Dez 31

O que está a fazer? Onde estavas no dia 31 de Dezembro de 2008?

Acabei de enviar a algumas pessoas o seguinte SMS. Alargo-o a todos os meus queridos leitores que comigo são solidários na resistência:

Regressado do Sol Nascente, e já na Ribeira do Tejo,
embora com os sonos trocados,
desejo um ano de 2009
que contribua para fim da hipocrisia
e para que cada um dos amigos e companheiros
tenha direito à felicidade
de poder viver como pensa,
sem ter que pensar como depois vai viver!

Ao contrário do que pode parecer, os formigas, pretos e brancos, os moscas do intendente, os pides e neopides, da vigilância revolucionária e contra-revolucionária, mesmo que persistam, serão simples nota de pé de página de um carcomido processo kafkiano, meras melgas ou nojentas baratas, os que se auto-extinguirão sem necessidade de insecticida. Basta o Estado de Direito. Onde a justiça é superior ao direito, o direito superior à lei e a lei bem superior ao despacho ou ao decreto do conselho de compadres e compadres… Continuo a acreditar na democracia!

Dez 30

Já me estou escrevendo diante da Ribeira do Tejo

Voltei. Isto é, ainda sem distinguir ontem de hoje, por causa do ritmo de nove hora que até ontem vivi, houve um avião que me deixou na Portela e, hoje, aqui e agora, já me estou escrevendo, diante da Ribeira do Tejo, esse rio que desagua na minha aldeia.  Noto que o “Correio da Manhã” me dá algum destaque porque ousei criticar, ontem o discurso de Cavaco Silva, a que já assisti em directo. Reparo também que saiu uma entrevista minha à revista “Focus” e que as minhas amigas, jornalistas de “O Diabo”, a Isabel Guerreiro e a Ana Clara, transcreveram os meus diálogos à distância.

Pode ler-se no”Correio da Manhã”: José Adelino Maltez, especialista em Ciência Política, entende que o Presidente da República ‘enveredou por um caminho pouco pedagógico’ na questão do Estatuto Político-Administrativo da Região dos Açores e ‘revelou um desconhecimento da realidade açoriana’. ‘O caminho que trilhou, apesar do apoio de alguns constitucionalistas, foi exagerado’, diz.

Para o politólogo, o Presidente da República devia ser o primeiro a ‘retirar este processo da agenda política’ até porque, defende ‘o valor da autonomia regional é incomensuravelmente maior do que o valor dos poderes presidenciais’. José Adelino Maltez acredita mesmo que ‘o problema está na Constituição’. ‘A Constituição devia ser melhorada para dar mais poder às autonomias regionais. Quanto à relação institucional com o Governo, o especialista desvaloriza a questão, afirmando que ‘ficaram como sempre foram’.Presidente da República devia ser o primeiro a ‘retirar este processo da agenda política’ até porque, defende ‘o valor da autonomia regional é incomensuravelmente maior do que o valor dos poderes presidenciais’. José Adelino Maltez acredita mesmo que ‘o problema está na Constituição’. ‘A Constituição devia ser melhorada para dar mais poder às autonomias regionais. Quanto à relação institucional com o Governo, o especialista desvaloriza a questão, afirmando que ‘ficaram como sempre foram’.

Dez 30

Já me estou escrevendo diante da Ribeira do Tejo

Voltei. Isto é, ainda sem distinguir ontem de hoje, por causa do ritmo de nove hora que até ontem vivi, houve um avião que me deixou na Portela e, hoje, aqui e agora, já me estou escrevendo, diante da Ribeira do Tejo, esse rio que desagua na minha aldeia. Noto que o “Correio da Manhã” me dá algum destaque porque ousei criticar, ontem o discurso de Cavaco Silva, a que já assisti em directo. Reparo também que saiu uma entrevista minha à revista “Focus” e que as minhas amigas, jornalistas de “O Diabo”, a Isabel Guerreiro e a Ana Clara, transcreveram os meus diálogos à distância.

Pode ler-se no”Correio da Manhã”: José Adelino Maltez, especialista em Ciência Política, entende que o Presidente da República ‘enveredou por um caminho pouco pedagógico’ na questão do Estatuto Político-Administrativo da Região dos Açores e ‘revelou um desconhecimento da realidade açoriana’. ‘O caminho que trilhou, apesar do apoio de alguns constitucionalistas, foi exagerado’, diz.

Para o politólogo, o Presidente da República devia ser o primeiro a ‘retirar este processo da agenda política’ até porque, defende ‘o valor da autonomia regional é incomensuravelmente maior do que o valor dos poderes presidenciais’. José Adelino Maltez acredita mesmo que ‘o problema está na Constituição’. ‘A Constituição devia ser melhorada para dar mais poder às autonomias regionais. Quanto à relação institucional com o Governo, o especialista desvaloriza a questão, afirmando que ‘ficaram como sempre foram’.Presidente da República devia ser o primeiro a ‘retirar este processo da agenda política’ até porque, defende ‘o valor da autonomia regional é incomensuravelmente maior do que o valor dos poderes presidenciais’. José Adelino Maltez acredita mesmo que ‘o problema está na Constituição’. ‘A Constituição devia ser melhorada para dar mais poder às autonomias regionais. Quanto à relação institucional com o Governo, o especialista desvaloriza a questão, afirmando que ‘ficaram como sempre foram’.

