Set 26

O ritmo do Brasil

Leio num jornal de Lisboa que, aqui, no Brasil, a democracia está em perigo, ao glosar-se a intervenção opinativa de alguns importantes militares que, desafectos a Lula, decidiram fazer como os senhores bispos e denunciar a corrupção que estendido as suas teias à turminha do presidente. E reparo como alguns confundem as árvores com a floresta, porque o próprio Lula chamou bandidos aos seus colaboradores, apanhados com a gestão de quase dois milhões de reais para a compra de um dossier que iria implicar os chefes da oposição. A questão é grave, mas tão grave quanto outros processos do género que estão em investigação, e a rede dos meandros escabrosos atinge tanto o PT como o próprio PSDB. Aliás, por aqui, em qualquer lugar e em todas as forças políticas, a invocação da ética constitui um lugar comum que se vai gastando pelo uso e até prostituindo pelo abuso. Só que o povão conhece todos os pormenores destes casos, as denúncias têm resultado, as demissões sucedem-se e vai manter-se o situacionismo, porque, do mal, o menos…. Talvez fosse melhor alguma serenidade analítica e repararmos como por cá as coisas são bem mais transparentes do que as peripécias da mesma dimensão que afectaram a nossa democracia pós-revolucionária em matéria de financiamento de partidos e de campanhas eleitorais, onde os episódios de Macau continuam em nebulosa de monçaõ, com muitos olhos em bico. Apenas direi que também por cá todo o Bloco Central tem as mãos pouco limpas e quem tem telhados de vidro pode atirar pedradas, mas pode também concluir que as suas também ficaram quebradas. O Brasil não é só presidente, mas uma realidade federal, onde tanto contam os Estados como os cinco mil municípios que, numa originalidade constitucional face ao modelo norte-americano, fazem parte da própria federação. E nesta mistura entre federalismo municipalista com poder moderador, surge um oceano político federalista, onde a imaginação continua a ser um elemento que aqui faz alguma diferença. Até o presidencialismo tem muito a ver com a velha herança imperial, da democracia coroada ou da monarquia republicana, onde os presidentes tentam reassumir esse sentido de pai dos pobres, à imagem e semelhança do Senhor D. Pedro II. Não se estranhe, pois, que para além do prestígio histórico do Império, ainda haja militantes da causa, como deparei no Senado, onde dois ilustres assessores constitucionalistas se assumem ainda como monarquistas. Isto é, neste lado do Atlântico ainda sobrevivem fiéis da antiquíssima legitimidade liberal, mantendo-se viva a memória dos pais-fundadores. E também não é por acaso que o culto da tradição maçónica é enraizado, invocando-se as patriarcais figuras de Cayru ou de José Bonifácio. Não faltam até os que, em nome da Inconfidência Mineira, recordam Tomás António Gonzaga, o da Marília de Dirceu e de um Tratado de Direito Natural, com textos que ficarão para sempre ligados ao relançamento que deles fez o nosso Manuel Rodrigues Lapa. Isto é, para chegar à alma do Brasil, mesmo um português tem que fazer um esforço de conversão interior que o tente compreender, não como terra estranha e estrangeira, mas como algo que, provindo da mesma raiz se reproduziu noutras direcções e com outras gentes, mas a que nos continua a prender uma irmandade de afectos que gera esta profunda comunidade de significações partilhadas que, em paralelo, nos pode permitir caminhar, de nação em nação, para a super-nação futura. Senhores observadores lisboetas, isto é bem mais complexo do que a geurra de vencedores e vencidos de uma campanha eleitoral, onde se perdem cerca de três dezenas de partidos. Isto é bam maior do que alguns quintais. Mesmo com as vitórias do PT e o carisma encenado de Lula, que se comparou a Cristo, para Fernando Henrique Cardoso logo lhe camar diabo, o Brasil não está lulizado. Tem horizonte demais para cair nas teias de uma mudança revolucionária ou contra-revolucionária.

