Out 30

Corrupção: acordem, acordem! E recordem…

O resultados conhecidos da operação face oculta são inequívocos e a abstenção comentarista dos políticos, como ainda ontem foi demonstrado pelo formal oposicionista José Luís Arnaut, permitem que esse vazio seja ocupado pelos grandes jornalistas de investigação que ainda temos. Seria uma boa oportunidade para o novo ministro da justiça mostrar que voltou a haver ministro no sector.

O tipo de corrupção que marca Portugal e grande parte dos países da nossa área não consegue ser detectado pelas melhores polícias. A parte visível do “iceberg”, isto é, passível de provas, é bem mais ínfima do que as profundezas tentaculares de uma cultura laxista que nos entorpece. O combate é árduo, mas vale a pena e todas as forças políticas, morais e económicas não podem continuar a afastar-se do povo.
A corrupção significa compra do poder. Onde há quem esteja disponível para a venda e quem o queira comprar. A única forma de a vencermos está em deixarmos de reduzir o poder político a uma coisa que se conquista. O poder tem que ser visto como relação. Desde logo com um sistema de valores, comunitariamente assumido.
Se a partidocracia se desleixar, ela pode tornar-se na pior adversária da democracia. Se as areias movediças deglutirem o sistema, pouca diferença faz. O pior será se ameaçarem o regime. Governo e oposição, parlamento e presidente, todos, têm o dever de cumprir a respectiva missão. Doa a quem doer. Ainda estão a tempo! Acordem! E recordem Alves dos Reis…
Rede, “connection” e, consequentemente, desconfiança pública face ao aparelhismo directo e indirecto do estadão não podem continuar a disfarçar-se. PS, PSD, CDS, PCP e BE, com a colaboração de Belém e de São Bento, deveriam dar sinais inequívocos de justiça sem justicialismo e de moral pública sem choradinhos moralistas. Basta o sincero arrependimento.
Certa rapaziada da política e do negocismo ainda não compreendeu uma coisa óbvia: os valores que hão-de imperar são precisamente aqueles que o homem comum tem nas suas simples relações interpessoais e familiares. A moral é só uma. A que os vai vencer em autenticidade. Aquela que os maquiavélicos dizem ser da política, do ter razão quem vence, é amoral ou imoral….

Out 29

Que venha Jano, para um novo começo

A janela representa a entrada do ar e do sol, sendo o símbolo da receptividade. No caso de ser redonda, confunde-se com o olho. Se for clarabóia, com a consciência. E se for quadrada, com a terra, enquanto quadrado aberto ao que será enviado do céu. Por isso, há Jano, em latim, Janus, o deus dos começos, que sempre teve duas faces, incluindo a face oculta que, no dia em que comemoramos o 50º aniversário de Astérix, apitou parangonas não douradas, porque antes de o aparecer já tinha arguidos.

Também sem ser por acaso, anunciavam a lista, não a das páginas amarelas, mas a dos secretários de Estado. Alguns antigos alunos meus, certos amigos, muita gente competente e esforçada e sempre um Valter Lemos a estragar a partitura, para que se saliente que a fidelidade é mais importante do que a competência, mesmo a política. A análise parece óbvia: não é apenas um governo PS, é também um governo socrático. Poucos minutos depois, era Pedro Passos Coelho que se mostrava na SIC em grande entrevista, mais incisivo e menos laboratorial, mas ainda aquecendo os motores.
Apetece uma metáfora desportiva. Que o novo governo não seja o actual Sporting fingindo ser treinado pelo Jesus, mas que, na realidade, é o Queiroz do Madaíl. E que o PSD deixe de ser o Benfica do Quique Flores. Porque os sinais de ontem da Polícia Judiciária indiciam Jano. O mais antigo dos deuses romanos. O deus das transições e das passagens, um bonacheirão que representa a passagem para o futuro. Até é o deus das portas, o que preside ao começo. O guardião que abre e fecha as portas, vigiando as entradas e as saídas, porque olha para o exterior e para o interior, para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo, dado que tanto está a favor como está contra.
Aliás, Maurice Duverger, em Janus, les Deux Faces de l’Occident, de 1972, diz que a política tem as duas faces do mesmo deus. Dessa mesma origem é a designação que damos ao primeiro mês do ano, Janeiro, Januarius, o tal mês que significa a passagem de um ano para o outro. Porque, depois de 1945, à democracia liberal sucedeu uma tecnodemocracia, fundada em vastas organizações, complexas e hierarquizadas, com uma nova oligarquia que depende mais do Estado e dos estadões que na anterior ordem assente na concorrência de pequenas unidades autónomas. A polícia também sabe. Tal como o deve saber a boa equipa que Alberto Martins levou para a chamada administração da administração da justiça. Já chega de treinadores de bancada, joguem e esfolem-se, até ao tempo suplementar. Acabemos com a era dos empates e com os árbitros que jogam.

