Jul 25

Contra a implosão do nosso mar interior e a necessidade de regresso ao olhar antropológico

Perante a crise, confesso que não consigo, nem devo, tomar partido, dado que tanto nutro as naturais simpatias das democracias ocidentais para com as concepções do mundo e da vida que sustentam o Estado de Israel, como sinto admiração por aqueles povos árabes que ousam resistir em defensão da sua pátria e sonham com a ressurreição da respectiva civilização. Não sou de “pogroms” nem de “cruzadas”. E não posso esquecer que o conflito em crescendo acontece nesse berço da nossa cultura, donde nos vieram o Antigo Testamento, os Evangelhos e as próprias navegações dos fenícios, que fizeram Sagres e deram nome a Lisboa. Tudo são pilares daquilo que somos.  Porque todos emergimos nesse espaço do velho mar interior que era o centro do mundo, onde Moisés, Cristo e Maomé geraram profundas correntes de uma única civilização com vários rostos que, ao assentar em terra de gregos, romanos e bárbaros até nos levou àquele renascimento medieval dos séculos XII e XIII que produziu o reino de Portugal, a escolástica, as universidades, o comércio, a moeda e a semente da actual Europa das autonomias. Até porque intelectuais como São Tomás de Aquino puderam cristianizar os pensadores da Grécia Antiga porque teóricos judeus e árabes os haviam conservado e regenerado. O Ocidente que somos nunca o seria sem esse cruzamento de rotas e sem que tivéssemos derrubado os muros da vergonha em que assentava o falso choque de civilizações. Da mesma forma, não podemos deixar de sublinhar que o mais recente nacionalismo árabe foi gerado por um cristão sírio, Michel Aflak, o tal que tentou aplicar, a outra gente do mesmo livro, os princípios que mobilizaram os europeus nos séculos XIX e XX. Só expatriando-nos nas nossas próprias origens poderemos aceder ao necessário diálogo de diferentes. Porque todas as civilizações são filosoficamnete idênticas. Heidegger e Toynbee assim nos ensinaram. Logo, só assumiremos a democracia como valor universal quando ela puder ser perspectivada de um lugar islâmico, para que deixe de ser algo de estrangeiro e estranho que a muitos apareça como agente de colonização cultural. Temo que a anunciada intervenção da NATO como força de ocupação do Sul do Líbano, mesmo que tal tenha sido convencionado pelo G8 e receba a benção da ONU, possa levar àquelas bandas do Levante alguma confusão quando repararmos que aí poderão desembarcar as antigas forças colonizadores, desde os otomanos aos britânicos e franceses, dado que os norte-americanos estão preocupados com a ocupação do Iraque e o conflito do Afeganistão. Temo que tal força possa transformar a mão armada da bela Carta do Atlântico numa espécie de ajudante da superpotência que resta. É evidente que, se eu fosse libanês, depois da casa bombardeada e da rua esventrada, preferirira o menos mau ao péssimo e saudaria a imediata chegada desse do mal, o menos que até o diabo escolheria. Mas convém reparar que, muitas vezes, o feitiço se volta contra o feiticeiro, sobretudo quando o desencadeador do processo de turbulência deixa de conseguir segurar todas as pontas da teia e nos estatela a todos no jogo do desespero terrorista. Basta reparar que foram os maus cálculos da CIA na luta contra o sovietismo que geraram os Bin Laden. E que foram os rápidos e impensados acordos de cessar-fogo que provocaram os Hamas e os Hezbollah. Tal como foi a maericanização à força pela via dita do autoritarismo modernizante que gerou, além de Soraya e Farah Diba, o regime dos ayatollah. E em todos os casos, perdem sempre os moderados, defensores da democracia pluralista e do patriotismo universal, bem como, indirectamente, o jogo dos “great powers” que os costumam usar e deitar fora. Julgo que seria bem melhor não termos derrubado os Mossadegh ou diabolizado os baasismos. Os homens do departamento de Estado de Washington e os serviços secretos da superpotência ganhariam em paz se tivesse um adequado olhar antropológico que nos permitisse aceder ao sentido universal do abraço armilar.