Abr 22

A Febre comemorativa

Nestas vésperas do fim desta febre comemorativa, quero recordar que há trinta anos nos vimos livres de um regime que havia sido montado por um avô autoritário, ao estilo do pai tirano, para, depois de algumas cenas de violência familiar, chegar o tempo da geração soarista do pai modernaço e “bon vivant”, muito viajado, que não tinha problemas de abrir as janelas, porque resistia às correntes de ar.
Por isso é que, a certa altura, no fim da década de oitenta, os membros da família, fartos dos laxismos desse gestor, que não gostava de ler “dossiers” e que até “meteu a ideologia na gaveta”, pediram ajuda a um tio austero, que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. E foi ele que tratou de pôr ordem no orçamento, pintou a casa e arranjou os caminhos e as cercas do quintal.
Por outras palavras, como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Porque, na prática, a teoria é outra…
Por isso é, ao encerrar-se este ciclo de comemorações, quero solitariamente protestar contra esta linguagem dos que pensam ter vencido na história e que, de cima para baixo, dos microfones do poder para a audiência dos súbditos, fingem que são ainda o contra-poder, quando se assiste a uma operação onde o poder instalado quer ser mais poder ainda, secando o discurso do contra-poder.
Não falarei em Saramago a submeter-se ao SNI dos ex-MRPPs. Nada direi sobre o populismo nacional-porreirista de Valentim. Nem sobre o sorriso da ministra Gioconda, que sempre foi acompanhante do pensante, sem nunca ter pensado. Por isso é que João de Deus Pinheiro tinha que ser a expressão deste paralelograma de forças astrais.
Não há revolução cultural possível quando o pretenso contra-poder não passa do mais extremado dos situacionismos. Filhos do iluminismo pombalista, adoradores de um catedratismo saneador, bajuladores de um positivismo serôdio, todas estas teias de aranha não conseguem ensinar ninguém a pensar.
Recordo apenas que foi precisamente há dez anos que morreu Agostinho da Silva. Morreu um pouco do mais português de Portugal, mestre de um tempo que já não há. Mas valeu a pena, Mestre. O sonho de um respublica que tem de ser, o sonho de um Portugal à solta, a memória de um tempo que há-de ser. Morreste naturalmente. No fim do teu próprio tempo.
Morreu o Mestre, mas a sua semente ficou. Morreu um português inteiro, que também era grego, romano, lusitano, medieval. O profeta, o brincalhão, o poeta, o visionário com os pés no céu e a cabeça na terra. Tentaram prender-te postumamente na teia de chatas biografias e no círculo estreito das pequenas capelinhas e rebanhos intelectuais, não compreendendo que tu foste dos poucos que não seguiram as bandeiras da guerra civil. Pairaste, como poucos, acima da direita e da esquerda. Querias um Portugal mais que Portugal. Um Portugal à solta, universal, um Portugal herdeiro de todos os impérios universais, de Alexandre, dos estóicos, do catolicismo ecuménico, franciscano, herético.
Republicano, tinhas em mente o sonho medieval de um reino republicano, onde uma coroa aberta cumulasse uma federação de repúblicas. Saudavas D. Dinis, o rei poeta, o rei lavrador, o rei das naus a haver, o rei do telúrico pinhal que nos deu naus. Sonhavas e partiste por não entenderem o que sonhavas. E partindo sempre regressaste.
Portugal não morreu ainda, mestre das antigas ordens, professor de portas abertas, pensando mais na aula do que no capítulo, como dizia Hernâni Cidade. Português de um Portugal maior que as necessárias partes em que nos vamos dividindo, para podermos participar politicamente. Português de um Portugal que foi além de si mesmo. Andavas sempre de partida. Semeaste, semeaste…

Abr 07

A Canalhocracia e a Nova Inquisição

Tendo o defeito genético de nunca haver alinhado com as sucessivas modas ideológicas que, por isso mesmo, passam de moda, cometi, há muito, o pecado de rejeitar as direitas situacionistas que nos continuam a desgovernar e a intelectualizar. Pior ainda: não costumando participar no sindicato dos elogios mútuos dos chamados intelectuais daquela direita que convém à esquerda e que mexem solitariamente a respectiva idiossincrasia de rancorosa inveja pelos bares do Bairro Alto, também aprendi a desobedecer aos rebanhos discipulares fomentados por aqueles ministros e deputados de Salazar e Caetano que aconselham e beneficiam do presente sistema.

Não admira pois que reaccionários me acusem de pedreiro-livre e que super-centristas me atribuam o qualificativo miguelista, não faltando os coitadinhos que me voltam a injuriar como da extrema-direita, quando os fascistas quimicamente puros me repudiam como democrata e as permanecentes vacas sagradas do “ancien régime” me denunciam como radical. Vacinado por toda esta diabolização inquisitorial, dos que se julgam com capacidade de transformação do nome na coisa nomeada, rir-me-ia da comédia se ela não revelasse a tragédia da nossa acaciana pequenez mental.

Também conheço o catedrático polvo que insinuou minha pertença ao “Opus Dei”, junto de altas instâncias, tal como já detectei o pindérico “formiga branca” que, perto de alguns jesuítas, semeou outras histéricas inimputabilidades sobre o meu “curriculum”, cujos pormenores continuam, aliás, “on line”, sem censuras ou revisionismos.

Ora, quem sempre repudiou o despotismo dos caceteiros apostólicos, as tácticas do devorismo, a roubalheira cabralista e a canalhocracia dos Fontes e Lucianos, tem que continuar a denunciar os bufos e legionários infiltrados na nossa pretensa intelligentzia sistémica.

A mentalidade bonza que nos continua a dominar e nos vai querendo manejar pela técnica da distribuição do subsídio e pelo cacete do controlo da informação, principalmente pelo manejo dos adjectivos inquisitoriais, afinal apenas admite que possam emergir amestradas rapaziadas de endireitas e canhotos.

Tudo se tem agravado nos tempos mais chegados, só porque cometi o crime de me ligar a um partido incómodo para o sistema. Dia a dia, tenho verificado como o rotativismo instalado da nossa partidocracia, o neocorporativismo dominante, o feudalismo desta economia privada sem concorrência e a corrupção sistémica geraram a presente democratura.

Confesso que não fui “para França” para “descobrir o poujadismo”, reconheço que, com verdade, me tenho dito e redito como um miguelista liberal, o que tem gerado a fúria dos candidatos a redactores da nova Syllabus que, ora denunciam o facto de ter participado num colóquio da Associação 25 de Abril em Grândola, ora clamam contra a circunstância de aceitar um honroso convite do Grande Oriente Lusitano, para dissertar sobre a influência da maçonaria no pensamento jurídico-político português, para, mais adiante, denunciarem que discursei a convite da Câmara Municipal do Porto sobre a presente ditadura da incompetência, ou que subscrevi um protesto dos meus companheiros do Movimento Cívico da Intervenção Radical, contra o actual processo de gestão da Procuradoria-Geral da República.
Apenas continuo a saber que os intelectuais orgânicos e idiotas úteis deste “status in statu”, defensores dos situacionismos em crise, utilizam aparentes categorias de higiénica politologia, qualificando como “poujadistas” e “populistas” todos os que, assumindo-se como da oposição, também rejeitam a alternativa oposicionista que o rotativismo do sistema oferece.
Prefiro confessar, como certo professor meu, dos tempos de Coimbra, que “neste tempo de homens lúcidos, tenho a lucidez de me saber ingénuo”.