Nov 30

1 de Dezembro, a comemoração inconveniente

Apetecia retomar texto de há um ano, mas desta vou mais fundo, em homenagem a Agostinho da Silva, e republico um manifesto que emiti em plena coabitação do cavaquismo governativo com o soarismo presidencial:

 

Amanhã, vai acontecer mais um 1º de Dezembro da história de Portugal, pouco tempo depois de Felipe Gonzalez e Cavaco Silva terem concertado em Lisboa a necessidade de instauração de um Mercado Único Ibérico, para ensaiarmos 1992, e numa altura em que grandes figuras das letras portuguesas contemporâneas, como Natália Correia e José Saramago, vivem em pleno idílio “iberista”, sem Fernando Reino em Madrid e já esquecidos das profecias do Embaixador Franco Nogueira.

 

Dizia o meu livro de história da instrução primária que no primeiro dia de Dezembro de l640 um grupo de conjurados tratou de restaurar a independência nacional, expulsando os Filipes do trono de Portugal. Mas, cerca de três séculos e meios volvidos, eis que a República Portuguesa e o Estado Espanhol acabam de aderir à U. E. O., depois de , nestes últimos anos, se terem também irmanado nas Comunidades Europeias e na Organização do Tratado do Atlântico Norte.

 

Não há dúvida que comemorarmos o 1º de Dezembro com a lógica da padeira de Aljubarrota constituiria uma clara afronta aos sinais dos tempos. Seria recordarmos o nosso provérbio que diz que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento e até certo slogan castelhano que proclama uma Espanha una e grande, de mar a mar, sem Portugal nem Gibraltar. Seria continuarmos a viver de costas uns para os outros, recordando a entrevista concedida por Alfonso XIII ao nosso Diário de Notícias, onde o monarca espanhol considerava Lisboa como o porto natural de Madrid, ou a exortação aos portugueses de José António Primo de Rivera, onde nos incitava a seguir o exemplo de Fernão de Magalhães.

 

Acontece que Portugal e o Estado Espanhol podem orgulhar-se do facto de serem os únicos vizinhos europeus que há mais de cento e oitenta anos não têm entre si qualquer conflito armado – desde a chamada Guerra das Laranjas, quando perdemos Olivença.

 

Sucede também que , pela primeira vez, desde a dinastia filipina, as duas entidades estaduais são parceiras das mesmas estruturas supranacionais militares e económicas.

 

Comemorar o 1º de Dezembro, neste contexto, pode, portanto, constituir um atentado contra o espírito dito de 1992 e contra os nossos recentes defensores tardios dos Estados-Unidos da Europa. Talvez fosse muito mais conforme aos “ventos da história” recordarmos que os Filipes foram uma espécie de precursores da CEE e que só não conseguiram atingir o alvo por causa da derrota da Invencível Armada.

 

De qualquer modo é forçoso reconhecermos que só distorcendo a realidade histórica poderemos dizer que durante os sessenta anos de reinados filipinos Portugal perdeu a respectiva independência. Durante esse período, conforme as linhas constitucionais delineadas nas portuguesíssimas Cortes de Tomar, sempre mantivemos órgãos de governo próprios, o que foi sufragado pelo melhor da inteligência portuguesa da época, com destaque para Frei Bartolomeu dos Mártires ou D. Jerónimo Osório.

 

Também poucas vezes se salienta o reverso da medalha, ou seja, a influência portuguesa na “eurocracia” da época , bem como o facto de terem vindo para Portugal eminentes vultos da cultura espanhola, com destaque para Francisco Suarez, o Doctor Eximius, que, entre nós, publicou as suas principais obras e cujos restos mortais permanecem em Lisboa.

 

Só que os enviados culturais dos Filipes a Portugal, nomeadamente os homens da escolástica peninsular e a própria Companhia de Jesus, vieram semear a revolta e voltar o feitiço contra o feiticeiro. Os jesuítas estão por detrás de todos os Manuelinhos de Évora e os suarezistas estruturam toda a teoria da soberania popular que vai servir de argumento a João Pinto Ribeiro, Francisco Velasco Gouveia e demais juristas da Restauração, que levam à prática grande parte das teses que estiveram na base da Revolução Francesa, com século e meio de antecedência.

 

São estas mesmas teorias que ainda justificam o nosso Estado-Nação e que não impedem uma integração no grande espaço europeu. Ai da Europa democrática se confudir o nacionalismo da “mais antiga nacionalidade da Europa” com os nacionalismos dos impérios frustrados, estes, sim, os reais inimigos da restauração da unidade espiritual da Europa.