Dez 19

Um obrigado em telegrama e outros escritos inúteis

Obrigado por todos quantos, ontem, me deram os sinais do nascer de novo, no sentido profundo dos gestos, na palavra e em plenitude! Continuo em regresso, entre muitos lugares sem mapa, enchendo o bornal de escritos inúteis. Porque tudo é relativo, neste circadiano movimento, como se a linha da vida não se aproximasse cada vez mais das nervuras do acaso procurado que nos dão sinal. O tempo é sempre relativo ao olhar que cada um tem do mais além que o situa. Porque é dentro de cada um, que cada um tem de procurar o seu próprio transcendente.

Dez 16

A grande crise-macro da partidocracia deriva precisamente de ela se ter enredado no federativismo de micro-patifarias

O partido sistémico português com maior número de dissidentes “per capita” é, sem dúvida, o eterno mais pequeno de todos eles e, do qual, infeliz e envergonhadamente, fiz parte, no estreito espaço que teve como a quo o dia em que dele saiu, em suspensão de militância, o formal fundador, depois feito ministro dos estrangeiros de Sócrates. Contudo, foi breve o ad quem,  porque logo, dele, me pus a andar quando o dito cujo voltou, antes de, novamente, dar às vilas Diogo, onde o acaso do nome coincide, sem ser por mera coincidência.

Aliás, quando decidi dissidir, ainda tive a tentação de, com isso, fazer estrondo, através de uma carta da qual me esmerasse, através de programada fuga de informação, mas tive o bom senso de preferir a amargura do silêncio, para nunca mais ter de os aturar. Aliás, ainda foi tudo antes da queda do Muro de Berlim.

Acresce que, só anos depois de eu ter saído, é que Portas entrou, pelo que, deste, e dos respectivos opositores, me sinto totalmente indiferente, não porque deteste a vida partidária, dado ter sido fundador de dois falhados partidos e de mais dois ou três movimentos cívicos, mas porque não admito que, na vida das instituições, nos imponham um padrão comportamental que nunca admitiríamos aos nossos filhos, aos nossos pais, aos nossos amigos e aos nossos íntimos.

Aliás, a falta de espinha de tal grupelho é directamente proporcional aos discursos morais contra a falta de espinha que costumam ser proferidos pelos seus antigos presidentes e altos dirigentes, dos quais eu quero excluir tanto um Adelino Amaro da Costa como um Francisco Lucas Pires. Dos outros, reza a história que todos, à excepção do Monteiro e do Zé Ribeiro e Castro, dele quiseram servir-se e até utilizaram o carimbo histórico de terem sido líderes de tal instituição, para subirem a relação colaboracionista com instituição adversa que, a seguir, os prebendou, chame-se PSD ou PS.  Logo, se estes e eles continuarem a ser a direita, eu continuarei a ser da extrema-esquerda.

Ainda hoje me rio de certas lembranças, nomeadamente quando, um dia, jantando com os presidentes da JSD e da JP, na presença de Portas e Manuela Ferreira Leite, numa dessas universidades de Verão de uma das jotas, ter tido uma delicada altercação com Portas, dado que este se referia a um período da vida do CDS em que eu era máximo dirigente da coisa e ele, colaborador formal do cavaquismo partidário. Ele, que nada podia saber de tal história, dizia que o que estava a dizer lhe tinha sido dito pelo presidente do partido de então. Eu apenas lhe disse que o referido não passava do primeiro dos mentirosos, em nome da razão de Estado dita cristã, mas efectivamente talleyrandesca. E mais não disse. Mostrei as provas. E com Portas, nisso e depois disso, tudo correu em delicada e bem educada relação, porque o tipo é, de facto, alguém de encantadora inteligência e de finíssimo trato. Aliás, posso dizê-lo porque nunca pertenci, em simultâneo, a qualquer partido de que ele também fosse militante.

Quanto à outra estória, basta, um dia, questionarem o Vítor Constâncio e o Eanes, para que ele expliquem a razão pela qual o governo de maioria relativa de Cavaco teve pernas para andar, graças à opção de Soares.

O mal não está na partidocracia, mas na lógica neomaquiavélica que marca todo o ritmo participativo no Portugal da decadência, onde se contam votos e onde impera a lógica do homem de sucesso, do ter razão quem vence. Até um dia lhes acontecer o fim do período de ascensão e rebentar a queda, à maneira dos presidentes de clubes de futebol, ou de bancários feitos banqueiros pela engenharia da cunhocracia.  Feliz ou infelizmente, fui educado para não ter que suportar patifes desse jaez, como alguns desses travestizados de padreca que, um dia, comigo, se cruzaram institucionalmente.