Out 28

Spoil system

É evidente que num país onde até os concursos públicos são com fotografia, isto é, antes de o serem já o eram, vai agora ser indisfarçável a confirmação da vigência dospoil system, segundo o qual to the victor belongs the spoils. Porque todos entendem o poder como uma coisa, passível de conquista, ou como uma posição onde, segundo Oliveira, o Salazar , o essencial do poder é procurar manter-se. Aqui, o poder continua a não ser estratégia e relação, mas uma coisa que se joga e, logo, que se ganha e que se perde. Parafraseando António Guterres, não apenas jobs for the boys, como também abundam os boys for the jobs. Se o chefe do manda quem pode, obedece quem deve, ainda é simbolizado pelo S de um cinto, o discurso de justificação continua a proclamar que a mesma letra representa o serviço, sacrifício, porque o imolado é o mesmo de sempre, um tal de .  O rotativismo monárquico era mais austero. O chefe do governo costumava ser o antigo presidente do Crédito Predial, lugar para onde ia o dissolvido, feito chefe da oposição e nos mais recônditos lugares do reino até havia dois carteiros-funcionários que se substituíam conforme a dança do cimo: um regenerador e outro progressista. Nalguns casos até se subsidiavam mutuamente, segundo o ritmo da velha fraternidade dos subsidiados pela cunha  e pela partidocracia. Aqui, nem todos comiam tudo. Ficavam uns restos para a caridadezinha dentro do sistema do spoil. PS: O discurso é de 1832, mas de um senador nova-ioquino. Cá no reino, na mesma época, eram conhecidos como os devoristas. Eis o texto e o contexto: When they are contending for victory, they avow the intention of enjoying the fruits of it. If they are defeated, they expect to retire from office. If they are sucessful, they claim, as a matter of right the advantages of sucess.They see nothing wron in the rule, that to the victor belongs the spoils of the enemy.

