Confissões de um miguelista liberal

Confissões de um miguelista liberal

 

por José Adelino Maltez

 

Pedem-se que, em três mil caracteres, comunique mensalmente, em crónica ligeiramente profunda, algumas reflexões sobre as nossas realidades. Deixo que as teclas corram ao sabor do tempo que passa e verifico que, hoje, dia no nascimento de Antero de Quental (1842), tenho de ir até à Assembleia da República, a convite da Comissão de Ética, alinhavar meia dúzia de ideias sobre Estado de Direito e moralização da política.

 

E decido usar a gravata que me foi oferecida pela Real Associação de Lisboa, para, assim trajado de azul e branco, entrar no permanente templo da nossa democracia e manifestar as ideias de alguém que, além de republicano, é monárquico, fiel ao lema de Passos Manuel, segundo o qual era preciso cercar o trono com instituições republicanas.

 

Recordo como recentemente me qualifiquei, em termos ideológicos: um miguelista liberal que seria forçado a desembarcar no Mindelo. E tenho de citar o liberal Luís Mouzinho de Albuquerque, em discurso parlamentar de 23 de Janeiro de 1846, contra o cabralismo, para quem a força oprime temporariamente as nações, e as nações têm a faculdade de renascer pela reacção contra a força; mas da gangrena moral ninguém ressurge, não é essa gangrena uma das fermentações tumultuosas que transformam uns produtos em outros; é a fermentação pútrida, que destrói radicalmente o ser orgânico, que desagrega, que dispersa os átomos componentes.

 

Só que não posso esquecer-me do que, no mesmo ano, foi proclamado pelo conspirador realista e catedrático saneado, Cândido Figueiredo e Lima: os costumes dos Povos necessitam do socorro das Leis para serem mantidos; e as Leis têm precisão dos costumes dos Povos, para serem observadas.

 

E tenho de subscrever o manifesto do Padre Casimiro José Vieira, de 6 de Julho do mesmo ano, segundo o qual o novo governo é uma farsa e combinação das seitas para tudo ficar como até ali, com a mudança apenas de pessoas. Assim, falando de opressões injustas que têm feito ao povo, pede à Rainha que nomeie para toda a parte homens da maior integridade e desinteresse (… ) homens escolhidos à vontade do povo; que se baixem os impostos; nomeadamente a abolição das portagens; que as magistraturas locais possam ser exercidas gratuitamente; que aos deputados se lhes façam os gastos da comida e transportes à custa do povo, mas que não embolsem dinheiro nenhum, para que depois não haja nas eleições tanto suborno, e o povo atine com a boa escolha.

 

Propõe mesmo a constituição de um exército popular: quer também o povo…que nas guardas nacionais entre todo o homem voluntariamente…e que os oficiais sejam escolhidos por votação de todos os militares da guarda nacional. E não deixa de defender a instituição do sufrágio universal: as eleições para toda a espécie de justiça e autoridade sejam de todo populares sem excepção de pessoa, a não ser as que não lêem, nem escrevem, para evitar enganos e despertar a instrução, porque só assim se pode exprimir a vontade geral dos povos, que é a verdadeira lei (carta escrita a D. Maria II em 6 de Julho de 1846, depois de lida ao povo para saber se o que nela se dizia é a vontade de todos).

 

Vou mesmo de gravata azul e branca, muito republicanamente monárquico, falar sobre a legitimidade tradicionalista neste templo republicano.

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