Nov 26

A tutela neocolonial da chamada tecnocracia multicultural

A tutela neocolonial da chamada tecnocracia multicultural, as muitas e desvairadas gentes de todas as sete partidas que, vindas de inúmeros Estados falhados, se assumem como super-especialistas no “state building”, são coisas que muitos apenas julgam só porque nunca as puderam chegar  a experimentar. Esta nebulosa apátrida de certo funcionalismo supra-estatal, que vai lançando seus acampamentos em todos os sítios ditos da desgraça, pode, desenraizadamente, ajudar a destruir as energias libertadoras da política.  A democracia não é uma qualquer engenharia social que seja abstractamente cega. Eu, pelo menos, não consigo admitir que ex-políticos, adeptos e praticantes dos planeamentismos centralistas, possam ser recrutados agora para a construção de capitalismos a retalho, com retórica de desenvolvimento sustentável, apenas porque assentam, como chefes de contínuos, numa legião de recrutados estagiários, saidíssimos das faculdades do fabrico em série, ou das avaliações de sargentos, das tais que nos põem em fila indiana no dia da inspecção, à procura do funcionário a promover por mérito excepcional, medida pela ficha da classificação de serviço. Há, por estas e muitas outras bandas, alguns imensos e pretensos gurus que não são peritos de qualquer coisa, em qualquer lugar com tempo, mas que sabem exercitar a arte do relatório cinzento, desses “papers” que transformam as crises políticas, económicas e sociais numa espécie de modo de vida de alguns desempregados estruturais, com os seus “caterings”, os seus “briefings”, os seus “compounds” ambulantes, coisas exógenas e exóticas, com que se vai poluindo a paisagem das coisas humanas e sociais. Nesse jardim zoológico que vai invocando a superioridade quase celestial da metapolítica, não sei se vamos gastando dinheirinhos que bem poderiam servir para dar segurança, matar a fome e lutar contra a doença de todos. Uma organização ou uma cooperação internacionais, quando se tornam infuncionais, podem transfigurar-se em entidades feitas de poder pelo poder, mas já perderam o sentido dos gestos.

Nov 25

A insustentável leveza do “to be or not to be, sendo que sonhamos ser

Agradeço aos muitos amigos que me enviaram o artigo, de hoje, do jornal “Público”, da autoria de Pedro Rosa Mendes, dito “Timor Leste, a Ilha Insustentável”. Sobre a matéria, as frases que, neste blogue, já escrevi assumem uma perspectiva diversa da expressa pelo correspondente da Lusa, homem de excelente palavra, óptima informação e com valores e crenças.  Sobretudo, porque não tenho, nem nunca tive, altas expectativas de uma ilha da utopia, nem as consequentes frustrações. Segundo, porque basta fazer comparativismo, e colocarmos Timor do Sol Nascente no contexto de outras Nações da respectiva Sociedade das Nações, paraconcluirmos que se trata de  uma realidade tão normal em  tal anormal quanto o seria a República dos Portugueses, se a relativizássemos no contexto de uma pequena Sociedade das Nações, restrita aos nórdicos escandinavos. Feliz, ou infelizmente, o meu estatuto de agente da cooperação obriga-me a ter que dizer antes e, para dentro, através de adequado relatório à consideração superior, mesmo que seja um tombo no caixotinho do lixo, o que, para fora, me apetecia comunicar e até polemizar. Mas, dentro de algumas semanas, poderei, em plena liberdade académica, se ela ainda houver, para mim, analisar, não tanto a questiúncula portuguesa, quanto a existência de uma das primeiras tentativas de criação de uma secção colonial do anticolonialismo da supra-estadualidade onusiana, com o seu “state building” de laboratório e o seu “nation building” de teses de mestrado e doutoramento.  Felizmente, não oriento nenhuma e se, por improvável acaso, for convidado para um júri desses, recordarei que continuo em regime de  “non grata” para com os missionários e missionárias de tal “way of life”. Apesar de herético, prefiro a companhia e os conselhos do Padre João Felgueiras, que é homem de fé e maneja tão bem o lume da razão quanto o lume da profecia. E vou continuar a decifrar os conselhos do Professor José Mattoso.