Out 27

quando o sol outonal nos aquece a tarde

Quem me dera ter, todas as semanas, motivo para temas como os de Deus e dos Homens, brasas que avivem o belo dos combate das e pelas ideias. Infelizmente, como não sou dilecto membro de um qualquer rebanho eclesiástico, nem disponho da mobilizada revolta de certos ateus e agnósticos, fico, muitas vezes, sem representante no ringue maniqueísta onde Jeová e Marx se insultam, puxando as barbas ao argumento. Infelizmente, prefiro ter a nostalgia do panteísmo estóico, bem como a energia semeadora daquele humanismo renascentista e iluminista que, no século XIX, se assumiu como liberal e, ainda hoje, não cedeu aos passos ditos em frente dos regressos ao socialismo, ao marxismo e aos milenarismos gnósticos, sempre com a desculpa da revolução por fazer, a caminho do abismo. Porque quando o sol outonal nos aquece a tarde, apetece mesmo que o tempo não passe e que os raios da vida nos façam chegar à eternidade, mesmo quando sofremos a agrura de aturar certos emplastros que, na gaiola dourada dos seus prémios de carreira pelo servilismo, chegaram a eurodeputados e, de vez em quando, nos mandam sentenças empacotadas pelo correspondente da televisão pública. Ainda por estes dias, dois deles, depois de assistirem a um qualquer colóquio, nos queriam ensinar o que devia ser a universidade. Um, que, toda a vida, foi empregado e doutorado em empregomania, depois de ser ministro e ter voltado a presidente de um dos nossos institutos públicos de formação de empregados, dizia ter ouvido de um qualquer húngaro, que o destino da universidade era deixar de formar empregados e tratar de formar empresários, enquanto a outra, também despedida por má ministra, dizia que devia haver mais verbas para ela e os camaradas que com ela engenheirizam. Desliguei o aparelho pelo indecente e pelas más figuras. Preferi recordar que ainda há dias, em dia dito de mudança da hora, houve uma hora que não foi tempo e, nesse intervalo, senti que podia voltar a ser eternidade. Pelo menos, ganhei coragem para reler a fundo um dos mais desconhecidos criadores literários portugueses da segunda metade do século vinte, o visiense pintor de Moçambique, António Quadros de baptismo e João Pedro Grabato Dias de pseudónimo, autor desse provocante texto dito “Quybyryadas”, de 1972, que, nem por ser da esquerda anticolonial, conseguiu varar as fronteiras do pensamento oficial dominante dos programas oficiais que nos proíbem o ser. Leiam a dissertação de doutorado de Murilo da Costa Ferreira, de há dois anos, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e releiam estes versos sobre quem, na verdade, sou: Meu bisonho maltez, pobre ganhão/ bruto pastor igual às alimanhas/ que nem falar humano a ocasião/ te ajudou a apurar. Quase lhe acontece o mesmo que ao arquitecto Pancho Guedes, tal como a muitos outros ditos malditos, só porque os topógrafos desta detecção de qualidade têm as máquinas avariadas e não conseguem ver um boi à frente dos óculos embaciados. Porque continuamos a repetir as análises daquele esterco feito deputado da primeira Assembleia Nacional que, do alto de São Bento, qualificava Fernando Pessoa como um falhado da literatura. Continuamos a ser embalados pelos discursos de música celestial dos cadáveres adiados, procriadores de tachos e bajulação, que os dicionaristas do regime elevam às alturas comemorativas das alianças de conveniência com o ministerialismo que toma posse.

