Fev 27

Mário, Tonecas e o mestre-escola

Os compadres e as comadres deste sereno povo, condenado aos bons costumes da subsídio-dependência, porque o Estado de Bem-Estar se converteu num Estado de Mal-Estar, por causa da despolitização e da desgovernação, começam a não perceber esta bisca viciadamente lambida das candidaturas presidenciais. Se, à direita, há os que, depois da derrota, aspiram à vitória final do respectivo epitáfio, não faltam os que, à esquerda e à direita, assistem ao começo do jogo, julgando que o vão vencer apenas porque sucederá a desistência, ou a falta de comparência, dos que se perfilam como potenciais vencedores das primárias em curso.
Uma coisa parece segura: ainda bem que não emergem, por enquanto, dois ou três fortes e credíveis candidatos, porque se eles começassem a falar e a ser ouvidos pelo povo, correriam sérios riscos de passarem a ter mais autoridade do que o actual inquilino de Belém, o homem certo, mas no tempo errado, submerso por circunstâncias a que, naturalmente, foi alheio, mas que o tornaram impotente para dirigir a presente RGA.
Há quem tenha a esperança dos desesperados, quem, por entre a bruma empenumbrada do quotidiano, se alimente de utopia, ou continue a ser aquecido pelo lume do messiânico. Por outras palavras, se compreendo alguns dos que se entusiasmam com o discurso de Francisco Louçã, também entendo os que confiam no regresso do velho tio da nossa democracia, Aníbal Cavaco Silva. Se uns representam a versão revista e actualizada da tradução dos “amanhãs que cantam”, em forma de “bacalhau a pataco”, já outros pensam que pode voltar o oportunismo da Europa do betão e dos fundos estruturais.
Acontece que, entre a extrema-esquerda “aggionata” e a procura de um gestor honesto, dedicado e competente, continua a ser obsidiante o ausente-presente que representa o ponto de equilíbrio de todo o nosso sistema, o avozinho da nossa democracia, chamado Mário Soares que, esquecido do “socialismo na gaveta”, está cada vez mais velho e cada vez mais verbosamente à esquerda, em nome da bandeira da “humanidade contra o neo-liberalismo”, que já nem um Lula da Silva desfralda.
Assim, a procura de um candidato comum para as forças de esquerda constitui um jogo desesperante. Tonecas Guterres, beneficiando com a sábia gestão do silêncio doméstico a que se tem dedicado, poderia ser a tal solução menos péssima. Tonecas Vitorino, regressado das alturas supra-nacionais, poderia ser o factor inesperado, nessa nova versão da “Europa connosco” capaz de competir em dinamismo e prestígio com Aníbal Cavaco Silva.
Até Diogo Freitas do Amaral que, finalmente, conseguiu colocar-se no rigorosamente ao centro, continua à espera que os treinadores de bancada o chamem para mostrar como um defesa-direito pode passar a ponta de lança, a partir do lado esquerdo do meio-campo, garantindo-nos sucessivos empates.
Bem gostaria que, neste contexto emergisse uma qualquer mais valia que não dependesse da partidocracia, alguém que, em nome da necessária regeneração, assumisse a mátria em figura humana. Se continuarmos apenas a contabilizar candidatos politicamente correctos, entendidos como simples bissectriz do actual paralelograma de forças do sistema, estaremos condenados a viver a política como mero modelo de pilotagem automática.
Se permanecer em vigor este conformismo situacionista, continuaremos algemados entre um qualquer Dupont Barroso e o necessário inverso do Dupond Santana, onde, para que o primeiro permaneça no sempre-em-pé, se exige que o segunda faça as suas arremetidas demagógicas no pátio do recreio cá deste colégio de meninos finos. Só assim é que o mestre-escola da TVI que, em boa hora, substituiu outros grandes comunicadores em maus apuros, pode continuar a dar-nos novas lições p’rós Tonecas, evitando que o Dupont tenha que ir a votos para a eleição do chefe de turma.

Fev 15

Aníbal, Pedro e as gralhas…

Confesso não fazer parte daquelas fatias de portugueses que se angustiam pelo facto de terem que escolher entre Aníbal Cavaco Silva e Pedro Santana Lopes, entre esse “máximo denominador comum” do PSD e o certificado de garantia da actual coligação governativa, isto é, entre a causa e a respectiva consequência. Por isso, esta crónica talvez seja politicamente inútil, porque, nas actuais circunstâncias, não me consigo visionar como apoiante de qualquer uma dessas esperanças do “mais do mesmo”.

Sempre poderia dizer, face ao problema, que continuo monárquico, embora também deva acrescentar que, além de monárquico, não deixo de ser republicano, porque, na senda de Passos Manuel, continuo a visionar, como regime perfeito, um poder real cercado por instituições republicanas, mas com um rei eleito, de acordo com as nossas antiquíssimas leis fundamentais. Talvez por isso é que raramente desperdicei o meu voto neste modelo de presidenciais.

Acresce que sempre me assumi como alguém da direita, mas, paradoxalmente, talvez por gostar de estar na esquerda da direita, isto é, no excêntrico-concêntrico dos radicais do centro, nunca votei útil contra os candidatos do pretenso “povo de esquerda”.