Um deles chegou a visitar os meandros da prisão preventiva, mas era todo poderoso enquanto mandava e acumulava sinais distintivos de riqueza. O outro ainda continua a ir de vitória em vitória, julgando que não chegará a derrota final, pelos mesmos ferros com quem tentou matar os outros. Os dois podiam ter o mesmo nome, porque são feitos da mesma massa moluscular, para quem a política se reduz a comprar os adversários e a ameaçar os dissidentes ou opositores com os “casse têtes” do neopidismo e da traição. A grande crise-macro da partidocracia deriva precisamente de ela se ter enredado no federativismo de micropatifarias. O principal problema político é, afinal, um problema moral.

Leio aqui a explicação: Aos Judeus de Villadiego foi concedido, pelo rei Fernando III da Castela, o direito de não serem perseguidos. Havia, no entanto, uma contrapartida: tinham que usar calças (os castelhanos usavam calção), calças essas que nunca abandonavam, para garantirem os seus privilégios. Os Judeus de Burgos ou de Toledo não tinham tais privilégios e, logo que perseguidos, abandonavam tudo o que tinham e fugiam para Villadiego. Nesta localidade, ofereciam-lhes umas calças para escaparem aos perseguidores, mas com um preço: eram forçados a pagar um tributo aos Judeus locais. Em suma, tinham que continuar com as calças na mão para o resto da vida. Daqui vem também a expressão que se utiliza em Espanha e em algumas regiões portuguesas junto à fronteira espanhola.

Dez 16

O necessário tempo de nascer de novo, de Oriente para Ocidente.

A partir de amanhã, dia 18, encerra este ciclo que me levou à Ribeira de Timor, em busca do sol nascente. Acabam, deste modo, os postais de exílio procurado, emitidos a partir da praia de Dili, na Ribeira do Mar de Timor, ainda de costas voltadas para a Corte, para poder ser um “português à solta”, em busca do “abraço armilar”

Nos últimos dias de Dezembro, espero voltar a esse rio que passa na minha aldeia e, no intervalo, apenas viverei o necessário tempo de nascer de novo, de Oriente para Ocidente. O blogue ficará suspenso durante esse período de viajar dentro de mim e em torno do eixo do próprio mundo. Tentarei continuar a viver como penso, sem ter que pensar como vivo.
posted by JAM | 12/16/2008 10:36:00 PM
A grande crise-macro da partidocracia deriva precisamente de ela se ter enredado no federativismo de micro-patifarias

O partido sistémico português com maior número de dissidentes “per capita” é, sem dúvida, o eterno mais pequeno de todos eles e, do qual, infeliz e envergonhadamente, fiz parte, no estreito espaço que teve como a quo o dia em que dele saiu, em suspensão de militância, o formal fundador, depois feito ministro dos estrangeiros de Sócrates. Contudo, foi breve o ad quem, porque logo, dele, me pus a andar quando o dito cujo voltou, antes de, novamente, dar às vilas Diogo, onde o acaso do nome coincide, sem ser por mera coincidência.

Aliás, quando decidi dissidir, ainda tive a tentação de, com isso, fazer estrondo, através de uma carta da qual me esmerasse, através de programada fuga de informação, mas tive o bom senso de preferir a amargura do silêncio, para nunca mais ter de os aturar. Aliás, ainda foi tudo antes da queda do Muro de Berlim.

Acresce que, só anos depois de eu ter saído, é que Portas entrou, pelo que, deste, e dos respectivos opositores, me sinto totalmente indiferente, não porque deteste a vida partidária, dado ter sido fundador de dois falhados partidos e de mais dois ou três movimentos cívicos, mas porque não admito que, na vida das instituições, nos imponham um padrão comportamental que nunca admitiríamos aos nossos filhos, aos nossos pais, aos nossos amigos e aos nossos íntimos.

Aliás, a falta de espinha de tal grupelho é directamente proporcional aos discursos morais contra a falta de espinha que costumam ser proferidos pelos seus antigos presidentes e altos dirigentes, dos quais eu quero excluir tanto um Adelino Amaro da Costa como um Francisco Lucas Pires. Dos outros, reza a história que todos, à excepção do Monteiro e do Zé Ribeiro e Castro, dele quiseram servir-se e até utilizaram o carimbo histórico de terem sido líderes de tal instituição, para subirem a relação colaboracionista com instituição adversa que, a seguir, os prebendou, chame-se PSD ou PS. Logo, se estes e eles continuarem a ser a direita, eu continuarei a ser da extrema-esquerda.

Ainda hoje me rio de certas lembranças, nomeadamente quando, um dia, jantando com os presidentes da JSD e da JP, na presença de Portas e Manuela Ferreira Leite, numa dessas universidades de Verão de uma das jotas, ter tido uma delicada altercação com Portas, dado que este se referia a um período da vida do CDS em que eu era máximo dirigente da coisa e ele, colaborador formal do cavaquismo partidário. Ele, que nada podia saber de tal história, dizia que o que estava a dizer lhe tinha sido dito pelo presidente do partido de então. Eu apenas lhe disse que o referido não passava do primeiro dos mentirosos, em nome da razão de Estado dita cristã, mas efectivamente talleyrandesca. E mais não disse. Mostrei as provas. E com Portas, nisso e depois disso, tudo correu em delicada e bem educada relação, porque o tipo é, de facto, alguém de encantadora inteligência e de finíssimo trato. Aliás, posso dizê-lo porque nunca pertenci, em simultâneo, a qualquer partido de que ele também fosse militante.

