Jul 15

Postal de discreto apelo à revolta cultural e política, em nome do Manuelinho e das Actas das Cortes de Lamego

Quando portugueses com a dimensão universal de um José Saramago dão, ao jornal de que foram directores, entrevistas como a de hoje, todos os que não querem continuar a pensar baixinho, deveriam parar, escutar e ler e não entrar na rápida manipulação de argumentos endeusantes ou diabolizantes. O patriota Saramago (não é ironia o qualificativo que usei) retoma a clássica posição de Frei Bartolomeu dos Mártires, de D. Jerónimo Osório ou de Frei Luís de Sousa, profetizando uma das possíveis vias do europeísmo. Isto é, rejeita as teses de Febo Moniz e não quer inscrever-se no partido de D. António Prior do Crato.
Espero que a comissão de sábios do PCP (continuo a não usar de ironia) possa transmitir ao resto do país, a resposta que, certamente, será dada pela facção não iberista dos cunhalistas, nomeadamente a que é representada por Miguel Urbano Rodrigues. E mais não digo. Espero.
Por mim, continuo ainda com o sentimento de Antero, o iberista que acabou militante da Liga Patriótica do Norte, antes de aderir ao povo dos suicidas, no banco do jardim do Convento da Esperança, olhando uma nesga do Atlântico, por entre as brumas da ilha natal.
Apenas recordo a lição histórica de Agostinho da Silva que, não deixando de ser iberista, apenas dizia que a profunda razão de 1640 foi o projecto Brasil. Por mim, tanto não quero Aljubarrota, como não me apetece Alcácer Quibir.
Prefiro a regeneração de 182o, mesmo que tenha de sustentar-se no tratado de 1834, com que o regente D. Pedro conseguiu garantir a nossa independência na Europa da Santa Aliança. Desde que lhe juntemos um pouco da manha dos nossos agentes diplomáticos de 1648 que preferiram a aliança com os pequenos reinos protestantes da Europa, em cujas tendas observámos o acordo de Vestefália, quando a ONU da altura, representada pelo Vaticano, ainda era instrumento dos Habsburgos.
Julgo que, por enquanto, talvez não seja necessário pedir a adesão ao federal Reino Unido da armilar, incluindo os futuros cem milhões de africanos que, daqui a poucas décadas, falarão a língua de Saramago. Continuarei a lutar para que não se perca a herculana vontade de sermos portugueses com independência política e não apenas cultural, para regenerarmos esta pátria que tem de continuar a ser liberdadeira.
PS: Espero que a ideia das Cortes de Almeirim que acima figurei ainda diga alguma coisa, mesmo que não esteja nos actuais programas de história. Recordo que dos 28 nobres que tinham voto, falta um deles e dos restantes, 14 votam por D. Filipe II e 13 contra. O clero também estava dividido, e Bispo de Leiria servia o emissário das cortes para o Cardeal e deste para aquelas. Volta com a resposta do Cardeal, sempre doente, fraco e hesitante, a qual corresponde a deixar o reino a Filipe II. Levanta-se indignado o procurador do Povo Febo Moniz e com ele toda a representação popular, mas não consegue nada. Febo era o procurador da cidade de Lisboa e o representante do Terceiro Estado, daquele povo que preferiu o mal menor do Prior do Crato e que acabou por inventar a guerrilha, ao apoiar o rei da Ericeira e o partido sebastianista de D. João de Castro. Sempre contra os ministros do reino por vontade estranha. Proponho que o futuro presidente do município lisbonense, que hoje vamos eleger, escolha o partido do povo, isto é, de Febo Moniz, e mande distribuir o respectivo manifesto pelas escolas. Sugiro também que no acto de posse convide o poeta Manuel Alegre para voltar a ser a voz da liberdade portuguesa, recitando o seu canto sobre o Manuelinho de Évora. Seria conveniente que Durão Barroso assistisse ao acto. Não convidem Miguel de Vasconcelos nem Cristóvão de Moura e reeditem os tratados do judeu português Francisco Velasco Gouveia e de João Pinto Ribeiro.

