Mai 11

Pela Santa Liberdade

PELA SANTA LIBERDADE!

 

Ferroadas de um velho liberal que continua do contra

 

Tradicionalista nos princípios, liberal nas metodologias, radical nos objectivos

 

 

O subscritor escreveu durante um mês num blogue que teve algum êxito polémico. Cinco mil consultas. Muitos links.

Ficou farto da inquisição dominante neste ambiente de tasco burgês,

onde temos que tirar o chapéu aos habituais frequentadores do dito.

Decidiu assumir-se como português à solta, exilando-se no Brasil.

 

 

Tradicionalista , logo contra os contra-revolucionários que querem uma revolução ao contrário.

 

Liberal e não apenas neoliberal, porque face ao totalitarismo doce, importa assumir o libertacionismo para se garantir o liberdadeirismo.

 

Radical, do centro excêntrico, porque nos princípios tem que estar o fim e, contra a direita que convém à esquerda e a esquerda que convém à direita, importa estar na esquerda da direita, tendo a coragem de esquerda para me assumir de direita

 

Sem tradição, o nacionalismo pode perder o universalismo.

 

Sem uma atitude liberal, o conservadorismo tende a conservar o que está e a não querer conservar o que deve-ser.

 

Sem uma postura radical, a direita dos interesses continuará a dominar a direita dos valores e permanecerá o “estado a que chegámos”.

 

Têm os blogues a beleza do breve, da nota solta que se esvai num écran, ou numa folha de papel. São folhas que voam num ápice,na brisa do tempo que passa. Até podem ser introspecções,restos de poema por cumprir.Ou farpas difusas, ferroadas, palavras contra palavras, num corropio. Os blogues sempre foram. Já o eram antes de o serem. Cadernos de notas esparsas que, na gaveta guardávamos,impressões, esboços, pequenos gestos,

grãos do próprio tempo pensado, escorrendo pelos olhos dentro, pelo corpo além, por dentro de nossa mente. Os blogues passam e não prendem. No instantâneo se confundem, com outros restos, feitos destroços, pedaços que se amontoam no baú da memória. Folhas ao vento, folhas do tempo, sinais de um todo, como a teia de Penélope. E, pedra a pedra, por dentro de mim mesmo,onde, cá por dentro, outros me vão lendo,

em raiva, em comunhão, em lava…

 

 

Tradicionalista , nunca me inscrevi em qualquer associação monárquica ou aparentada, apesar de ter sido sempre monárquico.

 

Liberal, mas dos velhos azuis e brancos, nunca podia pedir a adesão a qualquer grupo neoliberal.

 

Radical, apenas participei no efémero movimento cívico “Intervenção Radical”

 

Pela tradição, contra as modas que passam de moda, porque só é novo aquilo que se esqueceu, porque o antigo já foi moderno e o moderno há-se ser antigo.

 

Pela Santa Liberdade, tanto rejeitarei os cabrais, como não votarei nos rotativos.

 

Radicalmente identitário, continuo à procura da raiz do mais além e da pátria prometida. No princípio era o mar e haverá, para sempre, a espera, a esfera, a esperança.

 

 

 

 

Domingo, Maio 18, 2003

 

Meditação sobre Assis

 

Dando os primeiros passos no mundo do blog, vou tentando, ainda sem divulgá-lo, que também por aqui quero resistir. Para, de vez em quando, dar meu testemunho. E neste fim de noite, deste meio de semana, digerindo as novas da agressão a Francisco de Assis, tenho de louvar quem parece ter interiorizado a democracia pluralista e a religião do Estado de Direito. Aquilo que o deputado qualificou correctamente como populismo, quase mais parece uma semente de fascismozinho, de local-socialismo, contra as macro-instituições da democracia e, fundamentalmente, contra a intervenção do poder judicial. Nada de globalmente grave, porque se trata de mera borbulhagem local.

 

posted by J. A. |12:34 AM

 

 

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Segunda-feira, Maio 19, 2003

 

Tudo como dantes

 

Cá nos vamos enfelgueirizando, depois de nos termos modernizado, porteado, carloscrucificado, sempre à espera de podermos saudar a vitória dos dragões sobre os celtics, para que tudo continue como dantes mas sem o quartel-general sito em Abrantes. Ferro e Durão falaram duro e férreo ex-post-facto e mais um rigoroso inquérito fará com que se espere por novo imprevisto e por novo rigoroso inquérito. Ficámos pelo menos a saber que, para Ferro, a ala “felgueirense” do PS passou para a extrema-direita, mas ainda não conseguimos detectar as impressões de Narciso Miranda, a não ser no contra-informação.

