Jul 30

Montesquieu, ou de como se deve controlar o poder

La liberté ne peut consister qu’à pouvoir faire ce que l’on doit vouloir, et à n’être point contraint de faire ce que l’on ne doit pas vouloir...  Olho, da janela do escritório, o pinheiro que semeei na extrema da minha terra de liberdade, onde as corujas vêm, de vez em quando, pousar. É madrugada de mais um dia que nasce e ainda posso olhar as estrelas, com os pés na terra pátria onde quero semear meus restos, quando passar a ser apenas memória. Acordo e recordo, insisto no velho mas não antiquado imperativo categórico de viver como penso, sem pensar como vou vivendo. E tento esquecer que uma parte de mim mesmo está presa nas teias de uma Bielochina que eu desejava imaginária, como simples exercício de imaginação de fantasmas, situado no extremo oposto da vivida realidade, do aqui e agora. Mas não! Chegam telefonemas e, um a um, confirmam que o tal défice democrático não pertence apenas às maiorias absolutas do caciquismo bairrista, mas a todas as estruturas de uma qualquer personalização do poder, incluindo as do reformismo tecnocrático dos pequenos segmentos socratinos do nosso quotidiano, propícios ao florescer dos micro-autoritarismos sub-estatais. Dos tais que não têm les principes, mas meros simulacros de um falso princeps que, não recebendo lições de democracia de ninguém, suspendem a política e entram em regime de despotismo teodemocrático, regressando ao velho doméstico de certa sociedade de Corte. Por isso recordo as lições dos clássicos, começando pelo meu mestre de há séculos, com quem comungo daquela secreta irmandade que todos os que ascendem à maturidade da teoria podem aceder, mas numa universitas scientiarum que não se confunda com os colégios fundamentalistas saturados pelo capacete das pequenas tiranias do carreirismo, da cunha  e da subsidiocracia, embora se decretem de esquerda, da modernidade, do reformismo e das cantorias, assentes na grande união unitarista, só porque podem ter um pé de barro estalinista e outro, de mosto, arrotando ao fascista folclórico. Porque todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c’est une expérience éternelle que toute homme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir). Até porque o mais perfeito governo é aquele que avança para o seu objectivo com menos custos…

Jul 30

Ventos de Espanha

Segundo um estudo de uma universidade castelhana, 40% dos portugueses quer a Ibéria. Ricardo Salgado, tal como antes Mário Lino, também o expressaram. Se for uma federação entre Lisboa e Madrid, digo como Febo Moniz: tomem! Mas era capaz de alinhar com Antero, com uma união ibérica entre Lisboa, Santiago de Compostela, Barcelona, Bilbau, Madrid, Sevilha e Valência, depois de extinto o imperialismo do Estado Espanhol. Portugal não foi fundado por D. Afonso Henriques. Foi sempre refundado pelos Portugueses que o quiseram ser. E refundação, precisa-se! Não há pensamento sem pátria, a “escola da super-nação futura” (Pessoa). Não se acede ao universal sem ser pela diferença… A identidade não exclui as várias repúblicas maiores da nossa pluralidade de pertenças… Obrigado, José Gil, eu também sou contra… o gilismo, essa criatura que se libertou do gilismo e inunda certas elites de praia em falta de vontade na procura de Portugal. Sonhar não é fácil. O abraço armilar, de que somos sinal, implica que se semeie a república maior da comunidade dos afectos, a comunidade das coisas que se amam. O século XXI pode ser o das múltiplas pertenças das repúblicas hispânicas, ibero-americanas e ibero-africanas, em regime de geometria variável, com mais povos do que cimeiras. Talvez este seja o necessário Quinto Império do poder dos sem poder. Hoje, só posso português e europeísta, se for iberista. Mas antes, o armilar, o Reino Unido de Portugal e do Brasil, em coligação com a CPLP. A pátria da língua portuguesa, não pode deixar de ter como irmãs as do castelhano, do catalão e do basco. Juntos, somos uma grande potência cultural, capaz de equilibrar a posição dominante do anglo-americano e a frustração do francês. A invencível armada é a do espírito!

