A pátria está de tenda montada diante da Torre e vai dormir em miragem, com muito Colombo, mas sem furo no ovo nem bons selvagens. Até ao desmontar da feira da imagem, até batem leve, levemente. Não é apenas chuva, nem apenas gente. A neve vai caindo e o degelo não vem. Prefiro comemorar a Restauração, porque sem 1640 não haveria Brasil, como assinalava Agostinho da Silva, na sua eterna metapolítica. Estes longos directos, vindos da cimeira, se confirmam Portugal como excelente mestre de cerimónias, contrastam com a putrefacção institucional interna, mas fazem-me recordar que, em termos de política externa, vale a pena o consenso nacional, em ritmo de fado com saudades de futuro… Contudo, não podemos esquecer que Assembleia da República demonstrou que o governo tem apoio apenas minoritário. Nosso primeiro qualificou este activismo da coligação negativa como “governo de assembleia”. Apenas veio confirmar que até agora vivemos emassembleia de governo. Ou melhor, tivemos governos e parlamentos de directório partidário, em regime de chanceler, ou de presidencialismo de secretário-geral absoluto, odiando forças de bloqueio… Porque absoluto quer dizer “ab” mais “solutus”, isto é, solto, em soltura, sem controlo pelos contrapoderes da velha engenharia de Montesquieu. “Checks and balance” é o velho e eterno nome da democracia pluralista, o exacto contrário do centralismo democrático, herdeiro do jacobinismo… Poder em soltura, sem controlo, é governança livre das leis que ela próprio pode fazer, bem como governança onde tudo quanto ela diz é lei, mesmo que o diga em propaganda de corredor ou de átrio, como “slogan” de telejornal. Sócrates II não é Sócrates I e o queijo limianoda barganha subiu de preço: já custa qualquer coisa que se situa entre o Bloco Central e o portas do dito, dado que Dimitrov já era… A não ser que as oposições que temos deixem o governo governar, como aqueles jogos onde o vencedor resulta da mera falta de comparência do adversário. Em todos os casos, quem perde é o povo, assim dependente de uma coligação negativa e da consequente hierarquia daquelas potências a que chamavam forças vivas e que, em muitos casos, coincidem com os chamados “empresários do regime”. Mas vamos esquecer o défice, o endividamento e os governadores civis que ascender ao Olimpo por perderem as eleições. A comarca experimental do Baixo Vouga continua a mobilizar recursos em cauções para o erário público, naquilo que os do costume chamam divertimentos… O Estado a que chegámos é cada vez mais um Estado Novo que afinal é Velho. Quer, pelo decretino, rever a história e, enredado na literatura de justificação, junta salazarismo e estalinismo, sem reparar que só é novo aquilo que se esqueceu, que só é moda aquilo que passa de moda. Tem a cara dos governadores civis, vive das posses e das eméritas medalhas de homenagem… Há salazarentos que odeiam Salazar só porque ele era mais inteligente e mais honrado do que muitos dos ministros de tal regime. Infelizmente, até hoje só conheci, entre os insignes ficantes do dito, patifes inteligentes, honrados burrinhos e emproados de província, com gravata e restos de brilhantina, todos cheios de rebentos da ultra-esquerda, chamando fascistas aos dissidentes face ao obediencialismo, só porque conseguiram enrodilhar os situacionismos posteriores e odeiam as lealdades básicas que seguem as ideias de obra ou de empresa…
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Montesquieu, ou de como se deve controlar o poder
La liberté ne peut consister qu’à pouvoir faire ce que l’on doit vouloir, et à n’être point contraint de faire ce que l’on ne doit pas vouloir... Olho, da janela do escritório, o pinheiro que semeei na extrema da minha terra de liberdade, onde as corujas vêm, de vez em quando, pousar. É madrugada de mais um dia que nasce e ainda posso olhar as estrelas, com os pés na terra pátria onde quero semear meus restos, quando passar a ser apenas memória. Acordo e recordo, insisto no velho mas não antiquado imperativo categórico de viver como penso, sem pensar como vou vivendo. E tento esquecer que uma parte de mim mesmo está presa nas teias de uma Bielochina que eu desejava imaginária, como simples exercício de imaginação de fantasmas, situado no extremo oposto da vivida realidade, do aqui e agora. Mas não! Chegam telefonemas e, um a um, confirmam que o tal défice democrático não pertence apenas às maiorias absolutas do caciquismo bairrista, mas a todas as estruturas de uma qualquer personalização do poder, incluindo as do reformismo tecnocrático dos pequenos segmentos socratinos do nosso quotidiano, propícios ao florescer dos micro-autoritarismos sub-estatais. Dos tais que não têm les principes, mas meros simulacros de um falso princeps que, não recebendo lições de democracia de ninguém, suspendem a política e entram em regime de despotismo teodemocrático, regressando ao velho doméstico de certa sociedade de Corte. Por isso recordo as lições dos clássicos, começando pelo meu mestre de há séculos, com quem comungo daquela secreta irmandade que todos os que ascendem à maturidade da teoria podem aceder, mas numa universitas scientiarum que não se confunda com os colégios fundamentalistas saturados pelo capacete das pequenas tiranias do carreirismo, da cunha e da subsidiocracia, embora se decretem de esquerda, da modernidade, do reformismo e das cantorias, assentes na grande união unitarista, só porque podem ter um pé de barro estalinista e outro, de mosto, arrotando ao fascista folclórico. Porque todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites (c’est une expérience éternelle que toute homme qui a du pouvoir est porté à en abuser) e que, para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrête le pouvoir). Até porque o mais perfeito governo é aquele que avança para o seu objectivo com menos custos…