Nov 23

Ainda não sei suficiente lulic para deixar de ser malai

Sim! Já foram escritos todos os livros que explicam Ataúro 1975, invasão indonésia, Xanana, chefe da resistência, Ramos Horta, presidente, petróleo, Austrália. Mas ainda não sei suficiente lulic para deixar de ser malai, ainda não compreendi a imanência do crocodilo e de todos meus antepassados, ainda não sei que avô quer dizer mais do que auctoritas. Porque já se passaram muitos séculos desde o ano de sandalosos livros de deve e haver com a foz do Rio das Pérolas, coisa que é mais do que o papiar cristão ou que a busca do que está além da canela. Pelo menos, foram trezentos anos antes de 1812, depois de chins e dominicanos, pombais e jesuítas, e até filipes e 1640, tendo finalmente arribado, do Rio de Janeiro, um tal Vitorino Gusmão, que detectou a ilha dividida entre um partido a favor do rei de Motael e outro a favor do Padre Governador do Bispado, com a praça de S. Alteza Real abandonada.  Na altura,  estava  o pessoal militar reduzido a doze Europeus, vindos como degredados de Goa, a quatro oficiais em iguais circunstâncias e somente um tenente coronel, um major, e um capitão, apenas os três que  tinham vindo servir voluntariamente. Embora houvesse cem soldados Timores, mas sem soldo nenhum, enquanto o que recebiam Europeus e Goeses apenas dava para comerem durante quatro meses, sendo, portanto, forçados a comerciar, a ir aos diferentes reinos com fazendas muitos ordinárias, a troco de sândalo, cera e de escravos, num verdadeiro tráfico de mercancias… Por mim, que só sei que nada sei, vou continuando a ter que estudar, a ter que seguir o conselho da muita experiência, porque ainda há muito que quero fazer, sem nenhuma jantarada, almoçarada ou uiscada no hotel Timor, com muita e muita gente que bebe do fino e dá parecer… Estou aqui sentado no meu cantinho, diante das árvores do meu jardim, em mais uma noite em que dolorosamente me fico sem dormir, estou aqui, sentido, diante de mim, por dentro de mim,  confirmando, nas memórias das gentes, nos sinais das pedras, nas conversas de muitos, algo que se passou desde que o almirante chinês que podia ter feito a descoberta do caminho marítimo  da Índia para Lisboa, acabou por ter que regressar ao império do quadrado debaixo do céu, mui celeste, rodeado de sombras, porque a caravela era mais tecnologicamente atractiva que a grande nau, grande tormenta, de quem  se sentia ameaçado por gentes do Norte. Mas se o dono do casino da Coreia do Kim Il Sung já dita desditas, valia mais o Alves dos Reis macromonetário, precursor de Keynes, do sonhar é fácil. Porque chapéus há muitos, seus palermas, no tempo em que os vascos eram santanas.

