Abr 30

O eu e as próprias circunstâncias, ou de como podemos recolher eternidade

Durante estes dias de dor e esperança, confirmei como a rede familiar e das amizades é bem superior a uma “polis” que vive fechada dentro de si mesma, em claustrofobia endogâmica, no poder pelo poder. Confirmo como as ideias a que mais recorro, as que fazem do tempo, o meu tempo, têm longa duração tal que as colocam no extremo inicial da minha própria existência. Assim, vivi metafísica, afagando os sinais de eternidade que me chegaram e me lançaram no próprio movimento de uma corrente de concepções do mundo e da vida, onde, prendendo-me a estas profundidades, perdi a voz própria e passei a falar através de tais causas. As que me fazem comungar em crenças, princípios e valores. Porque assim nos libertamos do narcisismo de quem, por vezes, tem a ilusão de poder atingir a originalidade. Sermos servidores de uma crença é podermos receber alento de um transcendente situado que nos pode levar a assumir a plenitude existencial e a consequente metafísica do tempo que passa. Logo, sempre reconheço que é possível diluir-nos em todos os outros. Que cada um pode ser mais do que um qualquer solitário eu. Porque ninguém sabe o mistério das folhas por escrever que, apesar de  estarem presas ao caderno das próprias circunstâncias, são apenas espaços a preencher pelo imprevisível e pela mudança. Mesmo sabendo de onde viemos e no que acreditamos, não sabemos para onde vamos. Embora possamos reconhecer qual o nosso dever-ser-que-é, resta-nos apenas o mero reconhecimento da nossa imperfeição. Sobretudo se notarmos como temos o pior dos défice que é o de não sabermos amar o mais próximo e todos os próximos, quando não nos damos em comunhão a essa raiz do próprio mais além, cujo fundamento é o que melhor, do mundo, podemos recolher.

Abr 27

Todas as revoluções são pós-revolucionárias… e o 25 de Abril chama-se hoje Cavaco e Sócrates, com quatro candidatos a Provedor

Bastam as sondagens de hoje, as tais que confirmam a existência de uma maioria absoluta de portugueses que não se revê nesta partidocracia. No entanto, continuam a dominar os especialistas em casca de árvore, sem que alguém seja capaz de compreender que a causa da crise tem a ver com coisas mais gerais, como o Estado, a Democracia e a Nação, dado que nos faltam adequados macropolíticos que sejam mais do que constitucionalistas, estasiologistas ou etnólogos. Por outras palavras, quanto mais ao povo falta, mais as instituições se exaltam com palavras que perderam o sentido dos gestos. Como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções concretas dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Ninguém percebe que o 25 de Abril, nos seus efeitos, não se chama Otelo nem Zeca Afonso, Aníbal Cavaco Silva. Mas, de boas intenções, está o inferno do nosso quotidiano cheio… Confesso que também eu atingi o grau zero de confiança nestes frades que continuam a pensar que o são, apenas porque ostentam o hábito. Veja-se  a menos partidocrática das instituições, a senhora dona Administração da Justiça, transformada em mero cálculo de probabilidades sobre encontrarmos uma agulha no palheiro, isto é, um juiz ou um magistrado que saibam colocar a justiça acima do direito, o direito acima da lei e a lei dentro dos princípios gerais de direito, com superioridade face ao despacho e à ordem de qualquer chefezinho. Passemos para a universidade, feita campo laboratorial de reformismos e de conservacionismos de forças vivas, onde a cenoura do carreirismo e o chicote do cala-te e come, e confirmemos o processo de desinstitucionalização em curso, a que não escapam as próprias forças armadas. Quase todos se esquecem que o 5 de Outubro de 1910 acabou com a operação de Alves dos Reis, porque, quando se atinge o vazio de mobilização comunitária, todos entram na lógica do sapateiro de Braga, segundo a qual, ou há moralidade ou comem todos. E aqui e agora, o tal bem comum de São Tomás de Aquino deixou de ser a síntese de uma ideia de Ordem com uma ideia de Justiça. Daí que sejam pouco estimulantes as discussões sobre a pensão de Otelo e de Jaime Neves, ou os meandros da tipificação do crime de enriquecimento ilícito, quando, perante a corrupção, todos os partidos deveriam ser chamados a Belém, para fazerem uma autocrítica e entrarem num começar de novo, pedindo desculpa ao povo…