Apenas me lembro de ter sufragado Ramalho Eanes, por duas vezes, em nome do 25 de Novembro/Abril e da democracia pluralista, e de, contra Diogo Freitas do Amaral, ter “engolido o sapo vivo” do voto em Mário Soares, apesar de, na altura, ser da Comissão Directiva do CDS.

Não estou, portanto, disponível para validar o “ticket” Portas/Santana, porque reconheço a estreiteza deste teatrinho de marionetas em que se converteu a nossa Senhora Dona Política. Aliás, se aplicássemos os modelos do princípio de Peter a alguns dos nossos figurões ministeriais, poderíamos, sem esforço, concluir que a ascensão ao poder supremo conseguiu transformar razoáveis deputados em tristes e patéticas figuras de estilo, que bem poderiam ser imortalizadas pelo traço satírico de um novo “álbum da glórias”, mas com as curvas caricaturais de José Vilhena.

Só o respeito humano que tenho por alguns deles me impede que use da adequada adjectivação qualificativa para a respectiva conduta. Prefiro dizer que muitos deles não passam de simples gralhas que nem sequer merecem o esforço da mera rectificação, remodeladora ou extintiva.

Aliás, entre alguns candidatos presidenciais e a dinâmica de Mourinho e Pinto da Costa, a diferença talvez esteja na circunstância de a bola ser o próprio povo, dado que todos parecem ter como objectivo meter-nos no fundo de umas quaisquer redes. Só que, infelizmente, na política, não são habituais as chicotadas psicológicas, nomeadamente porque recentes sondagens vêm demonstrando que a crise é tal que até o PS pode ganhar, quando é manifesta a respectiva falta de comparência ao jogo.

Tudo não passaria de ridículo se a tragédia não ameaçasse uma pátria que começa a viver a pior crise desde 1580, como recentemente proclamou o Professor Martim de Albuquerque.

É, na verdade, ridículo ver a nossa Ministra de Estado e das Finanças, lado a lado com Pinto da Costa, a homenagear um distinto cacique autárquico, mas já seria trágico que as análises de Dias da Cunha, sobre o sistema da futebolítica, coincidissem com o que tem dito a magistrada Maria José Morgado, para o mundo da polibolítica.

Gostaríamos apenas que a pátria não se confundisse com a “Liga dos Profissionais da Política”, apesar de inúmeros valentins terem o dom da ubiquidade e dos novos e velhos ricos, do compromisso de um Beato sem petróleo, não se importarem com o crescente défice democrático desta tragicomédia.

Não, não quero que, depois desta “maioria” e deste “governo”, nos surja “um presidente” que nos tornaria em nova Argentinazinha, com idêntica brilhantina, viciados pés-de-galo e excitantes “big brothers” em Belém. Muito menos me entusiasma a ilusão de, perante os presentes sintomas da doença, recorrermos a quem a permitiu, suscitou e desenvolveu. Prefiro o “dividir para unificar”.

Jan 30

Confesso que fiz greve

Com quase três décadas de oficial público, decidi, há dias, aderir, pela primeira vez, a uma greve, sem deixar de ser insidicalizável e de direita. Dei a aulinha, escrevi no sumário que cumpria um serviço mínimo, para não defraudar os alunos, mas formalizei a minha situação de grevista, ajudando a reduzir o défice e assumindo publicamente a minha colocação na lista negra, que terá sido solicitada a certas escolas por fiéis burocratas da nossa decadência.

É evidente que, com esta atitude, não apoiei a recente proclamação de Mário Soares, para quem «o espírito do 25 de Abril está ser posto em causa por parte de forças políticas de direita, algumas no poder, o que não pode acontecer”. Nem sequer o fiz com esperança de ouvir, do Primeiro-Ministro, que “o Executivo está a trabalhar no sentido de aumentar os salários dos funcionários públicos em 2005”. Já não vou em eleitoralismos…

Com efeito, inclino-me mais a subscrever o Presidente Sampaio, para quem Portugal «precisava era de um Lord Hutton», e a reconhecer o irreal da situação: «imagine-se aqui o primeiro-ministro a abrir um inquérito, nomear um juiz para o realizar e definir um procedimento a seguir». Mas, com isto, não adiro à doutrina de Francisco Louçã, sobre a existência de ministros “inimputáveis”, porque também não sei distinguir essa categoria das “garotices”. Apenas sei que a queda deste sistema político, antes de o ser, já o é. Há muito lodo perto do Cais das Colunas.

O tal “sistema político-partidário” constitui um modelo de canalização da representação política que corre o risco de desenraizar-se da cultura portuguesa e da sociologia dos portugueses que temos. Está e estará em crise porque, pura e simplesmente, lhe faltam ideias e lhe falta povo, isto é, não tem sustentáculo na vida nem horizonte de sonho. O que leva ao crescente indiferentismo das massas face aos profissionais da política que nele circulam e acirra a tendência do mesmo servir como agente colonizador de ideias estrangeiras, no sentido de estranhas à nossa própria índole.