 

No nosso 1º de Dezembro a Espanha só entra por acaso. Calá-lo é trair o cerne da democracia portuguesa em nome do “departamento de secos e molhados da Europa” e não percebermos que, neste ponto, não é Portugal que se deve integrar na CEE, mas sim a CEE que se deve integrar nele, como diria o mestre Agostinho da Silva.

 

Os mais desleixadamente “ceeistas” que leiam por exemplo uma pequena obra intitulada A Justificação Jurídica da Restauração e a Teoria da Origem Popular do Poder Político, Lisboa, 1964. O respectivo autor chama-se Mário Soares.

Nov 30

A desorganização do trabalho nacional

As instituições, sim, as instituições, essas coisas que já eram, sem ideias de obra, sem manifestações de comunhão, mas onde não faltam regulamentos e interpretações hierárquicas de regulamentos segundo as ordens da vaidade que reforçam o arbítrio, essa formidável rede das pequenas chefias que se medem pela extensão dos tapetes e pelo volume dos sofás. Para que o arbítrio gere o clientelismo e a incerteza promova o servilismo e a cunha , para que todos dobrem a espinhela, diante do caseiro e do capataz. Sim, senhor ex-ministro, senhor director para sempre, vossa senhoria e sua insolência sois meu seguro para a prestação da casinha, a renda da viatura e a factura do colégio. Sim, minha senhoria, tenho medo, tenho medo, de faltar-te ao respeitinho e perdi respeito por mim mesmo. Sou um vendido ao esquema da sobrevivência e apenas espero a hora da vindicta.   O neofeudalismo desta anarquia ordenada é a principal causa tanto do ódio como da permanente greve geral de zelo em que todos vão fingindo trabalhar. A ideologia dominante em Portugal é a do comunismo burocrático, onde manda o senhor ninguém e a respectiva concubina, a senhora dona culpa, a que morre sempre solteira. Somos, cada vez mais, uma sociedade de porcos-espinhos onde resta a soberania do salve-se quem puder e apenas resta a esperança de, enquanto o pau vai e vem, folgarem as costas.   A voz de cada um é cada vez mais irrelevante e nem conseguimos federar essas reservas em termos de mobilização daquilo a que os republicanos chamaram alma nacional. Nem sequer temos a consolação de sabermos que o poder dos sem poder vale tanto quanto o poderio dos poderosos. Ambos são gota de água que vai com a corrente que não sabemos de onde virá. Entre paus mandados e testas de ferro, não se vislumbram improvisos nem desgarradas que conjuguem a urgente libertação da esperança. Os economeiros e financistas já demonstraram que D. Sebastião não pode regressar. O máximo de desorganização do trabalho nacional expressa-se no falhanço do processo de selecção nacional que levam a cabo os monopolistas da representação nacional que gerem as alavancas do Estado-aparelho de poder. A falta de organização do trabalho nacional (expressão de Ezequiel Campos) gerou uma rede de sucessivas ditaduras da incompetência, por falta de vocações e preparações, que transformaram o que deviam ser lugares de trabalho em postos de vencimento, com livros de ponto registando corpos presentes. Somos subgovernados por uma casta de gente cunha da e subsidiodependente, especialista no saca-rolhas da engenharia do financismo, do crédito mal parado e dos fundos e afundações que nos tramaram a igualdade de oportunidades e a meritocracia, sem as quais não há justiça.

Nov 30

A desorganização do trabalho nacional

As instituições, sim, as instituições, essas coisas que já eram, sem ideias de obra, sem manifestações de comunhão, mas onde não faltam regulamentos e interpretações hierárquicas de regulamentos segundo as ordens da vaidade que reforçam o arbítrio, essa formidável rede das pequenas chefias que se medem pela extensão dos tapetes e pelo volume dos sofás.

 

Para que o arbítrio gere o clientelismo e a incerteza promova o servilismo e a cunha, para que todos dobrem a espinhela, diante do caseiro e do capataz. Sim, senhor ex-ministro, senhor director para sempre, vossa senhoria e sua insolência sois meu seguro para a prestação da casinha, a renda da viatura e a factura do colégio.

 

Sim, minha senhoria, tenho medo, tenho medo, de faltar-te ao respeitinho e perdi respeito por mim mesmo. Sou um vendido ao esquema da sobrevivência e apenas espero a hora da vindicta.

 

O neofeudalismo desta anarquia ordenada é a principal causa tanto do ódio como da permanente greve geral de zelo em que todos vão fingindo trabalhar.

 

A ideologia dominante em Porugal é a do comunismo burocrático, onde manda o senhor ninguém e a respectiva concubina, a senhora dona culpa, a que morre sempre solteira.

