Set 13

Brasil. Povão. Saloios.

Todos os dias quando acordo, aqui na residência universitária, vejo da janela uma família que habita sob um oleado, encostado ao parque de estacionamento do “campus”. Mais adiante, vai chegando carroça com um desses saloios dos arredores que vem à cidade vender verduras e fruta. Reparo como o povão destas grandes massas ainda vive em regime de “docta ignorantia”, não entendendo o discurso da elite politiqueira, mesmo a que vai cantarolando a causa operária. Também aqui este Zé Povinho não entende o exotismo de quem faz desta terra sítio de episódico turismo tropical que procura manconha, espiritismo ou sexo abrasador, quando burgueses e “yuppies” do mundo WASP se embedam de hedonismo terceiro-mundista, apagando, com dólares, euros e cartões de crédito a ética do puritanismo protesto que os fazem produtores austeros e cidadãos pacatamente silenciosos no dia a dia dos seus cinzentos nórdicos. Porque o grande espaço deste Estado Continental, sem perspectivas hegemónicas ou expansionistas, apenas está condenado a crescer por dentro, transformando o povão em baixa classe média, mas correndo o risco de se fechar sobre si mesmo, sem assumir a missão que lhe cabe no mundo, que é a de contribuir para a mobilização da comunidade lusíada e, a mesmo tempo, sustentar a solidariedade com o mundo dos hispanos, para que valores universais como a democracia e o pluralismo, não continuem a ser traduzidos pelos calão, do anglo-americano. Por tudo isto, sabe bem não saber novas da lisboetice capitaleira e politiqueira, desses que pensam ter como missão o civilizarem o que resta da nossa província, desde que deixaram de sai vapores da foz do Douro para o Brasil e bacalhoeiros, de Aveiro para a Terra Nova. O pior é que nesta ambição neocolonizadora os capitaleiros vão continuando a oprimir o que resta das nossas serras, assumindo-se como agentes colonizadores das novas potências da globalização. Felizmente que durante uns tempos continuarei liberto dessas teias de aranha mentais que vão entertecendo o que resta de uma classe política de pretensos controleiros da nação.

Set 12

Viva o Reino Unido!