Discordo frontalmente do dr. Mário Soares, o nosso velho professor de democracia pluralista, quando este confunde aquilo a que, há tempos, deu o nome de “tumores” com “forças políticas de direita”. Porque se tal fosse verdade, eu que sempre me disse de direita, teria que passar para a extrema-esquerda.

Até porque, “antes de eu ser de esquerda”, ou de direita, “já era da Pátria. A Pátria é a minha política”, como dizia Passos Manuel, em carta dirigida a José da Silva Carvalho, em Novembro de 1836.

Logo, ser radicalmente democrata, isto é, fazer a defesa moral da liberdade individual contra a tirania do Estado, implica reconhecer que “se o poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente”, como nos ensinou Alain.

Prefiro concordar com outra recente intervenção pública do mesmo Mário Soares, segundo o qual o que, agora, nos falta é o sentido da honra e um adequado norte de patriotismo. Por isso é que me sentiria menos colectivamente inimputável, se pudesse ouvir o povão exigir do parlamento que nos fizesse aprovar uma lei, segundo a qual as conclusões dos trabalhos das inspecções estaduais não mais ficariam dependentes do arbítrio do despacho de arquivamento de um qualquer figurão ministerial, dado que esses segredos de gaveta não podem estar imunes à publicidade da justiça, nomeadamente à remessa de tais papéis para o Ministério Público.

O que nos falta é uma adequada cultura de Estado de Direito, capaz de eliminar, pela raiz, os “tumores” dos micro-autoritarismos ministeriais, secretariais e sub-estatais, onde inúmeros bonzos, ministeriais e autárquicos, incluindo presidenciáveis, continuam o absolutismo, dizendo que tem valor de lei tudo aquilo quanto vociferam, sob o nome de ordens, e não estando dependentes da ordem geral e abstracta que dão aos subordinados. O que faz falta, não é animar a malta, é um pedacinho de patriotismo científico.

Jan 18

As velhas cabalas e a nova teledemocracia

Se misturarmos os meandros visíveis do processo da Casa Pia com o nervosismo dos pré-candidatos presidenciais, teremos de recordar que foi Salazar que, na inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional, declarou que “em política o que parece é”.
Mas, hoje, importa dizer um pouco mais: em política, só o que “aparece”, nos grandes meios de comunicação de massa, é que se torna social e politicamente relevante. Daí que seja inevitável o nível de compenetração entre a classe política, a classe dos novos-ricos e a classe mediática. Compenetração que tanto gera coincidências como conflitos, com as inevitáveis relações de amor-ódio, especialmente nesta nossa democracia, cada vez mais emaranhada nas teias do videopoder, do Estado Espectáculo e da teledemocracia.
Podemos, pois, dizer, como nos povos primitivos, que o normal da chamada “conquista do poder” é a “conquista da palavra”, dado que, também aqui e agora, manda aquele que pode discursar, aquele que, pela palavra e pela imagem, consegue transformar o “conceito” em “preceito”, principalmente pelo controlo o programa de debates. Aliás, os tais que efectivamente mandam sabem que qualquer povo é “uma comunidade de significações partilhadas”, pelo que procuram dominar a produção de símbolos, sabendo que quem manipula a palavra e os signos, quem controla a comunicação, controla o poder.
Se no Portugal Velho, que ainda marcou o salazarismo, quase tudo se resumia à família, à igreja, ao quartel e à escola, eis que os novos clérigos são cada vez mais os donos da agenda do videopoder e os anónimos fazedores dos dicionários de opinião comum, o thesaurus donde se retiram os argumentos, os conceitos, as interpretações dos factos e as palavras.
Com efeito, o púlpito foi substituído pela caixa televisiva, o comentador sucedeu ao retórico e o histriónico passou a dominar os novos “picaretas falantes”, os que cozinham a salada russa ideológica do “politicamente correcto” que se impõe à moral do esforço interior de libertação, como manancial das regras de conduta justa.
Os velhos armazéns da memória de um povo, como eram a família, a universidade, o adro da igreja ou do pelourinho das comunidades locais, foram assim substituídos pelos arquivos de “fast food” dos chamados “opinion makers”, os tais que traduzem em calão as ideias vindas de centrais de condensação neo-enciclopédicas com as suas “lendas negras”.
O papel de controleiro e repetidor passou a caber aos canalizadores oficiosos da opinião, previamente demarcados por quem organiza o programa dos debates e que assim limita o âmbito das escolhas. Compreende-se, pois, como o anterior processo de luta política entre os grupos passou, de luta aberta, a luta oculta, onde, na nebulosa e nas brumas, conspiram sociedades secretas, sociedades discretas, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes e feudalizantes, ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem nada saberem de programação.
É por tudo isto que Portugal, colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, se vai dessangrando em autonomia, em identidade e em consciência, tendendo para uma mediocracia. Porque, depois de uma crise do discurso sem sujeito (o tempo das ideologias dos anos do Maio 68), vivemos o espectáculo do sujeito sem discurso (o tempo do artista mediático, onde vale mais o continente do que o conteúdo).
A pluralidade de cabalas que produziu a presente ditadura dos fazedores da agenda mediática só pode ser superada se, aos grandes meios de comunicação de massa, puder ser aplicado o essencial da democracia pluralista, isto é o princípio do controlo do poder. Está em reconhecermos que todo aquele que tem poder tende, inevitavelmente, a abusar dele e que a única maneira conhecida de o impedir consiste no estabelecimento de “forças de bloqueio”. De, para cada poder, entendido como acelerador, se municiar o aparelho com um contra-poder, funcionando como um travão.
Porque, na actual democracia portuguesa, os intermediários quase monopolistas da soberania popular já não são apenas os directórios partidários ou o parlamento, mas aqueles que montaram uma neopidesca e inquisitorial rede clandestina de informadores, ao serviço de projectos de poder pessoal, onde os crimes da bufaria e da chantagem têm compensado.
Aliás, algumas decisões fundamentais do sistema político passaram a ser tomadas a nível da face invisível da política, dando-se a convergência da união dos interesses económicos dos chamados parceiros sociais com o processo de holding não aparente dos financiadores do sistema partidário e das campanhas eleitorais.

