Mar 31

Manifestação das freguesias

Perspectiva tirada de um colóquio dos estudantes de relações internacionais em austeridade. Um IPad de maçã norte-americana feito na China. Um microfone “wireless” feito no México para uma aparelhagem gerida à portuguesa. E um texto que não apetece ler, porque há gente com esperança à minha frente e que tem de ser mobilizada para o futuro. E a universidade, se for universidade, pode ajudar.

A cabeça da manifestação já chegou ao Rossio. Aqui vai a minha bandeira. Do que já foi concelho. É a minha bandeira, hoje. Da pequena pátria.

É deprimente o tempo que muitos gastam com meras questiúnculas de chefe de posto e de administrador colonial a que dão o nome de política, reduzindo-a a meras redes de vassalagem, naquilo que Hannah Arendt qualificou como governo dos espertos: a despolitização típica do governo da burocracia, com uma administração que apenas aplica decretos, como acontecia com o czarismo russo, a monarquia austro-húngara e certos impérios coloniais, pretendendo suprimir as autonomias locais e centralizar o poder. Mesmo que os donos do poder apenas exerçam uma opressão externa, deixando intacta a vida interior de cada um, ao contrário dos totalitarismos.~

Mais de 200 000 pessoas na rua, pelas freguesias. Apenas isso. Claro que os contribuintes pagaram os autocarros. Exactamente os mesmos que pagam a subvenção pública aos partidos. E o apoio aos sindicalistas. Mas talvez há mais autarcas de freguesia, não sei quantas vezes, que os militantes activos dos partidos e os mobilizados pelos aparelhos sindicais. Já havia freguesias e concelhos antes de haver Estado, antes de haver sindicatos e antes de haver partidos. E era melhor que as autarquias, os partidos e os sindicatos fossem todos pelo povo. Destroikem-nos.

Só foram vendidos 231 carros eléctricos, em Portugal, desde 2010 e até Fevereiro passado. No entanto, só em Monsanto, junto da minha escola, já há três postos de abastecimento no parque de estacionamento. Um erro de previsão explicável, mas que me permite olhar para esta imagem com um adequado sorriso. Porque todos os meses pago a factura sem poder estacionar.

Mais de 200 000 pessoas na rua, pelas freguesias. Apenas isso. Claro que os contribuintes pagaram os autocarros. Exactamente os mesmos que pagam a subvenção pública aos partidos. E o apoio aos sindicalistas. Mas talvez haja mais autarcas de freguesia, não sei quantas vezes, que os militantes activos dos partidos e os mobilizados pelos aparelhos sindicais. Já havia freguesias e concelhos antes de haver Estado, antes de haver sindicatos e antes de haver partidos. E era melhor que as autarquias, os partidos e os sindicatos fossem todos pelo povo. Destroikem-nos. Claro que prefiro pagar às freguesias…em vez dos carros eléctricos. Ressalvo os amarelos da Carris…

Sobre a última grande manifestação do povo organizado, como a democracia de muitas democracias, poderemos questionar: “se isto não é o povo, onde está o povo?”. Logo, se o dinheiro é um bem escaso, há que escolher o que melhor produz investimento. Eu prefiro o das autonomias, ao da agiotagem.

 

Mar 30

Untitled

No comboio descendente, lendo os bailados comunicativos dos semanários da partidocracia capitaleira, onde os situacionistas continuam a fingir dinamismo, só porque são oposição à oposição, nesses cansativos passos de dança do rotativismo devorista.

Ao contrário do que diz a CiA, o maior grupo de pressão em Portugal é aquele que não parece grupo de pressão. Em segundo lugar vêm aqueles que apenas são federações de grupos de pressão e de grupos de interesse, visando a conquista do poder. De qualquer maneira, a CIA já não é por cá um influente grupo de pressão. Dependia do seu rival, o KGB.

Ontem, um pasteleiro dos Olivais, acompanhando o filho num desses concursos dos milhões televisivos, mostrava um livro que tinha publicado sobre as suas memórias transmontanas. Não consta que se esteja a candidatar a presidente da república, apesar de ter levado claque. Mas em menos de trinta segundos mostrou garra. Ainda pode levar o meu voto. Em nome dos pastéis de Belém.

O parlamento nacional sabe lidar tão bem com a diferença que até vamos lendo notícias destas, confirmando que o memorando com a troika é superior à primeira palavra da letra constitucional:

Quem está pelo 5 de Outubro e pelo 1º de Dezembro não é patriota, segundo o memorando da troika. Será que o Parlamento nos vai levar a isto? Espero que não..