Quanto à outra estória, basta, um dia, questionarem o Vítor Constâncio e o Eanes, para que ele expliquem a razão pela qual o governo de maioria relativa de Cavaco teve pernas para andar, graças à opção de Soares.

O mal não está na partidocracia, mas na lógica neomaquiavélica que marca todo o ritmo participativo no Portugal da decadência, onde se contam votos e onde impera a lógica do homem de sucesso, do ter razão quem vence. Até um dia lhes acontecer o fim do período de ascensão e rebentar a queda, à maneira dos presidentes de clubes de futebol, ou de bancários feitos banqueiros pela engenharia da cunhocracia. Feliz ou infelizmente, fui educado para não ter que suportar patifes desse jaez, como alguns desses travestizados de padreca que, um dia, comigo, se cruzaram institucionalmente.

Um deles chegou a visitar os meandros da prisão preventiva, mas era todo poderoso enquanto mandava e acumulava sinais distintivos de riqueza. O outro ainda continua a ir de vitória em vitória, julgando que não chegará a derrota final, pelos mesmos ferros com quem tentou matar os outros. Os dois podiam ter o mesmo nome, porque são feitos da mesma massa moluscular, para quem a política se reduz a comprar os adversários e a ameaçar os dissidentes ou opositores com os “casse têtes” do neopidismo e da traição. A grande crise-macro da partidocracia deriva precisamente de ela se ter enredado no federativismo de micropatifarias. O principal problema político é, afinal, um problema moral.
Leio aqui a explicação: Aos Judeus de Villadiego foi concedido, pelo rei Fernando III da Castela, o direito de não serem perseguidos. Havia, no entanto, uma contrapartida: tinham que usar calças (os castelhanos usavam calção), calças essas que nunca abandonavam, para garantirem os seus privilégios. Os Judeus de Burgos ou de Toledo não tinham tais privilégios e, logo que perseguidos, abandonavam tudo o que tinham e fugiam para Villadiego. Nesta localidade, ofereciam-lhes umas calças para escaparem aos perseguidores, mas com um preço: eram forçados a pagar um tributo aos Judeus locais. Em suma, tinham que continuar com as calças na mão para o resto da vida. Daqui vem também a expressão que se utiliza em Espanha e em algumas regiões portuguesas junto à fronteira espanhola.

Dez 15

Uma democracia asfixiada pela endogamia partidocrática, onde a esquerda cabe na aula magna e a direita, no kim-il-sung do portismo

Alegre começa a estreitar demais, em politiquice, aquilo que apenas parecia ser um caminho de metapolítica. Corre assim o risco de tornar-se no Adriano Moreira da esquerda, mas ainda com mais idade. O que deixa uma estreita margem de manobra a José Sócrates, porque o poeta pode conseguir os cinco por cento necessários para um futuro governo de maioria absoluta do que poderia ser a união nacional situacionista. Logo, não estamos a ver Sócrates a ter que governar com o apoio de Portas ou do PSD, a ter que engolir Alegre ou a ter que transformar todo o Bloco de Esquerda num Sá Fernandes, costizado. Se Sócrates não fosse teimoso, era capaz de dar uma golpada de mestre e não ir a votos dentro do PS, obrigando Vitorino a sair da toca da fundação, com Soares, o Mário, a ter que vingar-se das presidenciais, num jogo de gerontes com muitos velhos do restolho.
Parece que tudo se apresenta como uma sucessão de estratégicos pontos de não regresso, naquilo que a política tem de melhor nestas encruzilhadas: o prazer daquele risco de mandar tudo desafiar, sempre “entre o tudo e o seu nada”. Obrigado, Manuel Alegre! Por enquanto, eu, liberal e tudo, estou condenado a ter que votar na única coisa verdadeiramente política que ameaça apresentar-se ao eleitorado, onde, neste caso, ser vencido é afinal vencer, dado que a velha contabilidade dos cenários de Marcelo Rebelo de Sousa e das análises políticas de José Miguel Júdice não consegue meter a realidade num caixilho de cenários. Porque, crescendo a dita esquerda, nunca uma eventual vitória do PSD em maioria relativa lhe daria legitimidade, um pouco à imagem e semelhança das contas formais que, por Timor, Alkatiri continua a fazer.
A sucessão de episódios decadentistas é também assinalável pelos mais de noventa por cento obtidos por Portas num universo eleitoral onde apenas houve participação de cerca de 30% dos militantes do PP, isto é de cerca de cinco mil de gatos pingados, onde haverá pouco mais de meio milhar de activistas em circuito endogâmico, mas que correm o risco de definir o essencial da vida histórica dos portugueses desta geração. Isto é, cabem quase todos no mesmo auditório onde Alegre concentrou o “forum das esquerdas”, num espaço multitudinário bem menor do que poderá ser conseguido pelo Benfica, pelo Sporting e por Futebol Clube do Pintodacosta. Não há democracia sem cidadania e ai da democracia se for esta partidocracia a marcar o ritmo do futuro. Porque basta copiar no Bairro Alto de Lisboa o que os radicais gregos da tradução em calão do Maio 68 estão a fazer a partir da Faculdade de Direito e da Politécnica de Atenas…
PS: Não aconselho Sócrates a fiar-se na análise que, ainda ontem, ouvia do meu querido José Miguel Júdice nesse espaço da rádio pública que captei em Dili, segundo o qual tudo dependeria da baixa da taxa do Euribor, com a classe média a voltar a escolher o Zé da Covilhã como o mal menor, prometendo rodriguinhas em todos os sectores, mesmo que seja pela desertificação desinstitucional dos professores. Meu caro Zé Miguel, essa de definires a classe média como aqueles a quem está garantido o emprego é uma espécie de convite a irmos todos para a Patuleia!…