Nov 23

Apenas continuo a fingir que ainda posso desembarcar em Lifau

Apenas continuo a fingir que ainda posso desembarcar em Lifau e passar a Solor e Flores, sem fugir para o Ataúro  (in memoriam de Rui Palma Carlos, que aqui veio ao fim de Portugal e nos deixou, em surrealismo de 1977 , este quadro dito Libertação) Os meus alunos e os meus filhos não são do tempo dos restos do Império que nunca foi o Quinto, quando alguns ainda diziam que podíamos visitar um tempo em que o tempo tinha parado, porque, por cá,  ainda vivíamos antes de Bandung, mas também antes dos massacres do Ruanda, antes da guerra civil de Angola, antes de Mugabe, antes de Mandella.  Era o tempo em que ainda era ministro Joaquim da Silva Cunha , que fumava cachimbo e despachava, com pormenores de lápis atrás da orelha, uma qualquer construção de barragens lá para os lados da Namíbia, sem ceder à pressão dos carcamanos e a outras, incluindo as da compra de poder. Até desdenhava daquela que lhe fazia a bicha dos intelectuários, desses que são intelectuais porque foram ministros, tal como foram ministros porque todos diziam que eram intelectuais, mas sem que a inteligência se tivesse casado com a honra, porque mesmo em glosas de um quarto de hora  antes de morrerem continuam a ser tão tratantes como sempre foram. Era um tempo em que Lisboa vivia como se o Príncipe Regente ainda pudesse largar de barco do cais da Junqueira, com o Estado na bagagem de porão, sempre disponível para ocupar a colónia do Sacramento, para conquistar terreno na Amazónia, para poder contar com discursos feitos pelo Silvestre Pinheiro Ferreira, contra a oclocracia, ou com planos de reconstrução bancária do José da Silva Lisboa, para não ter que se dar razão a Weber, e ao protestantismo como a única ética possível para o dito capitalismo, o que vai do Oliveira e Costa ao Valle e Azevedo, onde nenhum deles é zeca nem diabo. Alguns dos meus leitores que pensam ter horas certas, bem certinhas, quando lêem, com os olhos do respectivo a priori,  pré-captando (donde veio preceito) e cum-captando (donde veio conceito), o tempo e o lugar de emissão deste meu blogue, sem admitirem que, por aqui, tudo é nove horas mais cedo, também nunca hão-de compreender como, de vez em quando, assim vir ao mais cedo é talvez poder andar, no tempo, antes do tempo, coisa que, contudo, apenas é admissível para os que, não tendo queda para a literatura de justificação do revisionismo, julgam que o futuro é tempo que ainda vale a pena conjugar.  Não é um acaso, mas apenas uma procura, a que, neste período, entre Obama eleito e o melão de Sócrates entreaberto, a que vou fazendo por esta ilha, pretensamente perdida. A tal que os administradores do império quiseram esquecer, a tal que os agentes da descolonização, do anti-rapidamente e em força, mais rapidamente se quiseram livrar dela, com o absurdo, entendível, de gonçalvistas promoverem partidos integracionistas face à Indonésia, enquanto nacionalistase super-direitistas iam traindo, cavando e dando às vilas diogo. Por isso me lembro da morte do Rui, lá no mês de Maio, para que não mais morra. Porque, in medio, não estava a virtus, mas  moderadíssimos e malandríssimos oficiais, de carreira ainda mais ambiciosa, que, usando o “divide et impera”, com riscos pouco calculados, prenhes de especialismos em estratégia, apenas não ponderaram a hipótese de duzentas mil vidas, decepadas por maus cálculos de “intelligence”.  Até nem faltaram sequer especialistas em importação de sandalosas iguarias, que não sabiam de poços de petróleo, nem entendiam que valeria a pena a soma de São Tomé com Timor, para a hipótese de um novo ministro das colónias que não tratasse apenas das contrapartidas dos casinos em omnipotência dita moral que é pior do que a outra. Pelo menos dava mais emprego do que o Macau do Stanley e outras afundações que são as únicas que julgam poder emitir adequadas certidões de patriotismo, porque, dos ostrácicos, nunca rezará a história, nem do futuro. Portugal ainda era o erat e o tal erat era tão real que contá-lo, três décadas volvidas, pode parecer que soa a falsete. Mas o erat era mesmo em todo o lado, do mesmo modo, onde para fazermos a quarta classe sabíamos dos afluentes do Mondego e dos apeadeiros da Linha de Oeste, até que chegaram os que gritaram, e conseguiram, o nem mais um soldado para as colónias.  Os que traduziam o estilo de Jane Fonda com o gnóstico de Mao Tse Tung, pintando de vermelho e amarelo as paredes da gare marítima de Alcântara, enquanto outros, mais telúricos e dados a santinhos de barro e missal, viam filmes do Eisenstein e punham Cunhalno lugar de Nossa Senhora de Fátima. Mas a maior parte de tais outros nem sabia para que lado seguir, entre os que partiam para Franças de valise de cartão e os soldadinhos do adeus até ao meu regresso com o angola é nossa tatuado por cima do amor de mãe. E foi assim que correu Abril num fazer coisas em estampido, no que, noutros lugares, onde o tempo havia sido tempo do seu próprio tempo, havia demorado séculos de guerras civis, de guerras mundiais, de guerras coloniais. Eu, pelo menos, tive a vantagem de ser um desses meninos que passou noites em claro a transformar, em escrita, poemas por cumprir e manifestos políticos de uma revolução a haver, enquanto se ouvia Zeca Afonso e Chico Buarque, se liam coisas da arca do Pessoa, assim postas nas pretensas obras completas da edição brasileira, ou se descobria a Cecília, dos Açores e do Brasil. Para, bem lusotropical, me preparar para a guerra que um dia tinha que vir, com dois anos de comissão em terras de malária, mísseis e missangas.  Por mim, que acabei por não vir à guerra, por não fugir para Paris, mas a ter que gerir o resultado de não ter havido guerras civis, guerras mundiais e guerras coloniais, apenas continuo a fingir que ainda posso desembarcar em Lifau e passar a Solor e Flores, sem fugir para o Ataúro.