Out 26

Como se matam vários coelhos com um só sofisma…

Os que, desajeitadamente, se assumiram como mensageiros fundamentalistas do rebanho foram naturalmente desautorizados pelos pastores. A propaganda populista, herdeira do caceteirismo e dos salazarentos, em ritmo de coloquialismo rasca, não se coaduna com a media via eclesiástica que, apesar de beneficiar do impulso, prefere fingir que não é extremista. Entre Saramago e os teólogos sucederam-se espectaculares empates. Nenhum venceu nem perdeu, porque ambos não queriam senão um pretexto para o reforço da fé que cada um dos espectadores, auditores e leitores tinha antes dos jogos verbais. Até porque cada um dos contendores iria naturalmente proclamar que não tinha fé na própria fé do outro, assim eliminando espaço para outras concepções do mundo e da vida. Destaco a malandrice argumentativa do padre Carreira das Neves contra o velho marxista, quando este deixou que o teólogo lhe espetasse a etiqueta de estoicista, assim matando vários coelhos com um só sofisma, conforme a técnica de enredo da velhice dos padres eternos. A subliminar inserção do marxismo saramaguiano numa corrente do humanismo clássico, a que vai do estoicismo ao iluminismo, com o processo a Damião de Góis pelo meio, é tão escolástica quanto o reconhecimento, pelo romancista, de estar encharcado de valores cristãos. Tão sincreticamente confusas quanto a posterior confissão do revisionismo católico. Serve para misturar marxismo e cristianismo e para demonizar estóicos, renascentistas e iluministas. Mas como todo o mundo é mudança, reconheçam-se as mudanças de todos. Porque o Padre Carreira confessou o óbvio: Roma, e ainda bem, alterou a posição sobre a Bíblia há menos de cem anos, e só por estes dias é que começou a ser editado um texto ecuménico, mas ainda sem a plenitude dos cristãos, nomeadamente dos ortodoxos. Roma continua a deixar dizer que os estóicos ainda são de antes do ano zero, que os humanistas ficaram todos tridentinos e que o iluminismo não passa da caricatura jacobina, vestida de Combes e Afonso Costa. Os pequenos aprendizes de Torquemada, de ambos os lados da barricada, até poderão exercitar-se com os inúmeros traços heréticos e processualizáveis que escondo neste exercício textual, cheio de calhaus que atiro às bestas do costume. Mas quando uma questão de transcendente, em torno do Livro, do volume da lei sagrada, como supremo livro da tradição, independente de qualquer religião revelada, se torna paixão da opinião pública, há que louvar os desencadeadores de uma polémica que subiu às alturas do largo da praça e impregnou os profanos que todos somos, mesmo com intervalos de sagrado. Os afectos e os intelectos, assim eriçados pela autenticidade, deixam boa nostalgia, contra os cinzentismos oportunistas destes dias que nos encarquilham em niilismo. Não esqueço a ficha saneadora de Saramago nos tempos em que era inquisidor e muralha de aço do companheiro Vasco, mas subscrevo simbolicamente o respectivo programa de direito à dissidência e à heresia, emocionando-me em adesão aquela confissão patriótica, esse lugar comum entre adversários que me salgou a face, pelo telúrico de uma comunidade de coisas que se amam que talvez seja uma religião secular, herdada do romantismo.

Out 25

Começamos a ser todos coveiros do regime, porque obedece quem não deve e manda quem não pode