Jul 15

O devoto bulhetim de boto

Depois da azáfama campanheira, os alfacinhas foram à urna em tempo de couve de Bruxelas. Mostraram cartão de eleitor, cartão de identidade e deram-lhe o boletim pró folhetim da pescada, do antes de o ser já o ser, de acordo com as sondagens. Abriram o dito cujo, o tal que acima se reproduz, pegaram na esferógrafica, foram para trás do conglomerado de madeira, tipo tabopan, e procuraram sua excelência o seu candidato, de acordo com a lei processual vigente.

Procuraram a Roseta, sem berros e sorridente, com colete de acidente de viação, mas poucos sabiam que ela estava atrás do dois romano. Tentaram encontrar o Zé que faria falta, ou o Ribeiro Teles, monárquico e tudo, mas viram-nos disfarçados de esquerda revolucionária, já que agora os monárquicos são fadistas e os semimonárquicos ecologistas têm um trevo e foram todos trabalhar para as hortas saloias, em dia de não sol.
Do Ginjas só uma andorinha preocupada com os dejectos dos cavalos da GNR, enquanto o Negrão vota em Setúbal para aqui estar disfarçado de Marques Mendes, que hoje não vota, porque o presidente de Caxias continua a ser o Isaltino e o major não intercalou.
Só o bisneto do general da ditadura é que tinha o nome dele impresso antes do um romano. Porque o Telmo estava escondido no Popular e o Costa debaixo de um punho sem direito a rosa, tal como os comunistas de sempre, os da festa do Avante, continuavam com os verdes que são melancias. Já o barco do Garcia Pereira estava na frente ribeirinha, disfarçado de comunista, enquanto a direita do Júdice e da Maria José Nogueira Pinto estava toda salgada e salganhada, metendo água do Tejo no túnel da Baixa-Chiado que foi abalroado pela pororoca do estado a que chegámos.
Mais bonito era o “design” do STAPE/CNE, esse antiquado símbolo das colunas de uma “domus municipalis” que aqui não há, assim se demonstrando como tudo está envelhecido e carcomido pela inércia do não reformismo. Não digo em quem pus um risco. Porque tentei apenas uma cruzinha com a qual acabei riscar os que mais nos incomodam.
Não vale a pena esperar pelos resultados. São os que constam de todas as sondagens. Salve-se quem puder… nomear mais assessores.

Jul 15

Uma partidocracia que começa a ser adversária da própria democracia

As primeiras novas das autárquicas da cabeça do reino mostram que a senhora dona indiferença, no balanço dos “inputs” que fazem entrar o povo na “blackbox” do sistema político, pode ser superior à soma dos apoios e das reivindicações. Assim se confirma como este modelo de democracia, dominado por uma partidocracia claustrofóbica, pantanosa e plena de tabus, está a tornar-se a principal adversária da própria democracia. Pior ainda, quando à abstenção somarmos os votos dos candidatos ditos independentes, porque parece tornar-se inevitável a axistência de uma maioria absoluta de povo contra a oligarquia rotativista que marca o ritmo do situacionismo.
Ao meu lado, alguém que tem a sabedoria da intuição e dispõe alguma ciência experimentada sobre a matéria vai dizendo: “a ditadura é sempre má, a democracia pode ser boa ou má, esta democracia é má…”. Um comentador meu amigo vai proclamando na televisão: “o panorama não é tão dramaticamente grave”. Isto é, ou é grave sem ser dramático ou é dramático sem ser grave, o que vem a dar no mesmo, assim se confirmando que tudo é mesmo mau. Por outras palavras, se isto fosse um referendo, o dito não seria vinculativo.
Se os partidos dominantes não virem o cartão amarelo com que o povo os puniu, não vale a pena que um dos jogadores trate de roubar o cartão ao árbitro. Pior ainda se o roubo for levado a cabo pela equipa que organizou excursões de povo de Mirandela para uma excursão da terceira idade socialista a Lisboa, face à falta de entusiasmo dos alfacinhas. Não lancem sobre o povo o que fez Guterres ao não retribuir a gentil saudação que o dono do hotel Altis o recebia há pouco. Quem está lá nas alturas convém que desça, de vez em quando, ao inferno do quotidiano.