Os troikados, que são os da maioria, juntamente com os da abstenção que, nessa posição, julgam que votam simultaneamente a favor e contra, querem tomar-nos por parvos, proclamando que os restantes são irredentistas. Infelizmente, nem sequer estão do lado certo da história. Apenas escolheram não ter história, como se os trocos tivessem a ver alguma coisa com a essência de um povo. Não vou esquecer. Quando voltarem a estar aflitos, chamem o Álvaro! Nisso sou irredentista. Nem para a junta de freguesia podem contar comigo.

O situacionismo do caracol sempre foi uma ampla coligação entre a esquerda moderna e a direita dos interesses, com a habitual disputa entre os irmãos inimigos do velho rotativismo devorista.

Mar 29

Untitled

Ontem, na RTP, num comentário à entrevista de Passos Coelho, reconheci que ele não foi hipócrita, quando reconheceu uma situação de emergência nacional que não foi ultrapassada, mas também não disse a verdade, ao declarar que “não darei más notícias que são evitáveis”. A maior parte dos factores de poder já não são controláveis pelo governo, pelo partido maioritário e até pelo parlamento.

O nosso primeiro-ministro é bom aluno de dois super-estados (FMI e UE) que estão interessados em que sejamos bons alunos, que tenha êxito esta governança sem governo, cada vez em regime de piolotagem automática. Só que falta a mobilização da república ou comunidade e poderemos entrar em anomia, mesmo que há bons padrões de gestão do estado-aparelho de poder. Pode deixar de haver portugueses, enquanto cidadãos individuais, enquanto autonomia da sociedade civil e enquanto empresas.

Mar 28

Só se for um curto-circuito que provoque um apagão

Europa. Numa esquina do Chiado, às três da tarde. Um autocarro turístico desembarca uma chusma da terceira idade. Turistas italianos de digital na mão. Que fotografam ávidos um começo de manifestação da Inter. Outros autocarros turísticos descarregam pequenas chusmas de manifestantes, vindos algures, do interior. Há activistas e netos de activistas, com farnel ao tiracolo. E entre os manifestantes, à volta da estátua de Camões, um velho líder nosso, maoísta e com acento, mas engravatado, passeia sua solidariedade. É a Europa social, com nostalgia da revolução perdida. Mas tudo bem ordenado. Em ritual. Apenas falta um Giovannino Guareschi que os retrate, aposentados.

Não vi polícia nos arredores. O Pessoa estava de bronze, petrificado. Quase diante do António Ribeiro de Chiado. Alguns manifestantes estavam sentados nas escadas da igrejinha. E um deles até fazia a contabilidade, recebendo as quotas. Tudo como deve-ser. Isto é, tudo sem ser. Basta o parecer. Do marcar do ponto. Até na revolução.

O vermelho cheira ao glorioso, o do Sport Lisboa e Saudade. Com águias amestradas, antes do jogo.

Uma só fagulha pode incendiar a pradaria. Uns dizem que é de Mao. Outros são mais restritos e falam em Pushkin. Eu sou mais pela tese de Prometeu, quando roubou o fogo a Zeus e permitiu a invenção do cozido contra o cru. Do cozido à portuguesa. E reconheço que já não há dessas fagulhas. Nem para o fogo posto. Só se for um curto-circuito que provoque um apagão. Nem que seja uma cegonha num fio de alta-tensão, como aconteceu antes de haver chineses como accionistas da REN e da EDP.

Mar 26

QUEM MANDA? PORQUÊ? E COMO?

QUEM MANDA? PORQUÊ? E COMO?

