Dez 01

1 de Dezembro, a comemoração inconveniente

Amanhã, vai acontecer mais um 1º de Dezembro da história de Portugal, pouco tempo depois de Felipe Gonzalez e Cavaco Silva terem concertado em Lisboa a necessidade de instauração de um Mercado Único Ibérico, para ensaiarmos 1992, e numa altura em que grandes figuras das letras portuguesas contemporâneas, como Natália Correia e José Saramago, vivem em pleno idílio “iberista”, sem Fernando Reino em Madrid e já esquecidos das profecias do Embaixador Franco Nogueira. Dizia o meu livro de história da instrução primária que no primeiro dia de Dezembro de l640 um grupo de conjurados tratou de restaurar a independência nacional, expulsando os Filipes do trono de Portugal. Mas, cerca de três séculos e meios volvidos, eis que a República Portuguesa e o Estado Espanhol acabam de aderir à U. E. O., depois de , nestes últimos anos, se terem também irmanado nas Comunidades Europeias e na Organização do Tratado do Atlântico Norte. Não há dúvida que comemorarmos o 1º de Dezembro com a lógica da padeira de Aljubarrota constituiria uma clara afronta aos sinais dos tempos. Seria recordarmos o nosso provérbio que diz que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento e até certo slogan castelhano que proclama uma Espanha una e grande, de mar a mar, sem Portugal nem Gibraltar. Seria continuarmos a viver de costas uns para os outros, recordando a entrevista concedida por Alfonso XIII ao nosso Diário de Notícias, onde o monarca espanhol considerava Lisboa como o porto natural de Madrid, ou a exortação aos portugueses de José António Primo de Rivera, onde nos incitava a seguir o exemplo de Fernão de Magalhães. Acontece que Portugal e o Estado Espanhol podem orgulhar-se do facto de serem os únicos vizinhos europeus que há mais de cento e oitenta anos não têm entre si qualquer conflito armado – desde a chamada Guerra das Laranjas, quando perdemos Olivença. Sucede também que , pela primeira vez, desde a dinastia filipina, as duas entidades estaduais são parceiras das mesmas estruturas supranacionais militares e económicas. Comemorar o 1º de Dezembro, neste contexto, pode, portanto, constituir um atentado contra o espírito dito de 1992 e contra os nossos recentes defensores tardios dos Estados-Unidos da Europa. Talvez fosse muito mais conforme aos “ventos da história” recordarmos que os Filipes foram uma espécie de precursores da CEE e que só não conseguiram atingir o alvo por causa da derrota da Invencível Armada. De qualquer modo é forçoso reconhecermos que só distorcendo a realidade histórica poderemos dizer que durante os sessenta anos de reinados filipinos Portugal perdeu a respectiva independência. Durante esse período, conforme as linhas constitucionais delineadas nas portuguesíssimas Cortes de Tomar, sempre mantivemos órgãos de governo próprios, o que foi sufragado pelo melhor da inteligência portuguesa da época, com destaque para Frei Bartolomeu dos Mártires ou D. Jerónimo Osório. Também poucas vezes se salienta o reverso da medalha, ou seja, a influência portuguesa na “eurocracia” da época , bem como o facto de terem vindo para Portugal eminentes vultos da cultura espanhola, com destaque para Francisco Suarez, o Doctor Eximius, que, entre nós, publicou as suas principais obras e cujos restos mortais permanecem em Lisboa. Só que os enviados culturais dos Filipes a Portugal, nomeadamente os homens da escolástica peninsular e a própria Companhia de Jesus, vieram semear a revolta e voltar o feitiço contra o feiticeiro. Os jesuítas estão por detrás de todos os Manuelinhos de Évora e os suarezistas estruturam toda a teoria da soberania popular que vai servir de argumento a João Pinto Ribeiro, Francisco Velasco Gouveia e demais juristas da Restauração, que levam à prática grande parte das teses que estiveram na base da Revolução Francesa, com século e meio de antecedência. São estas mesmas teorias que ainda justificam o nosso Estado-Nação e que não impedem uma integração no grande espaço europeu. Ai da Europa democrática se confudir o nacionalismo da “mais antiga nacionalidade da Europa” com os nacionalismos dos impérios frustrados, estes, sim, os reais inimigos da restauração da unidade espiritual da Europa. No nosso 1º de Dezembro a Espanha só entra por acaso. Calá-lo é trair o cerne da democracia portuguesa em nome do “departamento de secos e molhados da Europa” e não percebermos que, neste ponto, não é Portugal que se deve integrar na CEE, mas sim a CEE que se deve integrar nele, como diria o mestre Agostinho da Silva. Os mais desleixadamente “ceeistas” que leiam por exemplo uma pequena obra intitulada A Justificação Jurídica da Restauração e a Teoria da Origem Popular do Poder Político, Lisboa, 1964. O respectivo autor chama-se Mário Soares