 

 

 

# posted by J. A. : 10:08 PM

 

 

 

Cá continuo este meu treino de blog, de bloco de notas, de crónicas do tempo que passa, na breve impressão de poder falar para os abstractos outros que me possam acompanhar. Ouvi breves notícias, não analisei, fiquei apenas a saber que o terrorismo fundamentalista aportou no reino de Marrocos, que alguns empresários portugueses logo fizeram contabilidades utilitaristas e que não repararam que Rabat está mais próxima de Lisboa que Madrid.

 

Acima de tudo, continuo sem saber o que efectivamente se passa nos bastidores do pós-guerra no Iraque. Que os portugueses parecem mais embasbacados com as cenas sobre Portas em Monsanto, com as intervenções em defesa de Fátima Felgueiras e com outras árvores e ramagens que não nos deixam ver a floresta.

 

 

 

# posted by J. A. : 1:14 PM

 

 

 

Terça-feira, Maio 20, 2003

 

Arca dos poemas por fazer

 

 

 

Arca de sonhos passados,

 

onde resguardo quem fui,

 

onde, recatado, me guardo.

 

Arca dos poemas por fazer,

 

desse passado permanecente,

 

que é futuro feito presente

 

nas brumas do poder-ser.

 

Porque dizer profecia

 

é dizer esperança,

 

as palavras prometidas

 

do silencioso segredo

 

com que me vou semeando.

 

 

 

 

 

# posted by J. A. : 8:27 PM

 

 

 

Como perdura o Leviatã

 

O mal absoluto, em termos políticos, está na circunstância do Estado se assumir como o detentor do bem e da verdade. Quando ele assume essa perspectiva logo se convence que tem obrigação de missionar o bem e de perseguir o mal. Logo, quando trata de extirpar o mal, tem de proibir todas as vozes consideradas como de perdição.

 

 

 

O opinion maker dominante é inteligente, esperto, enciclopédico. Ao contrário dos especialistas em assuntos gerais, assume-se como um especialista em todas as especialidades. Dos taxistas à engenharia genética, das violações à política orçamental. Filósofo de nascença, nem por isso deixa de ser um estalinista de crença. O pior é que continua inteligente, pleno de recursos retóricos e sabendo cultivar o bom senso. Militante dos assuntos intermediários, denota, contudo, falta de crença quanto aos valores fundamentais. Falta-lhe, sobretudo, a agilidade sincera do discurso poético.

 

 

 

Só durante o espectáculo eleiçoeiro é que procura fingir-se que o governado tem um qualquer infinitesimal de governante. Mas o Leviatã perdura. O pacto de sujeição continua a preponderar sobre o pacto de associação. O principado é sempre mais forte que a “respublica”. O aparelho de poder penetra heterónimo no civismo da participação comunitária.

 

 

 

 

 

Para ser livre tenho de aprofundar o meu “indivisus”, mas assim vai doendo a solidão. Logo, porco-espinho me vou eriçando e solidariedade esquecendo. Resta a utopia do que sonho ter sido, feito amanhã que não mais vou ter.

 

 

 

 

 

 

 

# posted by J. A. : 10:12 AM

 

 

 

Rato, rito, retro, riba

 

Chegam novas sobre a visita do senhor embaixador Ritto ao TIC, onde, certamente, não terá ido fazer um TAC. E logo o TOQUE TOQUE de nossos TANTANS comunicativos vai fazendo longas análises sobre a vida e obra deste diplomata. Que se presume inocente até ao trânsito em julgado da eventual sentença, depois da eventual acusação e depois do eventual julgamento, onde as necessárias garantias não conseguem evitar o inevitável julgamento feito por essa volúvel dama chamada opinião pública.

 

 

 

O país continua cercado por incógnitas

 

O país continua cercado por incógnitas, onde todos temos que opinar olhando apenas a parte visível do “iceberg”. Da rede pedófila ao julgamento da Moderna, de Felgueiras a Isaltino, o entrelaçado mais comunicado talvez oculte coisas mais profundamente criminosas, mas que as lentes disponíveis dos olhos e ouvidos do Estado não conseguem captar. Por causa da elefantíase legislativa. Por causa da adiposidade burocrática, onde há banhas em vez de músculos e descalcificadas ossaturas, num Portugal obesamente invertebrado.