Aqui continuo neste grande mar do sertão, onde os bandeirantes deram aos locais deste novíssimo mundo os nomes dos ventos de Atlântico Sul, aqui onde navegar é preciso para que viver possa continuar a ser possível, através de uma inevitável submissão para a sobrevivência, através de uma gestão das redes de influência em que se vão fragmentando as teias dos donos do poder. Onde quanto mais localmente feudal se situa o senhorio mais este tem de disfarçar-se de estadão. E foi assim que assiti ao fim da carreata de Roriz e da sua candidata Abadia, ao estádio Mané Garrincha, coisas que ninguém fala aí entre as reportagens da macropolítica que só contabiliza tucanos e pêtistas, esquecendo que há um maior partido brasileiro, tipo saco de gatos, o PMDB, que aposta forte nas candidaturas locais e estaduais, nesse processo de contínua actualização do coronelismo e do federalismo. Porque nunca quis ser governo e dono da presidência, só uma vez a atingindo pelo acaso, quando Sarney teve de substituir Tancredo. Digamos que, por cá, pouco interessa a leitura dos documentos fundamentais dos vários partidos e movimentos. Como diria o marechal Castelo Branco, na prática, a teoria é outra, isto é, a música celestial das doutrinas não explica como Lula virou liberal ou os tucanos, providencialistas, nesta plástica tão brasileira do submeterem-se para sobreviverem. Reparo como o jornal principal cá da capital federal, retoma o título de uma gazeta liberal lusitana, “Correio Braziliense”, quando o sonho da mesma revoluç-ao liberal ainda se conjuga em reino unido, congregando elites de aquém e de além mar, antes de comerciantes de grosso trato animarem a estúpida perspectiva nacionalitária do “passe bem, senhor Brasil”, gerando estúpidos separatismos nos dois lados do Atlântico e não atendendo ao sonho de Silvestre Pinheiro Ferreira. Muitos esquecem que a mudança da capital de Lisboa para o Rio de Janeiro não ocorreu por pressão de Junot, dado que a mesma era uma alternativa estratégica desde 16140, várias vezes acalentada por D. Pedro II e aparecendo até no Testamento de D. Luís da Cunha  como objectivo nacional. Porque nesta banda lusíada do Atlântico Sul, naquilo que foi a América Portuguesa, sempre se publicaram obras de exílio da Europa Portuguesa. Desde os trabalhos do miguelista José da Gama e Castro, ao primeiro volume dos Ensaios de António Sérgio. Por aqui peregrinaram ilustres nacionalistas místicos de estirpe maçónica, como Jaime Cortesão e Agostinho da Silva ou densencantados do 28 de Maio como Fidelino de Figueiredo. E por cá até morreu Marcello Caetano, semeando discípulos como Ubiratan Borges de Macedo, por acaso ligado familiarmente ao próprio Fidelino. À esquerda e à direita, entre os sonhos do progresso ou as nostalgias da reacção, o Brasil sempre foi espaço, não de exílio, mas de refúgio e alento para transfigurações e redescobertas da arte de ser português. Sem este espaço de alento, conforto e reconciliação, com doçura tropical, muito do que melhor se produziu entre certos portugueses tinha ficado no limbo das boas intenções. Espero que a vida continue. Navegar é preciso. Viver também. É que por cá se não cravaram fundas as garras inquisitoriais, ou o clericalismo anticlericalista dos que proíbiram vestes talares ou o toque de sinos. A tolerância é condição ontológica do Brasil. O novo mundo só existiu para que os europeus nele pudessem fugir a perseguições de dogmatismos e fundamentalismos,. Não consta que nesta banda do mundo tenham emergido os totalitarismos, nem por cá se contabilizam democídios, como os que mataram cerca de 200 milhões de seres humanos no século XX, para que as doutrinas se pudessem martelar. Por isso, o sonho construtivista de cidades voando para o paraíso, onde Brasília tem algo do sonho de Norton de Matos no Huambo, à procura de uma Nova Lisboa, para se transformar num eventual Rio de Janeiro e que algumas vozes da actual Luanda querem continuar, com a edificação de uma Angólia. Porque a terra que tem por capital uma cidade com nome de São Paulo alimenta algumas das sementes deste desejo de novo mundo e de novo grande espaço para o sonho dos que gostam de navegar no sertão. Viva o Reino Unido!

Set 09

O tempo mudou, a chuva me deu afonia, mas comemorei o sete de Setembro

Afastado de um quotidiano onde podia aceder à net, posso dizer que fui vítima desta mudança de tempo que acompanhou aqui em Brasília as comemorações do dia da Independência, quando a chuva deixou o ritmo ocasional das chamadas pancadas e passou a um constante ensopar de terra, para alegre chilreio da passarada que se vai refrescando nas raras árvores do sertão. E lá se passou o dia 7 com desfile monumental das tropas na esplanada dos ministérios, para reforço do que aqui também se designa por auto-estima nacional, coisa que não é de esquerda nem de direita, nem da burguesia nem do povão, mas que pretende ser de todos. E lá reparei como os antigos gestores da ditadura se tentam reconciliar com a nova classe política, a fim de conseguirem um reforçozinho das verbas orçamentadas.

 

Aqui verdadeiramente se continua a sentir que a democracia não é o mesmo do que povo, mas mera entidade que o pretende representar, através de um sistema de canalização classista, de marca partidocrática. Mas também as chamadas ditaduras institucionais, que foram além do mero estado de excepção, nomeadamente as dos populismos e autoritaritarismos modernizantes, se assumiam como representativas desse mesmo povo.

 

A grande vantagem da democracia está na separação dos poderes, no pluralismo e na ausência de sistemas de repressão visível e, sobretudo, na implantação dos mecanismos do Estado de Direito. O grande defeito destas democracias continua a ser o indiferentismo das massas, face À falta de autenticidade dos modelos de participação política, bem como o agravamento da tradicional degenerescência da corrupção, aliada ao sentido de casta minoritária de uma classe partidocrática, também envolvida em processo de negocismo.