Set 26

A lulização em curso, com memórias da democracia coroada e dos fundadores maçónicos, nos momentos finais desta campanha

Leio num jornal de Lisboa que, aqui, no Brasil, a democracia está em perigo, ao glosar-se a intervenção opinativa de alguns importantes militares que, desafectos a Lula, decidiram fazer como os senhores bispos e denunciar a corrupção que estendido as suas teias à turminha do presidente. E reparo como alguns confundem as árvores com a floresta, porque o próprio Lula chamou bandidos aos seus colaboradores, apanhados com a gestão de quase dois milhões de reais para a compra de um dossier que iria implicar os chefes da oposição.

 

A questão é grave, mas tão grave quanto outros processos do género que estão em investigação, e a rede dos meandros escabrosos atinge tanto o PT como o próprio PSDB. Aliás, por aqui, em qualquer lugar e em todas as forças políticas, a invocação da ética constitui um lugar comum que se vai gastando pelo uso e até prostituindo pelo abuso. Só que o povão conhece todos os pormenores destes casos, as denúncias têm resultado, as demissões sucedem-se e vai manter-se o situacionismo, porque, do mal, o menos…. Talvez fosse melhor alguma serenidade analítica e repararmos como por cá as coisas são bem mais transparentes do que as peripécias da mesma dimensão que afectaram a nossa democracia pós-revolucionária em matéria de financiamento de partidos e de campanhas eleitorais, onde os episódios de Macau continuam em nebulosa de monçaõ, com muitos olhos em bico. Apenas direi que também por cá todo o Bloco Central tem as mãos pouco limpas e quem tem telhados de vidro pode atirar pedradas, mas pode também concluir que as suas também ficaram quebradas.

 

Curiosamente, entre o PSDB-PFL e o PT, continua com vigor o PMDB de Sarney, com os seus governadores da velha guarda, marcados por uma espécie de terno neo-coronelismo, como o foi Roriz aqui no distrito federal, um animal político devorador de sucessivas vitórias eleitorais que não consegue mais uma, porque já não pode recandidatar-se e decidiu correr para o Senado, não sem antes pedir votos para os da sua linhagem biológica e política.

 

O Brasil não é só presidente, mas uma realidade federal, onde tanto contam os Estados como os cinco mil municípios que, numa originalidade constitucional face ao modelo norte-americano, fazem parte da própria federação. E nesta mistura entre federalismo municipalista com poder moderador, surge um oceano político federalista, onde a imaginação continua a ser um elemento que aqui faz alguma diferença. Até o presidencialismo tem muito a ver com a velha herança imperial, da democracia coroada ou da monarquia republicana, onde os presidentes tentam reassumir esse sentido de pai dos pobres, à imagem e semelhança do Senhor D. Pedro II.

 

Não se estranhe, pois, que para além do prestígio histórico do Império, ainda haja militantes da causa, como deparei no Senado, onde dois ilustres assessores constitucionalistas se assumem ainda como monarquistas. Isto é, neste lado do Atlântico ainda sobrevivem fiéis da antiquíssima legitimidade liberal, mantendo-se viva a memória dos pais-fundadores. E também não é por acaso que o culto da tradição maçónica é enraizado, invocando-se as patriarcais figuras de Cayru ou de José Bonifácio. Não faltam até os que, em nome da Inconfidência Mineira, recordam Tomás António Gonzaga, o da Marília de Dirceu e de um Tratado de Direito Natural, com textos que ficarão para sempre ligados ao relançamento que deles fez o nosso Manuel Rodrigues Lapa.

 

Isto é, para chegar à alma do Brasil, mesmo um português tem que fazer um esforço de conversão interior que o tente compreender, não como terra estranha e estrangeira, mas como algo que, provindo da mesma raiz se reproduziu noutras direcções e com outras gentes, mas a que nos continua a prender uma irmandade de afectos que gera esta profunda comunidade de significações partilhadas que, em paralelo, nos pode permitir caminhar, de nação em nação, para a super-nação futura.

