Jul 04

Nestes amanhãs que cantam do século XXI

Nestes amanhãs que cantam do século XXI, apenas continua a ser novo aquilo que se esqueceu. Porque todas as revoluções são mesmo pós-revolucionárias, o nossso 25 de Abril nunca foi Otelo nem Salgueiro Maia, mas Soares e Cavaco, essas personificações do transcendente do nosso regime bem poderiam contratar, no mercado das consultadorias empresariais da globalização, um novo chefe do governo desta pilotagem automática sem futuro, um novo líder dos progressistas do PS e um novo líder dos regeneradores do PSD. Por isso, tenho de reconhecer que tudo poderia ser captado pela magia de um desses romances de costumes com que um novo Camilo Castelo Branco poderia rescrever “A Ascensão de um Anjo”. Infelizmente, neste tempo de comendas, já não há, no armazém das honorabilidades, a possibilidade de o fazermos conde de Tomar ou duque de Ávila e Bolama, pelo que lhe resta o caminho habitual do sistema banco-burocrático do rotativismo, um desses lugares corporativos no Crédito Predial, entre Hintze Ribeiro e José Luciano. Os elogios que, entre eles, se vão tecendo apenas confirmam como a esquerda moderna, a tal que, ideologicamente, invocava Eduard Bernstein, para se chamar Pinto Balsemão, Cavaco Silva ou José Sócrates, gosta de praticar a fecunda união de facto com a direita dos interesses. Por isso, as disputas entre as actuais lideranças do PS e do PSD e os jogos florais politiqueiros que ocuparam os horários nobres das nossas televisões podem começar a equiparar-se a umas primárias do Bloco Central, preparando a sucessão do Pai Bush, quando os vascos já não são santanas… Por isso, prefiro continuar a ler a biografia de Talleyrand, nomeadamente o capítulo sobre a conspiração de avós e netos, onde os primeiros são os ausentes-presentes quase nonagenários e os segundos, os ex-jotas meninos de ouro, para esta era da lei de bronze dos filhos de algo, que marca a nossa decadência. Do mesmo modo, gosto imenso de recordar o processo político de um tal Guizot, que tinha como programa a banha da cobra do “enrichez vous”, para uso da eterna sociedade de casino, onde se misturavam os politiqueiros honestos que escolhiam adjuntos corruptos, lado a lado com líderes inversos, os tais desonestos que tinham olho para a escolha de adjuntos honestíssimos. Julgo que o processo já está inventariado desde Victor Hugo, mas, em Portugal, nestes amanhãs que cantam do século XXI, apenas continua a ser novo aquilo que se esqueceu, dado que abundam as modas que passam de moda, só porque não reparamos que não vale a pena inventar o que já está inventado, nem descobrir o que já está descoberto. Vale mais recuperarmos a Dona Branca e o Alves dos Reis e brincarmos ao jogo da bolha, antes que a mesma rebente e nos encha de dejectos…