 

Somos, cada vez mais, uma sociedade de porcos-espinhos onde resta a soberania do salve-se quem puder e apenas resta a esperança de, enquanto o pau vai e vem, folgarem as costas.

 

A voz de cada um é cada vez mais irrelevante e nem conseguimos federar essas reservas em termos de mobilização daquilo a que os republicanos chamaram alma nacional.

 

Nem sequer temos a consolação de sabermos que o poder dos sem poder vale tanto quanto o poderio dos poderosos. Ambos são gota de água que vai com a corrente que não sabemos de onde virá.

 

Entre paus mandados e testas de ferro, não se vislumbram improvisos nem desgarradas que conjuguem a urgente libertação da esperança. Os económicos e financistas já demonstraram que D. Sebastião não pode regressar.

 

O máximo de desorganização do trabalho nacional expressa-se no falhanço do processo de selecção nacional que levam a cabo os monopolistas da representação nacional que gerem as alavancas do Estado-aparelho de poder.

 

A falta de organização do trabalho nacional (expressão de Ezequiel Campos) gerou uma rede de sucessivas ditaduras da incompetência, por falta de vocações e preparações, que transformaram o que deviam ser lugares de trabalho em postos de vencimento, com livros de ponto registando corpos presentes.

 

Somos subgovernados por uma casta de gente cunhada e subsidiodependente, especialista no saca-rolhas da engenharia do financismo, do crédito mal parado e dos fundos e afundações que nos tramaram a igualdade de oportunidades e a meritocracia, sem as quais não há justiça

Nov 29

Li a entrevista de Mário Soares

A desgraça neoliberal começou em Portugal no ano de 1984, quando com Mário Soares se revogou o DL nº 41 204 que estabelecia margens de lucro máximas, repetindo uma atitude oriunda de legislação de 1922 e que nos tornava um caso único a nível da OCDE. Por acaso, fui um dos membros do grupo de trabalho que esteve na base dessa revogação dos chamados lucros ilícitos que já todos sabiam defraudar. Muito me orgulho dessa missão bastante liberal que socialistas e sociais-democratas, em boa hora, subscreveram.

Li a entrevista de Mário Soares ao “i”. E já vi reacções bem eriçadas. Eu apenas notei a respectiva definição de neoliberalismo que fará obviamente parte de todos os tratados ideológicos: é a ideologia que une a Internacional Socialista com o PPE de hoje. Como os liberais de sempre não fazem parte dessas duas famílias, mais não posso do que saudar esta criatividade do neo-socialismo que o meu presidente de sempre manifestou.

Quando ilustres patifes persistem em fazer, dos sacristas, meros inocentes úteis, importa confessar que continuo a preferir a heresia, porque tanto rejeito a santidade da inquisição como o seu sucedâneo, a passadista ministerialização em música celestial. Os rebeldes e heterodoxos são bem mais fiéis que os do feitiço hierarquista. Ficai sabendo que digo não, por dentro. Entre os portugueses, alguns traidores houve, algumas vezes.

O casal Merkozy ainda não percebeu que Portugal é o país com mais feriados no mundo, tal como todos os outros Estados da CPLP. Basta atentarmos na designação dos dias da semana, dado que conservamos a determinação vaticana que mandou substituir os nomes pagãos pelo termo “feria”, dito agora feira, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª, o que quer dizer “festa”, embora litúrgica, isto é, feriado. Qual dia da lua, dia de marte e outras tretas. Sempre fomos mais papistas que o papa, em matéria de feriados.

O vírus da raiva ameaça regressar. Hackers continuam a fazer sucessivos golpes de Maria da Fonte contra bases de dados estaduais, enquanto matilhas de cães esfaimados, ditos vadios, lançam terror selvático no Nordeste da Terra Quente. O bom e velho Estado parece estar em crise.

Depois de Freitas do Amaral denunciar a ditadura e de Mário Soares prognosticar a revolução, apenas houve revolta dos deputados do PS, e contra o diálogo profícuo. Isto é, os jogos florais do ex-actor Otelo não passam de tímido esguicho verbal de um venerando septuagenário vestido de anjinho papudo.

As novas da Europa demonstram como a táctica das agências da ratação resulta. O último a ficar com o queijo do triplo A pode ser o único a ficar com o euro. Ou então, voltar ao “Deutsche Mark”, a moeda inventada pela ocupação norte-americana. Por cá, já se estuda o regresso aos “reis”, como compensação face à eliminação dos feriados soberanos do 5 de Outubro e 1 de Dezembro. Há quem proponha o “pataco”, por causa do bacalhau.