 

Senhores observadores lisboetas, isto é bem mais complexo do que a geurra de vencedores e vencidos de uma campanha eleitoral, onde se perdem cerca de três dezenas de partidos. Isto é bam maior do que alguns quintais. Mesmo com as vitórias do PT e o carisma encenado de Lula, que se comparou a Cristo, para Fernando Henrique Cardoso logo lhe camar diabo, o Brasil não está lulizado. Tem horizonte demais para cair nas teias de uma mudança revolucionária ou contra-revolucionária.

Set 25

Onde a chegada da andorinha pode fazer a Primavera no sertão

Aquilo que aqui, no hemisfério do cruzeiro do Sul, é o fim do Inverno e a chegada da primavera corresponde na metade do mundo que vive sob a estrela do norte, ao fim do Verão e à entrada no Outono, assim se confirmando como tudo é relativo nesta esfera da Terra, onde um papa já não pode fazer nota de pé de página sobre um imperador bizantino que não gostava de ser invadido. Mas aquilo que vem em todos os manuais da geografia e do pensamento, quando sentido no próprio sítio, em dia de eclipse solar, permite que todos possamos confirmar a teoria perspectivista do conhecimento, segundo a qual não há factos, mas apenas um eu, o pensante, diante das circunstâncias, do movente, pelo que apenas temos interpretações dos factos que pensamos ver, sentir e ouvir. Que aqui, com pancadas de chuva no cerrado, anunciam-se vagas de calor provocadas por El Nino, que é coisa que vem do Pacífico. De qualquer maneira, com as pancadas se lavou a poeira e reverdeceram as ervas e as árvores, voltando a emergir as flores da secura do sertão. É por isso que desliguei dos relatórios que recebo de Lisboa dos ilustres especialistas em engenharias curriculares, sistemas de avaliação e manuais de planejamento estratégico, com muitas traduções em calão de fotocópias importadas, ou de copy and paste pirateados da Net. Reparo que ser professor em plenitude implica esquecermos tudo o que analisamos e sintetizamos em relatórios metodológicos e palhas curriculares, feitas para se garantir o cursus honorum, quando, esquecidos dos concursos e das obediências do temor reverencial, já conseguimos comunicar à comunidade científica algo do nosso acrescentamento criativo, alguma coisa da nossa emergência inventiva que vá além do baralhar e dar de novo, do sistema sebenteiro sintético-compendiária. Esse algo a que chamamos cultura, porque cultivamos sobre aquilo que herdámos. Tal acontece sempre que ao darmos uma aula ultrapassamos o sumário ou programa e sentimos que naquela fecundação do eu professoral com a circunstância dos aluno passamos a vibrar criativamente, chegando, de novo, ao sétimo dia da criação, como na plenitude dos próprios actos de amor. Como quando a imaginação nos mobiliza e o sonho já marca o ritmo do discurso, desse logos, a que demos o infeliz nome de raisonner, quando conseguimos acalentar a frieza bibliotecária quase cadaverosa, transformando-nos nas pedras vivas do tempo que passa. E tudo aqui reflicto para agradecer à meia centena de inscritos no curso de extensão que aqui comecei em dia de chagada da primavera, na sala B-132 do complexo João calmon desta cidade universitária, quando pensava que a propaganda de um cartaz de papel que a Net reproduziu, dois dias antes, não trazia tantos vibrantes auditores, com alguns mobilizados pelo próprio boca a boca. Porque, para professor, primeiro está a aula e depois o capítulo, como ensinava Mestre Hernâni Cidade, decidi abster-me das questiúnculas decadentistas que, por mail e telemóvel, me chagavam de Lisboa. Até porque também assinalava a chegada de uma andorinha que breve me trazia sinais de um sonho que posso viver. A universidade lusitana,apesar de marianamente gaga, continua muita confusão de carreirismos, dependentes de sucessivas maiorias conjunturais, nessas associações de egoístas chamadas conselhos científicos, onde não se faz ciência, mas fingimento de democracia num sistema que tanto é corporativista como hierarquista. A minha análise sobre a campanha eleitoral brasileira vai continuar. Peço desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos.

