SAPO Notícias: Que diferenças encontra entre o discurso de 2005 e o discurso de ontem?
Interessa-me menos o texto e mais o estilo. Menos a racionalidade das palavras e mais a emoção que ele transmite. Sempre foi assim. Cavaco teve três maiorias, duas das quais absolutas, uma vitória esmagadora numas presidenciais, sempre com o mesmo estilo. O estilo “subir a coqueiros”, enérgico, e depois o estilo dramático. O que ele quer transmitir é ser um referencial que segurança e estabilidade.
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SAPO Notícias: Ainda assim, no discurso de 2006 Cavaco Silva exaltou a cooperação estratégica e ontem deixou alguns recados ao Governo. |
Estamos numa recandidatura e ele falou “de trono”, porque no fundo os portugueses porque no fundo os portugueses querem um sucedâneo de monarquia. Era muita mais republicano só haver um mandato, 7, 8 anos. Desconfiamos sempre dos primeiros mandatos dos presidentes, porque estão sempre a fazer o jogo para ser reeleitos. Só nesse segundo mandato é que revelam a sua verdadeira face. Veja-se no caso concreto de Mário Soares, quando começou a atacar o governo de Cavaco, antes disso foi apoiado pelo próprio PSD de Cavaco. Os presidentes que se recandidatam dizem “O meu partido é Portugal”, se estão lá em cima não precisam de outdoor.
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[Comentário de Nuno ]
Foi um discurso de quem já se considera o próximo Presidente? |
De quem vai fazer uma campanha acumulando as funções de Presidente. Ele passa a ser Fernando Pessoa, tem um heterónimo candidato e outro Presidente na plenitude até Março. Não pode apagar essa outra parte. Foi um discurso do máximo situacinismo, nunca houve um candidato tão situacinista como este na República. 10 anos como Primeiro-Ministro, 5 anos como Presidente. Somos a geração Cavaco.
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[Comentário de Sérgio Oliveira ]
Um grande abraço ao Prof Maltez, um dos melhores professores que tive no ISCSP. O que fica de decisivo e inovador no primeiro mandato de Cavaco Silva? |
Cooperação estratégica do chamado rotativismo. Isto teria começado com o máximo de desejo do Cavaco se o Eduardo Catroga tivesse chegado a acordo com o Teixeira dos Santos em relação ao Orçamento. Por ironia do destino, porque foi Cavaco Silva que ascendeu a líder do PSD acabando com o Bloco Central e é Cavaco quem vai provavelmente restaurar o Bloco Central 25 anos depois.
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SAPO Notícias: Falou da “geração Cavaco”. Para quem falou ontem Cavaco Silva? |
A política em Portugal é a coisa mais simples do Mundo. Há um milhão de eleitores que não é de esquerda, nem de direita, nem do centro, que ora vota PS ora vota PSD. Esses é que o podem ser reeleito imediatamente. Ele falou para esses. Falou um bocadinho também para aquilo que sempre o levou a ter êxito, para a sociologia de esquerda. Há uma fatia que sempre votou nele. Na anterior candidatura ele passeou-se com um ministro do Partido Comunista, Veiga de Oliveira. Era um ministro do PC nos governos provisórios. Um pouco à semelhança de Mário Soares, que tinha como chefe da casa Militar um monárquico, Carlos Azeredo. Os Portugueses não são de direita nem de esquerda. Veja o João Lobo Antunes, apoiava Jorge Sampaio. Por que é que o Cavaco está nesta posição? Porque o Dr. Jorge Sampaio não se quis candidatar. O Sampaio é respeitado institucionalmente por Cavaco e sente-se no dever moral de respeitar um Presidente que o tratou bem. Não há uma alternatica a Cavaco Silva porque Jorge Sampaio não quer.
Não há nenhum candidato então que possa “fazer frente” a Cavaco Silva?
Até agora não houve Manuel Alegre. Está a jogar com os apoios partidários e quase não tem voz. Ele teve o azar de ter uma conjuntura política e económica que, se a tivesse previsto, teria sido outro estilo. Se continuasse a ser o candidato anti-sistema e galgasse o descontentamento, como foi na primeira candidatura, ser o “rebelde”, tinha mais sucessso do que com algumas inutilidades discursivas que anda a badalar. Mas pode renascer e isto pode ser mais interessante.
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[Comentário de Nuno ]
Qual será a verdadeira face de Cavaco, e que poderá mostrar no segundo mandato? |
Ele quer uma conciliação e um acordo entre os principais partidos. Até porque, mesmo em relação ao PSD, Manuela Ferreira Leite era um “cavaco de saias”. A nova direccção do PSD é outra coisa, já não têm uma espécie de viúva no PSD. O PSD não é contra o Cavaco mas é pós-cavaquista, e portanto ele neste momento não é um homem do partido do PSD. Cresceram os dois. Cavaco Silva sabe perfeitamente que numa situação tão grave como esta é imprensável nós continuarmos sem um governo de maioria absoluta de coligação. Não digo necessariamente um governo de coligação entre PS e PSD. Quem fundou a democracia foram seis governos que incluiam PC, PS, PSD e UMDP. Se estamos mesmo em crise a Assembleia pode gerar este tipo de consenso. Para mim era a solução, que procurava uma maioria social e uma maioria aritmética no Parlamento. É muito difícil um acordo sem os sindicatos ou sem a igreja católica, por exemplo. Nós precisamos de uma maioria além de parlamentar, social.