Abr 24

Dos estúpidos afectivos que não têm sentimento trágico da vida, aos animais que já não sabem rir…Entre Unamuno e Bergson

Imaginemos que um qualquer pintor tratava, aqui e agora, no Portugal de Cavaco, Sócrates e Policarpo, de fazer uma colagem, dita pintura neo-clássica, onde um dos nossos políticos cimeiros aparecesse nestas poses, esvoaçando fantasiosamente brejeiro por cima dos dotes imaginados de uma das suas colaboradoras, legítimas ou namoradas. Aconteceria inevitavelmente um desses tsunamis que fariam cair o Carmo e a Trindade e poriam a Procuradoria em segredo de justiça. Tudo, para recordar que a nossa crise, antes de ser económica e financeira e antes de ser política e partidocrática, é comportamental, porque perdemos a razoabildade e o bom senso. Primeiro, porque perdemos o sentido do riso, isto é, os “portugais” já não são “gais”. Segundo, porque nos destruíram o sentimento trágico da vida… Comecemos por este último, pedindo ajuda a Miguel de Unamuno: Hay personas, en efecto, que parecen no pensar más que con el cerebro, o con cualquier otro órgano que sea el específico para pensar; mientras otros piensan con todo el cuerpo y toda el alma, con la sangre, con el tuétano de los huesos, con el corazón, con los pulmones, con el vientre, con la vida. Y las gentes que no piensan más que con el cerebro, dan en definidores; se hacen profesionales del pensamiento.  Tenham calma, leitores, vale a pena continuar a ler Unamuno, comparando-o com o que se tem passado por estes dias com os nossos principais politiqueiros, quase transformados em um desses profissionais de boxe, o que ha aprendido a dar puñetazos con tal economía, que reconcentra sus fuerzas en el puñetazo, y apenas pone en juego sino los músculos precisos para obtener el fin inmediato y concretado de su acción: derribar al adversario.  Y sabido es que los hércules de circo, que los atletas de feria, no suelen ser sanos. Derriban a los adversarios, levantan enormes pesas, pero se mueren de tisis o de dispepsia. Por lo que a mí hace, jamás me entregaré de buen grado, y otorgándole mi confianza, a conductor alguno de pueblos que no esté penetrado de que, al conducir un pueblo, conduce hombres, hombres de carne y hueso, hombres que nacen, sufren y, aunque no quieran morir, mueren; hombres que son fines en sí mismos, no sólo medios; que han de ser los que son y no otros; hombres, en fin, que buscan eso que llamamos la felicidad.  Es inhumano, por ejemplo, sacrificar una generación de hombres a la generación que la sigue cuando no se tiene sentimiento del destino de los sacrificados. No de su memoria, no de sus nombres, sino de ellos mismos. Porque puede uno tener un gran talento, lo que llamamos un gran talento, y ser un estúpido del sentimiento y hasta un imbécil moral. Se han dado casos. Estos estúpidos afectivos con talento suelen decir que no sirve querer zahondar en lo inconocible ni dar coces contra el