Perdoo, mas não esqueço

Ontem, minhas memórias de servidor institucional dos aparelhos de poder, nomeadamente como adjunto político de dois governos presidenciais e de um governo provisório, nas fileiras daquilo que Eanes representava, ficaram avivadas de memórias e deram entusiasmo ao pensamento, sem qualquer coincidência no PRD ou no actual apoio ao cavaquismo. É por isso que aceito a análise do desencanto que fez Vasco Lourenço, mas sem ceder às terapêuticas que insinua. Antes desta ou daquela ideologia pode estar em causa a nossa casa comum, a democracia assente na vontade de sermos independentes. E se apodrece a raiz não há esquerdas nem direitas que tenham sentido.

O principal dos actuais donos de Portugal é uma entidade vaga e difusa, aquela a que Hannah Arendt chama o senhor ninguém, parente de todos os patifes que instrumentalizam o comunismo burocrático e que tanto servem as esquerdas como as direitas, sejam elas comandadas por democratas ou por salazarentos. Aliás, certos crimes de persiganga compensam, para os mandantes, os executantes e os torcionários. Como ainda sou institucional, não considero as moscas inimigas. Responsabilizo directamente os ministeriais que dão tais prémios à incompetência, ao despotismo e às garras aduncas do “ancien régime”. O que está em cima é como aquilo que eles escolheram como martelo inquisidor para os pretensos heréticos, mesmo que mudem o nome à besta. Perdoo, mas não esqueço.

Só agora espreitei este video. Podem não saber história, mas sabem muitas estórias. Já uma vez aqui escrevi que, se fosse déspota iluminado por vinte e quatro horas, obrigava todos os membros da classe política a uma leitura de três livros: Portugal Contemporâneo, de J. Pedro OLiveira Martins; Vale de Josafat, de Raul Brandão; e Conta-Corrente, de Vergílio Ferreira. Para que não continue a comédia, nem volte a tragédia.

Conselho de Ministros aprova taxa de isqueiros e estuda o regresso do papel selado, das portagens nas ruas menos esburacadas e do sobretaxa sobre janelas viradas para o sol. “Os planos de controlo são obrigatórios. O Estado tem que os desenvolver para garantir que o produto disponível para consumo está sempre em boas condições. Tudo isto é oneroso”. O consumidor agradece.

Aconselho os senhores deputados a procurar na rede o conceito de revolta das maçarocas. Porque consta que vários conjurados se preparam para a emissão de uma Carta do Emplastro contra Filipe IV.

Chegou-me agora a boa nova: por iniciativa dos donos dos nossos hipermercados, os cem homens mais ricos de Portugal, muitos deles membros da comissão de honra da candidatura do actual presidente, vão doar metade das respectivas fortunas para um fundo de solidariedade social. A cerimónia da doação terá lugar no próximo dia 1 de Maio, nas antigas instalações da Sopa do Sidónio.

«E, daqui mesmo, nós exortamos o nosso povo que, para comemorar esta vitória sobre a reacção o próximo domingo seja um dia de trabalho nacional, um domingo em que o povo vá para a oficina, vá para os campos, vá para a fábrica, trabalhar, como (manifestação de alegria por esta vitória que obtivemos sobre a reacção. Estamos convencidos de que o povo compreenderá e que poderá fazer do próximo domingo como jornada de vitória nacional, de vitória do 25 de Abril. E no trabalho demonstrar que está, de facto, interessado, verdadeiramente interessado, no progresso da Nação. Não pretendemos que o fruto desse trabalho seja entregue, nem ao Governo Provisório, nem ao Movimento das Forças Armadas: o produto desse trabalho será para quem trabalhar. Mas nós sabemos que esse produto irá juntar-se ao produto nacional.”

Qualquer observador desapaixonado pode chegar a uma conclusão óbvia: o novo modelo do gasparismo cristíco, apesar do papel de embrulho neoliberal, com que os opositores o alcunham, apenas padece de fanatismo antiliberal, na prática do extorsionismo fiscal. Para mim, há uma qualificação papal, de Pio XI, que se lhe aplica com toda a lindeza: não passa do mais do mesmo da estatolatria!

“Os inconvenientes da subida de preços que estavam a ser evitados ao consumidor, à custa de subsídios do Estado financiados pelas instituições de crédito, obrigaram a gastar no consumo aquilo que deveria ser investido na actividade económica reprodutiva, com evidente prejuízo para a Nação, a médio e a longo prazo. É necessário, portanto, aproximar os preços do valor real dos produtos. Trata-se de uma operação dolorosa, com reflexos no nível de vida da população, mas indispensável para se evitar um desequilíbrio financeiro demasiado grave. .. Para evitar um maior agravamento do custo daqueles produtos alimentares, os subsídios do Estado continuam, embora em menos volume, e há ainda que aumentar os preços dos combustíveis. (discurso da pesada herança, de 18 de Agosto de 1974)

“O País tem necessidade de conhecer a sua situação real.
Só assim poderá compreender os sacrifícios e a austeridade que se lhe pedem. O Governo Provisório tem o dever de tomar a tempo as medidas que se impõem para o saneamento económico, não fazendo política demagógica, e criando assim condições que facilitem o trabalho do Governo que, no próximo ano, há-de ser livremente escolhido pelo Povo Português.De imediato, estão a ser e vão ser tomadas medidas no sentido de sanear toda uma vida económico-social doente, ao mesmo tempo que se lançam iniciativas cujos reflexos se não farão sentir a curto prazo…Não se passa de um momento para o outro de país dos mais atrasados da Europa para o nível de uma França ou de uma Itália…É um processo que exige uma devoção e um patriotismo capazes de fazer aceitar a todos, mas a todos, os maiores sacrifícios, quer na austeridade em que teremos que nos habituar a viver, quer no trabalho, muito trabalho, a que temos que nos entregar, tudo isto num clima de verdadeira ordem democrática e de paz social, condições indispensáveis para a reconstrução nacional a operar.” (Não é Gaspar, é Vasco)

Má nova: Bill Gates já não vem abrilhantar a cerimónia da doação que os mais ricos de Portugal prometeram fazer no dia 1 de Maio, na Sopa do Sidónio. Descobriu-se que noventa e cinco deles mudaram de nacionalidade. Parte deles, já é neerlandês e grande fatia foi apanhada pela TVE a abandonar o consulado da Guiné-Bissau, com o papel da cidadania já concedido. São agora cidadãos do mundo!

 

 

 

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