Disse, há dias, que hoje não ia à procissão da homenagem, segundo aquele novo catecismo que é tão velho quanto as coisas velhas que sempre foram antiquadas. Prefiro respirar neste verbalismo de símbolos que, tendo um motivo existencial de revolta, pretende apenas ascender ao categorial, para que cada um fixe a metáfora num dos muitos lados que nos vão pesando em servidão. Nem tenho que dizer das razões deste permanecente concentracionarismo, feito feira de vaidades. Basta notar que há uma natureza das coisas e, por dentro das coisas, é que as coisas realmente são. Ponto final. Com parágrafos seguintes. Até podemos peregrinar por outros sítios do mesmo “pagus”. Basta notarmos como presidente Cavaco está a recuperar: o assessor de imprensa subiu na escala hierarca das honrarias de Estado, as sondagens já lhe dão recuperação, o sorriso do enigma já venceu o ritual do tabu. Também o processo Casa Pia comemora o quinto aniversário da sua dilatória e legalíssima falta de leitura de um conjunto de estudos editados em meados do século XX pela Ordem dos Advogados, do tempo dos Adelino da Palma Carlos, quando se fazia o cruento retrato do tempo que afinal seria prospectivo… Uma tal de administração da justiça anterior à chegada à pasta de Manuel Rodrigues e que agora é de quem continua sem dizer nada… E depois há sempre parelhas que se passeiam em música celestial. Um e o outro, como o Dupont e Dupond. Os tais que vieram do mesmo sítio mental e sociológico, mesmo que as arestas do quadrado pareçam fazê-los em não coincidência. Que se cruzaram, em memórias, numa casinha da Rua de D. Pedro V, onde o colega de gabinete de um deles dava repastos espirituosamente vivos aos seus colegas de menos posses, e mais poses, quando já havia imagem, sondagem e sacanagem. Como todo o agora deste pantanal. Uma parelha que é paradigma de muitos mais uns e outros, que nada tiveram a ver com a libertação ocorrida em 25 de Novembro de 1975. Que um estava bem longe, por ter sido dignitário da coisa que felizmente já não há, desfeita em apodrecimento, por durar e durar em provisório. Que outro, mero familiar da mesma coisa, não tinha seguido o recuo de Cunhale estava na vanguarda do golpe contra a democracia pluralista, simbolizada por Ramalho Eanes e Melo Antunes. A parelha em causa, sem ser em ficção, pode ter o monopólio da palavra e, em certas secções do aparelho do poder, até o monopólio do poder, só porque uns e os outros fingem que são irmãos-inimigos, quando efectivamente sempre estiveram aliados na intolerância, no fanatismo e na persiganga. Nunca direi seus nomes inteirinhos, até porque não interessa, a não ser no simbólico. Até nem os direi quando voltar a haver vergonha, mesmo que não venha a justiça. Prefiro que os idiotas úteis não percebam a finta em que caíram, só porque puxa por eles aquela pretensão de honrarias, as tais que duram tanto como o bafo de vindicta. Ainda há verdadeiros exemplos do século do dogma. Que um silenciou assassinatos políticos de adversários e ainda continua a invocar as teorias bafientas da razão de Estado, dos segredos do dito, e do realismo que o pariu, com milhares de mortos nas encruzilhadas da ditadura dos factos. O outro, pensando que o não subscreve, apenas pensa que é a história que faz o homem, em sucessivos revisionismos do pretenso sucesso de vencedores, mesmo que pareçam o que não são, um quarto de hora antes do vazio infinito, do infinito que nunca procuraram. Ambos poderiam ser as duas faces de Jano, neste comemorativismo coveiro do regime. Aquele que continua a dizer que manda quem pode, obedece quem deve. Ele, o senhor ninguém, é que manda mesmo. O súbdito que o quer ser, apenas obedece e agradece, unidimensionalmente. Entre um jacobino dito de esquerda e um jacobino dito de direita, a revolta dos que são fiéis aos mortos do 25 de Novembro de 1975. Que não são apenas mero dano emergente, mero efeito colateral, para que, depois de esquecidos, se continuem os desmandos dos regicidas de praça públicas, ou dos silenciosos democidas de alcatifa. São todos daquela velha classe hegemónica capitaleira que quer continuar o genocídio social da injustiça. E todos eles somos nós. Cadáveres adiados que não procriamos nem nos vemos ao espelho.

Out 23

Depois da vindima e das uvas pisadas, saiu aguapé prás castanhas por provar

Ainda ontem, a quente, mas sem castanhas, enquanto o Benfica marcava aqueles golaços, foi-se sabendo a lista dos escolhidos de Sócrates e pediram-me um comentário. A nova equipa velha tem alguma gente minha amiga e companheira de geração em quem confio, até antigos alunos, mas é minha adversária na opção política global, embora muitos comungam de valores essenciais que perfilho. Como Portugal tem necessidade que eles não falhem, tenho algumas expectativas, mas pouca fé. Até porque votei claramente na ruptura face a essa opção socrática

