Esta minha varanda do fim da Junqueira

De repente, esta minha varanda do fim da Junqueira, quase na esquina com a calçada da Ajuda, tornou-se o centro do mundo, tantas são as sirenes que anunciam a passagem de dezenas de chefes políticos de tantas e tão várias gentes desta esfera armilar, ontem e anteontem, das Áfricas, no próximo dia 13, das vinte e sete canetas da Europa, entre os Jerónimos e aqui, o museu dos Coches, numa viagem de eléctrico, talvez para homenagear o primeiro chefe de Estado da I República, o velho republicano federalista, Teófilo, o “guardador de patos”, que assim se fazia transportar para o Palácio de Belém. Posso assim esquecer a politiqueirice das pretensas estratégias que não passam de tacticismos, das ilusórias políticas onde quase todos os ganhos acabam por rimar com derrotas morais. Apenas apetece largar estas amarras e encontrar um qualquer lugar onde, para que continue a ser possível semear os projectos que resguardo na arca dos escritos inúteis. Longe, bem longe das encruzilhadas com que confundimos a mudança, para que valha a pena dizer que a vida tem sentido. Apenas chegam os pequenos sinais que voltam a dar sorriso, uma palavra, uma frase que se volve em força interior, um pequeno entusiasmo que nos permite o pensamento. Mesmo aqui, neste sítio de passagem, onde todo o mundo se vai cruzando, entre luzes e luzinhas ditas de Natal, com as musiquetas enlatadas do costume e muita gente engravatada, endinheirada, muitas e muitas peças de outras tantas máquinas do “time is money”, dessa única movimentação que faz, por enquanto, olear a humanidade que se mexe, deste fluido sem alma que nos vai afogando, asfixiando. Apenas me vou escrevendo e descrevendo, juntando palavras e frases que, pouco a pouco, me vêm, nesta procura que me dispersa. Mesmo quando viajo lá para as bandas do sol posto, por entre ondas do mar que são brancas, mas que por dentro são amarelas, mesmo por entre os agrestes pinhais da nortada. Apenas olho quem sou neste dezembrino tempo, contando os ninhos de cegonhas nos postes de alta tensão, olhando quem se vai perdendo nas brumas da paisagem. Olho que sou meus olhos, assim de fora para dentro, nesta paisagem que se vai sumindo em sensação do pensamento. Os olhos flectindo para a reflexão a que não chego, no traço das palavras com que procuro imitar o cosmos para onde tendo. Olho quem sou, me redifino, me redivivo e, escrevendo e pensando, me perco por entre as coisas que me circulam e de que sou parte. Fixo as árvores, os fetos, os silvados, a pedra dos muros, o agreste que vai desarrumando os sinais que o homem plantou, as estradas, as casas, os campos de sementeira. São restos de canaviais, ruínas de fábricas, uma capela, um cemitério, esta vaigem de quem sou, entre as bouças e brumas do saudosismo de Pascoaes e os esteiros e campinas de Soeiro Pereira Gomes. Sempre esta viagem pela memória rurbana de quem sou, sentindo o sangue da paisagem. Apenas estou chegando à borda d’água, às casas, apartamentos e parcamentos desta geração comprimida entre assoalhadas e o crédito hipotecário, onde metade do tempo-trabalho vai para os juros do “time is money” do Estado-Patrão e da ilusão de uma banca nacionalizada, deles, dos que nos enganaram com bonificações. E lá volto a mim mesmo. Ao simbólico da cimeira das típicas multilaterais em directo. Vou à varanda, olho o Tejo e vou içar a bandeira das doze estrelas, aquela que o Padre António Vieira ousou qualificar como do Quinto Império, antes de resistir aos bombardeamentos da Besta no vitral da catedral de Estrasburgo, assim saudando a Europa, de costas voltadas para a mesma Europa.

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