Nov 20

Entrevista Jornal de Negócios

  1. Como avalia a estratégia de comunicação que o PSD apresenta neste momento e que estão a colocar pressão sobre a direcção do partido?

Estratégia, aprendi eu no IDN, é a arte de transformar as vulnerabilidades em potencialidades e, pelo contrário, evitar que as potencialidades passem a vulnerabilidades. Apenas para concluir de tantos líderes anteriores, plenos de tacticismo, mas falhos de estratégia, o PSD, para mal da democracia, não  pode ter estratégia de comunicação, porque ainda anda à procura de estratégia de acção que lhe permita superar o vazio de funcionalidade no actual sistema político.

 

  1. O facto de se ter seguido a um período de silêncio tem alguma influência, nomeadamente ao nivel das expectativas?

O período da gestão dos silêncios correspondeu a um momento de super-cavaquismo sem Cavaco e depressa se concluiu que era pior emenda do que os sonetos de Menezes e de Santana, dado que as medidas reveladas pelas sondagens apontavam para um esvaziamento do partido em termos de apoios sociológicos.

 

 

  1. Relativamente às intervenções polémicas da líder do PSD nas últimas semanas (dizer que as obras públicas só beneficiaria os desempregados de Cabo Verde, em relação ao aumento do salário mínimo, discurso de vitimização em relação à Comunicação Social e depois a ideia do controlo dos media; e a de ontem sobre a dificuldade de fazer reformas e a frase da suspensão da democracia por seis meses), considera que elas surgem por inabilidade ou estratégia comunicativa?

 

As expectivas de muita comunicação social sobre MFL têm a ver com a imagem que ela transmitiu de antiga ajudante de Cavaco, da ex-ministra tecnocrata que iria fazer de conselho de fiscalização de Teixeira dos Santos, vestida de Anti-Santana e de Anti-Menezes. Só que MFL tem genes de política desde os tempos do avô e do bisavô e tem uma história de activismo e de solidariedade que lhe vem das próprias lutas estudantis, onde esteve sempre do lado da democracia. Só alguém mal-intencionada é que a pode colocar no lugar errado. Ou então, só alguém que não quer discutir o fundo da questão e prefere a pega de cernelha.

 

  1. Todas as intervenções enumeradas acima tiveram um impacto negativo? Quais é que não tiveram? Por exemplo, a afirmação sobre o emprego para os trabalhadores imigrantes não pode valer votos ao PSD?

 

MFL ainda está na fase de personagem à procura de actor, ainda não estabeleceu devidamente o respectivo estilo como líder do principal partido da oposição. Primeiro, porque tem de se libertar do ausente-presente com quem sempre a comparam, Cavaco. Segundo, porque apanhou uma crise financeira internacional que a impediram de poder ter um discurso onde tem, indiscutivelmente,  mais autoridade. Terceiro, porque lançou pessoal político novo, como Paulo Rangel… Isto é, MFL ainda é um melão de que só puseram no prato a primeira talhada, até porque muitos ameaçam que o PSD vai apresentar outra sobremesa, dita melancia, com uma coloração por fora e outra por dentro.