Jul 15

Prefácio a Raquel Patrício

 

Foi em Dezembro de 2005 na Universidade de Brasília, onde tive a honra de participar num júri de doutoramento (uma “banca”), a que se sujeitou uma jovem professora lusitana, minha antiga aluna de licenciatura, talvez a primeira portuguesa a praticar ao vivo este tipo de cooperação activa entre universidadades lusófonas, sonho como poderíamos ter saudades de futuro se largássemos o ritmo dos discursos da diplomacia do croquete e das viagens de turismo universitário, passando a cumprir o legado de Agostinho da Silva.

Foi em pleno sertão, longe das polémicas da micropolítica lusitana que voltei a sentir a braveza do português antigo, bandeirante do sonho, retomando aquele profundo direito à indignação e à revolta, contra os que, provincianamente, transformaram o Velho do Restelo numa estreita lógica de mercearia financeira, candidatando-se a meros bons alunos de imperialismos estranhos à nossa índole, tal como Cristóvão de Moura e Miguel de Vasconcelos.

Como sempre, levei comigo os textos de Gilberto Freyre, agora actualizados pelo meu amigo Vamireh Chacon, em “A Grande Ibéria”. Apenas repeti  Fernando Pessoa: quanto mais ao povo a alma falta, mais minha alma atlântica se exalta. E assim compreendi como ser português universal é o mesmo do que ser brasileiro, esse português à solta, como lhe chamava Manuel Bandeira.

Foi  nessa cidade do sertão que o sonho de Juscelino edificou  que a jovem portuguesa Raquel Patrício se tornou na primeira doutorada pela Universidade de Brasília em Relações Internacionais, de acordo com o programa lançado há quatro anos.

A banca presidida pelo Professor Amado Cervo, contou com a presença dos professores Estêvão Martins, Norma Breda Santos e Vizantim. Fui o arguente estrangeiro convidado e tivemos a honra de ter, entre a assistência outro aluno e docente convidado do ISCSP, o Embaixador Francisco Seixas da Costa. O espírito desse grande português e brasileiro que participou na fundação da Universidade de Brasília, chamado Agostinho da Silva esteve sempre presente. Julgo que todos fomos portugueses à solta e que importa fomentar esta importação de estrangeirados vindos do Sul da lusofonia, porque talvez assim se possa cumprir o objectivo estratégico de reaportuguesarmos Portugal…

 

Reparei como os donos do poder da globalização, incluindo os que emitem o discurso cultural da superpotência que resta, a república imperial norte-americana, se admitem democracia para os cidadãos do respectivo centro, quando exportam a respectiva influência pelos senhorios do comércio, da navegação e da própria conquista, continuam a hierarquizar os efeitos do respectivo poderio, com uma sucessão de povos aliados, dos mais livres aos mais estipendiários, aos dominados pelo ritmo feudal-patrimonial. Há, com efeito, uma geometria variável de dependências, onde se detecta uma “newspeak” de certo pensamento pretensamente único, uma espécie de totalitarismo doce em cujas teias, todos nos vamos amarfanhando, como autómatos de uma abstracta voz do dono.

 

Os grandes donos deste poderio tanto não têm pátria como não têm verdadeiros amigos. Obedecendo à rigidez lógica do “ai dos vencidos”, logo “lavam as mãos como Pilatos” quando os anteriores serventuários são condenados à derrota, não reparando que foram usados e deitados fora. Entretanto, fica-nos um multitudinário “big brother” que reduz os indivíduos a meros consumidores e auditores, como simples elementos fungíveis, onde se nota a crescente proletarização das antigas classes médias e das profissões ditas intelectuais, onde o próprio espírito se reduz a simples elemento de produção de um mero serviço, sujeito às flutuações do mercado e à ditadura do mediático.

