Mar 19

Carta matinal a uma amiga socialista

Grande parte da classe política, sobretudo a do PS, vive sitiada há décadas pelo processo de cenarização estabelecido pelo “Expresso” e por Marcelo Rebelo se Sousa. Hoje apenas discutem, em pânico, a hipótese de um candidato a presidente da república, aliado ao governo de direita, que entre bem à esquerda. isto é, ele, o cenarista. Como se o povo fosse barro, mas sem ser das Caldas. O problema é saber se até lá vai persistir republica, haver presidente ou, pior do que tudo, gente que possa continuar a dizer-se da direita e da esquerda. Ainda não repararam que a democracia está a ser quotidianamente ocupada pelos inimigos da política? Que até são bem piores do que os meros adversários da democracia.

Bem tento dizer a amigos socialistas que o capitalismo é mero subproduto do liberalismo e que eles, e elas, os e as socialistas assumem o essencial da herança do liberalismo político e individual, dito das causas sociais. Muitos não percebem que capitalismo não é liberalismo e, muito menos, as degenerescências do negocismo, da geofinança dos mercados comandada por partidos únicos e Estados autoritários, totalitários, mafiosos, confessionais, bandocráticos, fundamentalistas ou castíferos. Por cá, nem isso! É apenas o salve-se quem puder, com homilias dominicais e cunhas corporativas e de seita.

Quando o PS acorda nas segundas-feiras do costume e se sente encurralado com os pais todos ausentes-presentes, costuma cair na tentação dos velhos partidos republicanos, a do populismo jacobino inconsequente, restaurando fantasmas e agravando preconceitos sem saber “o que fazer?”. É fácil: reciclem a esquerda revolucionária pelo reformismo, federem a extrema-esquerda pelo socialismo autogestionário e libertário e tratem de dialogar com o centro excêntrico que já descobriu que a maioria dos votantes não se sente de esquerda nem de direita. Mas façam tudo isto com crenças, doutrinas e valores e sem o “catch all” da geometria variável da demagogia de visitas à província…

Detesto o pensamento único. Sobretudo quando o calmante é marca “pensar baixinho”. Entro em revolta. Mas a maioria gosta da droga.

E bate muitas palmas quando os venerandos se deslocam em visitas capitaleiras à paisagem da província.

Aliás, a palha está cada vez mais cara.

Entretanto, Gaspar marcha para os States. Como bom chefe de departamento de relações públicas. Não consta que Álvaro seja despachado, com a mesma função, a caminho do Canadá. Apenas pode notar-se que o governo socialista de Sócrates, sob a presidência social-democrata de Cavaco, nos meteu, de corpo e alma, no cepo da troika. Com o acordo do PSD e do CDS. E com a posterior ratificação do eleitorado, assente em meias verdades e muita propaganda, a que continua com prefácios que são pós-fácios.