Set 21

Dos “jobs for the boys” aos “jobs for the profs”

Indigna-se o Professor Doutor Vital Moreira com os meandros da acumulação de professores do ensino superior, onde dois dos casos paradigmáticos são excelsos coimbrões. Revolta-se também com os negócios da Católica na zona Centro e manifesta-o com justa analítica. Registo a ocorrência. Registarei como Pôncio Pilatos lavará as mãos, com a lei a ser mais do que o direito e a meter a justiça na gaveta. Como sempre. Nunca gostei de turbo-professores. Já fui professor acumulador e deixei de o ser quando verifiquei que, estando em exclusividade, passei a ganhar mais trabalhando bem menos. Verifico agora que todos podemos espiolhar, pela Internet, quem dá aulas onde, mas fiquei ainda sem saber como se processam as acumulações ocultas, resultantes das actividades liberais dos funcionários públicos que são professores públicos. Sugiro que, na Internet, se discriminem as actividades de consultadoria, avença e advocacia de tais agentes comunitários, bem como os proventos extraordinários que auferem de actividades prestação de serviço empresarial e político. Proponho que todos tornem disponíveis as respectivas declarações de IRS, para podermos comparar os acumuladores do “turbismo” com os acumuladores do “avencismo” e da “consultadoria”, especialmente nas zonas que são enquadráveis no conceito de “jobs for the boys”. Tanto as do Estado-Laranja, como as do presente estado a que chegámos. Tanto é criticável o professor que diz dar aulas em cinco ou seis universidades como o que faz parte de não sei quantos conselhos fiscais ou emite pareceres para não sei quantos ministros, porque às segundas, quartas e sextas é funcionário público e às terças, quintas e sábados é liberal que faz discursos contra os neoliberais e a favor dos socialistas. Por mim, posso indicar as tarefas que recusei em regime de parecerística a ex-ministros do PS e do PSD, para poder continuar a criticar o PS e o PSD. Posso também indicar as que recusei a autarcas do PP, PS e PSD, bem como os ilustres professores não acumuladores que me substituíram e os que me indicaram para a tarefa. Alguns são, ou foram, os excelsos discursadores contra as acumulações, quando devíamos apenas registar os contornos dos grupos de pressão e dos grupos de interesse nas suas ramificações universitárias e putrefacções partidocráticas, ministeriais, autárquicas, empresariais, tribunalícias, cardinalícias e mediáticas . Em Portugal, o silêncio é comprado a cheques, com cobertura pública. Como dizia o outro, sempre que me falam de inteligência puxo logo… do livro dos ditos. Pistolas já não são precisas! Muitas têm sido as boas almas que se mostraram indignadas com aquilo a chamaram denúncia, quando eu apenas disse o que posso perspectivar da minha postura. As chamadas proibições das acumulações, se apanharam alguns abusos, deixaram de lado inúmeras situações de “out of control”, nomeadamente de jubilados, aposentados, eméritos e reformados que passaram a monopolizar os lugares acumulativos, em boa aliança com políticos de todos os partidos, nomeadamente deputados que fazem as leis contra as acumulações. Sugiro também que percorram a lista dos chamados avaliadores e que se consulte a respectiva biografia acumuladora, para entendermos como a barganha pode ser a tal peneira que oculta o sol da verdade. Que se faça um adequado organograma da rede das influências de partidos, ordens maçonicas e ordens catolaicas no complexo intelectual-universitário e que se junte o picante das empresas de construção civil que são sócias, clientes ou gestoras de projectos das várias universidades públicas, concordatárias e privadas, para chegarmos à conclusão como entre os mundos da política, da pulhítica, do auatarquismo e do universitarismo há muitas coincidências. A chamada autonomia universitária entrou em degenerescência devido ao chamado método democrático de gestão das escolas. O poder resultante das eleições corporativas não consegue ter uma relação saudável com a autoridade típica daquilo que as leis democráticas reconhecem como instituição corporativa e meritocrática. Apesar de continuar um liberal pouco jacobino e nada estadualista, reconheço que importa que a lei geral e abstracta limpe estas cumplicidades endogâmicas. Importa pois que surja um ambiente de menos Estado e de melhor Estado, com efectivos concursos públicos e nacionais para professores, sem a prévia fotografia; incentivos de carreira à mobilidade; e uma urgente política nacional de apoio à periferia e de luta contra a desertificação do país interior. Continuamos a gastar demais por falta de organização do trabalho nacional. Uma boa reforma, copiando os modelos dos nossos parceiros irlandeses, espanhóis, franceses e italianos, sempre nos pode livrar da mentalidade terceiromundista e de alguns tumores…

