Jul 31

Depoimento à Lusa

Analistas apontam autonomia como a derrotada do “braço-de-ferro”


A “grande derrota” da autonomia dos Açores pelo “calculismo partidário” é o resultado do “braço-de-ferro” entre Governo, Parlamento e Presidência da República, segundo analistas políticos ouvidos hoje pela Agência Lusa.

“A grande perdedora é a autonomia dos Açores, assim como o prestígio do Parlamento, mais uma vez ferido. Nomeadamente, alguns partidos que participaram no processo, mas que se apressaram agora a dizer que o derrotado era o PS”, disse à Agência Lusa Adelino Maltês, do Instituto Superior Ciências Sociais e Políticas.

Maltês considerou que toda a polémica em torno do Estatuto Político-Administrativo dos Açores “reforça a necessidade de revisão constitucional”, a fim de ser construída uma autonomia “não afectada pela longa tradição absolutista e capitaleira do Estado centralista”.

“Os países federalistas, como os Estados Unidos, a Suíça ou o Reino Unido, por exemplo, são dos mais unidos do Mundo. O problema é que muito boa gente não gosta de pensar que os povos podem assumir o seu destino e manter a sua identidade nacional”, concluiu, antevendo movimentos semelhantes na Região Autónoma da Madeira.

O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa António Costa Pinto preferiu destacar o “calculismo político inerente a este braço-de-ferro”, referindo-se à coincidência da iniciativa socialista com as eleições regionais açorianas.

“Muito rapidamente, tudo se transformou em tensão entre o Presidente da República e o PS de Sócrates, no Governo, sobretudo com a declaração dramática de há um ano. Cavaco Silva optou por uma estratégia política de fazer retrair o Parlamento e o Governo, enquanto o PS preferiu apoiar o PS regional, devido aos habituais compromissos”, afirmou Costa Pinto à Lusa.

O analista definiu o sucedido como “um exemplo clássico de como os partidos testam os limites das próprias instituições, com base nos seus próprios interesses e gestão de apoios”, embora considere que em nada se vai repercutir nas próximas eleições legislativas, até porque “o PSD também apoiou inicialmente a iniciativa”.

“A questão do poder sub-nacional transcende a especificidade dos Açores. Têm existido numerosos braços-de-ferro entre o poder central e as regiões autónomas. Isto revela a ausência de equilíbrio e de consolidação da distribuição de poderes, seja em termos autonómicos ou noutros níveis. Portugal é o país mais centralizado da Europa”, disse também à Lusa o politólogo Carlos Jalali.

Jalali declarou Cavaco Silva como “claro vencedor” do conflito, naquele que classificou como “o primeiro passo de endurecimento das relações com o Governo, apesar de o Presidente da República ter sido muito criticado na altura”.

O Tribunal Constitucional declarou quinta-feira a inconstitucionalidade de várias normas do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, dando razão à maior parte das objecções ao diploma colocadas por Cavaco Silva, que vetara a iniciativa por duas vezes.

A nova redacção do documento, que consta da Lei 2/2009, de 12 de Janeiro, foi depois aprovada pela Assembleia da República, em 19 de Dezembro, com os votos favoráveis do PS, PCP, CDS/PP, Bloco de Esquerda e Os Verdes e a abstenção do PSD.

O PS já declarou que tenciona respeitar a decisão do Tribunal Constitucional, mas, por seu turno, os socialistas açorianos anunciaram que vão tentar concretizar as alterações numa futura revisão da Constituição, “já que o estatuto foi aprovado por unanimidade na região e sem votos contra no Parlamento”.

HPG.

Lusa

Abr 18

No princípio pode voltar a estar o verbo

Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento.

Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa.

Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

Mar 08

Três anos de Cavaco como presidente

O grande livro de Aníbal Cavaco Silva, “Política Orçamental e Estabilização Económica”, de 1976, é um excelente revelador do planeamentismo e da previsibilidade do homem político que preside à república dos portugueses. Por outras palavras, se, no primeiro ciclo presidencial do cavaquismo, se viveu um estado de graça na coabitação com a governação socrática, bem expresso pelo Tratado do Mar da Palha, também os avisos à navegação e os vetos belenenses começaram a lançar sombras de uma eventual punição dos eleitoralismos da governança. E todos reconhecem a autocontenção do primeiro presidente da república que é professor de economia, sem atingir a violência simbólica dos discursos do seu mandatário Medina Carreira, fica nos subentendidos da desavença ideológica entre dois keyanesianos.

Porque a alteração anormal das circunstâncias da presente crise global, pode levar o presidente social-democrata a não identificar-se com a ideia socrática de esquerda, quase reduzida ao mero intervencionismo do aparelho de poder do velho e proteccionismo dos pequeninos, em inevitável contraciclo com os parceiros europeus e com a ameaça, já prevista por Daniel Bessa, de um regresso a Lisboa dos controleiros do FMI ou de outras instâncias financeiras supra-estaduais.

Mantendo o previsível programa de não se assumir como força de bloqueio, o presidente, sem reeditar os governos eanistas de iniciativa presidencial, pode ter que assumir a plenitude do poder moderador no caso de nenhum dos nossos dois grandes partidos atingir a maioria absoluta. Porque, sendo insuficiente o regresso ao bloco central, o presidente já deve ter equacionado a necessidade de restauração de uma convergência interpartidária, ao estilo dos governos provisórios, isto é, alargada a ministros do CDS e do PCP, onde a arbitragem da cúpula constitucional pode ser essencial para que se encontrem prestigiadas figuras partidárias que sejam capaz de uma governação suprapartidária. Isto é, Cavaco pode ser obrigado a largar os etéreos campos da “auctoritas”, tendo que pisar as raias da “potestas”, até aqui ocupada pela partidocracia.