Quando o Benfica marcava o primeiro golo, anunciava-se governo novo, com as velhas aduelas do núcleo duro socrático cedendo ao dinamismo da democracia de opinião, pelo afastamento daquelas ministerialidades que mais tinham sido malhadas pelas forças vivas sectoriais, à excepção da derrota do grupo de pressão do Conselho de Reitores das universidades, da inevitável surpresa dos militares e do potencial milagre da pacificação da justiça, com o ex-ministro guterrista da reforma do Estado.
Por outras palavras, as vozes comunitárias chegaram ao Largo do Rato, que logo respondeu com o reforço do feminino e o destaque para pessoas tituladas nas áreas humanísticas da literatura, filosofia e música e aposta de doutorados em gestão na agricultura e no nó górdio dos grandes projectos. Porque tem de acabar a era da “imagem, sondagem e sacanagem”, com mais sociedade em autonomia e mais sadia institucionalização dos conflitos.
Por outras palavras, Sócrates II espera que as corporações dos contestários sociais lhe dêem um tempo de expectativa, enquanto estas devem receber boa fé, sem propaganda nem manha. Isto é, vamos viver um interregno, para o urgente armistício orçamental e para o próximo regresso da alta política, com o PSD a restaurar-se e Cavaco Silva a repensar-se, recuperando a plenitude da confiança pública.
Porque o PSD não pode continuar mero repetidor dos gritos reivindicativos da sociedade, da comunicação social e das minas e armadilhas de algumas parangonas judiciárias. Logo, dada a inelasticidade ideologista do PCP e do BE, o PSD tanto não pode ser mera voz tribunícia de “clusters” oposicionistas, função típica do CDS, como tentar-se pelo bloco central de interesses de um rotativismo que, por vezes, se confundiu com a nostalgia do cavaquismo sem Cavaco.

Out 22

Arcontes, areópago e democracia, neste tempo em que os senadores passam a gerontes

O Ilustre Conselheiro, mas de Estado e de Cavaco, Marcelo Rebelo de Sousa, na véspera do Conselho Nacional do PSD, foi aos “gatos” dizer que não gosta de ringue nem de boxe. Diz preferir um conselho de gerontes a um conselho nacional. Todos reconheceram que ele sabe como poucos conquistar e manter o poder, sobretudo num tempo onde quem tem o poder concentracionariamente é quem tem o monopólio da palavra. Porque o chefe é o único que fala e ele é chefe integral se puder dizer, do vassalo, mentiras descaradas, negando-lhe o direito de audiência prévia e propalando, com má fé, registos truncados e indecorosos. E quem lhe diz que sim assume colectivamente a infâmia. Não é assim que o povo pode ser quem mais ordena.

Talvez importe recordar os tempos pré-democráticos de Atenas. Quando a aristocracia ateniense dos eupátridas substituiu a realeza e se instituiu um magistrado eleito, o arconte, de nomeação vitalícia, que tinha a anterior autoridade do rei, mas que era responsável perante os respectivos eleitores.
Aliás, durante a fase monárquica, entre os magistrados, para além do rei (basileus) que preside aos sacrifícios, há o polemarca, que dirige as operações militares, e o arconte propriamente dito, o que administra a justiça. Os três eram conhecidos como arcontes.
Passam, depois, a ser escolhidos por dez anos, sendo ajudados por seis outros magistrados, constituindo estes nove o colégio dos arcontes. Numa primeira fase são apenas sorteados, mas, apartir de 487-486 a.C. são formalmente eleitos.
Cabe a Sólon instituir o areópago para substituir o colégio dos arcontes. Com Clístenes, é instituído um segundo conselho, a boulè dos Quinhentos que, a partir de 461 a.C., retira muitas funções ao areópago, o qual fica reduzido a mera missão religiosa e de salvaguarda das instituições. Os adversários da democracia defendem de tal maneira o revigoramento da instituição que passam a ser conhecido comos os areopagitas. Voltarmos ao tempo de há vinte e cinco séculos é mau culto que se presta aos fundadores e mera antropologia ultrapassada, em torno dos chamados primitivos actuais.