 

Nov 28

Os negocistas do costume continuam a desfilar demagogia politicida

A malta dos rendimentos do capital, face aos tostões que hoje foram taxados, já clama pela quebra da Bolsa, dizendo que era mais seguro irem às bolsas dos que trabalham e a que alguns chamam remediadinhos. Por outras palavras, o principal motor da história da nossa decadência não é a luta de classes, mas a inveja.

A pedrada que hoje atingiu Mota Soares é directamente proporcional ao efeito de simpatia que gerou o propagandismo da Vespa. Os danos colaterais causado a um gajo porreiro não foram diminuídos pela invocação da culpa do senhor ninguém do comunismo burocrático. Porque a tal agência estatal que o alugou está directamente integrada no despacho de outro qualquer senhor ministro. Aliás, a indignação revelada parece não saciar-se com o habitual passa culpa para o socratismo. Se calhar talvez fosse mais prudente que suas excelências passassem a andar de táxi, desses todos pretos, com motoristas fardados e que não têm sempre ligado o rádio Amália!

Os negocistas do costume continuam a desfilar demagogia politicida, com que dizem fazer política, especialmente se acederam recentemente ao espaço de reciclagem de sucessivos arrependidos. Os que, em nome das circunstâncias, metem as ideologias e os programas na gaveta, para que tenhamos de aturar como comandantes de corporação os mais activos dos bombeiros incendiários de nosso informal bloco central alargado, onde os caseiros da esquerda moderna continuam a servir os capatazes da direita dos interesses, neste mais do mesmo que, ora privatiza os lucros, ora nacionaliza os prejuízos.

A justiça sempre foi tratar desigualmente o desigual, sem isenções privilegiadas e sem subsídios à preguiça. O seu melhor aliado sempre foi a dignidade do trabalho, a mais importante via para a defesa da propriedade. Porque todos conseguem compreender o valor dos frutos que se semeiam com a própria liberdade pessoal.

A culpa de haver escravos é não haver revolta de escravos. Não foi Vasco Lourenço que o disse, foi Chateaubriand. Prefiro continuar a pensar como Étienne La Boétie, sobre a servidão voluntária, que é a causa de não haver revoltas e de muitos preferirem a utopia da teoria da revolução.

A maior das riquezas que podemos alcançar é a de acabarmos com a pobreza, sobretudo dos pobres de espírito que dizem não haver alternativas e que seremos sempre todos iguais, com alguns mais iguais do que outros, com mais pobres, cada vez mais pobres, e menos ricos, cada vez mais ricos.

A categoria dos ricos em Portugal passa dos 485 para os 600 euros mensais, graças ao diálogo profícuo.

Claro que não houve nem haverá folgas, isto é, enquanto não formos mobilizados para a criação de riqueza, dado que ela continua a ser confundida com a emergência de oligarcas que querem ser plutocratas, entre chicos espertos e novos ricos que querem tornar-se aos velhos ricos que também começaram como novos ricos.

Também tenho conhecido partidocratas e jotas que já eram velhinhos quando ainda eram jotas. Desde candidatos a administradores de Gulag, invocando a superioridade moral da seita, a eventuais directores de nova pude, com missinha quotidiana. Infelizmente, abundavam cunhadores e gestores de empresas de regime, do eterno bloco central, prontos para a difusão corrupta, até com vergonhas naturais em África e nos arredores da capital, mas sempre com gravatinha de assessor e trejeito de adjunto. Ao pé de todos eles os lampiões, os dragões e os leões são meninos de coro

Espero que a política não atinja os níveis de violência incendiária da futebolística, mas não posso deixar de dizer que conheci ilustre figura da nossa paisagem que cultivava claques e jagunços, a que chamava “a minha gente” e que ainda hoje coloca em degraus, cadeiras e portarias, para lhe fazerem o trabalho sujo, entre angariaremos e pequenos escribas de intriga e de injúria.