 

E não aprece haver doutrina ou modelo de organização partidária que a tal consigam pôr cobro, tanto à esquerda como à direita, dado que todas as provenções sistémicas acabam por falhar, face à ausência de uma efectiva autonomia moral do indivíduo.

 

E assim foram passando alguns dias de médicos, hospitais e drogarias, com algumas noites sem dormir, especialmente num país onde também a saúde é negócio e manha para os convencionados. Também aqui, mesmo no privado, saúde é senha na fila, à espera do direito ao atendimento, onde no fim há um burocrata intermediário, atrás de um guichet, com écran de computador e ligação ao sistema das facturas, que me atrasam a relação directa com a função, das batas brancas e antibióticos. Vale-me que li aqui artigo, no “Correio Braziliense”, um artigo de Frei Beto, o tal teólogo da libertação que, outrora dizia que cristão é comunista sem o saber e que comunista é cristão mesmo sem o querer, para quem a salvação já não vem do Estado, das ideologias e dos partidos, mas da auto-organização da sociedade civil.

 

Por mim, sem voz, no plano técnico, devido à afonia, e sem voz num país, apesar de tudo, estrangeiro, nem sequer posso exercer pelo berro o meu cidadânico direito à indignação, que é coisa que, com garganta folgada, apenas posso ter nos corredores do São José, do Santa Maria e do Santo António. Aqui, no Pronto Norte, apenas tenho o marginal direito ao espectáculo de pedir, ganhando um ar de vítima que finge desconhecer mecanismos do sistema. Apenas reconheço que todos os palácios da saúde a que chamamos hospitais têm sempre este sabor a sombra cinzenta. Porque neste país de largos horizontes, neste grande espaço do gigantismo do sertão, onde a terra é folgada e a vista longa, estou condenado, como tantos outros, a ser encafuado em filas e gavetões.

 

Para os amigos, apenas digo que afinal a crise já está a passar. Amanhã, ou depois de amanhã, regresso à voz, às aulas e aos telefonemas.

Set 07

A lulice continua, com centrismo à mistura e radicais que, caso não existissem, teriam de ser inventados

Lá continuo ouvindo pela enésima vez os chamados blocos de propaganda eleitoral, obrigatória e gratuita, que também há a comercial, reparando como se repetem à exaustão os mesmos discursos, onde os tempos reservados ao PT nunca falam em PT, mas apenas na pessoa do presidente em exercício, assim se demonstrando como o antigo movimento plural de massas que se pretendia horizontalista se rendeu agora às maravilhas do verticalismo estadualista. Até ganhou a serena pose de um estadão moderado, que chama radicais aos oposicionistas que, outrora, lhe atribuíam o mesmo epíteto. Noto como os melhores aliados de Lula são precisamente os dissidentes pêtistas do radicalismo esquerdista revolucionário que com a sua berraria lhe permite colocar-se no centrão da gestão situacionista. Se eles não existissem teriam que ser inventados para o efeito. Porque, seja qual for a sua origem, todo o poder estabelecido tende a assumir o pragmatismo de, ao procurar manter-se, se colocar no âmbito de um discurso centrista, a fim de se disfarçar o conformismo da erosão, com promessas de reforma, feitas renovação na continuidade e permanência na evolução. Daí que precisem de radicais à direita e à esquerda, para que se desenvolvam fantasmas e preconceitos que façam temer a mudança. Porque enquanto houver um qualquer cidadão sem pão que acredite no poder estabelecido, a situação continua. A revolução só acontece quando sucedem as vacas magras, mesmo que se mantenha a aparente força de outrora, ou se proclame a vitalidade da doutrina. E aqui, em Brasil eleitoral pouco carnavalesco, sente-se que, apesar de haver natural crise política, se vive em efectiva paz social, dado que se conseguiu a proeza democrática da institucionalização dos conflitos, transferindo-se para o teatro visível da democracia o conjunto de frustrações das expectativas e de revoltas pela fome de justiça.