Set 21

Brasil, onde o pensamento consegue lançar raízes

Aqui, Silvestre Pinheiro Ferreira é mestre, José Bonifácio, um estandarte e até se conta a história de Avelar Brotero, o jurista, não o botânico, o tal que para aqui veio em 1825, depois de uma actividade de magistrado na pátria de origem, e que se transforma no primeiro lente da Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi secretário durante quatro décadas.Será que nos esquecemos dele, só porque pediu a nacionalidade brasileira em 1833.Mas mestre Agostinho da Silva sempre exibiu, até morrer, o seu passaporte da terra de Vera Cruz… Deparo-me com a reedição da antologia do pensamento político de Walter Porto, dita “Conselhos aos Governantes”, onde alguns portugueses têm as suas obras, como Sebastião César Meneses, D. Luís da Cunha  ou Sebastião José de Carvalho e Melo, ao lado dos gigantes como Platão, Maquiavel ou Frederico II, num universo de apenas uma dezena de autores, coisa que espantaria muitos dos nossos tradutores em calão da “political ttheory”. Felizmente que nestas bandas o pensamento consegue lançar raízes. Que consigamos retomar as saudades de futuro.

Set 21

Retalhos da vida quotidiana deste Brasil democrático

Tenho passado grande parte dos meus dias de trabalho na biblioteca do Senado brasileiro, para completar meu trabalho sobre a cronografia do pensamento político, que penso editar até ao fim deste ano. Não tenho qualquer cunha ou recomendação que me permitam aceder a este templo da democracia brasileira. Pego o táxi, desço, entro na recepção, digo que quero entrar, pedem-me o bilhete de identidade português, passam a maleta pelo raio X, dão-me um autocolante de visitante, dizem-me boa estadia e é entrar e circular por todo o lado das duas câmaras, sem qualquer desse sentido de “bunker” securitário que se respira noutras paragens. Viva a democracia. Reparo como é francamente interessante o balanço das publicações parlamentares, com inúmeros estudos plurais sobre a realidade política brasileira, com particular destaque para as origens do pensamento político, onde os grandes nomes lusitanos, com coincidência de labor com os inícios deste Estado, são talvez mais bem tratados do que na pátria madrasta. Aqui, Silvestre Pinheiro Ferreira é mestre, José Bonifácio, um estandarte e até se conta a história de Avelar Brotero, o jurista, não o botânico, o tal que para aqui veio em 1825, depois de uma actividade de magistrado na pátria de origem, e que se transforma no primeiro lente da Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi secretário durante quatro décadas.Será que nos esquecemos dele, só porque pediu a nacionalidade brasileira em 1833.Mas mestre Agostinho da Silva sempre exibiu, até morrer, o seu passaporte da terra de Vera Cruz…

 

Deparo-me com a reedição da antologia do pensamento político de Walter Porto, dita “Conselhos aos Governantes”, onde alguns portugueses têm as suas obras, como Sebastião César Meneses, D. Luís da Cunha ou Sebastião José de Carvalho e Melo, ao lado dos gigantes como Platão, Maquiavel ou Frederico II, num universo de apenas uma dezena de autores, coisa que espantaria muitos dos nossos tradutores em calão da “political ttheory”.