Dez 15

Um protesto liberal contra a sociedade de casino

Leio: Alguns dos maiores bancos do Mundo somam perdas potenciais na ordem de milhares de milhões de euros resultantes do alegado esquema de fraude montado pelo corretor norte-americano Bernard Madoff. O sistema piramidal de fundos de risco implementado pelo antigo presidente do Nasdaq terá criado um buraco de 50 mil milhões de dólares.

Continuo liberal, porque, como liberal, em 2002, publiquei um manual sobre a matéria onde podia ler-se:

Passámos assim a viver nas teias de uma sociedade de casino, nessa nova religião dos mercados que tem como principais activistas os descendentes dos yuppies, que vão agitando uma massa informe de devotos de um pretenso capitalismo popular, marcado pela velha lógica do enrichissez vous.

A figura dos corretores aventureiros quase ameaça substituir a dos garimpeiros e dos achadores de volfrâmio, e a realidade quase se transforma numa ficção folhetinesca de telenovela, aproximando-se de muitos dos meandros do romance de Dona Branca. Aliás, podem reunir-se, sob os holofotes televisivos, os líderes das superpotências ou do G8, bem como as cimeiras da NATO, da UE ou da OSCE, mas não se conhece o rosto dos mestres do mercado, desses novos predadores para quem os valores da justiça e da honra parecem não contar.

A este respeito, importa sublinhar que revolução dos mercados, expressa pela livre circulação dos capitais, foi precedida pelo processo da desregulação e das privatizações. Assim, o poder económico desmaterializou-se, deixando de ter como base preponderante os chamado factores de produção da teoria marxista, como eram a terra, os recursos naturais e as máquinas, e passou a assentar em factores imateriais, como o conhecimento científico, a alta tecnologia, a informação, a comunicação e as finanças.

Com efeito, deu-se uma espécie de desmaterialização de certos mercados, onde não faltam as próprias mercadorias imateriais, como os chamados futuros puramente financeiros. O impacto da desmaterialização é, aliás, particularmente patente nas chamadas indústrias culturais, dos livros, da música, das artes plásticas, do cinema e até dos próprios títulos escolares, dado que hoje podem negociar-se mestrados e doutoramentos, quase virtualmente (Capella, 1997, p. 246).

O poder, incluindo o poder económico, transformou-se numa rede de poderes. Deixou de ser uma coisa, um patrimonium, um ter, e volveu-se em relação, numa rede de muitos micropoderes, em que os novos mestres predadores e conquistadores já não são apenas os detentores do capital nem os organizadores da era dos managers, mas antes os efectivos manipuladores dos tentáculos dessa rede, principalmente os que conseguem, por todos os meios, a necessária inside information. Surgiram, deste modo, novos grupos que, escapando às anteriores formas de representação e de legitimação política e social, logo manifestaram desprezo pelo bem mais precioso de qualquer democracia: aquela informação que permite a consolidação de uma opinião crítica.

Continuando a seguir o inventário do professor de economia de Lovaina, Ricardo Petrella, num artigo célebre Les Nouveaux Maîtres du Monde, publicado em Le Monde Diplomatique, de Novembro de 1995, esses novos poderes têm, com eles, legiões de aliados e colaboracionistas, desde os quadros da tecnociência aos criadores de símbolos, onde também é marcante o conúbio entre os universitários e os opinion makers, aliás paralelo à própria entrada dos grandes media no sistema dominante.

Aliás, estes novos elementos até diferem qualitativamente dos anteriores managers ou organizadores, denunciados em 1940 por James Burnham (1905-1987), do mesmo modo se distanciando dos chamados tecnocratas dos anos sessenta. Até vieram dar uma nova dimensão à chamada investigação científica, tornando caducas as velhas estruturas universitárias, quando algumas destas ficaram dependentes das empresas e das fundações transnacionais e se libertaram dos subsídios públicos, directamente recebidos das agências estaduais ou das organizações inter-estaduais. O grupo, cada vez mais cosmopolita, até ganha algumas características de casta apátrida, encontrando-se nas mesmas escolas de formação permanente e actualizando o velho receio da sinarquia, conforme as profecias de Saint-Yves d’Alveydre (1842-1900), para quem o mundo poderia ser conquistado por um sociedade secreta que integraria uma elite de técnicos e de representantes dos banqueiros.