Set 05

A comunidade de significações partilhadas a precisar de investimento nas raízes…

Bem tenho pensado nesta emergência de um novo mundo lusíada do político e ainda ontem meditava na circunstância da formação do Brasil ter acompanhado a própria emergência do modelo pós-medieval, com Estado e Soberania, coisas que não existiam quando Pedro Álvares Cabral aqui desembarcou, antes de Maquiavel ser ditado postumamente e de Bodin ter teorizado a soberania. Aliás, no âmbito das revoluções demo-liberais do espaço ocidental, as revoluções sul-americanas, ficam situadas depois da inglesa, da norte-americana e da francesa, mas antes da primavera dos povos da Europa Central e Oriental, tendo o Brasil até exportado para Lisboa uma cópia constitucional que, entre nós, durou mais de meio século, nestas trocas e baldrocas políticas que nos fazem irmandade efectiva. Mandaram-nos para a Lusitânia a Carta Constitucional, o partido dos brasileiros, ou chamorros, vencedor da guerra civil de 1828-1834, e a nossa querida D. Maria II, bem como, depois nos atiraram o positivismo republicano, com os brasileiros Sebastião Magalhães Lima e Bernardino Machado, tal como nós mandámos o Imperador, o Estado Novo e os constitucionalistas de 1976, talvez para compensar a circunstância de os últimos tempos do regime derrubado em 1974, ter sido pautado ideologicamente pelos modelos do Estado de Segurança Nacional de Golbery, para não falarmos nas relações de Gilberto Freyre com o almirante Sarmento Rodrigues, no lusotropicalismo. Está na hora de continuarmos este esforço, agora em conjunto com a própria CPLP. Basta assinalr como hoje foi emotivo o encontro com uma estudante cabo-verdiano, nesta pluralidade de pertenças do espaço de língua portuguesa. Basta relermos o Padre António Vieira, o José Bonifácio ou o Agostinho da Silva, para percebermos a urgência de superarmos a velha retórica dos Estados Unidos da Saudade, dado que os mesmo deixarão de existir se não fizermos investimentos culturais de povo a povo. É por isso que depois de amanhã irei tentar viver a festa do dia da independência do Brasil, mas bem gostaria de poder ter comigo um arquivo que contivesse o discurso do presidente António José de Almeida, em 1922, quando aqui veio comemorar os cem anos do Ipiranga, proclamando vir agradecer ao Brasil o facto de se ter tornado independente. Precisava de o comunicar aqui no meu espaço de diálogo universitário, antes de poder começar minhas pesquisas na biblioteca do Senado, para refazer o espírito de Silvestre Pinheiro Ferreira e de Morais de Carvalho.


Set 02

De Brasília, com pancadas de chuva e visita a sebos

Depois de tantos dias a vinte por cento de humidade, aqui em Brasília, chegaram fortes pancadas de chuva que lavaram o ar e avivaram o vermelho da terra. Aproveito o temporal para dar uma volta pela feira do livro cá da capital, dado que este ano não tive tempo de ir à de Lisboa. Julgo que esta viagem pelos editores e sebos é um excelente revelador do estado cultural deste gigante adormecido e com o qual a língua portuguesa pode garantir a sua força de afectos para os próximos séculos. Noto, sobretudo, a forte presença de editoras religiosas, tanto católicas como protestantes, com o seu caudal de filosofia e teologia, e reparo como já está em saldo a literatura vulgarizadora do neo-marxismo, desde o gramsciano ao porto-alegrense, apesar de poder notar que a cultura coimbrã continua a estar bem representada pelo professor Boaventura, que aqui se diz “Souza”.

 

 

Volto a sublinhar como por estas paragens sempre se deu grande destaque à produção internacional de sociologia e de politologia, talve por causa da República Positivista que transformou em lema nacional a divisa de Comte e pôs na bandeira o verde que ele propunha para a salvação da humanidade. Mas talvez tenha sido por causa disso que o lado antipositivista aqui também floresceu, nomeadamente o neotomismo maritainista, bem represemtado pelo fulgor de Alceu Amoroso Lima. Nesta terra de contrastes, a sobrevivência impõe que se pratique o pluralismo e impede a unidimensionalidade, mesmo quando o Estado tem uma doutrina e se transforma numa força que a difunde a partir do vértice.