 

  1. O que é exactamente uma ‘gaffe’? Pode-se chamar realmente ‘gaffe’ a estas expressões recentes?

“Gaffe” é o Reagan ser apanhado a ameaçar a URSS em “off”, o que não o impediu de ser o presidente do fim da guerra fria, mas também pode ser o ministro Borrego a contar uma anedota sobre o alumínio e sair do governo para apresentar estudos paraa confederação patronal sobre o novo aeroporto do Barrete Verde…

 

  1. Relativamente ao uso da ironia no discurso político, qual a principal dificuldade que enfrenta um político neste particular? O que pode garantir que ela seja mesmo entendida como tal (ironia)?

 

A ironia é coisa que não se adequa ao ritmo da “imagem, sondagem e sacanagem”, a tríade que, segundo Manuel Alegre, marca a política à portuguesa…

  1. O que é que, na sua opinião, falhou ontem no discurso de Ferreira Leite?

Ao contrário do que parece, eu que costumo ser um crítico frontal de MFL, compreendi perfeitamente o que ela quis dizer e julgo que, se ela usar o tempo de antena a que tem direito, conseguirá comunicar devidamente a mensagem. Nem o avô dela, o ilustre José Eugénio Dias Ferreira, que, se quisesse, podia ser o chefe do 28 de Maio em vez de Salazar, deixaria de dizer que vivemos num período de degenerescência democrática e que esse ambiente propicia a ilusão de uma suspensão da política. Mas também me lembro que um António Sérgio, em pleno crepúsculo da I República, chegou a lançar a ideia de uma espécie de ditadura à romana, onde, durante um período curto, se fariam as reformas que a partidocracia emperrava.

 

Lembro-me que Ramalho Eanes tentou coisa sucedânea com três governos presidenciais e que Mário Soares, por duas vezes, provocou a suspensão com um governo PS com ministros do CDS, por causa do FMI, e, depois, com um governo do Bloco Central, por causa da CEE. Mas o que tenho a certeza é que MFL não reeditou a proposta do Bloco Central, na linha do proposto no primeiro discurso de regresso de Paulo Pedroso. Pelo menos, eu percebi que ela estava a dizer que José Sócrates tinha entrado numa encruzilhada de conflito com as forças vivas e que, no respectivo discurso, quase parecia que precisava de não ter partidos de oposição, sindicatos e patrões que o não deixavam trabalha. Por outras palavras, compreendi a suprema ironia: MFL estava a fazer uma autocrítica e a denunciar a memória da maioria absoluta do cavaquistão, quando este mostrava o estilo que agora Sócrates parece assumir.

  1. Lembra-se de casos antigos semelhantes na política nacional de falhas comunicativas pelo uso da ironia?

Em política o que parece é e a ironia faz parte da arte literária e não do discurso eficaz a que está condenado o político. O caso mais próximo que conheço, no PSD, foi o de Marcelo Rebelo de Sousa comunicar que só iria disputar a presidência do partido quando Cristo voltasse à terra…

 

 

Agradeço antecipadamente a ajuda que me puder dispensar. O meu deadline é um pouco apertado, até às 18 horas.

 

Nov 20

com um pouco de metapolítica e muito lume da razão

Quem todos os dias olha o que resta da República dos Portugueses do outro lado do mundo e do outro lado da própria história, com um pouco de metapolítica e muito lume da razão, compreende a pequenez em que nos vamos destroçando, face àquilo que escrevi no meu primeiro artigo de intervencionismo político, enquanto estudante universitário: somos um neofeudalismo que actua sobre uma anarquia ordenada. Infelizmente, aquilo que são as necessárias “sementes da revolta”, título do meu segundo artigo no mesmo jornaleco semiclandestino e ciclostilado, que o director, muito matreiramente, passou a “sementes da revolução”, perdem-se no processo selectivo dos compadres e das comadres das chamadas forças vivas. O que se passou com o BCP e com o BPN, pequenas amostras do que foram os traseiros do cavaquistão, sobretudo a correria dos que consideraram que o importante não era ser  ministro, mas tê-lo sido, é directamente proporcional aos retiros soarentos para os restos coloniais de Macau e das fundações que, da sociedade de casino, de lá importámos e onde aconchegámos muitas finas flores do salazarismo, do marcelismo e do soarismo, a maior parte das quais não parece ser muito boa para cheirar. Acresce que estas sucessões círculos concêntricos de neofeudalismos da casta banco-burocrática de sempre, assentes nos pactos de silêncio do rotativismo, espalha a estreiteza dos respectivos quintais a outros mundos, desde o jornalismo e comentarismo às placas giratórias das universidades e dos centros de carimbagem da intelectualidade, bem expressos nos abaixo-assinados com que apoiamos a lista de cartões de visita de um ou outro director que os supremos directores querem sanear. No fundo, no fundo, por todo o lado, das forças vivas, se espalha aquele odor a cadávares adiados com que impregnámos as ditas universidades privadas que, depois de falirem, parece que estão a lançar o processo de fragmentação junto das próprias universidades públicas. É a toda esta sucessão de sinais de putrefacção que tenho chamado ditadura da incompetência, quando, como no crepúsculo da I República, regressam os bonzos, os endireitas e os canhotos. Estratégia, como aprendi no IDN, sempre foi  a arte de transformar as vulnerabilidades em potencialidades e, pelo contrário, de evitar que as potencialidades passem a vulnerabilidades.

