Fev 12

Vale mais descobrir o silêncio do que vir a saber que não há paraíso

Pedimos desculpa por esta interrupção, provocada por um dilatório acordo firmado entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa, a três anos do século XXI. As frases sobre o referendo já foram todas escritas, já se gastaram pelo mau uso e já se prostituíram pelo abuso. Mas a Constituição ainda nem sequer consagra o direito à felicidade. Apenas acrescento que apesar de ter votado “sim”, não me apetece bater palmas, porque “vale mais descobrir o silêncio do que vir a saber que não há paraíso”.
Infelizmente, confirmei que o meu país continua dividido. Entre um Portugal Velho e um Portugal Novo, com o segundo a ter a mania de o poder modernizar à força, repetindo a estúpida cena de uma certa guerra civil, com caceteiros e pingos de cera, quando deveríamos ter sido miguelistas liberais, para que tipos como eu não tivessem que desembarcar no Mindelo.

Quase dois séculos depois, basta olhar o mapa e reparar que um Portugal profundo, das ilhas aos distritos do interior Norte e do Minho, foi polarizado pelo propagandismo de certa casta capitaleira, com muitos púlpitos a repeti-lo, e ainda entra em palpitação fundamentalista, contra outros fundamentalismos de sinal contrário, onde todos mentem quando fantasiam numa espécie de luta da vida contra a morte, ou vice-versa.

Esperemos que reine o bom senso, sem fantasmas nem preconceitos. Para que uma nova lei se aproxime da vida, não utilizando a tipificação criminal como “grande educador do proletariado”, bem como o polícia, o tribunal e a prisão como instrumentos morais. E aqui subscrevo uma frase solta de Alberto Costa, na noite de ontem, para quem, com o “sim”, pode haver um melhor combate tanto ao aborto clandestino como ao próprio aborto. Por mim, que fui inequívoco na defesa do “sim”, sem embarcar no engodo dos “nins”, julgo que chegou agora o tempo do efectivo combate pela vida, antes e depois das dez semanas. Portugal continua por regenerar.

P.S. Não quero politiqueirices, rejeito o tom ‘Cro-Magnon’ com que a questão do aborto tem sido tratada entre nós, a falta de autonomia de um discurso, onde já se não pede de voto, nem de vontade, em relação à Igreja, e limita-se a repetir o que esta diz,a presenciar o que esta proclama; os que clamaram uma vez mais, que somos subdesenvolvidos; e que, no caso, andamos atrasados, à direita e à esquerda. A menos que se rejeite a Europa moral e apenas se queira a Europa económica…; os que disseram que o aborto é a restauração da pena de morte. É próprio dos mais conservadores dentro dos conservadores, e sul-americano concerteza. Não tem nada a ver com a Europa que a livre iniciativa seja um palmarés deixado vazio, preterido pelas fáceis e dóceis concessões às corporações fácticas. É próprio dos Estados sobretudo confessionais e não de sociedades civis dinâmicas. Não tem nada a ver com a Europa que se regrida a ponto de substituir o acto livre e consciente, por isso pleno e sublime de escolher uma religião, pela imposição de um princípio de obrigatoriedade, por isso sem elevação, nas escolas, de uma confissão. É próprio do passado. Os itálicos foram escritos em 1982 por um dos três antigos e actuais líderes de um partido coerente. O tal discurso primitivo e desinteressante a propósito das questões éticas ou morais, como o aborto, mais afeito a ‘slogans’ que à percepção de um problema que não é fechado.