aguijón. Es como si se le dijera a uno a quien le han tenido que amputar una pierna que de nada le sirve pensar en ello. Y a todos nos falta algo; sólo que unos lo sienten y otros no. O hacen como que no lo sienten, y entonces son unos hipócritas. Hay algo que, a falta de otro nombre, llamaremos el sentimiento trágico de la vida, que lleva tras sí toda una concepción de la vida misma y del universo, toda una filosofía más o menos formulada, más o menos consciente. Y ese sentimiento pueden tenerlo, y lo tienen, no sólo hombres individuales, sino pueblos enteros. Y ese sentimiento, más que brotar de ideas, las determina, aun cuando luego, claro está, estas ideas reaccionen sobre él corroborándolo.  Foi longa a citação. Mas necessária. Passemos agora para o riso. Porque falta-nos tanta imaginação que nenhum blogosférico ainda tentou coisa semelhante à da colagem que reproduzo, com o primeiro-ministro, o presidente da república, o grão-mestre do GOL ou o cardeal-patriarca. É melhor regressar a Bergson, à série de artigos que publicou em 1899, para não nos esquecermos que o homem, porque é um animal racional, isto é, um animal comunicacional que se articula perante o outro e todos os outros membros da “polis”, através da palavra posta em discurso, é também, por exigência da natureza das coisas, “um animal que sabe rir”.  Porque il n’y a pas de comique en dehors de ce qui est proprement humain … Plusieurs ont défini l’homme un animal qui sait rire… Le comique … s’adresse à l’intelligence pure… Seulement, cette intelligence doit rester en contact avec d’autres intelligences… Notre rire est toujours le rire d’un groupe … Telle sera, disons-le dès maintenant, l’idée directrice de toutes nos recherches. Le rire doit répondre à certaines exigences de la vie en commun. Le rire doit avoir une signification sociale. Estamos em crise porque os debates parlamentares perderam a graça e o grande chefe é que assume o monopólio de qualificar o risível como brejeiro e a crítica da liberdade de expressão, como difamação , injúria ou falta de respeito pela instituição, desejando processualizar, de cima para baixo, o dependente, mesmo que o chefe tenha sido eleito pelos parceiros. Esquece-se, voltando a Bergson, que o cómico exige… qualquer coisa como a anestesia momentânea do coração. Dirige-se à inteligência pura. E termino com Unamuno: El absoluto relativismo, que no es ni más ni menos que el escepticismo, en el sentido más moderno de esta denominación, es el triunfo supremo de la razón raciocinante. Ni el sentimiento logra hacer del consuelo verdad, ni la razón logra hacer de la verdad consuelo; pero esta segunda, la razón, procediendo sobre la verdad misma, sobre el concepto mismo de la realidad, logra hundirse en un profundo escepticismo. Y en este abismo encuéntrase el escepticismo racional con la desesperación sentimental, y de este encuentro es de donde sale una base —¡terrible base!— de consuelo.