 

Felizmente que nestas bandas o pensamento consegue lançar raízes. Que consigamos retomar as saudades de futuro. Mas outras imagens me são transmitidas com a força da verdade, como a impressionante reportagem que vi na televisão sobre os catadores de carangujos dos mangues do Nordeste, assim se confirmando como continuam válidas as observações de Josué de Castro sobre “Homens e Caranguejos”. Continuo também a devorar os debates políticos, achando curiosamente arqueológica a intervenção de um representante da frente de esquerda de Heloísa Helena, com esquerda revolucionária, folclórica e comunista, ainda invocando o legado de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes. O que leva o próprio Partido dos Trabalhadores a se assemelhar cada vez mais ao nosso PS dos primeiros tempos da pós-revolução, coinfundindo-se com o grande Bloco Central, dito social-democrata.

 

Contudo, mais de metade do tempo dos noticiários, impressos, radiofónicos e televisivos, passam-se com a denúncia do mais recente escândalo que envolveu a classe política, neste caso do PT, com declarações sucessivas que esperam a salvação vinda dos operadores judiciários e policiais, num modelo que ameaça transformar este país numa espécie de Estado de magistrados e investigadores policiais, enquanto os tradicionais tutores da moralidade e do bem comum, como os militares ou os eclesiásticos se ficam por declarações tipo música celestial.

 

Imaginativos são alguns segmentos da campanha, como a utilização daquilo que aí, no Porto, chamavam cabeçudos e gigantones, com os bonecos dos candidatos, os quais se vão passeando aos saltitos pelo centro da cidade. Entretanto, o líder do Movimento dos Sem Terra trata de proferir uma conferência na Escola Superior de Guerra, onde foi aplaudido por grande parte da elite militar. O resto são sucessivas declarações daquilo a que chamam justiça trabalhista, uma invenção de Getúlio, que não anda à cata das tradicionais vigilâncias sobre as justas causas para os despedimentos, que aqui a legislação é bem mais liberal, mas antes do renascimento da escravidão e da chaga do trabalho infantil. Vale-nos que em Alagoas, as eleições costumam ser violentas e já se despachou para o território tropa federal, num sítio onde o coronelismo ainda usa arma e não aprece haver bala perdida, porque todas elas costumam ser eficazes na eliminação do adversário…

Set 19

Depois do mensalão e das sanguessugas, agora é Freud…

Em plena quentura da campanha eleitoral, rebentou aqui mais um escândalo que levou à demissão de mais um assessor do presidente Lula, eventualmente implicado na tentativa de compra de um dossier que visava comprometer gente do PSDB, o principal partido da oposição, na questiúncula dos sanguessugas, isto é, da rede de compra de ambulâncias. Ao mesmo tempo, foram descobertos grampos (escutas) nos telefones de ministros do Supremo Tribunal Eleitoral. O povão, conforme a reportagem de rua que fui fazendo, está informado do processo, não gosta, mas mesmo assim vai votar no Lula, que lhe matou a fome à família que deixou no Nordeste, embora não tenha ensinado o povo a pescar, através do sonhado desenvolvimento. Até a Heloísa, essa versão tropical do Louçã, insinua que a rede destes corruptos e corruptores, com o mundo do crime infiltrado nos traseiros da classe política, pode estar ligada a coisas tão horríveis como o narcotráfico. Isto é, nada de novo nesta terra do verde-oliva, um pouco amarelada, onde o mulhor que a política tem diz respeito ao imediatismo das denúncias e à sua ntensa publicitação, embora os mecanismos do Estado de Direito levem a inevitáveis atrasos. Pelo menos, por cá, existem efeicazes comissões parlamentares de inquérito que não decidem conforme as maiorias vigentes, transformando o corpo dos deputados num efectivo conselho de fiscalização do executivo….