Jan 04

O governo dos espertos

Ano novo sem vida velha, só para quem sabe que a esperança não rima com medo. Importa, pois, mudar. Crescer. Para cima e para dentro. Importa regenerar, para vivermos como pensamos. Sermos liberdadeiros, para nascermos, de novo, todos os dias.
Começando com estas mensagens que enviei aos mais próximos amigos, durante esta chamada época de festas, regresso à quinzenal intervenção jornalística, dizendo que julgo saber analisar laboratorialmente a vontade de poder dos que dizem querer “salvar a cidade”, apenas a pensar na paróquia, no quintal, na casa, na bolsa, na barriguinha, na inveja ou nas vaidades. E que talvez entenda o libidinoso de muitas ânsias “dominandi”, o dogmatismo de acaciana pacotilha, bem como o indisfarçado desejo quanto à imposição de um paradigma único, que elimine as dúvidas do pensamento e nos dilua na corrente dos que pensam vencer na história.

Reconheço, com efeito, que vivemos em autêntico regime do “governo dos espertos”, para utilizar a qualificação dada por Hannah Arendt ao modelo austro-húngaro e otomano, onde os burocratas destes regimes imperiais, ao contrário dos agentes do totalitarismo, apenas exerciam uma opressão externa, deixando intacta a vida interior e gerando uma espécie de “domínio perpétuo do acaso”, na qual o agente imperial tinha a ilusão da acção permanente, não se notando a vivência dos princípios gerais de direito por detrás dos decretos.

Ora esta lógica decretina, também assumida pelo salazarismo e pelos salazarentos permanecentes, pouco tem a ver com a essência igualitária e justicialista da democracia representativa e pluralista, a qual não admite excepções para qualquer corporacionismo que tente restaurar um foro especial ou um sistema privativo de privilégios, imunidades e isenções.

Volto assim ao aqui e agora. Sem pensar em Moderna e em Minerva. Na Casa Pia ou na lista dos pedófilos prescritos, do PSD, do PP e do PS. Porque mesmo quando desaparecem os sinais exteriores e institucionais de repressão, dos autoritarismos e totalitarismos, pode manter-se o subsistema de medo que infra-estruturalmente mantinha aqueles aparelhos e sustenta alguns dos figurões florentinos de outrora, esses que continuam a florear, de forma revisionista, em lugares oficiais de hoje.

A culpa da escravatura, como dizia Beaumarchais não cabe apenas aos tiranos, mas também aos que não promovem a revolta dos escravos, só porque têm “medo da liberdade”, segundo Erich Fromm. A liberdade não é apenas vítima daqueles que a atacam, mas também daqueles que a não defendem.

O tirano é sempre um produto da “servitude volontaire”, como dizia Étienne La Boétie, tem apenas o poder que se lhe dá, esse poder que vem da “volonté de servire” das multidões solitárias. “N’ayez pas peur!”

Aliás, nem todos os “antifascistas” são democratas, tal como nem todos os ditos democratas são “antitotalitários”. Porque, como dizia o mesmo Erich Fromm, “o poder não é produto da força, mas filho bastardo da fraqueza”.

Não devemos aceitar a humilhante mediocracia do escravo, bem como que nos coloquem na categoria dos tolerados, agradecendo aos vencedores a mercê de não nos terem assassinado. Aliás, os mesmos, sempre dependentes do equilíbrio mecanicista do situacionismo, nem sequer admitem a hipótese de alguém cultivar a insolência do excêntrico, chamando extremistas a todos quantos, muito regeneradoramente, pela irreverência, procuram o concêntrico, quando exigem a necessária eliminação das raízes do apodrecimento situacionista.
É por isso que o direito se confunde crescentemente com um legalismo frouxo e hipócrita. Que a justiça é medida pela espada retaliadora da vingança do vencedor. Tal como o sentido cívico tende a degradar-se pela contabilidade hipócrita dos que são condecorados só porque assinaram o livro de ponto da obediência conformista.
Esses pretensos moderados que, vindos da extrema-esquerda ou dos bancos do poder salazarista, se assumem como o paradigma do bom europeísta e do excelente aliado do amigo do norte-americano, são, por vezes, capazes de desencadearem as diabólicas tenazes que desgrenham as instituições, quando estas não lhes fazem os jeitos, usando golpadas assentes na mais mísera das demagogias, actuações em que são pródigos pretensos marechais do espírito, mantidos pelo decretino da tentação burocrática e que ainda têm a desfaçatez de continuarem a dedilhar a lira da modernidade, quando não passam de simples repetição de outros tantos “adesivos” e “viracasacas”.