Abr 22

O preto afinal é branco e entre o Eu e o Outro, os pilares da ponte do tédio que vai daqui para o além

Há noites em que, infelizmente, perdemos tempo demais a ter que aturar as intervenções das figuras humanas que se querem confundir com o estadão e que assim tratam de fazer equilibrismo no trapézio vocabular deste circo, para que, no fim do espectáculo, sintamos um amargo de boca, por termos perdido tempo com um não facto.  Ontem foi esse mais do mesmo, aliás, bem doloroso, onde fomos obrigados a confirmar que o homem do leme desta nau do Estado parece já não saber pilotar o futuro, quando era seu dever a busca de um porto seguro, através do cumprimento de um ideal que nos desse rota. Afinal, Sua Excelência patenteou que já não sabe o que quer, de onde vem e para onde vai. Ora, um comandante perdido é um risco. Porque a todos nos pode fazer perder. Confesso que, depois de o ouvir, com toda a humildade de Cidadão que está abaixo do Estado, compreendi que importa voltar a ser um qualquer Homem que esteja acima destas trapalhadas do Estado. Logo, por muito que lhe custe, não o considero meu inimigo e, muito menos, meu adversário. Gostava mais de o considerar como alguém capaz de ascender à categoria de exemplo, fosse amigo ou adversário político. E não estou a ver nenhum educador, nomeadamente pai ou mãe, a dizer aos filhos que sigam o modelo do Senhor Engenheiro, embora antes, muitos dissessem aos filhos que se comportassem segundo os paradigmas de um Francisco Sá Carneiro, de um Álvaro Cunhalou de um Mário Soares. Porque, dos fracos, não reza a história. Os meninos birrentos quando chefiam qualquer coisita, gostam de escarafunchar no boneco, para ver o que ele tem dentro e até podem desfazê-lo aos pedacinhos quando não se sentem compensados em afectos visíveis pelos assistentes da cena. Nuns dias, aliam-se a uns, noutros passam a considerar como inimigos os aliados da véspera e, retalhando a república, acabam por deixar tudo em trapos, sem qualquer nexo que permita refazer a harmonia. O Senhor Engenheiro já não é apenas um problema para o PS… Sua Excelência deixou de ser um bom exemplo e, da sua conduta, já ninguém consegue extrair um exemplo que possa transformar-se em máxima universal. Ao elevar a adversários principais alguns brincalhões das golpadas politiqueiras, ele restringiu o campo da luta política a um nível que não mobiliza quem precisava de fins políticos mais altos. E fiquei triste. Explicar o Freeport porque houve uma carta anónima de um militante alcochetense do CDS que, aliás, já saiu do CDS, e insinuar que tudo se deve a manobras do actual CDS, aliado a outros dirigentes do PSD, que já não são dirigentes do PSD, é confundir dolosamente as circunstâncias. É perder o nível. Mesmo que amanhã se prove a tese das cabalas e das campanhas negras, toda a república não deveria enrodilhar-se no irracional da falta de racionalidade finalística e do friorento deste vazio de racionalidade valorativa, onde nem há ética da convicção nem ética da responsabilidade. Porque falta uma ideia de obra. Porque as manifestações de comunhão entre os cidadãos já são uma impossibilidade. Porque as regras processuais mais simples estão dependentes do carimbo discursivo de um qualquer secretário de estadão. Acredito que sua Excelência tanto não falou com o Procurador como outras excelências dependentes de de Sua Excelência confessaram que falaram com outros procuradores dezenas de vezes. Mas nenhum dos argumentos, tanto o de não ter falado como o do ter falado, serve para esclarecer esta causa que se transformou no mais ridículo dos casos que enevoa a república e que a história reduzirá a simples nota pé-de-página do mero anedótico. É a diferança que vai dos pequenos aos grandes homens de Estado. Por outras palavras, ontem, as redes, mais uma vez, trouxeram pescada, mas congelada, porque tudo antes de o ser já o era, conforme os conselhos dos consultores de imagem e dos “agenda setters”. Naturalmente, Sua Excelência não disse aquilo que disse sobre Cavaco, nem Cavaco, aquilo que disse sobre ele. Ambos falaram sobre a velha história da Patagónia e do reino do São Nunca.   Aqui e agora, na política deste quintal à beira da Europa plantado, o branco é preto, e o preto é branco, dado que a culpa está sempre nos intérpretes, nos mensageiros e não na mensagem. A culpa está nesses coitadinhos que não sabem que a retórica é sempre dolosamente equívoca. Está, por exemplo, no António Vitorino, dado que desta o Vitalino ficou só no trabalho precário e não portou a voz.

Abr 21

Europa, sim, europeias, não!

Assisti ontem ao primeiro debate que a televisão pública promoveu sobre as europeias. O critério da escolha foi o dos que já lá estão, neste clube de reservado direito de admissão. Porque os novos partidos, como o MEP e o MMS, ficarão para as segundas ou terceiras divisões, à semelhança do que acontece com os programas de futebolítica sobre o campeonato dos últimos, ou com a chamada política internacional do G20 e da hierarquia das potências na Europa, mesmo que o treinador possa ser um Mourinho ou um Barroso. Julgo que, mantendo-se esta hipocrisia, seria mais decente proibirmos a constituição de novas forças políticas com a categoria de partidos. Ao menos, não teriam que gastar argumentos justificativos da ditadura do estado a que chegámos, o tal que, muito hipocritamente, manda ex-presidentes e actuais presidentes fazerem apelo à “não resignação” e ao “sobressalto cívico”. Prefiro manter o meu “direito à indignação”.