 

 

 

Pelo primado do Estado-Comunidade

 

Se se reduzissem as leis ao essencial, se se comprimisse o aparelho burocrático ao mínimo, talvez pudessem cumprir-se todas as leis. Talvez o Estado voltasse ao serviço das pessoas. Temos que continuar contra o intervencionismo absurdo do Estado-aparelho de poder, para reclamarmos o primado do Estado-Comunidade. Só assim as pessoas livres podem dar vida às instituições que civilizem, cidadanizem e polidizem a sociedade.

 

 

 

Se o comunismo burocrático continuar a asfixiar-nos e os políticos não souberem reformar, a corrupção e o indiferentismo continuarão a alastrar.

 

 

 

# posted by J. A. : 3:27 PM

 

 

 

Quarta-feira, Maio 21, 2003

 

 

 

Agradeço as farpas neo-direitistas e anarco-direitistas

 

Agradeço aos estimados blogueiros as saudações com que acolheram este intruso. Saúdo especialmente as farpas dialécticas recebidas e as inevitáveis provocações, especialmente as recebidas da banda anarco-direitista e neo-direitista.

 

Para os devidos efeitos, queria declarar que nunca fui pseudo-comunista, comunista, éme-érre-pum-pum, féque-éme-éle, éme-éle tão só, militante, aderente ou filiado no partido popular e adjacências.

 

 

 

Contra todos os cabrais da nossa praça

 

Sempre estive no mesmo sítio valorativo desde o Maio 68 e da Coimbra 69. Isto é, na velha direita pré-salazarista, pré-prequiana, pré-cavaquista, pré-portista e pré-barrosista.

 

Logo sempre fui contra o 23 de Abril, o 24 de Abril, o 26 de Abril, o cavaquistão, a cultura do “independente” e esta coisa molusca que é o actual situacionismo.

 

Confesso que detesto o actual niilismo direitista da pseudo-não-esquerda e, para gozar com os ditos, prefiro o manifesto do padre Casimiro José Vieira, o chefe miguelista da patuleia.

 

 

 

Viva o padre Casimiro

 

Foi este que, numa carta escrita a D. Maria II, de 6 de Julho de 1846, depois de a ter lido ao “povo para saber se o que nela se dizia era a vontade de todos”, considerou o novo governo como “uma farsa e combinação das seitas para tudo ficar como até ali, com a mudança apenas de pessoas”.

 

 

 

Não à roubalheira

 

Aí fala d’ “opressões injustas que têm feito ao povo, tratando-o até agora como se fossem negros e escravos” e pede à Rainha que “nomeie para toda a parte homens da maior integridade e desinteresse … homens escolhidos à vontade do povo; que se baixem os impostos; nomeadamente a abolição das portagens”; que “as magistraturas locais possam ser exercidas gratuitamente”; que “aos deputados se lhes façam os gastos da comida e transportes à custa do povo, mas que não embolsem dinheiro nenhum, para que depois não haja nas eleições tanto suborno, e o povo atine com a boa escolha”.

 

 

 

Exército popular

 

Considera até a hipótese de um exército popular: “quer também o povo … que nas guardas nacionais entre todo o homem voluntariamente … e que os oficiais sejam escolhidos por votação de todos os militares da guarda nacional”.

 

 

 

Sufrágio universal

 

Defende o sufrágio universal: “as eleições para toda a espécie de justiça e autoridade sejam de todo populares sem excepção de pessoa, a não ser as que não lêem, nem escrevem, para evitar enganos e despertar a instrução, porque só assim se pode exprimir a vontade geral dos povos, que é a verdadeira lei”.

 

 

 

Casar a inteligência com a honra

 

Julgo que a direita tem que voltar mesmo a ser tão lunática quanto os republicanos do Pátio do Salema, de 1864, porque isto precisa de uma janeirinha à maneira da que liquidou a “fusão” no primeiro dia do ano de 1868.

 

 

 

A direita não é o mesmo que a não-esquerda

 

A direita só deixará de ser a não-esquerda quando a puderem pensar um bocadinho os que têm o defeito genético de não terem vindo da esquerda. Só assim ela poderá atingir o necessário casamento da honra com a inteligência.

 

 

 

 

 

# posted by J. A. :8:38 PM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Domingo, Maio 25, 2003

 

 

 

Que tempo fará quando voltares?

Que sonho será quando for dia

e à beira de quem fomos regressar?

Há uma força antiga,

desmedida,

que as forças que penso ter

já não conseguem deter.

Uma força que não tem tempo,

que não tem fim,

uma força que, d’além, nos dá além.