Apenas dura aquele que obedece a princípios, e não aquele que cantarola princípios, pensando que tudo é uma questão de semântica. Apenas consegue superar a conjuntura quem se entrega a uma corrente de pensamento e que, sem fazer o discurso da caricatura institucionalista é efectivamente institucional, dado que procura servir uma ideia de obra e integrar-se numa comunhão com outros, companheiros ou camaradas, que partilham as mesmas crenças e que obedecem às mesmas regras do jogo.

Dez 23

A ameaça catelhana e a oligarquia das bestas

Qualquer observador isento consegue notar que, no último quartel do século XX, Portugal passou, do sonho imperial, à claustrofobia de um pequeno quintal europeu, com esta sensação de nos termos minimizado como um “pequeno Estado”, sempre em risco de se tornar mais uma província do Estado espanhol e de se diluir no grande espaço liderado pela locomotiva franco-alemã.
Na verdade, cada europeu passou a estar dependente de dois centros: o do Estado clássico e o do novo pólo supra-estadual, para onde se vão transferindo directamente os poderes tantos das velhas comunidades, pela via da cooperação política, como dos próprios cidadãos, através da integração política, surgindo novas lealdades e expectativas, com os consequentes conflitos de sonhos e frustrações.
Emergiu assim uma unidade nova, sem Papa, sem Império e sem totalitarismo, misturando “a hegemonia dos mais fortes” com “o consentimento real dos menos fortes”, segundo as proféticas palavras de Raymond Aron. Uma tensão entre as tendências centrípetas, que apelam para a associação de povos e para a soberania divisível, em nome de um novo pólo, e as resistências centrífugas, que preferem a associação de governos, a soberania indivisível e a regra da unanimidade.
Infelizmente, no plano doméstico, talvez ainda permaneça aquilo que Fernando Pessoa qualificou como a atávica “oligarquia das bestas” que marca os nossos sucessivos devorismos, sendo impossível mobilizar a memória dos setembristas de Passos Manuel para que permanentemente se denunciem tanto os Cabrais como os seus bastardos fontistas, mesmo que as inevitáveis Convenções do Gramido nos continuem a condicionar.
Logo, os portugueses que não são meros “ovençais” das ministeriais figuras, os que não querem continuar “bonzos”, entre “endireitas” e “canhotos”, como se direita e esquerda fossem posições ontológicas, só passíveis de benzeduras teológicas, têm de continuar a lutar contra todos os despotismos
Só os que querem ser cegos, surdos e mudos é que não reparam na circunstância das nossas oligarquias instaladas terem perdido a vontade de independência nacional. De outro modo, no Congresso da Justiça, ter-se-ia discutido o papel das multinacionais do direito como conselheiras privadas dos negócios de Estado, apesar dos muitos visíveis periscópios o denunciarem. De outro modo, perceberíamos que as recentes compras do capital castelhano têm a ver com a crescente independência da Catalunha e do País Basco, hábeis na navegação nos mares confusos do europeísmo e da globalização, e que está próximo um 1640 ao contrário, com a cobertura dos novos senhores do mundo.
Só quem nada percebe de grupos de pressão e de grupos de interesse é que não entende o processo de actuação dos serviços secretos estrangeiros em Portugal, onde, em vez dos mitificados espiões, opera a simplicidade da “pay list”, onde se acantonam intelectuais corruptos, professores vendidos, gestores partidários à procura de financiamento não registável, ou rapazinhos de província que, chegados à classe política, depressa são afogados pela lisonja da diplomacia do croquete.
Para cúmulo da confusão, alguns dos mais destacados agentes da compra do país são os mesmos que assumem publicamente o paradigma do patriota, do anti-corrupto e do intelectual impoluto. Nas águas turvas do negocismo e da política, o crime continua a compensar. Só que a maioria dos portugueses talvez tenha, como preço, o não ter preço.
E pode acontecer que um “anticomunista primário”, como o subscritor destas linhas, se veja obrigado a subscrever as conclusões de um recente artigo de Miguel Urbano Rodrigues, publicado no “Avante”: “o exemplo de firmeza, coerência, coragem e lucidez dos nossos compatriotas que há seis séculos tornaram possível a vitória de uma grande revolução democrática e nacional pode e deve ser um estímulo na luta contra a ameaça à soberania nacional que acompanha a progressiva colonização do país pelo capital espanhol. Aquilo que não conseguiu pela força das armas, tenta a Espanha de Aznar e das transnacionais obtê-lo agora pelo poder do dinheiro. A Resistência a esse projecto imperial anuncia-se como um dos maiores desafios que o povo de Portugal enfrenta neste início do século XXI”.