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[Comentário de Paulo Silva ]
O Prof. Cavaco Silva começou por anunciar que ia poupar na campanha em respeito pelos tempos difíceis que vivemos. Na sua opinião é uma decisão genuína ou oportunista por saber que todos os portugueses estão preocupados com o cenário de crise e dificuldades? |
Há um país novo e jovem que não está representado. Sá Carneiro tinha 40 anos quando foi líder do PSD. Ramalho Eanes tinha 40. Cavaco tinha menos 25. Em Portugal há um vazio de renovação nas lideranças. Começou a emergir agora com alguns líderes políticos, mas mesmo esses são quarentões. Já que se fala em cotas de género, se calhar devíamos fazer cotas de geração. A geração que não está a ser aproveitada pela sua qualidade no emprego tem a comandá-la uma gerontocracia carcomida. O regime está velho. E ainda temos de ouvir sentenças de tipos com 90 anos.
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[Comentário de Edu ]
Que influência vai ter a crise actual de Portugal, no resultado das eleições presidenciais, nomeadamente na votação de Cavaco? |
É o aliciante da política democrática, é o imprevisto. Se aparecer alguém que interprete a crise, mas resta saber o que é a crise. Crise é Portugal representar 2% da população europeia. E isto dá uma sensação de desconforto, porque o nosso futuro depende menos dos candidatos presidenciais e muito mais das conversas de corredor do próximo Conselho Europeu. Dos jogos de poder, de uma conversa enre os líderes portugueses e os líderes europeus e convém reparar que o PR nesse domínio tem muito pouca influência. E há hoje uma notícia, o futuro director do FMI para a Europa vai ser António Borges, que era o vice-presidente da Manuela Ferreira Leite.
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[Comentário de MR Bahamonde ]
O problema de Cavaco Silva é não conseguir transmitir qualquer emoção, já Manuel Alegre é um camaleão das emoções. Qual dos dois agradará mais e transmite mais confiança ao eleitor comum? |
Também há Fernando Nobre, Francisco Lopes e vamos a ver se o Defensor Moura arranja as 7500 assinaturas. Quando bipolarizamos entre Alegre e Cavaco reparamos que os lobbies na comunicação social que apoiam estas duas forças estão insensivelmente a marginalizar as outras alternativas. Estão cercadas por uma muralha de silêncio. É um problema de tempo de antena. Ainda ontem se viu que os candidatos além de Alegre e Cavaco são tratados comentadores políticos e não como candidatos. Uns marginais políticos que de vez em quando vêm falar.
[Comentário de Álvaro Daniel ]
Bom dia Professor e todos os que seguem este debate. A minha dúvida ou questão que gostaria de colocar é a seguinte: Qual é o papel do PR na governação do nosso país actualmente? Perante uma situação económica e social deficitária como a que atravessamos, o que poderá fazer o PR?
O papel dele pode ser de revolucionar se quiser, o situacionismo. Se ele propuser um governo com o apoio dos sindicatos, da igreja, da esquerda e da direita, numa comunicação ao povo, alterou as regras do jogo todas. O PR tanto pode ser um simples representate do paralelograma de forças ou pode arriscar. Coisa que Cavaco Silva não fez nem vai fazer. Portugal precisa de um indisciplinador, e um PR podia sê-lo. Mas ninguém espera isso de Cavaco. O máximo que ele fez foi dizer que a situação portuguesa era insustentável e explosiva, e agora veio dizer que repetiu as palavras de um relatório do Banco de Portugal. Portugal ser presidido por um relatório do Banco de Portugal é pouco ambicioso. Embora tenha havido progresso, não se viu ontem no CBB o Manuel Dias Loureiro.
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[Comentário de Guest ]
Caro professor bom dia! O actual PR candidata-se com uma presidencia neutra, nem brilhante nem má, mas com uma presença publica que foi bem melhor que os anos de governação enquanto primeiro ministro. No entanto, sendo ao centro, enfim quase esquerda, muito keynesiana, como é que vê este colar constante, em Portugal, da Direita e do Centro? Joffre Justino |
Quando Cavaco Silva assumiu a liderança do PSD declarou que era um homem da esquerda moderna. Um reformista, inspirado por Eduard Bernestein. Por ironia do destino, quando José Sócrates assumiu a liderança do PS, declarou ser da esquerda moderna inspirado por Bernestein. Isto é, um e outro mais do mesmo em termos de referências ideológicas. No fundo os dois modelos PS e PSD são meros irmãos inimigos que acreditam no rotativismo e não denunciam o pior vício que estes situacionismos que é o chamado devorismo ou corrupção.
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[Comentário de Vitória ]
Na conjuntura actual eu acho que Cavaco Silva é o candidato ideal, e na sua opinião que hipóteses tem Manuel Alegre? |
Se o Manuel Alegre se libertar das algemas dos apoios partidários e voltar à criatividade pode ainda constituir uma surpresa. Isto é, se obrigar a uma segunda volta.
SAPO Notícias: Para concluir, que espírito vai marcar os próximos meses?
Portugal está totalmente dependente dos caprichos dos credores,a velha bóia de salvação que era a Comissão Europeia do Delors ou do Barroso já não manda na Europa e há uma total incerteza quanto aos verdadeiros donos do poder em Portugal. Já não são os banquerios nem os bancários mas o jogo da especulação e dos credores. Só temos uma salvação que é querermos como comunidade ser mesmo independente. Haver uma vontade nacional de resistência gerindo as dependências. Eu dou um exemplo de um país que está a saber fazer isso, que é a Catalunha. Sabe navegar flexivelmente nestas águas e tem tido sucesso. Não tem chefe e funciona como comunidade. É a sociedade civil que funciona, não é o governo nem o Presidente.