Por José Adelino Maltez

Quando nos resignamos com a falta de alternativas, face à ordem exógena importada, podemos agravar a anomia. A tal situação onde não existem leis nem regras, mesmo que existam muitas e muitas, para serem confusas, contraditórias ou ineficazes. Isto é, se o grupo ainda permanece, corremos o risco de não haver mais solidariedade entre os indivíduos, que perdem sistemas de apoio e pontos de referência, isto é, a memória e a identidade. Até não falta a presente hiper-informação, onde nos embebedam de propaganda que não parece propaganda e tentam controlar-nos pela “agenda setting”, para que as árvores e os ramos de árvore não nos deixem ver a floresta. Daí não se tornar visível o sistema hierárquico dos efectivos donos do poder, com níveis de concentracionarismo sucessivamente crescentes. Também no Congresso do PSD, ao separar-se o poder governativo do poder partidário, ficámos sem saber dos vértices e das respostas visíveis para “Who rules? Why? How?”. Porque a montra da teatrocracia deixou de corresponder aos movimentadores da ”revolução tranquila” (um lema que vem do Quebeque, de há 50 anos). Um pouco como a “força tranquila” de Mitterrand, onde só é novo aquilo que se esqueceu. Não tarda que Seguro possa responder com “Tant qu’il aura un coeur il batera à gauche”. Quem quer correr a maratona, não pode untar-se de sebo nem tomar estricnina. Mesmo que tenha a convicção de morrer tentando, como Francisco Lázaro, em 1912, com receita inadequada para o desafio.

No DN

Mar 24

Criticando Sampaio, trazendo de novo Hannah Arendt

Jorge Sampaio diz que os regimes portugueses, mesmo no fim, duram mais uma dúzia de anos, ao reconhecer que a crise académica de 1962 “prenunciou o princípio do fim do Estado Novo”. Duvido da observação. Basta ler a lista dos ministros de Salazar nesse momento. E sermos tolerantes para com o máximo de situacionismo que se assume em nostalgia pela revolução perdida. Eu continuo a gostar mais das revoluções evitadas.

O ex-Presidente diz que nesse dia percebeu a força da “acção colectiva”. Aos estudantes de hoje pede “inovação” para enfrentar a crise.

Apenas insisto numa ideia de Edmundo Burke glosada por Hannah Arendt em “On the Revolution”, a propósito das revoluções inglesa e norte-americana que mudaram bem mais que o período jacobino da chamada Revolução Francesa. O mesmo poderemos dizer da bolchevique de 1917. E de todas as que pretendem continuar Robespierre ou Lenine.

Claro que incluo no conceito de revolução jacobina as revoluções ditas ao contrário do fascismo e seus derivados, a partir de 1922. Meros irmãos-inimigos.

O Estado Novo, mesmo o de hoje, sempre foi o Estado Velho. O dito bom e velho estado a que chegámos.

A grande força da acção colectiva que derrubou o regime foi a da tropa em golpe de Estado. Isto é, quem o fez foi quem o desfez.

É preciso mesmo reler Hannah Arendt. A que não foi em ideologia nenhuma. Apenas linguajou o que pensava. O que muitos pensam. Há vinte e cinco séculos.

Apenas me apetece dizer que, tal como os chineses, retomaram Confúcio e estão vencendo, por cá, nestas bordas do mar interior, houve quem fosse contemporâneo de Confúcio e nos pensasse. Arendt apenas retoma a senda. Diz de novo o que é antigo, mas não antiquado.

Eu, como sou professor dessas coisas, porque dentro das coisas é que as coisas realmente são, apenas repito. E aplico. Embora reconheça a velhice, porque também sou avô de mim mesmo.

Inovar sempre foi relembrar. A tal anamnese. Onde ana é trazer de novo e mnesis é memória.

O mal das crises é o esquecimento.

 

Mar 23

Um normal anormal, conforme o guião

Um normal anormal, conforme o guião

No DN

 

A greve geral transformou-se numa rotina, num desses normais anormais, onde correu tudo conforme o previsto e o ensaiado. Onde todos concluíram que todos cumpriram o guião. Assim, é mero pilar da ponte do tédio que foi da grandiosa manifestação de rua para mais um exercício de retórica por parte do porta-voz do conselho de ministros. Ficou adiado o ensaio de confronto entre a pressão extrema de uma classe que nunca existiu, como geral, e uma entidade que diz ser o representante da vontade geral e assume o monopólio da violência legítima, principalmente quando sublima a violência em impostos, que finge legitimar em campanhas eleitorais. Porque era previsível que, por tacticismo, os governamentais desvalorizassem, não arreganhando o racha-sindicalismo. Mas os sindicalistas preferiram a manutenção de um situacionismo que se diz anti-situacionista. Ganharam todos. Uns dizendo que não somos a Grécia. Outros, que o poder sindical continua. O chamado empate técnico, com muito antijogo, de parte a parte.

