. 165.

([2])Idem, p. 159.

([3])Idem, p. 231

([4])Idem, p. 227.

([5])Idem, p. 227

([6])JOSÉ RÉGIO, A Salvação do Mundo, Lisboa, edição do Teatro Municipal de São Luiz, Novembro de 1971, pp. 189-190.

([7])Idem, p. 190

([8])Para Rickert, a realidade tanto pode ser encarada do lado em que se apresenta como geral (a natureza), como do lado em que se apresenta como particular (a cultura). Se a conceitualização naturalista é mecânica, a conceitualização cultural é teleológica, dado procurar estabelecer  sempre a relação de cada fenómeno com um valor. As ciências da natureza seriam generalizantes  ou nomotéticas, as da cultura, individualizantes. A cultura seria, pois, a região intermédia que vai da natureza para os valores, seria uma realidade referida aos valores. deste modo, o fenómeno cultural, apesar de situado no tempo e no espaço, teria uma estrutura horizontal (relações com o passado e com o meio ambiente) e uma estrutura vertical (nasce, cresce e morre). Sobre a matéria, o nosso Ensaio sobre o Problema do Estado, I, pp. 176 ss.

([9])Dilthey, contrariando o método positivista de Durkheim, que pretendia tratar os factos sociais como coisas, defendeu que a compreensão seria o método típico das ciências do espírito. Para ele, compreender seria referir cada membro ao todo, descobrindo conexões de sentido e perspectivando as estruturas por meio de uma referência ao respectivo sentido. Adopta assim a hermenêutica , considerendo que compreender não se reduz à simples função racional do explicar, dado que se cumpre com todas as forças emotivas da alma. Cfr., Ensaio sobre o Problema do Estado, I, pp. 180 ss.

([10])Cfr. o nosso Ensaio sobre o Problema do Estado, I, pp. 183 ss.

([11]) Apud Ensaio sobre o Problema do Estado, I, p. 189.

([12]) HANNAH ARENDT, Compréhension et Politique [1953], in Esprit, número especial sobre Hannah Arendt, Junho de 1985, pp. 89 ss.

([13]) PHILIPPE BÉNÉTTON, Le Fléau du Bien, 1983, pp. 15-17

([14]) ÁLVARO RIBEIRO, Os Positivistas, p. 101

([15]) ÁLVARO RIBEIRO, A Razão Animada, p. 20

([16]) Idem, p. 34

([17]) Idem, p. 26

([18]) ÁLVARO RIBEIRO, A Razão Animada, p. 36

([19]) Idem, p. 33

([20]) Idem, p. 23

([21]) Idem p. 23

([22]) GABRIEL A. ALMOND, A Discipline Divided, pp. 13 ss.

([23]) Alguns exemplos são significativos. Na Universidade Católica Portuguesa, sob o manto da metodologia, insinuaram-se de forma evidente escolas pouco enraizadas no humanismo cristão, desde o positivismo jurídico ao neoliberalismo económico, para não falarmos da mais recente importação do pensamento de Karl Popper, nos domínios da ciência política. Na televisão de inspiração cristã, o presidente do conselho de administração chegou a ser um destacado militante do humanismo laico. No partido herdeiro das tradições anticlericais do Partido Republicano Português, o secretário-geral passou a ser um dos mais destacados militantes católicos…

([24]) RAÚL BRANDÃO, As Farpas, 4º tomo, pp. 114-115.

([25])JÚLIO DINIS, A Morgadinha dos Canaviais [1868], Porto, Porto Editora, 1951, p. 461.

([26]) CAMILO CASTELO BRANCO, Memórias do Cárcere, texto de 1852, in Memórias, p. 105.