TERÇA-FEIRA, 20 DE OUTUBRO DE 2009
Prós e Contras: O Futuro de Portugal
«(A sociedade portuguesa) é obscena em produzir e exibir indecorosamente uma abundância sufocante de mercadorias, ao mesmo tempo que priva largamente as suas vítimas da satisfação de necessidades vitais; obscena em atulhar-se a si própria de bens, enquanto as latas dos seus desperdícios envenenam o mundo dos explorados; obscena nas palavras e nos sorrisos dos seus políticos; obscena nas suas orações, na sua ignorância e na sabedoria dos intelectuais que tolera». (Herbert Marcuse)
Hoje (19 de Outubro) debateu-se o futuro de Portugal. O debate moderado por Fátima Campos Ferreira contou com a presença de seis convidados: António Marinho Pinto (Bastonário da Ordem dos Advogados), António Saraiva (CIP), José Adelino Maltez (Educação), Fernando Ulrich (BPI), Júlio Pedrosa (Educação) e Fernando Nobre (AMI).
Um debate sereno e aparentemente muito consensual, sem grandes divergências de fundo: todos os participantes estavam de acordo quanto à necessidade de o próximo governo de José Sócrates poder governar durante os quatro anos de legislatura para fazer face aos desafios que a crise económica coloca, nomeadamente a resolução dos problemas do desemprego (9,1 %) e da pobreza. A crise ainda não terminou e, por isso, é necessário que o governo tenha estabilidade e saiba negociar e ceder quando necessário para não criar uma situação de ruptura com as oposições e as organizações da sociedade civil (Fernando Ulrich). A superação da crise constitui um imperativo nacional e todos os portugueses devem ser mobilizados para ajudar o governo a superá-la: os resultados eleitorais indicam que os portugueses desejam compromissos entre as forças políticas, tendo em vista a superação da crise. A crise exige que se estabeleça uma agenda de prioridades: arrumar o tecido empresarial português (António Saraiva), apoiar as empresas que souberam criar empregos e preparar-se para as exportações (Fernando Ulrich), acabar com a hipocrisia e combater a corrupção (Adelino Maltez), valorizar o trabalho e não apenas o capital (Marinho Pinto), combater a pobreza (Fernando Nobre) e a desertificação (Adelino Maltez) e, acima de tudo, ter coragem para implementar reformas da justiça (Marinho Pinto). Além do combate à pobreza e à corrupção como estratégia de desenvolvimento económico, a reforma da justiça foi a prioridade que mereceu mais atenção. Em Portugal, a justiça funciona muito mal e este disfuncionamento irracional da justiça bloqueia a próprio desenvolvimento económico, social e cultural. A existência de sindicatos nas magistraturas constitui uma anomalia (Marinho Pinto), não só porque os magistrados se comportam como divindades (Marinho Pinto) ou vacas sagradas (Adelino Maltez), mas também porque os sindicatos esquecem que as magistraturas são órgãos de soberania que devem respeitar os outros poderes do Estado – o executivo e o legislativo -, sem terem uma agenda política própria. A guerra civil que opõe os magistrados ao Estado deve ser debelada, através da implementação de novos modelos susceptíveis de submeter os magistrados a uma avaliação não-corporativista. No fundo, se os magistrados se comportam como vacas sagradas, como disse Adelino Maltez, é necessário dessacralizar o seu poder e o modo de funcionamento do sistema judicial. A cultura da responsabilidade, do rigor, da transparência e da competitividade deve ser fomentada em todas as esferas da vida nacional.
Júlio Pedrosa reformulou a questão do futuro de Portugal em termos de definição do tipo de sociedade em que queremos viver. Esta reformulação implicou o surgimento de divergências. Geralmente, as pessoas dizem desejar conservar o modelo social, mas, como observou Fernando Nobre, a crise que ameaçou colapsar o mundo exigecorrecções substanciais do sistema capitalista, até porque o modelo neoliberal de economia de mercado confiante nas suas próprias virtudes internas caminhava numa direcção contrária ao modelo social europeu. A sociedade portuguesa é obscena em produzir pobreza e miséria crescentes e em agravar as desigualdades sociais e a exclusão social(Fernando Nobre). Coube a Fernando Ulrich e a Júlio Pedrosa fazerem a apologia do “regime democrático” estabelecido, alegando que a sociedade portuguesa progrediu muito depois do 25 de Abril. Porém, ninguém duvida disso: o que foi lamentado é o facto da sociedade portuguesa não ter sabido resolver os seus problemas sociais. A pobreza é um facto visível. A questão do optimismo e do pessimismo não pode ser colocada em termos abstractos: Fernando Nobre confessou que era um optimista informado – muito preocupado com as mudanças climáticas – e Adelino Maltez afirmou que precisamos de factos e não de discursos hipócritas. Para resolver os problemas estruturais da sociedade portuguesa, precisamos mudar de atitude e institucionalizar o conflito(Adelino Maltez), ou melhor, mudar de paradigma (Fernando Nobre). O combate à pobreza que se instalou no Norte, talvez devido às políticas centralistas, pode ser encarado como uma estratégia de desenvolvimento nacional, na medida em que visa aumentar o mercado interno. Porém, as associações empresariais não querem aumentar o salário mínimo nacional (António Saraiva): os empresários portugueses comportam-se como patrões (Adelino Maltez) e não como criadores de empregos, comportamento este que justifica a valorização do trabalhodefendida por Marinho Pinto. A economia de mercado precisa de correcções e de regulações: eis a lição da actual crise económica que não pode ser esquecida. O governo deve mobilizar os portugueses em torno de causas nacionais, uma das quais é precisamente a mudança de paradigma social. Regulação da economia, repovoamento do território, reflorestamento, preocupação ecológica, nova cultura empresarial, nova cultura do trabalho, descentralização, regionalização, preocupação com a qualidade da educação, aproveitamento das nossas riquezas marítimas, turismo diversificado, luta contra a pobreza e a corrupção, fortalecimento da agricultura e do tecido industrial, autonomia energética, aprofundamento das nossas ligações culturais com as zonas do mundo que falam e pensam em português, enfim maiorracionalização: eis algumas propostas de mudança social que podem mobilizar os portugueses.
J Francisco Saraiva de Sousa