Set 17

A principal potência católica do mundo

Não consigo escrever sobre o que se passa dentro de Portugal, assim fora de Portugal e por isso continuo obsidiante sobre este ambiente que me rodeia. Reparo como o Brasil é, ao mesmo tempo, a principal potência católica do mundo e o sítio onde há mais espíritas, à Kardec, com direito a banca de divulgação nas universidades ou nos “shoppings”. E também não é por acaso que, por cá, as actividades da Maçonaria são tão naturais como o ar que se respira, ao memso tempo que os canais evangélicos nos entram pela casa dentro. Por outras palavras, esta mistura do português sonhador, à procura do paraíso, com a nostalgia das nações índias, dos afro-descendentes e dos muitos e variados povos das outras partes do mundo, gerou esta complexidade crescente, cada vez mais metafísica. Uma entidade espiritual que, começando por ser o mero mundo que o português criou, se tornou, felizmente, uma criatura liberta do criador que foi e continua a dar novos mundos ao mundo, cumprindo seu destino como comunidade nacional ao serviço do universal, como sítio de passagem para a super-nação futura. E eu, português antigo, refeito nestas paragens como português à solta, conforme a definição de brasileiro dada por Manuel Bandeira, me revigoro de cosmopolis, sendo quem sempre fui, mas procurando diluir-me em todos os outros, de acordo com o conselho de mestre Gilberto Freyre. Daí que não comente a citação que o papa Bento XVI fez de um imperador bizantino sobre Maomé e as religiões que usaram da violência. Todas a fizeram, a começar pelo próprio cristianismo. Contra outras religiões concorrentes e contra os heterodoxos domésticos. Sem assumir o tradicional anticongreganismo, feito á imagem e semelhança do próprio congreganismo que dizem combater, prefiro mergulhar nas raízes do nosso pluralismo de crenças, como o mundo ocidental devia ser, para poder ser digno do abraço armilar. Tenho medo das sextas-feiras, dias trezes, quando os poderes instalados decidem decapitar pretensos eixos do mal, esquecendo-se que eles podem disseminar-se e persistir. Como heterodoxo lusitano, passível de condenação por heresia, é com uma cumplicidade de afectos plurissecular que assisto a este cadinho de explosões metafísicas que é o Brasil. Apenas espero que o Brasil sonho tornar-se na principal potência espiritual do mundo. Porque assim o nosso compatriota comum, o Padre António Vieira pode voltar a ter razão.

