- Como avalia a estratégia de comunicação que o PSD apresenta neste momento e que estão a colocar pressão sobre a direcção do partido?
Estratégia, aprendi eu no IDN, é a arte de transformar as vulnerabilidades em potencialidades e, pelo contrário, evitar que as potencialidades passem a vulnerabilidades. Apenas para concluir de tantos líderes anteriores, plenos de tacticismo, mas falhos de estratégia, o PSD, para mal da democracia, não pode ter estratégia de comunicação, porque ainda anda à procura de estratégia de acção que lhe permita superar o vazio de funcionalidade no actual sistema político.
- O facto de se ter seguido a um período de silêncio tem alguma influência, nomeadamente ao nivel das expectativas?
O período da gestão dos silêncios correspondeu a um momento de super-cavaquismo sem Cavaco e depressa se concluiu que era pior emenda do que os sonetos de Menezes e de Santana, dado que as medidas reveladas pelas sondagens apontavam para um esvaziamento do partido em termos de apoios sociológicos.
- Relativamente às intervenções polémicas da líder do PSD nas últimas semanas (dizer que as obras públicas só beneficiaria os desempregados de Cabo Verde, em relação ao aumento do salário mínimo, discurso de vitimização em relação à Comunicação Social e depois a ideia do controlo dos media; e a de ontem sobre a dificuldade de fazer reformas e a frase da suspensão da democracia por seis meses), considera que elas surgem por inabilidade ou estratégia comunicativa?
As expectivas de muita comunicação social sobre MFL têm a ver com a imagem que ela transmitiu de antiga ajudante de Cavaco, da ex-ministra tecnocrata que iria fazer de conselho de fiscalização de Teixeira dos Santos, vestida de Anti-Santana e de Anti-Menezes. Só que MFL tem genes de política desde os tempos do avô e do bisavô e tem uma história de activismo e de solidariedade que lhe vem das próprias lutas estudantis, onde esteve sempre do lado da democracia. Só alguém mal-intencionada é que a pode colocar no lugar errado. Ou então, só alguém que não quer discutir o fundo da questão e prefere a pega de cernelha.
- Todas as intervenções enumeradas acima tiveram um impacto negativo? Quais é que não tiveram? Por exemplo, a afirmação sobre o emprego para os trabalhadores imigrantes não pode valer votos ao PSD?
MFL ainda está na fase de personagem à procura de actor, ainda não estabeleceu devidamente o respectivo estilo como líder do principal partido da oposição. Primeiro, porque tem de se libertar do ausente-presente com quem sempre a comparam, Cavaco. Segundo, porque apanhou uma crise financeira internacional que a impediram de poder ter um discurso onde tem, indiscutivelmente, mais autoridade. Terceiro, porque lançou pessoal político novo, como Paulo Rangel… Isto é, MFL ainda é um melão de que só puseram no prato a primeira talhada, até porque muitos ameaçam que o PSD vai apresentar outra sobremesa, dita melancia, com uma coloração por fora e outra por dentro.
- O que é exactamente uma ‘gaffe’? Pode-se chamar realmente ‘gaffe’ a estas expressões recentes?
“Gaffe” é o Reagan ser apanhado a ameaçar a URSS em “off”, o que não o impediu de ser o presidente do fim da guerra fria, mas também pode ser o ministro Borrego a contar uma anedota sobre o alumínio e sair do governo para apresentar estudos paraa confederação patronal sobre o novo aeroporto do Barrete Verde…
- Relativamente ao uso da ironia no discurso político, qual a principal dificuldade que enfrenta um político neste particular? O que pode garantir que ela seja mesmo entendida como tal (ironia)?
A ironia é coisa que não se adequa ao ritmo da “imagem, sondagem e sacanagem”, a tríade que, segundo Manuel Alegre, marca a política à portuguesa…
- O que é que, na sua opinião, falhou ontem no discurso de Ferreira Leite?
Ao contrário do que parece, eu que costumo ser um crítico frontal de MFL, compreendi perfeitamente o que ela quis dizer e julgo que, se ela usar o tempo de antena a que tem direito, conseguirá comunicar devidamente a mensagem. Nem o avô dela, o ilustre José Eugénio Dias Ferreira, que, se quisesse, podia ser o chefe do 28 de Maio em vez de Salazar, deixaria de dizer que vivemos num período de degenerescência democrática e que esse ambiente propicia a ilusão de uma suspensão da política. Mas também me lembro que um António Sérgio, em pleno crepúsculo da I República, chegou a lançar a ideia de uma espécie de ditadura à romana, onde, durante um período curto, se fariam as reformas que a partidocracia emperrava.
Lembro-me que Ramalho Eanes tentou coisa sucedânea com três governos presidenciais e que Mário Soares, por duas vezes, provocou a suspensão com um governo PS com ministros do CDS, por causa do FMI, e, depois, com um governo do Bloco Central, por causa da CEE. Mas o que tenho a certeza é que MFL não reeditou a proposta do Bloco Central, na linha do proposto no primeiro discurso de regresso de Paulo Pedroso. Pelo menos, eu percebi que ela estava a dizer que José Sócrates tinha entrado numa encruzilhada de conflito com as forças vivas e que, no respectivo discurso, quase parecia que precisava de não ter partidos de oposição, sindicatos e patrões que o não deixavam trabalha. Por outras palavras, compreendi a suprema ironia: MFL estava a fazer uma autocrítica e a denunciar a memória da maioria absoluta do cavaquistão, quando este mostrava o estilo que agora Sócrates parece assumir.
- Lembra-se de casos antigos semelhantes na política nacional de falhas comunicativas pelo uso da ironia?
Em política o que parece é e a ironia faz parte da arte literária e não do discurso eficaz a que está condenado o político. O caso mais próximo que conheço, no PSD, foi o de Marcelo Rebelo de Sousa comunicar que só iria disputar a presidência do partido quando Cristo voltasse à terra…
Agradeço antecipadamente a ajuda que me puder dispensar. O meu deadline é um pouco apertado, até às 18 horas.