 

De qualquer maneira, lá assisti ao debate. Que a moderadora permitiu transformar num jogo de quatro contra um, para dar a este um o controlo das interrupções e o domínio do fluxo, graças também ao engenho do Professor Vital Moreira. A principal vítima foi Paulo Rangel que não conseguiu desabrochar, nem colocar-se de igual para igual com o cabeça de lista do PS, até porque caiu na esparrela de ser bem educado. Nuno de Melo e Ilda Figueiredo foram iguais às expectativas e o grande triunfador foi Miguel Portas que, várias vezes, nos trouxe à memória que tanto ele como Vital e Ilda foram do mesmo partido das células, quando o cunhalismo o conformava. O grande derrotado foi o PS, que não conseguiu fazer ascender ao debate nenhum dos representantes da respectiva tradição liberdadeira e europeísta e pôs, na geral, duas senhoras desbocadas e um presidente do INA, despedido como ministro e a caminho da reforma dourada.

 

Como não tenho declarações de interesses a emitir, ao contrário de outros blogueiros meus companheiros de muitos combates, os anteriores elogios que aqui emiti face a Vital e a Rangel nada têm a ver com o meu sentido de voto nas europeias, porque os dois nem sequer me convenceram ainda da utilidade do voto neste processo de repartição de influências das duas multinacionais partidárias da Europa, o PPE e o PSE, as quais atiram para o pequeno palco da politiquice nacional as suas secções: PS, PSD e CDS.

 

Aliás, quando confirmo que ninguém da minha família política, a liberal, vai a votos neste país pós-soarista e pós-cavaquista, apetece fazer-lhes o adequado gesto do Zé Povinho. Quando também reparo que não há europeístas que consigam o “oui” à Europa através do “non” a patetices como a Constituição Europeia ou o Tratado de Lisboa, negando-nos o direito ao referendo, mantenho íntegras as minhas reservas face às regras do jogo que espartilham os  cidadãos e os povos da Europa. Daí o paradoxo de um liberal se sentir mais identificado com algumas das bandeiras de combate ontem emitidas por Francisco Louçã, em entrevista a Mário Crespo, e por Miguel Portas, embora discorde totalmente da receita neomercantilista e estatista que os mesmos nos querem prescrever.

 

A minha declaração de interesses continua a ser a do discurso que emiti contra o Tratado do Mar da Palha e os candidatos a bons alunos que os comissários e as multinacionais partidárias para qui exportaram. Não é com estes agentes que a Europa pode ser uma nação de nações e uma democracia de muitas democracias. Entre o jacobinismo constitucionalista de Vital e o seu sucedâneo do PPE, não me engano com os malabarismos vocabulares de Melo e de Ilda, para que apenas reste a autenticidade de Miguel Portas.

 

A fábula dos falsos debates europeus é idêntica ao convite que recebi há pouco, para a tomada de posse de um velho reitor de uma universidade pública, que acaba de ser reeleito pelo novo modelo, o tal que a nova lei e o velho aparelho escolheram. Porque os ministros passam e as forças vivas ficam. Por outras palavras, o disco virou, mas a música é a mesma, apesar de tantos riscos a desafinarem. Se pensam que a Laurinda Alves ou o Carlos Gomes poderiam entrar na lista dos candidatos escolhidos pelos Conselhos Gerais, continuem a acreditar na tolice dos concursos públicos nacionais e internacionais com que as universidades públicas vão contribuindo para anúncios nos jornais. Nest quinta dos animais partidocráticos há sempre alguns que são mais iguais do que outros e quem, agora, parte e reparte tanto não é burro, como percebe da arte. O Zé já não faz falta…

Abr 20

Salazar era efectivamente socialista: “a essência do poder é procurar-manter-se”