 

Apesar de bem distante de Lisboa, o celular tocou para eu comentar as afirmações do antigo chefe dos nossos patrões, sobre a eventual necessidade de um novo partido de direita. Reparo também que um grupo de amigos de um antigo, mas jovem, líder de um dos ainda existentes partidos, decidiu emitir um manifesto de direita, arrependido que está de ter ajudado a lançar um partido que não se dizia da direita, mas que agora reentrou em fundacionalismos, exorcizando o pequeno passado que tem. Não comento. Se a direita são os conselhos de Ferraz da Costa e da sua direita dos interesses e o tal manifesto, é evidente que com eles não me identifico. Continuo um radical do centro excêntrico e a subscrever o que está na coluna esquerda deste blogue. Navegar é preciso, viver assim não é preciso…

Set 01

Este quotidiano sertanejo em campanha eleitoral unidimensional

Cá continuo vivendo este quotidiano sertanejo em campanha eleitoral unidimensional que, à mesma hora e em todas as estações de rádio deste grande espaço, nos traz os mesmos candidatos, o tal “newspeak” ao serviço de um “big brother” democrático, numa lenga lenga discursiva onde ninguém consegue distinguir a direita da esquerda, dado que o situacionismo de esquerda assume poses de estadão e a oposição de direita brinca à demagogia esquerdista. Só desalinham as candidaturas marginais da extrema-esquerda, dos religiosos protestantes ou do populismo que usam e abusam do tópico corrupção, com muitas palavras que metem “mensalão” e “sanguessugas”. Por outras palavras, nesta campanha não se discute política nem se vende ideologia. O lulismo perdeu a ganga do messianismo libertacionista que o marcou e o propagandismo tornou-se numa espécie de normalidade não dramática. O povão continua a discutir os casos do dia policiais, onde um assassinato no Rio de Janeiro é discutido num barbeiro da Amazónia, nesta emotiva e avassaladora comunidade de significações partilhadas, onde a comunicação social desempenha um lugar relevante na unidimensionalização das emoções. Acontece também que esta democracia institucionalizada também se tornou enfandonha, sobretudo quando as grandes questões que marcam o ritmo parlamentar aqui no Planalto se recobrem com a ganga juridicista e regulamentarista, naquilo a que infelizmente dão o nome de Estado de Direito. As grandes massas da geografia da fome continuam aviver num ritmo de multidão solitária, porque se na Europa da UE há dois terços de remediados que vão vivendo menos mal, por cá há dois terços de excluídos, dada a ausência de uma equilibrante classe média. Resta saber se esta gente aparentemente massa não pode explodir de um momento para o outro em revolta. Nem que seja pela fome de justiça. Tudo depende da circunstância da comunidade internacional poder entrar em “out of control”. Por estas razões decidi ontem ir a um comício, por acaso num establecimento policial, promovido pelo modelo sindical deste Brasil do PT, e reparei como o discurso dos líderes locais é bem mais afectivo do que o enfandonho dos tempos de antena. Aborda-se o concreto, nota-se fé no pluralismo e na participação e não existe agressividade ideológica. Curiosamente, ao começo da noite fui a um espectáculo de música indiana, no belo e largo espaço do auditório do sindicato dos bancários de Brasília e reparei como esta intervenção cultural dos sindicatos assume uma dimensão que já perdemos na Europa das centrais sindicais à procura do subsídio do Fundo Social. E não foi por acaso que fui à música indiana. Onde até havia um violinista chamado Narayane, como o outro. Foi numa viagem à Índia que Pedro Álvares Cabral descobriu oficialmente a terra brasil, foi por causa do triângulo Portugal, Brasil, Índia que demos novos mundos ao mundo, escapando-nos da tenaz das cruzadas que marcava Roma e a Europa do Norte. Decidimos ir além, baralhando e dando de novo, fugindo, então, à tradicional crise do Médio Oriente. Hoje, entramos na fila dos que costuma tratar os assuntos do Levante com os pés. Também reparei, ao consultar a lista das famílias com o meu patronímico estabelecidas no Brasil desde o século XVIII. As mesmas que também foram para Portugal na mesma época, que o meu nome de família, vem da ilha de Malta ou Melita, um antigo nome fenício para “refúgio”, coisa que os portugueses justamente traduziram para “porto seguro”. Cheguei assim à conclusão que trago comigo, sem o ter sabido até agora, um nome libanês, dado que nunca acreditei na tese que dava à ilha um étimo grego que quer dizer o mesmo que “mel”.