Nov 26

Eis a genealogia liberdadeira dos meus liberais clássicos

Eis a genealogia liberdadeira dos meus liberais clássicos: organizam-se continuadamente a partir de 1802 por patente conseguida por Hipólito da Costa; resistem aos invasores franceses, com José Bonifácio e Manuel Fernandes Tomás; aplicam os modelos da globalização com as teses de José da Silva Lisboa, instituindo o primeiro banco português, o do Brasil; propõem com Palmela e Silvestre Pinheiro Ferreira, uma constituição; criam o Reino Unido de Portugal e do Brasil em 1816, sob o signo da armilar; morrem no Campo dos Mártires da Pátria contra o protectorado de Beresford; conspiram no Sinédrio; lançam as bases da democracia com o 24 de Agosto de 1820; tornam o Brasil independente em 1822; desembarcam no Mindelo e instituem o estado contemporâneo com Mouzinho da Silveira; promovem a abolição da pena de morte e lançam o coódigo civil…   Um liberal assume, sem equívocos, uma concepção do mundo e da vida anti-construtivista, anti-revolucionária e anti-estatista, segundo a qual não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, mesmo sem saber que história vai fazendo. Porque o mundo é mais produto da acção dos homens que da intenção de alguns deles, os ministros, os deputados, os planemanentistas, as consultadorias, os banqueiros e os intelectuais. Um liberal pode e deve conjugar o patriotismo português, o federalismo europeísta e o cosmopolitismo, tal como deve ser o primeiro a defender a dignidade do trabalho, que é a única propriedade a que tem direito um pobre. Faço parte da mais antiga e identificável das famílias espirituais do liberalismo clássico. A de Newton, Montesquieu e Kant, organizad desde 1717. A de Silvestre Pinheiro Ferreira, Vicente Ferrer de Neto Paiva e Alexandre Herculano. A que esteve na raiz do posterior federalismo, mesmo a do anarquismo de Proudhon, do radicalismo solidariza e do cosmopolitismo dos projectistas da paz. Esse liberalismo tradicional dos velhos liberais foi uma das colunas fundacionais da Sociedade das Nações em 1918; da Organização das Nações Unidas em 1945; da NATO; da CECA, da CEE, da EFTA e da actual União Europeia. Ganhámos a Guerra contra os impérios centrais e o nazi-fascismo. Conseguimos vencer o soviético e estamos nas bases do modelo dos que conjugam o direito universal com as autodeterminações nacionais deste mundo que é potencialmente melhor. Porque tem menos guerra, menos doença e menos fome e, sobretudo, mais liberdade de consciência. Os liberais tradicionais saúdam os católicos que, a partir de 15 de Maio de 1891 assumiram as coisas novas da doutrina social da Igreja, conciliando-se com o demoliberalismo; os socialistas que passaram a sociais-democratas e passaram a fazer o jogo do sufrágio universal; os fascistas que passaram a sociais-fascistas e os comunistas que passaram a ser ex-comunistas, todos gerindo a casa comum da democracia das sociedades abertas e pluralistas, neste mundo de sete mil milhões de homens. O Estado Contemporâneo é uma criação dos liberais tradicionais (só em 1832, as ordens religiosas recebiam do povo 1 162 contos de rendas, enquanto o Estado, em impostos directos, apenas tinha 1 600 contos). O Estado contemporâneo é uma criação dos liberais como a obra do nosso Mouzinho. Infelizmente, a criatura libertou-se do criador e tem de voltar a ser capturada pelos princípios que a geraram. Isto é, tem de voltar a ser cérebro social e a ter os nervos da governação, para não constituir uma governança sem governo, com muita adiposidade, pouca flexibilidade muscular, ossos descalcificados e pés em lugar da cabeça, com sucessivos tropeções. O Estado-aparelho de poder, o principado, incluindo os agentes da partidocracia e as empresas de regime, tem de voltar a ser comandado pelo Estado-comunidade, ou república. Mesmo a dita sociedade civil, onde civil vem de civis, ou política, isto é, cidadão, tem de voltar a ser sinónimo de política, como o diziam Suárez, Locke, Espinosa ou Rousseau. Não subscrevo o conceito hegelianismo de sociedade civil como “bürgerlisch Gesellschaft”, na linha de Hegel, Marx ou Gramsci. Mas reconheço que o estado a que chegámos não passa de um arremedo de política, de um “asserem Staat”, a que Marx chamou sociedade de classes. Não quero economificar o Estado, pelos tecnocratas sem democracia, ou pelo recurso à ditadura do partido único para a construção do capitalismo, como na China do PCC, ou como nos que advogam a mexicanização lusitana, pelo regresso ao Bloco Central. Não foram os revolucionários de 1792, de 1917 ou de 1922 que permitiram o Welfare State do segundo pós-guerra nem as regulações do capitalismo selvagem do Clayton Act, do Sherman Act ou das leis de defesa da concorrência, mas o demoliberalismo, já também gerido pelos antigos inimigos do século XIX, os democratas cristãos e os sociais-democratas. Como todos juntos atingiremos a regulação global da OMC e dos impostos mundiais contra os especuladores e os tecnocratas, a bem da república universal. A partir de 1989 não foi o comunismo que acabou, mas a ilusão da nostalgia revolucionária que invocava 1792 e 1917 e nos estrangulava numa cartilha que esquecia a mais funda das revoluções altlânticas, desde a inglesa, dos finais do séculos XVII, à americana, do séculos XVIII, bem como à francesa de 1789, antes do Terror e da Repressão da Vendeia. Eu continuo girondino. Prefiro as revoluções evitadas que mudaram o mundo. Prefiro as libertações Sul-americans do século XIX, a primavera dos povos, de 1848, na Europa Central e do Leste, e o presente processo das autodeterminações nacionais e da globalização sem totalitarismo. Um liberal apenas tem de se universalizar, concluindo que vale mais ser whig do que conservative. Quem for liberal e não revolucionário também não pode cair na tentação dos que são contra as revoluções à maneira reaccionária, ou contra-revolucionários, pelas revoluções ao contrário, como proclamaram os fascismos e os das revoluções nacionais, de salazarentos a nasseristas. Um liberal tradicional, aqui e agora, no Portugal de Gaspar, não é pela direita que quer conservar o que está, nem pela esquerda que quer conservar o que estava. É do centro excêntrico, porque, como diria Garrett, o jardineiro, vintista, setembrista e regenerador histórico, Portugal já não é o que foi nem pode voltar a ser o que era. O que vai ser é do querer de Deus, do sonho dos homens e da obra que eles fizerem. Isto é, da acção dos homens concretos, contra os planeamentistas da troika e os decisões do eixo. Os liberais apenas podem ser conservadores do que deve ser, dos homens livres num país livre. Eu sou um liberal lusitano que não gosta de traduzir em calão o jacobino, socialista e laico. Fiel aos girondinos que foram guilhotinados pelo terror, vintista e mindeleiro, gostaria de ter sido filiado na aliança de históricos e reformistas que passaram da Patuleia ao partido progressista. Logo, rejeito os preconceitos e os fantasmas da clivagem do socialismo contra o capitalismo que serviu de alento para as frentes populares. E sou mais do que laicismo, sou pelo pós-secular habermasiano, mesmo sem ter religião revelada, porque defendo o papel das religiões institucionais no espaço público, como foi admitido pela nossa I República, depois da revisão da lei da seperação de Alberto Moura Pinto em 1918, no programa de pacificação da relações entre a política e a religião que António José de Almeida praticou como presidente. As ideias básicas da revoluções liberais clássicas são hoje património comum da humanidade e exigem a necessidade de regulação universal da liberdade, igualdade e fraternidade, pela instituição universal de laços políticos contra a violência naturalística da lei da selva. A política é a ciência dos actos do homem como membro da polis e da cosmopolita. É bem mais do que a economia, a ciência dos actos do homem como membro da casa. E todas têm na base a moral, a ciência dos actos do homem enquanto indivisus. Porque se o Estado e os Estados organizados em repúblicas universais, o homem e os homens estão acima dos Estados. Só agora estou a passar a escrito as notas que ontem comuniquei…mesmo as da conclusão sobre haver em Portugal, hoje, uma pluralidade de pertenças liberais; o liberalismo político é partilhado pelos PS e PSD; o liberalismo económico, pelo PSD, pelo CDS e, na prática governaria, pelo PS; o liberalismo das causas, ou social, mais Pelo PS e às vezes pelo PSD…o resto são lendas, entaladas entre as pulsões reaccionárias que endoidecem o CDS e as pulsões da doença infantil dos esquerdismo que às vezes gerontocratiza o PS…

