Mataram um ditador… dizem as notícias que nos fazem recordar que a tirania é aquela forma de governo que não procura o consentimento nem a persuasão, mas a opressão e a violência, como já dizia Platão. Trata-se de um modelo que segue algumas das ideias de Xenofonte, o admirador de Esparta, que concebia, para Atenas, um governo militar. Mataram um tirano, mas continua a não haver norma universal sobre a matéria, nem sequer consenso entre os que pensam de forma racional e justa. Nestes domínios, com as esquerdas e as direitas a justificarem o sangue provocado pelos da respectiva seita, corremos o risco de não sair da espiral da violência, conforme ensinava D. Helder da Câmara, o bispo vermelho do Recife que teve a vantagem de começar pelo Integralismo brasileiro. As nossas democracias ocidentais do pós-guerra assentaram nas fotografias de um Mussolini assassinado pelos “partisans” ou na execução do poeta Robert Brasillach pela “Libertação” francesa, tal como alguns republicanos homenageram os regicidas, ou os comunistas assentaram na execução dos Romanov, ou o pós-comunismo romeno na imagem sanguinária dos Ceausescu. Em Espanha, a guerra civil tanto assassinou José António Primo de Rivera como Frederico Garcia Lorca. Por outras palavras, não há justiça se continuarmos neste círculo vicioso promovido pela história dos vencedores, onde tudo se mede pela eficácia da vitória da força. Daí que aconselhe os incautos a mergulhar nas clássicas páginas do pensamento político sobre a matéria. Especialmente neste Portugal do conde de Andeiro, de Miguel de Vasconcelos e daquela sucessão de assassinatos do século XX que nos fizeram o país mais magnicida da idade contemporânea, assim confirmando os nossos brandos costumes. Basta fazer a lista: D. Carlos, D. Luís Filipe (1908), Sidónio Pais (1918), António Granjo e Machado Santos (1921), Humberto Delgado (1965) e talvez Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa… Já S. Tomás de Aquino ensinava que tal como a lei injusta não é propriamente lei, também o tirano não passa de um sedicioso, pelo que a luta contra o tirano (aquele que utiliza o poder no seu próprio interesse e não ao serviço do bem comum) não é sedição e a resistência à tirania é legítima. Salvo se da resistência resultar maior dano que a tirania ou se a tirania for considerada como justo castigo dos pecados cometidos pelo povo. Mas a resitência é prerrogativa da comunidade que só através dos seus representantes qualificados pode cometer o tiranicídio, nunca podendo os particulares matar o tirano por sus própria iniciativa (teses contrárias à de João de Salisbúria (1110-1180) e de Juan Mariana (sec. XVI) Muito liberalmente, Locke define a tirania como o exercício do Poder para além do Direito, onde o uso do Poder não é para o bem dos que lhe estão submetidos, mas para as vantagens privadas de quem o exerce. A vontade do detentor do poder passa a regra e os comandos e acções do mesmo não são dirigidas para a presrevação das propriedades do respectivo povo, mas para a satisfação das paixões desse detentor. A tirania não afecta apenas a monarquia, mas qualquer outra forma de governo. Assim, onde o direito termina, a tirania começa. Entre nós, Fernando Pessoa, em Cinco Diálogos sobre a Tirania, refere-a como o exercício de força; de força para obrigar alguém a fazer ou não fazer qualquer cousa; que é exercida em virtude de um princípio exterior ao individualismo tiranisado; que esse princípio não é por ele aceite; e que da aplicação desse princípio nenhum benefício, mediato ou imediato, para ele resulta. Para Hannah Arendt, na tirania, o poder é destruído pela violência, onde a violência de um destrói o poder de muitos, gerando-se um Estado em que não existe comunicação entre os cidadãos e onde cada homem pensa apenas os seus próprios pensamentos e levando ao banimento dos cidadãos do domínio público, para a intimidades das suas próprias casas, exigindo-lhes que se ocupem apenas dos assuntos privados. Assim, a tirania privou as pessoas da felicidade pública, embora não necessariamente do bem-estar privado. Neste contexto, assume particular destaque a teoria do tiranicídio. Se a anterior teoria escolástica considerava que o tirano apenas podia ser morto por representantes autorizados do povo, alguns autores escolásticos vão passar a defender que ele pode ser morto até por um indivíduo isolado. Entre estes, o jesuíta espanhol Juan de Mariana (1536 1624) que, em De Rege et Regis Institutione, editado em Toledo em 1599, assume uma posição de tal modo radical, que o coloca ao lado dos próprios monarcómanos. Porque considera que só a qualificação do tirano é que não pode ser arbitrária, exigindo-se notoriedade ou prévia decisão da colectividade.O facto de ter dado como exemplo de justo tiranicidio, o assassinato do rei de França Henrique III, ocorrido em 1589, levou a que o livro fosse queimado publicamente em Paris, em 1610, na sequência do assassinato de um novo rei, Henrique IV.
(Imagem de António Granjo)