Set 01

Trago comigo um nome libanês, sem o saber

Cá continuo vivendo este quotidiano sertanejo em campanha eleitoral unidimensional que à mesma hora e em todas as estações de rádio deste grande espaço nos traz os mesmos candidatos, o tal “newspeak” ao serviço de um “big brother” democrático, numa lenga lenga discursiva onde ninguém consegue distinguir a direita da esquerda, dado que o situacionismo de esquerda assume poses de estadão e a oposição de direita brinca à demagogia esquerdista. Só desalinham as candidaturas marginais da extrema-esquerda, dos religiosos protestantes ou do populismo que usam e abusam do tópico corrupção, com muitas palavras que metem “mensalão” e “sanguessugas”. Por outras palavras, nesta campanha não se discute política nem se vende ideologia.

 

O lulismo perdeu a ganga do messianismo libertacionista que o marcou e o propagandismo tornou-se numa espécie de normalidade não dramática. O povão continua a discutir os casos do dia policiais, onde um assassinato no Rio de Janeiro é discutido num barbeiro da Amazónia, nesta emotiva e avassaladora comunidade de significações partilhadas, onde a comunicação social desempenha um lugar relevante na unidimensionalização das emoções. Acontece também que esta democracia institucionalizada também se tornou enfandonha, sobretudo quando as grandes questões que marcam o ritmo parlamentar aqui no Planalto se recobrem com a ganga juridicista e regulamentarista, naquilo a que infelizmente dão o nome de Estado de Direito.

 

As grandes massas da geografia da fome continuam aviver num ritmo de multidão solitária, porque se na Europa da UE há dois terços de remediados que vão vivendo menos mal, por cá há dois terços de excluídos, dada a ausência de uma equilibrante classe média. Resta saber se esta gente aparentemente massa não pode explodir de um momento para o outro em revolta. Nem que seja pela fome de justiça. Tudo depende da circunstância da comunidade internacional poder entrar em “out of control”.

 

Por estas razões decidi ontem ir a um comício, por acaso num establecimento policial, promovido pelo modelo sindical deste Brasil do PT, e reparei como o discurso dos líderes locais é bem mais afectivo do que o enfandonho dos tempos de antena. Aborda-se o concreto, nota-se fé no pluralismo e na participação e não existe agressividade ideológica. Curiosamente, ao começo da noite fui a um espectáculo de música indiana, no belo e largo espaço do auditório do sindicato dos bancários de Brasília e reparei como esta intervenção cultural dos sindicatos assume uma dimensão que já perdemos na Europa das centrais sindicais à procura do subsídio do Fundo Social.

 

E não foi por acaso que fui à música indiana. Onde até havia um violinista chamado Narayane, como o outro. Foi numa viagem à Índia que Pedro Álvares Cabral descobriu oficialmente a terra brasil, foi por causa do triângulo Portugal, Brasil, Índia que demos novos mundos ao mundo, escapando-nos da tenaz das cruzadas que marcava Roma e a Europa do Norte. Decidimos ir além, baralhando e dando de novo, fugindo, então, à tradicional crise do Médio Oriente. Hoje, entramos na fila dos que costuma tratar os assuntos do Levante com os pés.

 

Também reparei, ao consultar a lista das famílias com o meu patronímico estabelecidas no Brasil desde o século XVIII. As mesmas que também foram para Portugal na mesma época, que o meu nome de família, vem da ilha de Malta ou Melita, um antigo nome fenício para “refúgio”, coisa que os portugueses justamente traduziram para “porto seguro”. Cheguei assim à conclusão que trago comigo, sem o ter sabido até agora, um nome libanês, dado que nunca acreditei na tese que dava à ilha um étimo grego que quer dizer o mesmo que “mel”.