Nov 23

Passos, em versão militar, cita Lenine

Passos, em versão militar, cita Lenine, o do “um passo atrás, para dar dois em frente”. Foi a propósito da falhada NEP (nova política económica, que pretendia dar um pouco de capitalismo ao nascente bolchevismo, mas que falhou rotundamente, principalmente pela luta partidocrática entre Trotsky e Estaline…). Seria preferível ser mais antigo e reconhecer, como Montaigne, “Il faut reculer pour mieux sauter”. Mas isto é humanismo antigo, não é revolucionarismo frustrado, o da “révolution d’en haut” e da viradeira, mesmo que seja revolução ao contrário.

Mário Soares situou-se. Num manifesto reservado a cidadãos de esquerda. Coisa que não sou. Apostam no bom e velho Estado. São vagos quanto ao projecto europeu. Nada dizem sobre a necessidade de repúblicas universais. Prefiro mais patriotismo democrático, mais federalismo europeu, mais cosmopolitismo, antes de ser de direita ou da esquerda. Apenas li, não me mobilizei. Sou liberal, não sou de esquerda. Só pelas liberdades nacionais, com vontade de sermos independentes é que podemos ter uma democracia de muitas democracias. De forma liberdadeira.

Há uma arte de ser livre, com que se nasce, mas que se procura, apenas quando se tem a vocação de a criar nos outros. Só é criativo quem a sabe reproduzir nos outros, através do amor. O sacristão é apenas sacristão. Cantarola as palavras, dá badalo aos sinos, mas não tem o sentido dos gestos. Isto é, não ascende, porque não sabe crescer por dentro.