Salazar foi buscar republicanos viracasacas, maçons em quite, católicos, agnósticos, beatos e até o um fundador e secretário-geral do PCP (J. C. Rates) e todos nunca foram demais para o servir. Se é lícito dizer que ele foi maçon, também o poderemos qualificar como comunista, socialista, monárquico e republicano, bastava que malhasse à esquerda e à direita… Também o cavaquismo, na sua fase crepuscular, caiu na casca de banana de certo populismo, então de direita, sobre as declarações sobre os rendimentos dos titulares de casos políticos. Julgo que as figuaras que agora são arguidas ou suspeitas dessas imoralidades sociais deixou o mínimo de rasto na famosa declaração. Por outras palavras, o fraudulento é bem mais esperto do que todas as actividades dilatórias do processo legislativo. O mesmo podemos dizer sobre as actuais regras de financiamento dos partidos, dado que continua em vigor certa mentalidade herdada do absolutismo, para quem o detentor do poder está isento da própria norma que emite para os outros mortais e onde é norma tudo aquilo que ele diz… a aproveitamento eleitoralista…  PS1: Saiu do prelo um esmagador livro de um doutorando sobre o esoterismo e o ti Botas. Recebi, há meses, do próprio autor, esse anúncio. Não o divulgo, obviamente. Apenas refiro o que imediatamente lhe comuniquei sobre as provas irrefutáveis. ” Lerei com muito gosto e algum sentido crítico. Primeiro, porque bastam uns textos de Pessoa para resolver o dilema. Segundo, porque nada nos arquivos maçónicos é secreto, nesse período. Terceiro, porque o Vaticano não dormia. Quarto, porque só indo aos templários, ou às irmandades corporativas medievais, poderíamos ter raiz comum. Quinto, porque basta ler o parecer da Câmara Corporativa sobre a lei de 1935. E eu até sei das conversas de AOS com Albino dos Reis sobre os irmãozinhos. E do que Bissaia deixou sobre a matéria. E o que a ti Baleia, minha velha vizinha de aldeola, contou sobre o namorico de AOS com a filha do respectivo patrão (…)”. Ainda não tive resposta à resposta.  PS3: As intervenções de Fernanda Câncio nos debates da TVI são cada vez mais um revelador dos paradoxos de certo situacionismo. Ontem, e muito bem, ao debater o voto de congratulação parlamentar sobre a canonização de Frei Nuno de Santa Maria/D. Nuno Álvares Pereira, depois de dizer que santificações eram assunto interno da Igreja, logo acrescentou que votos destes feriam o laicismo constitucional, porque davam cobertura ao facto de uma cozinheira de Vila Franca ter ficado cega com óleo a ferver e, depois, ter-se curado por causa do beato… Como a qulificação de milagre é assunto interno da fé e da Igreja que o assume, não compreendemos como se feriu a lei da separação. Julgo que, se ainda estivesse vigente o regime da I República e se o presidente fosse o António José de Almeida, ele seria o primeiro a ir ao Vaticano associar-se ao acto, como o fez quando entregou o barrete ao núncio ou foi com os bispos à cerimónia do soldado desconhecido. E ninguém duvida que este ex-grão mestre do GOL tivesse pergaminhos de laicismo. Estes ateísmos elitistas são, de facto, os efectivos aliados do congreganismo catolaico. Espero que não venham a apresentar uma proposta, politicamente correcta, no sentido de eliminarmos as quinas e as chagas do símbolo nacional da república dos portugueses, porque elas são, inequivocamente, aexploração de um milagre tão falso, o de Ourique, que nem a Igreja Católica o reconheceu.

Abr 18

No princípio pode voltar a estar o verbo

Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento.

Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa.

Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

Abr 18

Nacionalista, patriota e liberal, pelo capitalismo e pela super-nação futura

Não comento o video de ontem, com o Smith, já bem real, a dizer o que há muito sabíamos que ele disse sobre a chuva no molhado. Continuo a desconfiar destas evidências. Porque a cena é tão insignificante quanto os comentários que, também ontem, o cardinalício ministro da presidência foi fazer à SIC, apenas para proferir uma dezena de vezes o nome Rangel. E ambas quase me fizeram rir tanto quanto o desleixo apresentativo da conversa em que o marido da comentadora-mor da TVI respondia às provocações da esposa do patrão da mesma estação de Queluz de Baixo. O grande historiador, e digo-o sem ironia, tem, do país, como cambaleante comentador pós-prandial, a pequenina visão do respectivo grupo de amigos, isto é, só consegue ver o que conhece da respectiva paróquia capitaleira, pelo que acaba por me fazer rir, mas dramaticamente.

