Abr 08

Um homem revoltado é um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é, assim, um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento

Há quase três décadas e meia, tenho o mesmo e único patrão (o povo que me paga, através do Estado, e dos variados capatazes que assumem o estadão). Dono de um “cursus honorum” publicamente concursado, onde nunca me escondi numa só linha de ocultação profissional e cívica, até fui, entre os vinte e pouco e os trinta anitos, adjunto político de meia dúzia de governos deste país e, antes da queda do muro de Berlim, e por breves dois anitos, dirigente cimeiro de um dos partidos do nosso arquito constitucional, de que, aliás, me tornei dissidente, sujando as mãos em sucessivos oposicionismos e nalgumas malogradas fundações de partidos e movimentos cívicos do contra. Ainda no século XX, nos primeiros dias da década de noventa, larguei a função pública clássica, no alto da função de assessor, para me dedicar, sem acumulação, à universidade, onde também entrei por concurso público e onde, de concurso em concurso, cheguei, antes da viragem do milénio, ao topo da carreira. Aliás, sublinhe-se, enquanto adjunto de governos, nunca fui militante, ou filiado, de nenhum partido. E só voltei a filiações depois de ter feito toda aquela parte de uma carreira que implica promoções, para evitar confusões. Tentando cumprir o lema de procurar viver como penso, sem pensar muito como vou vivendo, apenas gostava de cumprir o que penso ser a minha vocação e, mais do que isso, a minha missão, tentando casar a bela raiva da honra com um pedacinho de inteligência, dandoentusiasmo ao pensamento, isto é, procurando ser um homem livre numa universidade livre e procurando continuar livre, mesmo que a estrutura esteja condenada a deixar de o ser. E não é por acaso que, desde Maio de 2003, isto é, há quase cinco anos, que, quase quotidianamente, utilizo a blogosfera como uma espécie de extensão universitária, ou serviço à comunidade, através de uma militância cívica e necessariamente crítica, onde a solidão da cidadania tem enfrentado a nudeza dos sucessivos donos do poder, num combate de ideias que me tem gerado sucessivos incómodos, algumas persigangas e até inevitáveis encruzilhadas de saneamento, em circunstâncias que, na maior parte dos casos, não tenho publicitado, nem sequer para o círculo íntimo e familiar que me sustenta. Quero apenas confessar aos meus fiéis leitores que não desistirei de viver como penso e que continuarei estas reportagens íntimas que, quotidianamente, sublimo, neste, ou noutro, blogue. Este programa de vida cívica e pessoal, este meu sagrado, obriga-me a correr riscos de cidadania a que não renunciarei e que me vão obrigar a lutar até à última fibra vivente e que nunca passará pela cedência à cobardia dos que torcem para não quebrarem. Hoje, usando o elíptico, apenas me apetece concluir com os ensinamentos de meu mestre Camus, com a sua passion du relatif. Porque a revolta é uma das únicas posições filosoficamente coerentes, até porque a função do intelectual é esclarecer as definições para que se desintoxiquem os espíritos, contra todos os fanatismos, incluindo os da contra-corrente. Porque um homem revoltado é um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é, assim, um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento.