Out 18

SOS SOS SOS

Quase uma da tarde deste primeiro sabado de Dili. Uma internet lenta demais e, com longas brancas, especialmente no “wireless” que concedem aos agentes da cooperacao, apesar de o gestor, um engenheiro informatico paquistanes, ou la o que e, tentar superar o problema. Logo, volto a escrever de uma maquina sem regras ortograficas lusitanas, no espaco para agentes de negocio do Hotel Timor, pouco adaptado a nossa ortografia, apesar de ter sido reconstruido gracas ao apoio da Fundacao de Carlos Monjardino. Apenas para comunicar aos meus amigos e leitores que ontem ja tive o prazer de longas e belas horas de aulas e que, depois de tantas trocas e baldrocas, me voltei a sentir professor na sua plenitude, naquela funcao que e missao e que e vocacao, onde o trabalho nao e uma imposicao do regulamento ou objecto de analise dos tecnocratas da avaliacao, mas daquela comunidade em torno das coisas que se amam e que se chama sala de aula. Agradeco a todos os deuses esta oportunidade de libertacao.

 

Quando sai da universidade, voltei a reviver e aquilo que foram noites de dormir que o meu ritmo circadiano interpretou como se fossem uma curta sesta acabaram, esta noite, compensadas, porque foram quinze horas seguidas de soneca, para me sentir finalmente liberto neste novo fuso horario. Agora, perante novas circunstancias de tempo, posso novamente peregrinar pelo lugar, ja sem o peso da tralha burocratica a que estava agarrado, especialmente daquilo que o meu Professor Rogerio Soares qualificava como elefantiase legiferante, como aquela que temos em Portugal, esse universo comcentracionario de leis e regulamentos que obriga o agente aplicador a ter que cair naquele estilo da administracao otomana a que Hannah Arendt dava o nome de governo dos espertos, dado que o cipaio e o administrador de posto podem sempre escolher arbitrariamente qual a lei que hoje podem aplicar aos incautos cidadaos que estao na lista dos mal-amados.

 

Dai que me apeteca citar Camoes de memoria e proclamar que vale mais experimenta-lo do que julga-lo, para que julguem os que nunca o puderam experimentar. Basta reparar nos erros ortograficos deste postal para algum leitor poder pedir ao Carlos Monjardino que mande aqui para o hotel a que ele esta ligado um carregamento de teclados em segunda mao que tenham um til e uma cedilha. Basta que outros leitores tenham a ousadia e a imaginacao de pedir as respectivas escolas e aos respectivos editores que mandem para a Universidade Nacional de Timor Leste todos os livros que tenham em armazem e que querem amanha remeter para as maquinas de destruicao de papel. Nao custa nada fazer um embrulho dessas coisas e despacha-las ca para esta terra. Ate mas podem mandar, aqui para o Bairro da Cooperacao, que eu farei chaga-las ao sitio certo. Lembro a coiss, especialmente ao Henrique Mota e ao Paulo Teixeira Pinto que a devem sentir por dentro.

 

Ainda ontem, nas aulas, reparei que estes meus alunos manejavam o manual de Financas Publicas do meu querido Professor Teixeira Ribeiro. Tentando espreitar a edicao que nao conhecia, notei que a mesma era, afinal, uma bem montada fotocopia emitida, num destes recantos imaginativos de uma oficina de comerciantes chineses. Imediatamente, autorizei que o meu volume de filosofia do direito, por acaso esgotado, ha varios anos, em Lisboa pudesse ser editado clandestinamente por esta magnifica casa eleitoral da necessidade. Hei-de sugerir que facam o mesmo ao manual introdutorio do saudoso Professor Joao Castro Mendes, apesar de haver o mesmo na biblioteca, ao lado de longos codigos anotados sobre o nosso direito do trabalho e a nossa estrada que, naturalmente, ninguem consulta.

 

Quanto ao manual de Castro Mendes, peco imensa desculpa a Dona Lurdes e ao Senhor Costa, da ex-editora do PBX da Faculdade de Direito de Lisboa, a que concorria com o “stencil” do senhor Charneca, mas quero aqui perpetuar a palavra de um dos mais maravilhosos mestres que ainda conheci na Faculdade do Campo Grande. Julgo que a logica dos futuros magistrados desta terra do sol nascente merece ser impregnada pelas obras mais pedagogicas que a nossa ciencia do direito produziu no seculo XX. De qualquer maneira, este meu testemunho, se tiver alguma alma caridosa que o receba, bem pode ter alguns frutos, se certos leitores tiverem a pachorra de o transformar num “mail” que remetam as nossas escolas e editoras, do Rei dos Livros a Almedina, nao esquecendo a Coimbra Editora e todas as escolas de direito lusitanas. Remetam para a Universidade Nacional de Timor Leste os livros necessarios para a sementeira.

 

Do mesmo modo, se houver brasileiros nas mesmas circunstancias e alguem que faca chegar o apelo ao Rio de Janeiro, a Sao Paulo ou a Brasilia, todos agradeceriamos. Infelizmente, ja esta falecido o meu querido mestre Miguel Reale, porque ele, de certeza, iria bater a porta do maior editor de livros juridicos de lingua portuguesa, o Saraiva, esse mesmo, da Editora Saraiva, que nunca por Portugal repararam que era compatriota, ate para podermos furar o esquema da edicao de livros juridicos portugueses no Brasil. Porque nao bastam as boas feiras de livros que fazemos no Brasil ou noutros paises dos PALOP. E necessaria muita imaginacao e o esforco individual do portugues a solta.

 

PS: podia utilizar a tecnica do copy paste para resolver o problema da ortografia, mas apenas a deixo para verem como ate no Hotel mais portugues de Dili ninguem se lembrou de solucionar este pequeno nada…

Out 18

As pessoas quando viram que nem os lugares da Igreja haviam sido respeitados pelos indonésios fugiram todas dizendo: “Vieram para nos matar a todos”

Leio, no jornal “Diário do Minho” uma recente entrevista do meu querido Padre Felgueiras. Transcrevo excertos, sem muitos comentários. Apenas recordo que, quando o  conheci,  vivia em Cernache, adolescente, prestes a entrar para a Universidade e devo-lhe grande parte de quem sou, apesar de nunca termos falado de religião. Fui obrigado a ler tudo sobre Baden Powell e até me proporcionou um especial curso de dinâmica de grupo, dado pelos professores do nascente ISPA. Apenas assinalo que, nas paredes do meu quarto, além dos familiares, apenas conservo a fotografia deste missionário do século XX. Com ele, aprendi que sermos portugueses era sermos desses universais que devem diluir-se em todos os outros.

 

DM – Como se deu a ida para Timor?

 

Estava no Colégio da Companhia de Jesus, em Cernache, e o Padre Provincial propôs-me ir para Timor. Isto em Maio de 1970. Fiquei surpreendido e, então, pedi um tempo para reflexão.

 

Em Dezembro desse ano, parti de Cernache rumo a Timor. Neste tempo entre o pedido do Provincial e a minha partida, li muitos livros sobre Timor a fim de criar uma visão mais objectiva daquele País.

 

Li praticamente todos os livros que havia e que estavam na biblioteca do colégio e isso enriqueceu a minha visão. Preparei-me para partir, com consciência renovada da minha missão de cristão, de sacerdote e de jesuíta.

 

Tomei esta missão a sério, não apenas como uma aventura cega. Inseri-me no espírito dos grandes missionários, sabendo da responsabilidade que era e da própria beleza da missão em si.

 

Com o domínio indonésio não havia guerra no interior mas apenas nas fronteiras, para onde se dirigiam diariamente milhares de homens soldados.

 

Mas, a invasão alastrou.

 

O Seminário foi bombardeado e totalmente destruído. Durante este ataque, lembro que estávamos no interior da capela, estendidos debaixo dos bancos, para evitar os estilhaços.

 

Estávamos persuadidos de que os indonésios iriam respeitar os lugares da Igreja e até tínhamos posto bandeiras brancas, mas mesmo assim fomos bombardeados.

 

Quando parou este ataque saímos de lá. Instalámo-nos numa casa de um timorense que nos deu guarida, no relevo da encosta da cidade. Começámos a cavar buracos e valas no chão para nos protegermos dos bombardeamentos, que aconteciam diariamente, de canhões, morteiros e metralhadoras.

 

Foi uma época terrível.

 

As pessoas quando viram que nem os lugares da Igreja haviam sido respeitados pelos indonésios fugiram todas dizendo: “Vieram para nos matar a todos”.

 

Nesse preciso momento, a Indonésia perdeu todas as hipóteses de simpatia dos timorenses.

Este ambiente de violência decorreu até ao referendo de 1999, que foi favorável à independência de Timor.

 

 

Nome Associação: MISSÃO CATÓLICA PORTUGUESA DO PADRE JOÃO FELGUEIRAS

Morada: RESIDÊNCIA DOS PADRES E IRMÃOS JESUITAS // LEHANE

Pessoa de Contacto: PADRE JOÃO FELGUEIRAS

Telefone: 322272

Fax: 323832