Dez 18

Carta a Constança Cunha e Sá

Caxias, 18 de Dezembro de 1992

Exª Senhor Director de O Independente
(ao cuidado da jornalista Constança da Cunha e Sá)

Mais uma vez, graças à irónica pena da jornalista Constança da Cunha e Sá, uma boca desgarrada da minha autoria, transportada por um terceiro, muito “habitué” nestas intermediações sobre a minha apagadíssima figura de ex-dirigente do CDS, surge nas “independentes” páginas de acompanhamento da vida interna do partido em causa.
Para uma adequada informação, gostaria de acrescentar:
-conservo a filiação no CDS, em cartão assinado em 1983 pelo Dr.José Vieira de Carvalho, mas, desde 1988, que pedi, ao Professor Freitas do Amaral, a formal suspensão da militância, atitude que não alterei com a subida ao poder da actual direcção;
-confirmo ter-me passeado pelo último comício, onde revi alguns amigos, mas onde nem por isso me converti ao actual estado de coisas de um partido, onde há quatro anos não tenho intervenção;
-conforme as cartas que tenho mandado ao Dr.Manuel Monteiro, continuo radical quanto aos desvios do partido face à perspectiva justicialista da democracia-cristã e, como também sou um radical europeísta (até sou o autor da proposta de modificação dos estatutos do partido que o fazem formal defensor da “união política da Europa”), não participei na última brincadeira referendária, até porque, em vez do não ou do nim face a Maastricht, optaria por um claro sim, conforme o tenho demonstrado em escritos, entrevistas e outras intervenções públicas que, apesar do público restrito que lhe acedeu, não deixam de ser públicas e bem anteriores ao referendo do CDS e à cimeira de Edinburgo.
Isto é, conservo-me como um radical democrata-cristão que considera possível a conciliação de um radical nacionalismo português, com um radical europeísmo, dado considerar que o “dividir para unificar” da construção comunitária poderá afectar potências herdeiras de impérios europeus frustrados, mas não antiquíssimas Nações-Estado como a portuguesa, necessariamente solidária com todas as nações sem Estado de uma Europa que eu gostaria e hei-de ver internamente descolonizada, desde a Ilha do Corvo até Vladivostoque.
A boca que me atribui e que não renego é tão radical na sua ironia quanto a crónica da senhora jornalista. Se outra ironia, a do destino, nos tivesse feito cruzar em tal comício, até poderia acrescentar à mesma jornalista-cronista que, em tal acontecimento social, só bati palmas quando o Manuel Monteiro fez justiça ao Narana Coissoró.
Se o CDS continuar nesta senda, em eficaz aliança com certos opinion makers de O Independente, desejarei sinceras felicidades pessoais ao jovem e corajoso líder, mas, parafraseando o Cardeal Retz, serei obrigado a dizer que, para permanecer radicalmente fiel às minhas crenças – democratas-cristãs, nacionalistas e europeístas – e à estratégia que, enquanto dirigente do CDS, entre 1985 e 1988, sempre defendi, terei de votar noutro partido: naquele que menos possa trair as minhas concepções do mundo e da vida. Apenas espero pelo próximo Congresso do CDS para resolver o problema do cartão nº 110603136 que, apesar de tudo, gostaria de conservar, mesmo com violações da disciplina partidária.