Nov 19

a poesia é mais verdadeira do que a história

Por mais livros sobre pretéritos imperfeitos, mais confirmo que a poesia é mais verdadeira do que a história. Do ano de todos os fins dos princípios e de todos os princípios dos fins, entre a guerra dita fria, a revolução em Lisboa e os desembarques Timorenses (um, nove, sete, cinco), já foram escritas todas as frases sobre atribuição e passa culpas, já foram preenchidas todas as fichas da chamada teoria da conspiração, e já foram contabilizados os duzentos mil mortos resultantes de erradas teorias de relações internacionais. Todos conhecemos os tristes meandros de uma ditadura, de uma revolução e de uma ocupação, permitidas e fomentadas pelas higiénicas teses do pretenso realismo político e do seu irmão-inimigo da utopia. Todos sabemos como se disfarçam os maquiavélicos defensores da liberdade, bem como os assassinos que lavam o sangue com os amanhãs que cantam. Até já vi alguns que chefiaram a PIDE teorizarem sobre o humanismo, só porque libertaram da morte e da prisão alguns que os seus lacaios para tal enfileiraram… Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.  Importa mais notar que tanto Timorenses como portugueses, neste virar do milénio, procuraram expiar as suas culpas, provocadas por potências que nos fizeram agentes de guerras por procuração. Por isso, vou pesquisando a política da ilha do jacaré, notando como ela aqui é condenada a ter várias dimensões. Não apenas a da face visível do poder, como a que Geertz estudou na teatrocracia de Bali. Não apenas a da face invisível do mesmo poder, para uso de militares e adidos de segurança, sentados nos sofás do Hotel Timor, antes de partirem para os seus “briefings” nos “compounds” do ar condicionado, com metralhadora à ilharga, por causa das ajudas de custo. Mas, sobretudo, a de outras dimensões, mais fora do que é captável, como as que Ruy Cinatti nos ensinou. Como a que os bons padres e bons irmãos semeiam. Como aquela que está mais próxima da realidade. Como aquela que implica crescer para cima e crescer por dentro. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.  Limpemo-nos da hiperinformação  com que nos tentam emprenhar de ouvida os muitos fazedores de literatura de justificação e de memorialismo. Desde os revolucionários frustrados, aos colonizadores que fugiram. Bem como dos agentes dos poderes estabelecidos que fomentam teses situacionistas ou oposicionistas. Aqui e aí, em qualquer lado. Como português à solta, de mal com os poderes estabelecidos por amor da liberdade, apenas me orgulho de as nossas presenças, nestas bandas, terem sido sempre extremamente ténues, na maior parte das vezes, como subdelegação de poderes vindos de Malaca, de Goa ou e de Macau. Mesmo o governador só aqui chegou no século XVIII, permitindo que os abstractos representantes do Estado fossem dominicanos, de vez em quando acirrados e importunados com a rivalidade dos jesuítas. Por mim, não quero balbuciar nomes como lemos pires, jónatas, barrento, mota, maggiolo, porque todos eles estavam no momento inoportuno no lugar errado e seria estúpido culpar almeida santos, soares ou costa gomes. Em Timorense, todos estes nomes se escrevem com minúsculas. E só passaram a ter maiúsculas os que se superaram diante das circunstâncias de tragédia que os elevaram a heróis. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.   