A caricatura da partidocracia, em ritmo concentracionário, ou a redução da democracia ao mais fechado dos clubismos de reservado direito de admissão, em nome das elites contra a partidocracia, contra o regime. Viva Alberto João, o paradigma do reformismo social-democrata! O Estado são eles, o povo são eles

Nov 22

Vivemos em ditadura dos factos. E contra factos não há argumentos.

Secretário de Estado anuncia, Ministro desanuncia. No intervalo houve desmentido do Primeiro-Ministro. Ninguém já se espanta. Aliás, tanto o programa eleitoral como o próprio programa de governo têm sido desmentidos pelas circunstâncias. Vivemos em ditadura dos factos. E contra factos não há argumentos.

Na velha Grécia da primitiva democracia, havia grande qualidade de cidadania para a pequena minoria de cidadãos, os que até eram dispensados de trabalhar. A esmagadora maioria, a que trabalhava, o grupo dito dos idiotas, tem agora sufrágio universal, desde o fim do apartheid. E está em vigor a regra de São Paulo, segundo a qual quem não trabalha não come. Pena continuar a ser comido pelos pretensos da casta politiqueira que não quer funcionários a controlá-lá, à pretensa casta, das subvenções vitalícias e medidas de efeito equivalente. Tenham juízo!

Não se vislumbram sobressaltos que nos possam perturbar ou mobilizar, nesta “apagada e vil tristeza” em que a cobardia nos enredou. “Ninguém sabe que coisa quere, nem o que é mal, nem o que bem”, mas também não há nevoeiro. Logo, D. Sebastião também não pode regressar. Já não somos quem sempre fomos, pátria antiga, de fibra multissecular. Mas é preciso voltar a ter “saudades de futuro”.

Faltam mobilizações ideológicas, à esquerda e à direita, e secaram os mitos, dos amanhãs que cantam ou do regresso ao passado. A democracia vai degenerando, mesmo sem ser por acção dos inimigos da democracia, até porque muitos democratas temem criticar o situacionismo, lavando as mãos como Pilatos.

Nestes dias de interregno, sem que se vislumbre qualquer sinal de regeneração, apesar de forte identidade nacional, todos nos diluímos em ambiente de “finis patriae”. Até padecemos daquela temperatura messiânica que nos dava alma, por ocasião de anteriores crises.

Se a democracia, através dos partidos e dos outros grandes figurantes do Estado, não assumir uma nova gramática e os apoiantes e opositores não reencontrarem o sentido da palavra, tudo o que disserem pode ser imediatamente desdito, pelos próprios ou pelos seus pretensos superiores hierárquicos. Não gosto do sistema do manicómio em autogestão.

Apesar das habituais danças e contradanças que antecedem as grandes greves, incluindo o mito da soreliana, julgo que ainda vai continuar a viver-se em regime de povo de brandos costumes. Não por causa da falta de revolta, mas por insuficiência de faísca. É como a agulha num palheiro, com tanta palha molhada, pela chuva da rotina, a do mais do mesmo. Apenas um acrescento: se pudesse aderia à greve geral.

Se a democracia, através dos partidos e dos outros grandes figurantes do Estado, não assumir uma nova gramática e os apoiantes e opositores não reencontrarem o sentido da palavra, tudo o que disserem pode ser imediatamente desdito, pelos próprios ou pelos seus pretensos superiores hierárquicos. Não gosto do sistema do manicómio em autogestão.

Quando qualquer suprapoder quiser, o nosso poder de quintal, entre comadres e compadres, pode fazer, em cinco minutos, um acordo de governo da actual coligação com o PS. Mas passos seguros já não chegam. Seria mais avisado que, em cinco dias, contratássemos uma adequação da aritmética parlamentar à geometria social. Estamos a pisar as raias da falta de legitimidade, enquanto somos distraídos por casos de polícia, mexericos de deputados e depressões nas bolsas do outro mundo. Esta é mais um “fait divers”.