 

Prefiro assinalar que, na semana anterior à do discurso do 25 de Abril, o Presidente da República anda à fazer intervenções públicas demolidoras ao ritmo diário (já foram três seguidas). Porque, entre a musiqueta dos Xutos, que, segundo Valente, até já chegou ao indo eu, indo eu, a caminho de Viseu, e o DVD do Smith e da C… word, tudo isto entrou em ritmo de barafunda. Um ilustre deputado, doutor em economia, confirma, no parlamento, que o país está a saque e o senhor cardeal patriarca, que não segue as teses de Novak sobre a coincidência do catolicismo com o capitalismo democrático, que chegou a ser bem traduzido pelo jovem Portas, com apoio de uma associação católica de empresários, voltou aos modelos mentais de Frei João Sobrinho, proclamando que os lucros dos capitalistas só são legítimos quando se subordinam ao bem comum. Só falta D. Sebastião a criminalizar os juros, porque são venda do tempo e o tempo é monopólio de Deus…

 

A barafunda continua com declarações de Mário Soares contra Durão Barroso e, depois, contra Sócrates, só porque este apoiou a recandidatura do nosso primeiro primeiro-ministro que veio do MRPP. Lapidarmente, o nosso patriarca desta jovem democracia considerou que o apoio do senhor engenheiro, aliás, apenas licenciado em engenharia, ao mestre politológioco por Genebra caiu na categoria diabólica do nacionalismo e que o nacionalismo sempre foi salazarismo, porque ele, Mário, apenas era patriota. Naturalmente, Rousseau e toda a Revolução Francesa revolveram-se no túmulo, eles que identificaram o “vive la nation!” de Valmy com a democracia.

 

Mas não vou entrar nessa, caros leitores. Gosto e sempre gostei do Mário Soares e, apesar de ainda estar no liceu quando Salazar morreu, posso garantir que preferi ser governado por Soares a ter que aturar o António de Oliveira. Por outras palavras, votarei até morrer no partido soarista, se este tiver que enfrentar sozinho o partido salazarista. Como alinharei sempre no abrileirismo contra qualquer espécie de autoritarismo estrutural, à maneira do dia 24 de Abril de 1974. Contudo, julgo saber reconhecer que o Mário, em quem até votei para presidente nas últimas presidenciais, por carinho e fidelidade, deveria compreender que, a partir de certa altura, a longa e justa idade do bisavô, apesar de manter o sentido de inteligência e da honra, pode fazer-nos escorregar em termos de voluntarismo.

 

Preferia que Mário não entrasse no mesmo ritmo de Policarpo. Porque pouca diferença começam a fazer em termos de maniqueísmo bipolarizador. Para uns, todos os que criticam o báculo são a cidade do diabo dos ateístas, isto é, dos que no fim de um encontro de empresários da área não se sacramentam em hóstias. Para outros, todos os que são nacionalistas são salazaristas do ceptro e do cacete. Cá por mim,  continuo a defender o capitalismo, especialmente o da ética protestante, calvinista e tudo, farto que estou das criminalizações da usura, que permitiram aos fidalgotes lusos o apoio à inquisição, para que se expulsassem os cristãos-novos. Do mesmo modo, continuo a defender que o nacionalismo pode e deve coincidir com a democracia, embora como português não precise do libertacionismo nacionalista no sentido técnico do termo. Porque, strictu sensu, só é nacionalista aquele que tem uma nação ainda sem Estado e luta pela respectiva autodeterminação, como um nacionalista basco, ainda frustrado, ou os adeptos dos movimentos de libertação nacional anticolonialistas.

 

Só daria razão a Soares se este entendesse o patriotismo como o fizeram os nossos republicanos, adeptos da alma nacional, como António José de Almeida, na linha do nacionalismo místico que importaram da III República Francesa. A tal que tanto para cá exportou a Lei da Separação e o neojacobinismo naturalista de má memória, como o sentido romântico de um patriotismo que o maçon Teixeira de Pascoaes pôs a voar como “A Águia”. Porque, desses voos, nos veio um grevista de 1907, um tal Fernando Pessoa, com quem continuo a peregrinar, na procura da nação como caminho para a super-nação futura, pelas vias do nacionalismo liberal e do abraço armilar, templário e tudo… Para esotérico milenarista, meias palavras devem bastar. Ti Mário, recorde o seu velho professor, cuja imagem encima este postal.