Dez 21

Orlando Vitorino, presente!

O recente falecimento de Orlando Vitorino obriga-me a que, aqui e agora, preste uma breve homenagem a um dos últimos representantes do movimento da “Filosofia Portuguesa”. O autor de Introdução Filosófica à Filosofia do Direito de Hegel, Lisboa, Guimarães Editores, 1961, da Exaltação da Filosofia Derrotada, Lisboa, Guimarães Editores, 1976, e da Refutação da Filosofia Triunfante, Lisboa, Guimarães Editores, 1983, sempre olhado com desconfiança por certos universitários, cumpriu o seu dever de ter vivido como pensava e até teve a coragem de esboçar uma filosófica candidatura à presidência da república.
Coube-lhe a ousadia de lançar a primeira tradução portuguesa da Filosofia do Direito de Hegel, nos começos da década de sessenta do século XX, para, década e meia depois, também introduzir, entre nós, o pensamento de Hayek, O Caminho para a Servidão, Lisboa, Teoremas, 1977.
Bastavam estas duas iniciativas para lhe assegurarem um lugar perene na cultura portuguesa e para se compreender a razão do respectivo isolamento, e até da própria condenação ao silêncio.
Ele tinha compreendido que “os gregos chamaram cidade ao que nós chamamos Estado” e “chamaram política ao que nós chamamos Direito”. Por isso, proclamou que “Portugal é simultaneamente um Estado e uma Pátria”. Definindo a nação como “o conjunto das gerações ‑ passadas , presentes e futuras ‑ de portugueses”, considerava a pátria como “a entidade espiritual de Portugal”, que “exprime‑se, existe e perdura na língua, na arte e na história”.
Como Orlando Vitorino, também assumimos a república como “a coisa pública que reúne o que é comum interesse, virtual ou manifestamente imediato, de todos os portugueses”. E que o Estado não passa da ” efectivação do Direito ‑ na Nação, na República e na Pátria ‑ segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça”.
Logo, também subscrevemos que “a Nação, a Pátria e a república carecem de um poder real destinado a defender a sua perduração e a assegurar a positividade daquilo que, segundo a definição dos Princípios constitucionais, a cada uma delas é próprio. Esse poder é o Estado”
Como poucos, compreendeu que “o direito grego foi sistematizado por dedução do princípio da verdade”. Que “o direito romano por dedução do princípio da justiça”. E que “o direito moderno por dedução do princípio da liberdade”.
Foi, por isso, um neoclássico, portuguesmente enraizado, e só dele poderia ter vindo o pioneirismo na recuperação da ideia liberal no último quartel do século XX da “pequena casa lusitana”. Obrigado, Mestre!

Dez 08

Fascismo, poujadismo e outras coisas fétidas

Certa pretensa “intelligentzia” proveniente da nossa extrema-esquerda, mas já pós-revolucionariamente instalada no situacionismo, essa que se dedica à “caça” às bruxas no espectro político lusitano, partindo de uma grelha abstracta que mistura classificações do pré-gaullismo francês com os fantasmas do nosso PREC, veio, recentemente, colocar a Nova Democracia “à esquerda” do fascismo, mas bem “à direita” dos governamentais, integrando o mais jovem partido português, que assume “a democracia liberal e de valores”, na categoria do “neo-poujadismo fétido”.
Sem querermos pôr em causa a pessoalíssima soberania da sensibilidade nasal de tais analisadores, apenas notaremos que os mesmos não têm o monopólio da leitura dos jornais franceses, onde entrou no processo de “agenda setting”, a “grogne” dos 34 mil “buralistes”, que já mereceu uma adequada reflexão de Nonna Mayer, directora de pesquisa do CEVIPOF. A nossa pretensa “hard left”, que tanto gosta de “traduzir em calão” o “radical chic” do “français”, deve notar que, além de não termos 1,5 milhão de pequenos comerciantes, somos dotados de uma ministra das finanças que foi objecto de troça do respectivo homónimo parisiense, por causa das desventuras do PEC.
Será também conveniente notar que, entre nós, nos começos do século XX, o tal “poujadismo” dos tendistas e pequenos industriais foi o campo de mobilização da Carbonária e do Partido Republicano Português, isto é, a base da nossa esquerda afonsista, republicana e laica, mas bem pouco socialista, até à emergência de Mário Soares.
Aliás, no congresso fundador da Nova Democracia, estiveram presentes, não apenas de forma simbólica, dois vice-presidentes da Internacional Liberal e um representante da “Democracy International”. Não consta que tenham sido convidados um tal senhor Fini ou uma tal senhora Mussolini.
Contudo, alguns pretensos politólogos que, em tempos idos, eram iluminados pelos paraísos exóticos dos Che Guevara e dos Pol Pot, já, outrora, escrevinharam higiénicos “papers” de caça ao fascismo, chamando Jirinowski, Haider e Le Pen a quem foi gerado politicamente na luta contra o totalitarismo, durante o PREC. Os ditos cujos fazem, aliás, parte do sindicato de citações mútuas que continua a ser regiamente subsidiado pelos ex-companheiros ideológicos que ascenderam ao actual governo e que, ainda há pouco, escrevinhavam que a não-esquerda, crítica política externa norte-americana, era inevitavelmente “neo-fascista”.
Esses derrotados do 25 de Novembro de 1975 que, noutra das respectivas facções, estão na base da cruzada “contra a globalização e o neoliberalismo”, tanto não esgotam o campo de oposição à política financeira do actual governo, como não têm legitimidade para a emissão de certificados de bom comportamento democrático. Por isso cheira mesmo a fétido chamar “poujadista” a todo um largo espaço do espectro político que não alinha nos campos de mobilização dos irmãos Portas. Mesmo por cá, há mais mundos no mundo e talvez ainda possamos semear a esperança.