Já não temos as sete irmãs das multinacionais petrolíferas, das grandes famílias que dominavam o tempo de mera troca de mercadorias que marcou o auge da revolução industrial. Passámos para a sociedade da informação, onde o novo bezerro de ouro é um produto que não se consome, como acontecia com o petróleo ou a alimentação, dado que se cria pelo uso e até pode reproduzir-se pelo abuso.

Como assinala Robert B. Reich, na sua obra The Work of Nations, de 1991, as actuais empresas multinacionais já não cabem no universo concentracionário dos modelos burocráticos e centralizados, tendo constituído uma vasta rede de entidades descentralizadas, de tal maneira ramificadas pelo mundo que até já não podem receber um bilhete de identidade nacional. As empresas em causa deixaram, definitivamente, de ter pátria, até pelas participações cruzadas que se foram estabelecendo entre as que representavam as principais marcas do mercado.

O cientista e filósofo húngaro Karl Polanyi (1886-1964) em The Great Transformation, de 1944, já referia a dinâmica interna da produção em massa de mercadorias, porque voltada sobre si mesma, levou a um crescimento ilimitado das trocas e a uma autonomização incontrolada do mercado.

O chamado fim do comunismo não foi, afinal, o fim da história, dado que a vitória dos modelos ocidentais significou a consagração de um estilo de organização marcado por factores totalmente diversos daqueles que poderiam ser captados por Karl Marx ou Lenine. Em primeiro lugar, surgiu a resposta teórica keynesiana, geradora daquilo que uns qualificam como consenso social-democrata e outros, como mero socialismo de direita. Seguiu-se o exemplo do New Deal de Franklin Delano Roosevelt, assente na aliança entre o capital e o trabalho. Avançou-se, depois, no compromisso fordista. E, na Europa Ocidental, social-democratas e democratas-cristãos promoveram a instauração de um Welfare State que acabou por ser eficaz, tanto para a superação do Warfare State, como para a competição com os modelos do socialismo real, de marca sovietista.

Acontece que, com o fim do mundo bipolar, mais do que a emergência de uma só superpotência, começou a desenhar-se um nebuloso império dos grandes países ricos, fundador do Grupo dos Sete, império esse que assenta em três moedas sólidas (dollar, deutsche Mark e yen), tem, como guardas avançadas, duas ou três praças financeiras fortes, núcleo duro que, pelos recursos, pelo poder de mando e pela atracção mimética, foi controlando quase todas as principais elites dos chamados países periféricos, e navegando num mar informativo manejado por agências como a Reuters ou a Dow Jones.

Com a chegada do euro, apenas nos apetece recordar que também o dinheiro não tem pátria. Aliás, o americano dollar tem origens etimológicas no alemão thaler, começando até por ser a designação dada pelos ingleses ao peso espanhol que circulava nas possessões sul-americanas, antes de se transformar na unidade monetária norte-americana desde 2 de Abril de 1792. E foi em nome da americanização que se instituíram o deutsche Mark, gerado pela ocupação americana, e o próprio Yen japonês. As três pessoas da tríade, estão, por dentro, unidas por uma neutra perspectiva circulatória…

A humanidade, depois de 1989 e do dobrar do milénio, também não chegou ao fim da história, porque logo se sucedeu uma espécie de balkamondialisation, com o regresso das nações e até das etnias, não se confirmando a previsão de um Kenichi Ohmae, o mr. Strategy, que proclamava o fim do Estado-Nação e a chegada de uma redentora entidade maior, a que chamava Estados-Região, porque, face à emergência de um capitalismo supra-territorial, os Estados apenas exerceriam funções transitórias no âmbito da organização e da regulação económicas.

Com efeito, o ritmo da política internacional que nos passou a marcar, depois da Guerra Fria, acabou por aproximar-se de modelos típicos dos anos vinte do século passado, dado que inúmeras Nações sem Estado voltaram a emergir. Os nacionalismos, muito particularmente os etnonacionalismos, eram, afinal, brasas por extinguir, que logo se avivaram com os novos ventos da história, quando estes sopraram as cinzas dos superpowers que os proibiam. O explodir do espaço controlado pelo imperial-comunismo soviético; os problemas que o Império Britânico deixou por resolver no Médio Oriente e no subcontinente indiano; a questão do renascimento árabe; ou as guerras civis africanas, afinal, não são causas, são sintomas. Por muito novas que fossem as maravilhas do século XX, nenhuma das forças instaladas no comando do universo foi capaz de construir um desses homens novos que as mesmas, repetindo o Iluminismo gnóstico, prometiam edificar sobre a pretensa tabula rasa do homem de sempre.

A globalização económica, onde a geo-finança passou a comandar a geo-economia, ao mesmo tempo que se desenvolveram instituições globais de vigilância como o G7/G8, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, vai levar a que se assista à eliminação do modelo de Welfare State e à crise das ideologias que o geraram, da democracia-cristã à social-democracia.

O dinheiro transformou-se no mais mobilizador dos valores universais do nosso tempo e, com ele, veio uma difusa forma de corrupção, onde se compram e vendem factores de poder, pelo simples uso da inside information. Porque a sociedade contemporânea, marcada pela difusão da informação, ao criar uma hiper-informação, teve que passar a assentar em redes de circulação, logo, quanto mais a informação de difunde, mais a rede se valoriza.