Out 21

Embebedei-me de metafísica e descobri muitas semelhanças entre Saramago e a Irmã Lúcia…não é ironia, mas justeza meritocrática

Alguém pode ter vergonha de ter algum outro como compatriota. E até aceitar que, a coberto da liberdade de expressão, se emitam palavras que a mesma liberdade de expressão permite qualificar como imbecilidades e impropérios. Mas nunca um excelente eurodeputado sobre outro cidadão europeu, por acaso, um dos nossos mais excelentes escritores, que até vai ser imortalizado na Casa dos Bicos. Uma das consequências da liberdade religiosa é o direito à manifestação do ateísmo. Isto é, não deve ser proíbido, ou condicionado, o discutir Deus, tal como deve haver estímulo à procura do infinito e logo de Deus e dos deuses. O progresso é crescer para cima e para dentro. O homem é o único animal que sabe que vai morrer e que pode escolher entre Deus e o Diabo… Há uma pequena bíblia da religião secular de Portugal emitida no século XX, a “Mensagem” de Fernando Pessoa. Tal como os outros livros sagrados, há que ter altura simbólica para a interpretar. Desmistificar nunca foi de-mitificar. Até Saramago não consegue ser interpretado por ele próprio. É a outra face da moeda do segredo da irmã Lúcia. E estão os dois na mesma altura do metafísico… Diabo, do grego diabolos, isto é, aquele que separa. Etimologicamente, aquele que separa um homem face a outro homem e aquele que o separa de Deus. Não é o diabo-papão dos catecismos, mas aquela escolha que a nossa liberdade permite fazer, ao contrário do que acontece aos restantes animais. Só os homens têm Deus e o Diabo. E às vezes, quem quer ser anjo é que mais depressa se torna diabo, porque escolhe organizadamente o mal pelo mal, através de uma decisão moral. Pobre Lobo, nunca praticou genocídio e democídio…

Out 20

Prós e Contras

TERÇA-FEIRA, 20 DE OUTUBRO DE 2009

Prós e Contras: O Futuro de Portugal

«(A sociedade portuguesa) é obscena em produzir e exibir indecorosamente uma abundância sufocante de mercadorias, ao mesmo tempo que priva largamente as suas vítimas da satisfação de necessidades vitais; obscena em atulhar-se a si própria de bens, enquanto as latas dos seus desperdícios envenenam o mundo dos explorados; obscena nas palavras e nos sorrisos dos seus políticos; obscena nas suas orações, na sua ignorância e na sabedoria dos intelectuais que tolera». (Herbert Marcuse)

Hoje (19 de Outubro) debateu-se o futuro de Portugal. O debate moderado por Fátima Campos Ferreira contou com a presença de seis convidados: António Marinho Pinto (Bastonário da Ordem dos Advogados), António Saraiva (CIP), José Adelino Maltez (Educação), Fernando Ulrich (BPI), Júlio Pedrosa (Educação) e Fernando Nobre (AMI).

Um debate sereno e aparentemente muito consensual, sem grandes divergências de fundo: todos os participantes estavam de acordo quanto à necessidade de o próximo governo de José Sócrates poder governar durante os quatro anos de legislatura para fazer face aos desafios que a crise económica coloca, nomeadamente a resolução dos problemas do desemprego (9,1 %) e da pobreza. A crise ainda não terminou e, por isso, é necessário que o governo tenha estabilidade e saiba negociar e ceder quando necessário para não criar uma situação de ruptura com as oposições e as organizações da sociedade civil (Fernando Ulrich). A superação da crise constitui um imperativo nacional e todos os portugueses devem ser mobilizados para ajudar o governo a superá-la: os resultados eleitorais indicam que os portugueses desejam compromissos entre as forças políticas, tendo em vista a superação da crise. A crise exige que se estabeleça uma agenda de prioridades: arrumar o tecido empresarial português (António Saraiva), apoiar as empresas que souberam criar empregos e preparar-se para as exportações (Fernando Ulrich), acabar com a hipocrisia e combater a corrupção (Adelino Maltez), valorizar o trabalho e não apenas o capital (Marinho Pinto), combater a pobreza (Fernando Nobre) e a desertificação (Adelino Maltez) e, acima de tudo, ter coragem para implementar reformas da justiça (Marinho Pinto). Além do combate à pobreza e à corrupção como estratégia de desenvolvimento económico, a reforma da justiça foi a prioridade que mereceu mais atenção. Em Portugal, a justiça funciona muito mal e este disfuncionamento irracional da justiça bloqueia a próprio desenvolvimento económico, social e cultural. A existência de sindicatos nas magistraturas constitui uma anomalia (Marinho Pinto), não só porque os magistrados se comportam como divindades (Marinho Pinto) ou vacas sagradas (Adelino Maltez), mas também porque os sindicatos esquecem que as magistraturas são órgãos de soberania que devem respeitar os outros poderes do Estado – o executivo e o legislativo -, sem terem uma agenda política própria. A guerra civil que opõe os magistrados ao Estado deve ser debelada, através da implementação de novos modelos susceptíveis de submeter os magistrados a uma avaliação não-corporativista. No fundo, se os magistrados se comportam como vacas sagradas, como disse Adelino Maltez, é necessário dessacralizar o seu poder e o modo de funcionamento do sistema judicial. A cultura da responsabilidade, do rigor, da transparência e da competitividade deve ser fomentada em todas as esferas da vida nacional.

