Depoimento aos jornais

Eleitores deverão penalizar PS e poupar PSD após acordo

Politólogos dizem que Governo será castigado nas urnas e que Passos Coelho poderá lucrar

00h30m

CARLA SOARES

O acordo entre José Sócrates e Passos Coelho sairá muito mais caro ao PS do que ao PSD, prevêem os politólogos. E há quem admita ganhos nas urnas para o líder da Oposição, se convencer o país de que apenas o sentido de Estado o levou a caucionar as medidas.

Na hora de ponderar as perdas e os ganhos para os dois partidos que subscreveram as medidas de combate ao défice, as previsões são claramente negativas para aquele que sustenta o Governo. E ninguém acredita na reedição do “Bloco Central”, apesar da grave situação do país levar alguns a defender uma união de esforços mais alargada, nomeadamente ao CDS e ao PCP.

Os politólogos consideram que Passos Coelho terá tempo para descolar-se da severidade das medidas, se souber passar uma imagem de partido responsável. Isto apesar de ter abdicado, pelo menos aos olhos dos eleitores, do papel de principal opositor ao Governo, quando poderia capitalizar a contestação social. PCP e BE deverão lucrar pela via do protesto. E o CDS perdeu margem de manobra para ser um aliado do Executivo.

“Sobranceria do Governo”

André Freire, politólogo do ISCTE, sustenta que “o PS é quem, provavelmente, tem mais a perder”, porque as medidas “vão ser assacadas” ao partido que está no Governo. “O PSD também pode ficar demasiado colado, mas não vai governar e mostrou-se disponível para encontrar soluções”, contrapôe, ao JN, acrescentando que Passos Coelho “teve a humildade de pedir desculpas”, enquanto “o PS continua com a mesma sobranceria” de “quem muda de posição de 15 em 15 dias”.

O risco de o PSD ser penalizado “é remoto”, vaticina. “Quem será responsabilizado, em larga medida, é o Governo, na altura do voto”. Até porque o PSD “apresentou contrapartidas”. Já o Executivo está “sem linha de rumo” e “sem estratégia de crescimento económico”.

André Freire admite que esta convergência “não contribui para clarificar as alternativas” perante os eleitores. Além disso, não haverá necessariamente um reforço dos partidos mais pequenos, como PCP e BE, nas eleições. Pode, sim, crescer a abstenção.

O sociólogo Paquete de Oliveira crê que a atitude do PSD “é de elogiar”, pelo “dever de Estado”, mas pode “significar um prejuízo eleitoral para Passos Coelho” porque “a opinião pública, porventura, desconhece a gravidade” da situação que forçou aquelas medidas. Ou seja, o cidadão pode penalizar o PSD pela “caução” que deu e concluir que, se governasse, não lhe restava alternativa senão tomar as mesmas medidas.

Tudo depende da “habilidade do PSD para fazer crer ao eleitorado” que a sua posição “foi de sentido de Estado”. E pode “ser premiado” por isso. Quanto mais tarde houver eleições, mais tempo terá “para se descolar”, destaca, embora certo de que “o Governo será sempre o mais castigado”. Já o CDS perdeu “margem de manobra” para fazer uma coligação com o Governo.

Adelino Maltês, politólogo e professor da Universidade Técnica de Lisboa, considera que é “cedo para fazer cenários” sobre efeitos do acordo nas eleições, uma vez que não estamos perante “uma receita com resultados garantidos”. Seguro está de que “não haverá ‘Bloco Central’”. E prevê que o líder do PSD, no imediato, desça nas sondagens para “os níveis habituais”.

O essencial, defende, “é saber se a imagem do país ficou beneficiada em torno da unidade”. Se não ficou, o que considera “mais provável”, “não chega o ‘Bloco Central’” e o “acordo provisório”. Há “necessidade de uma coligação mais ampla”, incluindo “o CDS e o PCP”, num “acordo à irlandesa”, em vez de “navegar à vista”.

Viriato Soromenho-Marques, professor de Filosofia Política, diz que tudo dependerá de como os discursos evoluirão, sublinhando que o acordo “não foi explicado”. “Para o cidadão comum, esta convergência não coloca os dois líderes no mesmo saco”, garante. E “o eleitorado não penalizará da mesma maneira um Governo autista que doura a pílula” e o líder do PSD, que lucrará com a situação se passar a imagem de “partido responsável e com sentido de Estado”.

Prevendo uma subida nas sondagens para Passos Coelho, Soromenho-Marques elogia o pedido de desculpas ao país. “Não ouvi o primeiro-ministro a pedir desculpa”, nota. E condena Sócrates por se ter demarcado do corte de 5% nos salários dos políticos e gestores, revelando “insensibilidade à dimensão simbólica”, necessária em tempo de crise. A situação, prevê, “é insustentável” e pode desembocar em eleições antecipadas.

 

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