Dez 07

O regresso do capitalismo de Estado

O Portugal político, traumatizado pelas memórias contraditórias do autoritarismo e do revolucionarismo, continua, infelizmente, a viver em regime de activa esquizofrenia e de “pura irresponsabilidade política”, onde quem quer assumir o monopólio do “tino político”, fingindo dar um salto em frente, brinca aos candidatos presidenciais, para que ninguém possa discutir a questão europeia e a grave crise económica e social que se avizinha, resultante da pura incompetência dos nossos governantes. Porque controlar o poder sempre foi monopolizar a central de distribuição autoritária de valores e dominar o processo de canalização da opinião publicada, principalmente pelo uso do poder de veto, atribuído a certos grupos económicos que assaltaram a comunicação social desta pequena casa lusitana.

Estamos, com efeito, a ser submergidos por um processo de criação artificial de factos políticos, onde, se uns tratam de inventar a direita pura “do século XXI”, qualificando-a como aquela que “faz a ponte entre o passado e o futuro” e que “sabe comunicar emocionalmente”, através do “futuro da comunicação política”, para citar o deputado Gonçalo Capitão, apoiante de Pedro Santana Lopes, eis que outros, cultivando o silêncio bíblico, continuam a apelar à esquerda imaculada pelo renovado estado de graça de António Guterres e, quiçá, pela emergência de José Sócrates.

Resta saber o nome dos activistas da economia paralela que decidiram investir nos falsos profetas que apelam à fusão do partido de Paulo Portas com o de Barroso/Lopes e apoiam a campanha de credibilização do Bloco de Esquerda, para a destruição de um PS, que não pode apenas viver das investidas vocabulares do “pai-fundador” ou do eventual regresso do comissário Vitorino.

Assim, antes dos novos episódios do prometido enredo da pedofilia, tanto na versão Casa Pia, como na sua dobragem micaelense, o tal país do “faz figura” continua a ser um restrito palco por onde circula a classe político-mediática e onde o povo não passa de mero objecto de marketing, de exógena paisagem, para onde se fazem campanhas eleitorais e se emitem os telejornais das entidades que têm direito à transmissão dos jogos do “Euro 2004″, a troco de homílias comentaristas de apoio ao governo.

Por outras palavras, continuamos a ser marcados pelo “conjunto d’os compadres e as comadres que constituem o país legal”, como dizia Alexandre Herculano, pelo que, do “país da realidade”, vem a constante da indiferença daquela massa de “brandos costumes”, onde a fúria dos mansos pode explodir através da revolta populista ou do apoio a “césares de multidões”, isto é, a experiências de poder pessoal encenadas pela demagogia do falso carismático e dos sucedâneos messiânicos.

O mal é antigo. Se em 1834 substituímos o frade do antigo regime pelo barão “usurariamente revolucionário e revolucionariamente usurário”, segundo as palavras do desiludido Garrett, eis que, com o cabralismo, inventámos a nova classe dos burocratas, esse clientelismo estatizante do “comunismo burocrático”, onde “burocracia, riqueza, exército” são “os três pontos de apoio da doutrina”, e “centralização, oligarquia”, “o seu processo”, para citarmos Oliveira Martins.

Isto é, ontem como hoje, sempre o mesmo capitalismo de Estado, onde, em vez de se instaurar a liberdade e a responsabilidade económicas, bem como a efectiva autonomia da sociedade civil e um mercado com regras, domina o proteccionismo e o privilégio, assente no mal baronal, típico de todas as oligarquias partidárias geradas à boleia do poder, que até mantêm zonas de encomendação de grupos de amigos, relativamente aos grupos dominantes do situacionismo anterior.

Em todas estas situações sempre a mesma tendência neofeudal de alguém económica, social ou politicamente enfraquecido se colocar sob a protecção de uma certa personalidade ou de um determinado grupo, bem colocados que, a troco de fidelidade, lhe vão dar emprego estável, a avença compensatória, a facilidade burocrática ou o acesso a círculos íntimos do poder económico, social ou político.

