Os compadres e as comadres deste sereno povo, condenado aos bons costumes da subsídio-dependência, porque o Estado de Bem-Estar se converteu num Estado de Mal-Estar, por causa da despolitização e da desgovernação, começam a não perceber esta bisca viciadamente lambida das candidaturas presidenciais. Se, à direita, há os que, depois da derrota, aspiram à vitória final do respectivo epitáfio, não faltam os que, à esquerda e à direita, assistem ao começo do jogo, julgando que o vão vencer apenas porque sucederá a desistência, ou a falta de comparência, dos que se perfilam como potenciais vencedores das primárias em curso.
Uma coisa parece segura: ainda bem que não emergem, por enquanto, dois ou três fortes e credíveis candidatos, porque se eles começassem a falar e a ser ouvidos pelo povo, correriam sérios riscos de passarem a ter mais autoridade do que o actual inquilino de Belém, o homem certo, mas no tempo errado, submerso por circunstâncias a que, naturalmente, foi alheio, mas que o tornaram impotente para dirigir a presente RGA.
Há quem tenha a esperança dos desesperados, quem, por entre a bruma empenumbrada do quotidiano, se alimente de utopia, ou continue a ser aquecido pelo lume do messiânico. Por outras palavras, se compreendo alguns dos que se entusiasmam com o discurso de Francisco Louçã, também entendo os que confiam no regresso do velho tio da nossa democracia, Aníbal Cavaco Silva. Se uns representam a versão revista e actualizada da tradução dos “amanhãs que cantam”, em forma de “bacalhau a pataco”, já outros pensam que pode voltar o oportunismo da Europa do betão e dos fundos estruturais.
Acontece que, entre a extrema-esquerda “aggionata” e a procura de um gestor honesto, dedicado e competente, continua a ser obsidiante o ausente-presente que representa o ponto de equilíbrio de todo o nosso sistema, o avozinho da nossa democracia, chamado Mário Soares que, esquecido do “socialismo na gaveta”, está cada vez mais velho e cada vez mais verbosamente à esquerda, em nome da bandeira da “humanidade contra o neo-liberalismo”, que já nem um Lula da Silva desfralda.
Assim, a procura de um candidato comum para as forças de esquerda constitui um jogo desesperante. Tonecas Guterres, beneficiando com a sábia gestão do silêncio doméstico a que se tem dedicado, poderia ser a tal solução menos péssima. Tonecas Vitorino, regressado das alturas supra-nacionais, poderia ser o factor inesperado, nessa nova versão da “Europa connosco” capaz de competir em dinamismo e prestígio com Aníbal Cavaco Silva.
Até Diogo Freitas do Amaral que, finalmente, conseguiu colocar-se no rigorosamente ao centro, continua à espera que os treinadores de bancada o chamem para mostrar como um defesa-direito pode passar a ponta de lança, a partir do lado esquerdo do meio-campo, garantindo-nos sucessivos empates.
Bem gostaria que, neste contexto emergisse uma qualquer mais valia que não dependesse da partidocracia, alguém que, em nome da necessária regeneração, assumisse a mátria em figura humana. Se continuarmos apenas a contabilizar candidatos politicamente correctos, entendidos como simples bissectriz do actual paralelograma de forças do sistema, estaremos condenados a viver a política como mero modelo de pilotagem automática.
Se permanecer em vigor este conformismo situacionista, continuaremos algemados entre um qualquer Dupont Barroso e o necessário inverso do Dupond Santana, onde, para que o primeiro permaneça no sempre-em-pé, se exige que o segunda faça as suas arremetidas demagógicas no pátio do recreio cá deste colégio de meninos finos. Só assim é que o mestre-escola da TVI que, em boa hora, substituiu outros grandes comunicadores em maus apuros, pode continuar a dar-nos novas lições p’rós Tonecas, evitando que o Dupont tenha que ir a votos para a eleição do chefe de turma.
Fev
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