 

É por isso que em Brasília, tentei  ir além daquilo que António Ferro considerava os Estados Unidos da Saudade e reparar como Brasil e Portugal, se mobilizarem os restantes países lusófonos, poderão afinar, pela língua e pelos afectos, a principal língua do hemisfério Sul. E basta aliarmo-nos globalmente aos nossos irmãos de língua castelhana para cumprirmos o sonho de Oliveira Martins, expresso nas últimas páginas da sua História da Civilização Ibérica. Só quando estou no Brasil e penso o abraço armilar é que não me incomoda o iberismo, este necessário eixo cultural que pode equilibrar o Ocidente, preso em demasia à ilusão anglo-americana.

 

Há que ingressar, de vez em quando, no tempo que vamos esquecendo. Que regressar a esse poiso que nos sustenta. Na tal imanência que é transcendência, no devagar regresso ao profundo silêncio da leitura daquelas obras que não têm princípio nem fim.

 

Bem precisamos, portugueses e brasileiros, de diálogos transversais que entendam esta nossa pluralidade de pertenças. Porque importa navegar nas ondas de um mar interior que nos deu ensimesmamento e porque, para continuarmos a navegar, nesse navegar é preciso, temos de nos converter ao signo maior de um tempo que tem de ser. Esse comunitário amor universal que é diluir-nos em todos os outros.

Porque, quando a viagem nos faz peregrinos, eis que podemos ser romeiros de um sentido que transforma cada um dos nossos passos em missão. E todos os que são bafejados pela força desse sentido nunca terão um sítio que os limite. Em todo o mundo poderá haver a nossa terra. Viajemos, pois, com o sentido da viagem, sem a mácula daquele que tudo pensa poder captar porque apenas viaja para fazer suas preconceituosas sensações, já registadas por outros. Sem que lhe apeteça ser Pero Vaz de Caminha. Porque não se sente parcela da mudança, dessa tal viagem onde apetece cumprir livremente nosso destino. Quando importa sermos sempre os mesmos em qualquer lugar, mas convertendo-nos ao espírito da mudança. Porque, se formos desenraizados pelo preconceito da abstracção, apenas conseguiremos ver aquilo que é a confirmação das nossas próprias previsões.

 

Porque, parafraseando Agostinho da Silva, é dever do mestre fazer com que seu discípulo seja o que é; para o transformar nele mesmo, só tem que deixá-lo ir sendo, consigo e todos e tudo aprendendo o que é; e, a cada experiência com ele o mestre reflicta. Eis-me, portanto, parcela desta viagem, por acaso parte de uma viagem que apetece, deste cumprir livremente a missão e o destino que nos são propostas.

Até porque “a fonte do poder não é, para portugueses, nem delegação de transcendências, nem figuração de imanências, nem contrato ou consenso; a fonte do poder é a unidade essencial do homem, da paisagem e do sonho que numa e noutro anda; o poder emana das aldeias no curtido das faces, na aspereza das rochas, no fumo das lareiras, no mugido dos gados, no escampado horizonte, na imobilidade e no gesto, no silêncio e na palavra; o primeiro elemento é o do homem e o seu chão e o seu cão; depois se forma a aldeia, ainda pequena e desvalida para ser política; mas com o município a primeira república se forma e sobre ela tudo o resto se tem de modelar; a Federação começa aqui; com a junção das economias aldeãs; a catedral começa aqui; com esta pedra de muro ou este ladrilho de piso; conhece a nau seus primeiros redemoinhos nas águas bravas do cabril; e é o primeiro Reino o deste Rei, com o seu chão e o seu cão; repeti-lo não sobra”

 

José Adelino Maltez