Toda uma teia de aristocracias semiclandestinas que eleva a tradicional “cunha” aos requintes da tecno-estrutura, donde até nem escapam as manipulações laboratoriais de uns serviços secretos que deviam ser da República… portuguesa. Mas não há estados de graça que sempre durem nem pecados que nunca acabem…

Nov 23

Bush, Iraque e GNR

Porque o “Euronotícias” quis morrer, que viva o “Tempo”! Onde prometo continuar a tentar ler estes “sinais” do dito, ao sabor do acaso e da necessidade que vão passando. Recomeço, aliás, chamando a atenção para o recente discurso do Presidente norte-americano George W. Bush, por ocasião da sua visita à Grã-Bretanha, no passado dia 20 de Novembro de 2003.
Quero, sobretudo, alertar para a maneira cobarde como em certos sectores da opinião publicada se está a encarar a participação dos nossos soldados da GNR no teatro de operações no Iraque. E julgo ter alguma legitimidade para esta atitude, porque critiquei, no tempo certo, o esquema “rambo” usado pelos norte-americanos, bem como o seguidismo do governo português face às directivas do nosso grande aliado. Por isso, quero aqui reclamar toda a solidariedade nacional para com os representantes da República portuguesa presentes no teatro do conflito.
Porque “my country, right or wrong”. Porque nunca andei a clamar “nem mais um só soldado para as colónias”. Porque sou capaz de subscrever alguns dos grandes princípios assumidos, finalmente, pelo presidente norte-americano, na sua recente homenagem aos fundamentos europeus dos princípios universais da democracia liberal.
Tal como disse Bush, “We believe in open societies ordered by moral conviction. We believe in private markets humanized by compassionate government. We believe in economies that reward effort, communities that protect the weak and the duty of nations to respect the dignity and the rights of all”. Aliás, reconhecemos que só pode haver ordem, se não perdermos a ideia de termos “a mission in the world beyond the balance of power or the simple pursuit of interest”.
Se compreendo a razão que o leva a largar a postura “cowboy” e a peregrinar Locke, talvez antes de chegar a Kant, nem por isso deixo de anotar que esta revisão do percurso ainda sabe a pouco, quando precisávamos que a política deixasse de obedecer às razões de Estado e passasse a ser pautada por um Estado razão.
A escola que escreve os discursos do Presidente George W. Bush e que, entre nós, apesar de algum colorido vocabular dos receptores, continua a ser a perspectiva dominante da pretensa cientificidade da política internacional, ainda faz, infelizmente, uma radical separação entre a moral individual e a moral dos Estados, salientando que esta é marcada pelo egoísmo, pelo interesse nacional e pela força.
Ora, o puritanismo desta ética protestante, quase repete os ditames de certa “razão de Estado” dita católica, que, desde Justus Lipsius, sempre justificou os beatérios autoritários, ao afastar a ética da responsabilidade da ética da convicção, e sempre aceitou que os fins poderiam justificar os meios, numa lógica dita dos “maquiavélicos defensores da liberdade”, contra aquilo que se convencionou chamar o “império do mal”.
Subscrevendo Raymond Aron, apenas direi que “considerar o poder como o objectivo único ou supremo dos indivíduos, dos partidos ou do Estado, não é uma teoria no sentido científico da palavra, mas uma filosofia ou uma ideologia”.
Não é por “acaso” que os cristãos-novos do ocidentalismo, os que, há meses, se assumiram como os mais radicais defensores de um pretensa “Nova Europa”, segundo as teses de Rumsfeld, são precisamente os mesmos que, agora, se conformam com as ordens do directório da “Velha Europa”, marcada pelo ritmo da locomotiva franco-alemã.
A falta de realismo destes pretensos realistas, que não são marcados pela “necessidade” das convicções, demonstra como o maquiavelismo sempre foi mau conselheiro. Aqueles que parecem ter razão no curto prazo, só porque seguem as modas que passam de moda, logo a perdem no médio prazo, mesmo quando passam da visão “transatlântica” para o “continentalismo”.
Aconselhamo-los, portanto, a não continuarem a lógica inquisitorial da denúncia salazarista, ou maoísta, mesmo que agora se recubram com o mato diáfano de uma democracia-cristã que não segue as reflexões de política internacional de João Paulo II.
Não é necessariamente anti-americano quem critica os erros da política externa norte-americana, nem tem que ser neofascista quem, tendo a legitimidade genética da direita democrática, não segue os ditames, não recebe os subsídios e até recusa as propostas de nomeação da nossa direita ministerialmente instalada.
Considero de mau gosto que se perspective a nossa participação na guerra do Iraque como um dos factores condicionantes da sobrevivência governamental, comparando-a com o caso da pedofilia, como se os expedicionários da GNR fossem meros mercenários e não soldados voluntários, ao serviço da República, através de uma instituição que tem como divisa o “Pela Lei e pela Grei”.
Esses pretensos realistas, que tão má propaganda governamental têm feito, não reparam, sequer, que, em nome da política de “imagem, sondagem e sacanagem”, eles são os principais responsáveis por este ambiente suicida, expresso pelas recentes sondagens, favoráveis ao regresso imediato de tal força. Apesar de ser um oposicionista inequívoco ao actual governo e de sempre ter considerada errada tal decisão de política externa, porque sei que não há democracia sem soldados, estou com aqueles que, nas areias de Nassíria, são, hoje, um dos necessários símbolos da nossa comunidade nacional.