Nov 21

Os chineses do século XVI

Os chineses do século XVI diziam que os portugueses eram bárbaros, isto é, diabos vermelhos, porque comiam pedras (pão) e bebiam sangue (vinho), tal como outros povos diziam que os cristãos eram antropófagos porque, em seus cerimoniais, comiam o corpo de um deus feito homem. É o que fazem todos os que são marcados pela incompreensão face aos símbolos decepados da unidade espiritual de que os rituais são simples parcela. É por esta e por outras que detesto todo o sectarismo que pretende monopolizar o sagrado para a respectiva liturgia e que, fradescamente, semeia a intolerância, insinuando o ridículo face as alfaias que os outros usam para os mesmos fins. Afinal, todas as liturgias são ridículas fora dos templos em que se dá a comunhão e a religação. Contudo, mais ridículos ainda são os que não têm liturgia sentida por dentro, ou os que se ficam pelos sucedâneos e pelas vulgatas de certo dogmatismo pretensamente antidogmático. Por mim, que, sobre as verdades eternas, apenas sei que nada sei, resta-me continuar a procura da verdade, pelos variados caminhos que segue aquele que apenas pretende ter a boa vontade daqueles que querem conquistar a glória do homem livre. Porque ninguém pode deter o monopólio do “imprimatur” e do “nihil obstat” para a edição desses manuais de metodologia, com os consequentes livros únicos dos inquisidores, vanguardistas, vigilantes da revolução, ou contínuos e sargentos do senhor director.

Nov 21

Leio parcela de uma entrevista de uma segunda figura do Estado

Leio parcela de uma entrevista de uma segunda figura do Estado e respigo: “Esta é a casa dos deputados e não é a dos funcionários. Tenho uma relação óptima com os funcionários, há aqui funcionários de grande qualidade. Mas quero que se sinta que esta é a casa dos deputados. E só queria dizer assim. Por exemplo: desburocratizar os critérios das viagens dos deputados, que devem ser mais políticos e menos burocráticos, que passam mais pelos deputados e menos pelos funcionários. Não a preocupam os abusos? Introduzo um esquema de autoresponsabilidade. Os deputados regulam as viagens dentro da contenção orçamental, sem prejudicar a representação. Vão ser mais racionalizadas. Não serão decididas caso a caso”. Comentarei a seguir.” “Sou de um tempo onde em cada extensão do Estado havia repartições da contabilidade pública. Uns chatos, que actuavam segundo o princípio da legalidade, mas que nos pouparam milhões e milhões de euros. Até os ministros, mesmo no tempo pré-constitucional e revolucionário, aprenderam a despachar directamente com eles. Não havia tanta derrapagem orçamental.” “Segundo comentário: um Estado de Direito é aquele onde não é lei o que o príncipe diz e o príncipe está sujeito à própria lei que faz (não é o “princeps a legibus solutus”). Os deputados também pagam impostos controlados por funcionários e não consta que tenham foro especial. Por outras palavras, são funcionários e devem ser exemplo para todos os funcionários.” “A úncia excepção parlamentar que eu compreendo foi na constituinte de 1822, quando um redactor parlamentar, o melhor, queria abandonar os trabalhos das Cortes para acabar em Coimbra o seu curso. Até Manuel Fernandes Tomás, em ironia, acabou por dizer: “se for preciso fazemos mesmo lei para te dar o título”

Face ao ataque que o Diogo recebeu num blogue perto de mim e onde escrevo, deixei o seguinte comentário: “O Diogo foi meu aluno e eu defendo sempre os meus alunos. Primeiro, sempre foi um activista político, no mesmo sítio. Segundo, não perde o direito à greve com a actividade remunerada que exerce. Terceiro, num tempo em que há tantos políticos profissionais vindos das jotas, na coligação que nos governa e na oposição que se lhe opõe, seria inconstitucional negar a essa actividade um dos respectivos direitos. Por acaso, até me lembro de numa das primeiras greves gerais, quando estava no poder o PSD, membros deste partido, e de um gabinete ministerial, fazerem greve. Apenas recordo que há sindicatos actuais, liderados por membros do PSD, que aderem e promovem à greve geral. Além disso, o Diogo é um gajo porreiro.”

Por mais que os detentores do poder supremo se possam esforçar em procura, quando nomeiam alguém para lugares não políticos, de nomeação política, eles não conseguem afastar a justificada desconfiança do público, para actos que quase sempre se confundem com um arbitrário igual ao da escolha de assessores e adjuntos dos gabinetes lá das alturas. “O sistema do “spoil system”, da distribuição de um pretenso poder conquistado, como se ele fosse uma coisa, continua incólume e continua a não haver provas de escolhas onde o risco da competência supere o conforto da lealdade. Por outras palavras, continua a dança de cadeiras entre o bloco central alargado da partidocracia. E a desculpa do costume: não por eu chamar-me Pedro que não posso ser nomeado provedor da santa casa das apostas.” O sistema do “spoil system”, da distribuição de um pretenso poder conquistado, como se ele fosse uma coisa, continua incólume e continua a não haver provas de escolhas onde o risco da competência supere o conforto da lealdade. Por outras palavras, continua a dança de cadeiras entre o bloco central alargado da partidocracia. E a desculpa do costume: não por eu chamar-me Pedro que não posso ser nomeado provedor da santa casa das apostas.”