Se misturarmos os meandros visíveis do processo da Casa Pia com o nervosismo dos pré-candidatos presidenciais, teremos de recordar que foi Salazar que, na inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional, declarou que “em política o que parece é”.
Mas, hoje, importa dizer um pouco mais: em política, só o que “aparece”, nos grandes meios de comunicação de massa, é que se torna social e politicamente relevante. Daí que seja inevitável o nível de compenetração entre a classe política, a classe dos novos-ricos e a classe mediática. Compenetração que tanto gera coincidências como conflitos, com as inevitáveis relações de amor-ódio, especialmente nesta nossa democracia, cada vez mais emaranhada nas teias do videopoder, do Estado Espectáculo e da teledemocracia.
Podemos, pois, dizer, como nos povos primitivos, que o normal da chamada “conquista do poder” é a “conquista da palavra”, dado que, também aqui e agora, manda aquele que pode discursar, aquele que, pela palavra e pela imagem, consegue transformar o “conceito” em “preceito”, principalmente pelo controlo o programa de debates. Aliás, os tais que efectivamente mandam sabem que qualquer povo é “uma comunidade de significações partilhadas”, pelo que procuram dominar a produção de símbolos, sabendo que quem manipula a palavra e os signos, quem controla a comunicação, controla o poder.
Se no Portugal Velho, que ainda marcou o salazarismo, quase tudo se resumia à família, à igreja, ao quartel e à escola, eis que os novos clérigos são cada vez mais os donos da agenda do videopoder e os anónimos fazedores dos dicionários de opinião comum, o thesaurus donde se retiram os argumentos, os conceitos, as interpretações dos factos e as palavras.
Com efeito, o púlpito foi substituído pela caixa televisiva, o comentador sucedeu ao retórico e o histriónico passou a dominar os novos “picaretas falantes”, os que cozinham a salada russa ideológica do “politicamente correcto” que se impõe à moral do esforço interior de libertação, como manancial das regras de conduta justa.
Os velhos armazéns da memória de um povo, como eram a família, a universidade, o adro da igreja ou do pelourinho das comunidades locais, foram assim substituídos pelos arquivos de “fast food” dos chamados “opinion makers”, os tais que traduzem em calão as ideias vindas de centrais de condensação neo-enciclopédicas com as suas “lendas negras”.
O papel de controleiro e repetidor passou a caber aos canalizadores oficiosos da opinião, previamente demarcados por quem organiza o programa dos debates e que assim limita o âmbito das escolhas. Compreende-se, pois, como o anterior processo de luta política entre os grupos passou, de luta aberta, a luta oculta, onde, na nebulosa e nas brumas, conspiram sociedades secretas, sociedades discretas, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes e feudalizantes, ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem nada saberem de programação.
É por tudo isto que Portugal, colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, se vai dessangrando em autonomia, em identidade e em consciência, tendendo para uma mediocracia. Porque, depois de uma crise do discurso sem sujeito (o tempo das ideologias dos anos do Maio 68), vivemos o espectáculo do sujeito sem discurso (o tempo do artista mediático, onde vale mais o continente do que o conteúdo).
A pluralidade de cabalas que produziu a presente ditadura dos fazedores da agenda mediática só pode ser superada se, aos grandes meios de comunicação de massa, puder ser aplicado o essencial da democracia pluralista, isto é o princípio do controlo do poder. Está em reconhecermos que todo aquele que tem poder tende, inevitavelmente, a abusar dele e que a única maneira conhecida de o impedir consiste no estabelecimento de “forças de bloqueio”. De, para cada poder, entendido como acelerador, se municiar o aparelho com um contra-poder, funcionando como um travão.
Porque, na actual democracia portuguesa, os intermediários quase monopolistas da soberania popular já não são apenas os directórios partidários ou o parlamento, mas aqueles que montaram uma neopidesca e inquisitorial rede clandestina de informadores, ao serviço de projectos de poder pessoal, onde os crimes da bufaria e da chantagem têm compensado.
Aliás, algumas decisões fundamentais do sistema político passaram a ser tomadas a nível da face invisível da política, dando-se a convergência da união dos interesses económicos dos chamados parceiros sociais com o processo de holding não aparente dos financiadores do sistema partidário e das campanhas eleitorais.
Jan
18