Abr 18

No princípio pode voltar a estar o verbo

Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento. Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa. Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

Abr 17

Do BE ao BES, o sigilo, “the fable of beas”, Rangel e o resto…

Com o PS a aprovar a proposta do Bloco de Esquerda sobre alguns aspectos do sigilo bancário, eis que o Conselho de Ministros decidiu repetir o esquema do cavaquismo crepuscular, sobre o rendimento dos políticos, ensaiando uma precipitada fuga para a frente. Não faltou sequer o presidente Cavaco a quebrar o silêncio, dizendo que sempre foi, de há muitos anos,  contra o segredo bancário, embora ninguém se lembre de ele o ter dito quando era Primeiro-Ministro, porque, como dizia Camões, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Gostei particularmente das intervenções televisivas de Diogo Leite Campos e de Paulo Rangel, especialmente deste último, com uma agilidade e um sentido de resistência que o marcam como uma saudável novidade, por entre tanta ferrugem de politicamente correcto.

 

Subscrevo quase tudo o que este último disse: o Governo quer que a administração fiscal possa «de imediato pedir e solicitar de forma fundamentada o acesso às contas bancárias sem prévia autorização judicial e do contribuinte», segundo explicou o ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos. Trata-se de um dos mais graves ataques contra o Estado de Direito e a separação de poderes que este Governo alguma vez cometeu». «É totalmente inconstitucional, pela violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da separação de poderes. Aplica uma pena sem que haja um processo criminal adequado, contra as garantias dos cidadãos». «O próprio Governo reconhece que se trata de uma pena fiscal, fala em penalização fiscal, numa taxa de 60 por cento», porque «uma pena fiscal é uma coisa completamente nova, que não tem sentido nenhum».

 

«Uma pena é o natural correspondente de um crime, só que este é um crime sem processo. Criminaliza-se uma conduta clandestinamente, é um crime sem que se lhe chame crime. A administração fiscal é que vai investigar, julgar, acusar e aplicar a pena». Trata-se de «da criação de um crime fora do direito criminal, sem garantias de defesa, uma espécie de confisco, sem intervenção do Ministério Público, sem juiz de instrução, sem tribunal».

 

Recordo-me de, certo dia, ter sido desafiado por um jovem líder do PSD, então meu colega na universidade, para o acompanhar a um almoço com altos dirigentes da banca, porque ele era favorável ao levantamento do sigilo bancário, tal como eu. Recordo-me muito bem dessa peripécia, que foi uma das parcas colaborações políticas com o actual presidente da comissão de Bruxelas, antes de o mesmo se enredar entre o ministro Isaltino, o ex-ministro Dias Loureiro e o aliado Paulo Portas. Porque, então, as boas intenções radicais de Barroso foram imediatamente removidas pelas invocações bem realistas de um ilustre dirigente da nossa finança que, com números, o alertou para a fuga de capitais para vizinhos europeus. Disse hoje o mesmo, no “Diário Económico”, mas de forma adocicada.

 

Reparo que, agora, tanto Cavaco como parte do PSD mudaram, e bem, de programa, enquanto vão assistindo ao duelo que Ricardo do BES tenta travar com Louçã do BE, com inequívoca vantagem retórica para este último, que não desceu à baixeza de qualificar o adversário argumentativo como um caso patológico. Apenas estranho que este seja o mesmo PS que impediu as tentativas de superação do impasse, propostas pelo deputado Cravinho. E desconfio que estamos perante uma alteração de cosmética, de marca eleitoralista, onde se finge mudar para que tudo fique na mesma quanto aos fenómenos da corrupção e da evasão fiscal, embora tudo se venha a agravar quanto ao estadualismo farisaico dos novos cobradores e pesquisadores das vidas individuais, num país onde a luta de invejas, os moscas e os bufos, sempre foram bem superiores à luta de classes, mas com consciência de classe. Apenas digo que estou triste. Nem o Professor Doutor Fausto de Quadros ontem me fez rir, como de costume. Por isso vos deixo a metáfora da imagem, como sempre “inqualificável”…