Set 15

Entre Ruy Barbosa e Chico Xavier

Uma revista de grande circulação, cá do Sul, a “Época” decidiu escolher os mais destacados brasileiros da história, tanto pela escolha feita por um júri de 33 personalidades, como por uma votação popular, via Internet. A elite escolheu Ruy Barbosa. O povão preferiu o espírita Chico Xavier. Reparo, como entre os candidatos da elite, aparecem nomes como José Bonifácio ou o Padre António Vieira, bem como escritores como Machado de Assis e os outros habituais heróis brasileiros, de Juscelino a Getúlio Vargas, enquanto o povão andava mais pelo Ayrton Sena e pelo Pelé. Isto é, num tempo de crise de personalidades, o Brasil vai ao passado buscar os seus signos unificantes, assim se demonstrando como uma nação é uma comunidade de significações partilhadas. Reparo como vão decrescendo os símbolos comuns à lusofonia. Noto como nas bancas populares ainda circulam em edições de bolso alguns dos nossos clássicos como Eça e anoto que Pessoa ainda aparece num qualquer supermercado, mas temo que a nova era da globalização nos pode distanciar, dado que não me parece que baste Saramago. Vale-nos São Futebol, onde o nome de Scolari faz sempre primeira página e onde também aparece o Deco aqui e ali, mas já sem memórias de um Otto Glória e de outros da mesma geração que nos ensinaram ao processo artístico do pé na bola e muita finta. Ganhou o Ruy e muito bem. Pelo menos recorda-se alguém que foi quatro vezes candidato a presidente da república e perdeu sempre, quando os adversários da república musculada e militarenta lhe chamavam o Rui Verbosa, só porque tinha razão antes do tempo e clamava para esta terra a tripla exigência do abolicionismo, do civilismo e do federalismo. Que viva o baiano que, quando em 1916 foi apresentado o projecto de código civil ao congresso, num trabalho de Clovis Bevilacqua, decidiu trabalhar até altas horas na sua residência, com candelabro atado ao pulso por uma argola, e fazer cerca de mil e oitocentas emendas ao texto. Isto é ficaram mais as emendas do que a intenção de Clovis, para que assim se revogassem nesta terra os restos de Ordenações Filipinas que continuavam em vigor. E tudo isto para continuar a confirmar que, em muitos casos, o Brasil que resta é mais português do que o próprio Portugal. Desde o direito, por causa da permenância das Filipinas, até meio século depois de termos aprovado o Código de Seabra, até ao próprio linguajar. Segundo os peritos, Camões teria mais sotaque português do que o actual ritmo da nossa preponderância da sílaba tónica, engolindo o resto. Que isto das periferias dos Impérios é mais fiel ao passado do que as antigas metrópoles. Até um professor de origem japonesa aqui da UNB me confirmou que Tóqui vem aqui estudar o japonês do pré-guerra, entre os emigrantes do Sol Nascente estacionados nesta terra de Vera Cruz…

Set 14

Neste Brasil, cadinho de muitos povos e espelho do mundo inteiro

Nesta terra, com cerca de 70% de excluídos, é natural que a maioria eleitoral apoie um governo que lhe deu subsídio para não entrar na fome, apesar de tal entrega do peixe não significar que os subsidiados tenham aprendido a pescar, através do mirífico desenvolvimento sustentado. Aliás, Lula não se cansa de proclamar que cerca de três milhões de brasileiros entraram na classe média, graças às medidas que tomou. Já um terço da população, o grupo dos remediados, aqui dito da classe média, vai girando em torno do discurso das chamadas eleites, cujo dicionário discursivo nem sequer é ouvido pelo tal povão. Porque é neste grupo que se situam as tradicionais divergências de tucanos, PMDB, PT e outros mais, nomeadamente o partido que foi de Brizzola e tem como candidato à presidência o professor Cristóvão Buarque, antigo reitor da UNB, e que invoca o velho nacional-desenvolvimentismo, citando os antigos correlegionários Paulo Freire e Darcy Ribeiro. Entretanto, esta dinâmica democracia constituiu, a patir da sociedade civil, uma plataforma de luta contra a corrupção que imediatamente emitiu uma cartilha de medidas práticas de denúncia contra a corrupção eleitoral, ao melhor estilo do que foram os códigos e associações de consumidores das décadas passadas. E talvez não seja por acaso que por aqui há 20 milhões de seguidores da religião espírita, de Alain Kardec, aqui actualizada por Xico Xavier. Dizem até que o fenómeno está agora a penetrar em força na classe média e nas próprias eleites. É por via destes paradoxos que poucos repararam na reunião cimeira do Brasil, Índia e África do Sul, aqui ocorrida há dias. Este símbolo de uma emergente realidade que pode levar ao estabelecimento de um novo processo de relações entre o Norte e o Sul, com estas três grandes potências a mobilizarem o tertium genum reunido em torno dop grupo dos vinte. Todos querem esquecer as Tormentas e assumir a Boa Esperança. O Brasil tem a vantagem de se assumir como uma espécie de espelho do mundo inteiro, este cadinho de povos entre o Velho e o Novo Mundo, onde a fome de justiça que se manifesta pode ser o sinal de um amanhã pós-ideológico, sem os falsos messianismos que marcaram o sectarismo do século XX.