Mar 21

Homem revoltado, sob o peso do nosso tempo

Sérgio chamava a esta coisa moluscular, cuja cobardia permitia o salazarismo, reino cadaveroso. Não vale a pena replicar, dizendo república cadaverosa. Já não somos reino nem república, mas estadão prenhe em venerandos, exigindo respeitinho. Mas continuamos o cadaveroso, do adiadamente, sempre enjoado, com medo de ficar à solta e com grandeza. Só com homens revoltados poderemos refundar-nos. Não com ministerialismo sentenciador, de ministros e ex-ministros, fingindo que são alternativa.

Os governantes que temos, isto é, que vamos tendo e tivemos recentemente, todos ele têm medo. Não do povo, que importa construir, mas da liberdade de cada um dos indivíduos. A única realidade que nos separa dos aparelhos que nos tramam em solidão, para esmagarem na nossa intimidade e a nossa criatividade. As que passam pela libertação face ao estado de necessidade com que nos continuam a escravizar. Enquanto nos enredarem nesta manipulação discursiva, continuaremos a ser mandados. Libertação, precisa-se! Para crescermos por dentro!

Glosando Pessoa, podemos dizer que o prestígio de actuais ministros também “nasceu vagamente da sugestão do seu prestígio universitário e particular, mas firmou-se junto do público, logo desde as suas primeiras frases como ministro, e as suas primeiras acções como administrador, por um fenómeno psíquico simples de compreender. Todo prestígio consiste na posse, pelo prestigiado, de qualidades que o prestigiador não tem e se sente incapaz de ter”.

Não é de estranhar que discursem sobre a meritocracia os seus exactos contrários, da mesma forma como não falta ocupação de tempos de antena de luta contra a corrupção por parte de quem, pelo menos, deveria envergonhar-se de falar no tópico. Politologicamente falando, a usurpação ainda resulta. Aqui e agora.

Os controladores do tráfego político, do “agenda setting” e da gestão da empregomania e da subsidiocracia ainda não perceberam que o respectivo GPS avariou, por mais palmas que recebam dos auditórios e por mais palmadinhas nas costas com que sejam mimoseados nos corredores da cunha. Um quarto de hora antes de morrerem ainda parecem vivos. E ainda despacham.

Nada mais clarificador do que ver juntinhos, numa só fotografia, um situacionista de agora, um situacionista de ontem e um situacionista de anteontem. São todos o mesmo. Está no registo do sindicato das nomeações mútuas.

Sou mais libertário, do anarquismo místico, que do embrulho populista com que se costuma disfarçar o jacobino, ou o seu irmão-inimigo reaccionário. Desculpem a revolta, mas os meus queridos Camus e Arendt, que pensaram o essencial no ano em que nasci, ainda me continuam a referenciar neste caminho.

Porque hoje é o dia mundial da poesia, ontem foi o mais do mesmo e amanhã, greve geral.  Vi este programa e li este artigo.

Mar 20

Ser vencido pode ser vencer…

Nem todos os agrupamentos humanos são políticos. Isto é, nem todos assentem na relação horizontal de homens livres e iguais, num espaço público. Não o foram os impérios nem as monarquias universais, muito menos as relações de colonização ou de invasão, os que assentem em comunidades internacionais étnicas ou de derivam de meros tratados comerciais ou de segurança. Nunca o poderia ser um mero governo mundial, mesmo o que assente fragmentariamente na geofinança ou na geo-economia. Não o será uma Europa assente na confederação de dois restos de império, o apátrida dos economeiros e financistas que gritam que não há alternativa ou a dos securitárias que aqui traduzem em calões estratégias de outras potências. Não repararam certos pulhíticos que, até em Portugal, desde a teorização do Infante D. Pedro, a república não passa de um concelho em ponto grande? Algo que se situa entre a aldeia e a república universal, sempre à procura da república maior…Não há nenhum república que não subscreva a tese clássica que nos diz que a política é sinónimo de democracia, até contra os usurpadores.

Estou farto dos terraplanadores, dos vendepátrias e dos niilistas. Houve regentes da república que foram mais fiéis ao reino do que pretensos reis que apenas serviram seus validos e as forças vivas que nos traíram.

O reino não é para os ministros, porque até os reis o foram para a república (regnum non est propter rex, sed rex propter regnum).

Há muita gente que não entende que o “regnum” apenas emergiu nos séculos XII e XIII quando as autonomias dos povos se libertaram das teias do patrimonialismo feudal, do império e do papado. Só então se voltou a conjugar a “polis”, a “respublica” e os foros e costumes dos homens livres, tanto nas nossas comunas sem carta, como eram as freguesias, como nos concelhos, burgueses e rurais, escapados aos senhorios. Foi desta gesta que nasceu Portugal. Não o matem com o ministerialismo e as suas “revoluções vindas de cima”, decretinas e cretinas.