Júlio Pedrosa reformulou a questão do futuro de Portugal em termos de definição do tipo de sociedade em que queremos viver. Esta reformulação implicou o surgimento de divergências. Geralmente, as pessoas dizem desejar conservar o modelo social, mas, como observou Fernando Nobre, a crise que ameaçou colapsar o mundo exigecorrecções substanciais do sistema capitalista, até porque o modelo neoliberal de economia de mercado confiante nas suas próprias virtudes internas caminhava numa direcção contrária ao modelo social europeu. A sociedade portuguesa é obscena em produzir pobreza e miséria crescentes e em agravar as desigualdades sociais e a exclusão social(Fernando Nobre). Coube a Fernando Ulrich e a Júlio Pedrosa fazerem a apologia do “regime democrático” estabelecido, alegando que a sociedade portuguesa progrediu muito depois do 25 de Abril. Porém, ninguém duvida disso: o que foi lamentado é o facto da sociedade portuguesa não ter sabido resolver os seus problemas sociais. A pobreza é um facto visível. A questão do optimismo e do pessimismo não pode ser colocada em termos abstractos: Fernando Nobre confessou que era um optimista informado – muito preocupado com as mudanças climáticas – e Adelino Maltez afirmou que precisamos de factos e não de discursos hipócritas. Para resolver os problemas estruturais da sociedade portuguesa, precisamos mudar de atitude e institucionalizar o conflito(Adelino Maltez), ou melhor, mudar de paradigma (Fernando Nobre). O combate à pobreza que se instalou no Norte, talvez devido às políticas centralistas, pode ser encarado como uma estratégia de desenvolvimento nacional, na medida em que visa aumentar o mercado interno. Porém, as associações empresariais não querem aumentar o salário mínimo nacional (António Saraiva): os empresários portugueses comportam-se como patrões (Adelino Maltez) e não como criadores de empregos, comportamento este que justifica a valorização do trabalhodefendida por Marinho Pinto. A economia de mercado precisa de correcções e de regulações: eis a lição da actual crise económica que não pode ser esquecida. O governo deve mobilizar os portugueses em torno de causas nacionais, uma das quais é precisamente a mudança de paradigma social. Regulação da economia, repovoamento do território, reflorestamento, preocupação ecológica, nova cultura empresarial, nova cultura do trabalho, descentralização, regionalização, preocupação com a qualidade da educação, aproveitamento das nossas riquezas marítimas, turismo diversificado, luta contra a pobreza e a corrupção, fortalecimento da agricultura e do tecido industrial, autonomia energética, aprofundamento das nossas ligações culturais com as zonas do mundo que falam e pensam em português, enfim maiorracionalização: eis algumas propostas de mudança social que podem mobilizar os portugueses.

J Francisco Saraiva de Sousa