O poder deixou, assim, de ser uma pirâmide e transformou-se num labirinto, onde, ao mesmo tempo que os actores da decisão se multiplicam, se torna brutalmente desigual o acesso ao que é relevante, dado que raros sabem qual o local onde as fundamentais decisões são realmente tomadas.

Dez 14

Não costumo invocar o nome liberal em vão….

Isto de escrever em linguagem que é metalinguagem, não detectável pelos que precisam de interpretadores policiescos de códigos filosofantes, quase implica que eu peça desculpa aos ilustres leitores por não vos indicar com quem ontem fui jantar, qual a cor da cadeira onde vou teclando, ou se fui à missa à catedral ou a uma capelinha perto de Motael. Para evitar alguns subentendidos que me podem colocar na categoria de mentiroso, sou assim obrigado a publicar, na íntegra, um documento que, em 23 de Setembro, enviei a quem enviei e que foi interpretado da maneira como foi interpretado por quem, se tivesse a coragem de sair do anonimato, deveria ser especialista em interpretação de textos e que agora barafusta, dizendo ter sido enganado (apenas sublinho o que tenho de sublinhar) :

Meu caro J…

Pedindo-lhe para não polemizarmos publicamente, agradeço-lhe as referências, mesmo as críticas, sobretudo, as farpas que pegam fundo. Confesso que é uma honra. Não polemizo, por enquanto, embora apetecesse. Porque precisava de um bocadinho de tempo e como estou em vésperas de ir para um breve exílio no outro lado do mundo, outras são as vacinas a que tenho de submeter-me. Tenho consulta do viajante daqui a uns minutos.

Julgo que se lembra da minha presença no Tribunal de Alcobaça em defesa do A… E se percorrer os textos que blogueei, sobre a matéria, por essa época, eles correspondem à posição última. Julgo que a primeira vez me cruzei com o P… foi num supermercado, em compras, depois de ele sair da cadeia. E conversámos, com ele a agradecer as posições que tinha tomado e manifestado pessoalmente à A…, minha querida e antiga aluna, e publicamente, no meu blogue.

De resto, as minhas coincidências de pertença institucional com o ex-ministro e actual deputado têm a ver com a República Portuguesa e mais nada. Pelo menos, que eu saiba. Mas como não faço parte das secretas organizações que tudo dizem saber, prefiro saber que nada sei.

As suas outras insinuações sobre a minha coincidência de pertenças, com os grupos e as concepções do mundo e da vida de Kant, constituem uma honra para mim. E qualquer observador pode reparar que elas até são uma das minhas bandeiras de luta, permanecentes, sem qualquer tipo de secretismo. Acresce que, em todas as organizações a que pertenço, há um lugar na Internet e em todas elas colaboro publicamente com o nome de baptismo e sem pseudónimo. A única que ninguém repara é a minha pertença directiva ao movimento cívico “Intervenção Radical”, com o Eurico de Figueiredo e o Carlos Antunes, entre outra meia dúzia de resistentes.

Quando tiver tempo, terei todo o gosto em polemizar consigo. Nas próximas semanas, estou mobilizado pelo Oriente, de onde vem a luz… do sol. Espero que me deixem ir para Timor, ensinar na Kant, na Faculdade de Direito…

Com as melhores saudações bem orientais…

José Adelino Maltez

Por outras palavras, ilustre anónimo, sou defensor de uma alínea deontológica entre magistrados que obrigue os mesmos a não serem anónimos blogueadores, usando instrumentos a que só acedem por dever de ofício. Daí manter na íntegra, que:

(1) não faço parte das secretas organizações que tudo dizem saber
(2) tenho coincidência de pertenças, com os grupos e as concepções do mundo e da vida de Kant
(3) essas pertenças são uma honra para mim
(4) e são também uma das minhas bandeiras de luta, permanecentes, sem qualquer tipo de secretismo.

Aliás, basta clicar nos nomes a quem me atribuem irmandade e que escrevem publicamente nos jornais, para todos verificarem que tanto com eles costumo polemizar, como também os tenho afrontado, bem directa e frontalmente. Não tenho culpa, absolutamente nenhuma, de, por cá, os pretensos tories não entenderem que um whig tanto pode ser girondin, como detestar neopides e jacobinos, gostar de ir à tromba ao Sebastião José e ao Pina Manique, estar disponível para desembarcar no Mindelo e ainda poder ir para a Maria da Fonte e para a Patuleia, para que, desta, se expulsem os Cabrais que vieram do Clube dos Camilos. Não costumo invocar o nome liberal em vão. Para bom entendedor, azul e branco basta.