Infelizmente, à esquerda, domina o jacobinismo pombalista que esqueceu o federalismo republicano e o socialismo centralista que nunca estudou Proudhon, porque veio do estalinismo reciclado. Infelizmente, à direita, ficou tudo salazarentado e nem sequer chegam ao princípio da subsidiariedade. Encantam-se com os teóricos de gabinete dos vários ministérios do interior e nem sabem quem é o autor da frase “comunas sem carta”. Preferem os sucessivos marchuetas que os empalmam em visitas à província e grandiosos discursos de palanque.

O Rodrigo da Fonseca, o raposa da partidocracia, chega sempre no “day after”, liquida a reforma do Mouzinho da Silveira e junta situacionistas e pretensos oposicionistas, como “alegres convivas”, à “volta da mesa do orçamento”. A maior parte deles satisfaz-se com restos. A caricatura continua. Espero que não se repita como tragédia. Ou tragicomédia.

Claro em pensar, e claro no sentir,
é claro no querer;
indifferente ao que há em conseguir
que seja só obter;
duplice dono, sem me dividir,
de dever e de ser-

não me podia a Sorte dar guarida
por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
calmo sob mudos céus,
fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!

Na imagem, armas do chefe do meu partido. O que foi vencido em Alfarrobeira. Mas venceu depois. O autor do primeiro tratado de política em português. Dito “O Livro da Virtuosa Benfeitoria”.

Mar 19

Carta matinal a uma amiga socialista

Grande parte da classe política, sobretudo a do PS, vive sitiada há décadas pelo processo de cenarização estabelecido pelo “Expresso” e por Marcelo Rebelo se Sousa. Hoje apenas discutem, em pânico, a hipótese de um candidato a presidente da república, aliado ao governo de direita, que entre bem à esquerda. isto é, ele, o cenarista. Como se o povo fosse barro, mas sem ser das Caldas. O problema é saber se até lá vai persistir republica, haver presidente ou, pior do que tudo, gente que possa continuar a dizer-se da direita e da esquerda. Ainda não repararam que a democracia está a ser quotidianamente ocupada pelos inimigos da política? Que até são bem piores do que os meros adversários da democracia.

Bem tento dizer a amigos socialistas que o capitalismo é mero subproduto do liberalismo e que eles, e elas, os e as socialistas assumem o essencial da herança do liberalismo político e individual, dito das causas sociais. Muitos não percebem que capitalismo não é liberalismo e, muito menos, as degenerescências do negocismo, da geofinança dos mercados comandada por partidos únicos e Estados autoritários, totalitários, mafiosos, confessionais, bandocráticos, fundamentalistas ou castíferos. Por cá, nem isso! É apenas o salve-se quem puder, com homilias dominicais e cunhas corporativas e de seita.

Quando o PS acorda nas segundas-feiras do costume e se sente encurralado com os pais todos ausentes-presentes, costuma cair na tentação dos velhos partidos republicanos, a do populismo jacobino inconsequente, restaurando fantasmas e agravando preconceitos sem saber “o que fazer?”. É fácil: reciclem a esquerda revolucionária pelo reformismo, federem a extrema-esquerda pelo socialismo autogestionário e libertário e tratem de dialogar com o centro excêntrico que já descobriu que a maioria dos votantes não se sente de esquerda nem de direita. Mas façam tudo isto com crenças, doutrinas e valores e sem o “catch all” da geometria variável da demagogia de visitas à província…

Detesto o pensamento único. Sobretudo quando o calmante é marca “pensar baixinho”. Entro em revolta. Mas a maioria gosta da droga.

E bate muitas palmas quando os venerandos se deslocam em visitas capitaleiras à paisagem da província.

Aliás, a palha está cada vez mais cara.

Entretanto, Gaspar marcha para os States. Como bom chefe de departamento de relações públicas. Não consta que Álvaro seja despachado, com a mesma função, a caminho do Canadá. Apenas pode notar-se que o governo socialista de Sócrates, sob a presidência social-democrata de Cavaco, nos meteu, de corpo e alma, no cepo da troika. Com o acordo do PSD e do CDS. E com a posterior ratificação do eleitorado, assente em meias verdades e muita propaganda, a que continua com prefácios que são pós-fácios.