Prefiro dizer que plenitude de uma racionalidade importada, de matriz estadual, conforme as normas do manual do cidadão, da organização política e administrativa da nação ou dos manuais de direito constitucional, revistos e anotados, apenas começou a estender as suas sombras nos finais do século XIX, com o governador Celestino e as suas campanhas ditas de soberania, quase iguais às de certos “consultings” jus-magistrais aqui aterrados. Aliás, os governadores republicanos são tão famosos que quase apenas se chamaram Filomeno da Câmara e, depois, Teófilo Duarte, valendo-nos a circunstância de um acaso procurado, a deportação, nos anos trinta, de anti-salazaristas, a qual, posteriormente, nos vai permitir alguns momentos de romântica luta de libertação, face à ocupação japonesa, depois da ocupação australiana, onde os mais dos mortos foram principalmente Timores e não malaes. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.  Julgo que quanto mais dias por aqui passo, espreitando o corpo da terra desta ilha, ou desvelando a alma das gentes, mais chego à conclusão que só sei que nada sei e que, por isso mesmo, começo a saber alguma coisa.  Há por aqui uma natureza que, na alma destas gentes, é assumida como o objecto perfeito, entre a terra, o ar, a água e o fogo. Karma, panteísmo, Cristo, Maomé, ou Buda, todos são mais propícios para esse acesso ao multidimensional desta complexidade, para aquilo a que damos o nome de Deus. Daí que prefira a síntese de tal transcendente situado, a que chamam poesia e que nos permite manejar o mistério, o amor e algo do infinito. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.  E depois de tantos livros de memórias e de história, de tantos ódios e de tantas estórias, regresso ao que deve-ser, e ao cancioneiro, com que Cinatti, que até era engenheiro, mas agrónomo, tentou aproximar a ilha do trovadorismo medieval donde nascemos, para se concluir que todas civilizações são mesmo poeticamente contemporâneas e não apenas na filosofia. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu.  Por mais livros que leia sobre os pretéritos imperfeitos, sobretudo os da descolonização e da ocupação, mais me refugio nas memórias do cancioneiro de Cinatti e assim confirmo como a poesia é mais verdadeira do que a história. Como o Ele, o amigo Timorense, disse ao Eu: quando chegámos a Timor içámos os barcos para a montanha, virámos-lhes a quilha para o ar e servimo-nos deles como se fossem casas. O mito manteve-se mas o rito, o treino, perdeu-se, a memória esqueceu-se… Timor foi para nós o fim do mundo… No cimo, erguemos a casa sagrada, tal como a Acrópole dos Gregos. E renovámos o culto da serpente, esquecido durante as longas viagens marítimas, quando as filhas da Terra nos foram oferecidas,  pelos primeiros habitantes de Timor em troca de uma paz desejada por vencedores e vencidos. A serpente ficou soberana da Terra, ainda que sob outros nomes, mas o seu poder diminuiu. Já não abarca o Céu, como outrora, senão quando a tromba d’água desaparece nas nuvens ou o arco -íris lhe oferece seguro percurso. Ouve-se, então, a serprente chorar, como nas fontes a água. O Sol, porém, consagrou-a, como esposa. Quando morremos, nem todos nós descemos às entranhas da Terra… Os que foram designados filhos do Sol ascendem ao Quarto Céu do mundo superior e ali ressuscitam iguais ao que eram em vida. Não te surpreendas se te disser que o Quarto Céu é muito parecido com a terra de onde vieram os nossos antepassados. Por isso, temos sempre saudades da Terra, mesmo quando estamos no Céu. A saudade é tão grande que não são poucos os Timorenses vivos a receber a visita apaixonada das filhas do Céu….