PS: Um semanário pôs, na sua primeira página, uma frase que disseram minha, mas onde eu apenas citava uma frase da autoria de Manuel Alegre sobre o actual situacionismo. Isto é, não plagiava. Mas como se esqueceram do verdadeiro autor e apenas a espreitaram nas bancas, logo uns “comments” de corajosos anónimos me bafejaram: quem é este iluminado vindo das tumbas? ao que outro obscuro e anónimo logo respondeu que por causa da frase se tratava de uma voz anterior a mil novecentos e setenta e quatro… ! Eu nasci em mil novecentos e cinco e um e o autor da tríade denunciadora acho que era da rádio portugal livre…

Dez 14

A gente se transforma no caminho do meio, não é nem dum nem doutro

Não há nada como dar uma volta pela imprensa brasileira, para nos vermos livres destas tenazes do “agenda setting” de certo portugalório. Foi com um breve sorriso que reparámos na circunstância de Luiz Inácio Lula da Silva, na passada terça-feira ter proclamado que “quem tem 60 anos e se diz de esquerda tem problemas, e quem é jovem e se diz de direita também tem”, argumentando também que, com o passar do tempo as pessoas deixam de adotar posicionamentos radicais em relação à política. “Quando a gente tem 60 anos, é a idade do ponto de equilíbrio, porque a gente não é nem um nem outro”, disse. “A gente se transforma no caminho do meio, aquele caminho que precisa ser seguido pela sociedade”. Perante o coro de protestos que se levantou de sessentões e setentões que permanecem na esquerda e que o acusaram de camaleão, o presidente veio dizer que apenas disse uma brincadeira. Podemos concordar com todos. Ele não definiu esquerda nem direita, apenas definiu o situacionismo que gosta de dizer que não é de esquerda nem de direita, porque está acima das partes e dos partidos. Já Estaline quase tinha dito o mesmo. Tal como Salazar nunca se disse da esquerda e muito menos da direita. Aliás, o nosso fantasma, quando era militante de uma causa, num regime pluralista, apesar de imperfeito, o da I República, chegou a deputado de um partido dito do centro, apesar de católico, o qual não se eximiu de amplos elogios ao governo de António Maria da Silva, o símbolo máximo do republicanismo situacionista no pós-guerra. Por outras palavras, todos eram “bonzos”, como então se dizia de Silva, cercado por “endireitas” e “canhotos”.
Este mesmo António Maria da Silva acabou por ser derrubado pelo 28 de Maio, liderado pelo almirante Mendes Cabeçadas, um dos activistas do 5 de Outubro de 1910 e, depois, golpista contra Salazar . Mas também este acabou por ser ultrapassado por Gomes da Costa, militante dos radicais republicanos, para depois ser esmagado por Óscar Carmona, num jogo de empatas que veio a ser deglutido pelo tecnocrata Salazar que aproveitou os escombros e supendeu a política durante quase meio século, instaurando um sistema doméstico de poder, nesse paternalismo que é a melhor demonstração de regresso ao “oikos despote” das teorias aristotélicas- Lula da Silva apenas disse o óbvio, pôs em voz alta o que pensam os homens do poder. Todos tendem a abusar do poder que conquistam, mesmo que o tenham conquistado pelas virtudes da democracia. E a única maneira de o evitarmos é estabelecermos o sistema dos travões proposto por Montesquieu, a tal separação de poderes e o tal estabelecimento de contrapoderes, ou de forças de bloqueio segundo os lamentos de Cavaco quando era primeiro-ministro, o tal modelo que faz a democracia contemporânea, onde, segundo Popper, interessa menos sabermos quem manda, mas antes como se controla o poder dos que mandam, como representantes do todo. Porque até a virtude precisa de limites, conforme o eterno mestre de La Brède.   Resposta dada ao Semanário “O Diabo” sobre o que mais receio e o que mais desejo para 2007:

Entre receios e desejos, bem apeteceria responder como homem comum, e dizer de forma democrática e pluralista, tanto o “saúde e fraternidade” da I Republica, como o slogan de Fernando Pessoa, a gozar com um dos primeiros lemas do Estado Novo “tudo pela Humanidade, nada contra a Nação”. Por isso temo que o socratismo nos continue a Salazar izar, em nome de uma Europa de merceeiros mentais, que o PSD não lidere a oposição ao Bloco Central de interesses e que a autonomia da sociedade civil não assente nos homens livres da finança e dos partidos. No plano internacional, porque acredito que a Europa das liberdades nacionais e da autonomia das pessoas pode voltar a caminhar do Atlântico aos Urais, receio que não se siga a lição de Kant de 1795 e que continue esta anarquia ordenada e esta falta de ordem universal, marcada pela confusão que a república imperial que resta continua a fazer entre os sonhos da humanidade e o respectivo interesse nacional. 

Desejava mesmo que D. Sebastião não tivesse morrido, para podermos ter o verdadeiro poder dos sem poder, sem apocalipses nem teorias da conspiração. Para tanto, seria conveniente restaurarmos a “res publica”, a fim de cercarmos a coroa aberta desse império sem imperador com instituições de cidadania. Por nós, bastaria que entrássemos em verdadeira organização do trabalho nacional, partindo do respeito pela palavra dada por aqueles que têm o mérito de viverem como pensam, porque neste tempo de homens lúcidos convém ter a lucidez de continuar ingénuo. Daí exigir o regresso da justiça que sempre foi o de cada um conforme as suas possibilidades, para podermos dar a cada um conforme as suas necessidades, misturando a honra do “antes quebrar que torcer”, com a inteligência dos que não têm medo e não cedem à cobardia dos que dizem que tem razão quem vence, embora saibam que, por cá, continuam a vencer os que não têm razão.