Jul 30

Programa dos socialistas. Hoje no DN

Era uma vez uma bela donzela, a da governança que, querendo ascender ao amor da modernização, viu a consumação do acto ser interrompida por uma crise que, coitada, ela não provocou.  Foi uma dessas turbulências das uniões de facto, que só no tempo do bisavô Keynes, contemporâneo do Salazar , tinha acontecido. Vai daí, volta a velha infanta, nos jardins das novas fronteiras assentada, a escrever uma longa carta de amor à improvável maioria absoluta, através de um estilo esotericamente tecnocrático, parecido com os “papers” do extinto departamento central de planeamento.  Ficou uma antologia daquelas frases que hão-de salvar Portugal e que têm vindo a ser emitidas a conta-gotas nos telejornais. Mas, porque, na prática, a teoria tem sido outra, em nome daquele pragmatismo que mandou pôr a ideologia socialista na gaveta, o tal futuro continua por salvar, e o inferno a ser plenificado pelas boas intenções.  Das que querem dar, aos mal-aventurados, a música celestial de um peixe descongelado, mas sem que lhes estimulem a arte e a vontade de pescar. Porque interessa mais zurzir nos fantasmas com que se diaboliza a oposição, acusando-a, ciumentamente, de querer rasgar. Por mais pactos que se especulem, não se diz com quem, da mesma espécie, se quer pernoitar em coligação. Esta literatura de justificação não nos prepara para incerteza e nem o novo conceito de abono de família consegue colmatar o deserto de ideias.

 

 

 

 


Todos sabem que os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. E hoje, depois do imprevisível da crise global, tornou-se evidente que a economia está totalmente dependente do “input” político, tanto da política global, como da europeia e da nacional. Logo, para haver mensurabilidade na economia, tinha que poder medir-se a política e algumas medidas tomadas ou por tomar.  Hoje, em Portugal, não há esquerda nem direita, mas como no tempo da Primeira República, uma maioria situacionista de bonzos, incluindo PS e PSD, e franjas sistémicas de endireitas e canhotos. O PS costuma invocar a esquerda em campanha eleitoral, mas quando chega o governo põe sempre o socialismo na gaveta. O PSD é tão bonzo e tão Keynesiano quanto o PS e ambos, neste sentido, adoptam a pesada herança do estadão, assumindo uma espécie de salazarismo democrático, porque foi Salazar que lançou em Portugal as bases do Estado-Providência, traduzindo, com meio século de atraso o que Bismarck tinha feito na Alemanha e Napoleão III e a III República de Jules Feery em França… Estado social foi o nome que Marcello Caetano deu ao Estado Novo que começou por ser conhecido em França, nos finais do século XIX, por Estado Providência e que no pós-guerra britânico se vulgarizou como Welfare State, enquanto em alemão se prefere o Estado de Bem Estar. Trata-se de uma velharia que só onde ainda estão vivas as arqueologias ideológicas tem algum sucesso eleitoral, porque qualquer Medina Carreira demonstra como o Estado de Bem Estar se tornou num pesadelo, isto é, num Estado de Mal Estar que vai empenhando as gerações futuras.  Só pode haver justiça distributiva, quando o cofre central consegue recolher os impostos, através da justiça social e só pode haver igualdade quando se consegue tratar desigualmente o desigual. Qualquer liberal que não seja neoliberal, como é maioria dos liberais de hoje, não adopta as teses do anarco-capitalismo de Robert Nozick e do seu Estado Mínimo. Até Adam Smith defendia a justiça distributiva e a justiça social, não reduzindo a igualdade à justiça comutativa, coisa que a doutrina social da Igreja Católica retomou quando se conciliou com a democracia, isto é, a partir de 1891.  Nosso primeiro, em vez de pilotar o futuro, com política, preferiu os chavões politicamente correctos das inevitáveis governanças sem governo e confirmou que não sabe reconhecer que a maioria dos factores de poder já não são apenas nacionais, dado que a nossa independência é cada vez mais gestão das dependências e navegação na interdependência. Logo, precisamos de leme, de GPS, de intuição quanto à navegação pelas estrelas e não de uma pesada barcaça de um plano de fomento, como aquele que os tecnocratas prepararam a Marcelo, na véspera de o meterem numa Chaimite no Largo do Carmo. O tom do programa PS cheira muito a estilo dos tecnocratas dessa época. Parece um relatório de João Salgueiro traduzido em choradinho esquerdista por Lurdes Pintasilgo,  com slogans de António Guterres