Depoimento à Lusa

Analistas apontam autonomia como a derrotada do “braço-de-ferro”


A “grande derrota” da autonomia dos Açores pelo “calculismo partidário” é o resultado do “braço-de-ferro” entre Governo, Parlamento e Presidência da República, segundo analistas políticos ouvidos hoje pela Agência Lusa.

“A grande perdedora é a autonomia dos Açores, assim como o prestígio do Parlamento, mais uma vez ferido. Nomeadamente, alguns partidos que participaram no processo, mas que se apressaram agora a dizer que o derrotado era o PS”, disse à Agência Lusa Adelino Maltês, do Instituto Superior Ciências Sociais e Políticas.

Maltês considerou que toda a polémica em torno do Estatuto Político-Administrativo dos Açores “reforça a necessidade de revisão constitucional”, a fim de ser construída uma autonomia “não afectada pela longa tradição absolutista e capitaleira do Estado centralista”.

“Os países federalistas, como os Estados Unidos, a Suíça ou o Reino Unido, por exemplo, são dos mais unidos do Mundo. O problema é que muito boa gente não gosta de pensar que os povos podem assumir o seu destino e manter a sua identidade nacional”, concluiu, antevendo movimentos semelhantes na Região Autónoma da Madeira.

O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa António Costa Pinto preferiu destacar o “calculismo político inerente a este braço-de-ferro”, referindo-se à coincidência da iniciativa socialista com as eleições regionais açorianas.

“Muito rapidamente, tudo se transformou em tensão entre o Presidente da República e o PS de Sócrates, no Governo, sobretudo com a declaração dramática de há um ano. Cavaco Silva optou por uma estratégia política de fazer retrair o Parlamento e o Governo, enquanto o PS preferiu apoiar o PS regional, devido aos habituais compromissos”, afirmou Costa Pinto à Lusa.

O analista definiu o sucedido como “um exemplo clássico de como os partidos testam os limites das próprias instituições, com base nos seus próprios interesses e gestão de apoios”, embora considere que em nada se vai repercutir nas próximas eleições legislativas, até porque “o PSD também apoiou inicialmente a iniciativa”.

“A questão do poder sub-nacional transcende a especificidade dos Açores. Têm existido numerosos braços-de-ferro entre o poder central e as regiões autónomas. Isto revela a ausência de equilíbrio e de consolidação da distribuição de poderes, seja em termos autonómicos ou noutros níveis. Portugal é o país mais centralizado da Europa”, disse também à Lusa o politólogo Carlos Jalali.

Jalali declarou Cavaco Silva como “claro vencedor” do conflito, naquele que classificou como “o primeiro passo de endurecimento das relações com o Governo, apesar de o Presidente da República ter sido muito criticado na altura”.

O Tribunal Constitucional declarou quinta-feira a inconstitucionalidade de várias normas do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, dando razão à maior parte das objecções ao diploma colocadas por Cavaco Silva, que vetara a iniciativa por duas vezes.

A nova redacção do documento, que consta da Lei 2/2009, de 12 de Janeiro, foi depois aprovada pela Assembleia da República, em 19 de Dezembro, com os votos favoráveis do PS, PCP, CDS/PP, Bloco de Esquerda e Os Verdes e a abstenção do PSD.

O PS já declarou que tenciona respeitar a decisão do Tribunal Constitucional, mas, por seu turno, os socialistas açorianos anunciaram que vão tentar concretizar as alterações numa futura revisão da Constituição, “já que o estatuto foi aprovado por unanimidade na região e sem votos contra no Parlamento”.

HPG.

Lusa

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