Nov 14

Não costumo invocar o nome liberal em vão…

Isto de escrever em linguagem que é metalinguagem, não detectável pelos que precisam de interpretadores policiescos de códigos filosofantes, quase implica que eu peça desculpa aos ilustres leitores por não vos indicar com quem ontem fui jantar, qual a cor da cadeira onde vou teclando, ou se fui à missa à catedral ou a uma capelinha perto de Motael. Para evitar alguns subentendidos que me podem colocar na categoria de mentiroso, sou assim obrigado a publicar, na íntegra, um documento que, em 23 de Setembro, enviei a quem enviei e que foi interpretado da maneira como foi interpretado por quem, se tivesse a coragem de sair do anonimato, deveria ser especialista em interpretação de textos e que agora barafusta, dizendo ter sido enganado (apenas sublinho o que tenho de sublinhar) :  Meu caro J… Pedindo-lhe para não polemizarmos publicamente, agradeço-lhe as referências, mesmo as críticas, sobretudo, as farpas que pegam fundo. Confesso que é uma honra. Não polemizo, por enquanto, embora apetecesse. Porque precisava de um bocadinho de tempo e como estou em vésperas de ir para um breve exílio no outro lado do mundo, outras são as vacinas a que tenho de submeter-me. Tenho consulta do viajante daqui a uns minutos. Julgo que se lembra da minha presença no Tribunal de Alcobaça em defesa do A… E se percorrer os textos que blogueei, sobre a matéria, por essa época, eles correspondem à posição última. Julgo que a primeira vez me cruzei com o P…  foi num supermercado, em compras, depois de ele sair da cadeia. E conversámos, com ele a agradecer as posições que tinha tomado e manifestado pessoalmente à A…, minha querida e antiga aluna, e publicamente, no meu blogue De resto, as minhas coincidências de pertença institucional com o ex-ministro e actual deputado têm a ver com a República Portuguesa e mais nada. Pelo menos, que eu saiba. Mas como não faço parte das secretas organizações que tudo dizem saber, prefiro saber que nada sei. As suas outras insinuações sobre a minha coincidência de pertenças, com os grupos e as concepções do mundo e da vida de Kant, constituem uma honra para mim. E qualquer observador pode reparar que elas até são uma das minhas bandeiras de luta, permanecentes, sem qualquer tipo de secretismo. Acresce que, em todas as organizações a que pertenço, há um lugar na Internet e em todas elas colaboro publicamente com o nome de baptismo e sem pseudónimo. A única que ninguém repara é a minha pertença directiva ao movimento cívico “Intervenção Radical”, com o Eurico de Figueiredo e o Carlos Antunes, entre outra meia dúzia de resistentes. Quando tiver tempo, terei todo o gosto em polemizar consigo. Nas próximas semanas, estou mobilizado pelo Oriente, de onde vem a luz… do sol. Espero que me deixem ir para Timor, ensinar na Kant, na Faculdade de Direito… Com as melhores saudações bem orientais…  José Adelino Maltez  Por outras palavras, ilustre anónimo, sou defensor de uma alínea deontológica entre magistrados que obrigue os mesmos a não serem anónimos blogueadores, usando instrumentos a que só acedem por dever de ofício. Daí manter na íntegra, que:  (1)  não faço parte das secretas organizações que tudo dizem saber  (2)   tenho coincidência de pertenças, com os grupos e as concepções do mundo e da vida de Kant  (3)  essas pertenças são uma honra para mim  (4)  e são também uma das minhas bandeiras de luta, permanecentes, sem qualquer tipo de secretismo.  Aliás, basta clicar nos nomes a quem me atribuem irmandade e que escrevem publicamente nos jornais, para todos verificarem que tanto com eles costumo polemizar, como também os tenho afrontado, bem directa e frontalmente. Não tenho culpa, absolutamente nenhuma, de, por cá, os pretensos tories não entenderem que umwhig tanto pode ser girondin, como detestar neopides e jacobinos,  gostar de ir à tromba ao Sebastião José e ao Pina Manique, estar disponível para desembarcar no Mindelo e ainda poder ir para a Maria da Fonte e para a Patuleia, para que, desta, se expulsem os Cabrais que vieram do Clube dos Camilos. Não costumo invocar o nome liberal em vão. Para bom entendedor, azul e branco basta.