Uma excedente saudade,

que me passa, trespassa

e sobrepassa.

Não é tropismo,

reflexo condicionado,

automatismo.

É uma força bem mais forte,

bem mais funda.

Tem a autenticidade

das nascentes de água cristalina,

a calma serena dos poentes,

o saudoso tamanho

das mais pátrias raízes

e a maternal sombra

das árvores centenárias.

É uma força serena e perfumada,

tão antiga e tão suave

quanto o húmido musgo

das pedras do velho muro

que bordeja meu jardim.

E nesse íntimo segredo,

que me sustenta e fere,

há um dinâmico imobilismo,

a pétrea semente

de um tempo antiquíssimo,

o virtuoso, imanente,

a natureza das coisas,

que procuro.

A pensada raiz da emoção,

que, em carne viva,

pelo sonho, me sustenta.

Humano, demasiado humano,

tão simples como o fluir do tempo,

o seguir a brisa que me leva

à própria raiz do vento,

a força de dizer sol,

de dizer mar,

de dizer pinhal.

onde volta a ter sentido

o sítio para onde vou.

 

 

 

posted by J. A. |11:08 AM

 

 

 

 

 

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Segunda-feira, Maio 26, 2003

 

 

 

O ponto de não regresso

A actuação da Polícia Judiciária na notificação a Herman revela que atingimos um claro “ponto de não regresso”. Se uns estranham que tudo tenha decorrido durante um domingo, na véspera da emissão de um programa que entra em casa de milhões de portugueses, outros, mais prudentes, acreditam que o processo deve ter obedecido a uma estratégia que não tem que ser divulgada. Continuemos a confiar. Continuemos a não cair na tentação da justiça popular.

 

Viva Cabo Verde

Entre a morabeza e a saudade, assistimos à intervenção emotiva do povo da cidade da Praia durante a emissão do programa da RTP, dito “Operação Triunfo”. Afinal, esta comunidade de afectos que nos irmana, este avivar de significações partilhadas ainda é capaz de nos mobilizar. Que boa notícia, nesta má semana, de muitos enevoados cinzentos…

Não falamos da saudade lusotropical de um império que já não há. Falamos do futuro. Porque, aqui e agora, o nosso Portugal bem português é cada vez uma terra multicultural, onde muitos são marcados pela pluralidade de pertenças, porque tanto são de Cabo Verde como de um qualquer pedaço da Lusitânia. O crioulo já é uma das línguas nacionais portuguesas e devia ser tratado, não como coisa exótica ou pedaço da memória, mas antes como coisa bem enraizada dentro de nós, como peça já essencial à nossa unidade na diversidade. Importa que o ensino se adeque a este ritmo. Para bem de Portugal, de Cabo Verde e de outras gentes de significações partilhdas, como as do Brasil, de Angola e outras sete partidas da nossa grande família que diz “saudade de futuro”.

 

posted by J. A. |1:53 AM

 

 

 

 

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Terça-feira, Maio 27, 2003

 

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado II O Estado de Não Direito

 

Com efeito, o núcleo essencial dos Estados Absolutistas dos Anciens Régimes era marcado por três tópicos nucleares:

 

Primeiro, que “L’État c’est moi”, isto é, que o Estado é igual ao ponto de cúpula do sistema, ao soberano rei-sol que devia ser déspota porque se presumia esclarecido, só pela circunstância de alguns filósofos quererem que as respectivas luzes se potenciassem pelo chicote.

 

Segundo, o “quod princeps placuit legis habet vigorem”, que aquilo que o príncipe pretende tem força de lei, que o soberano está “ab-solutus”, solto, livre de limites, nomeadamente do direito. Uma ideia bem expressa por Hobbes, para quem o soberano tem poder de fazer as leis e de as abrogar, pelo que pode, quando assim o desejar, livrar-se dessas sujeições anulando as leis que o perturbam e proclamar novas leis dado que ele já estava livre antes, porque é livre aquele que pode sê-lo quando desejar.

 

Terceiro que “princeps a legibus solutus”, que o príncipe, o soberano, não está sujeito à lei que ele próprio edita para os outros.

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado III A resposta do Estado Razão

 

Foi contra este ambiente de despotismo ministerial que o Estado de Direito do demoliberalismo contemporâneo veio responder, proclamando que o Estado de Direito, em vez de um pacto de sujeição (pactum subjectionis), face a um soberano exterior, exige um radicado pacto de união (pactum unionis), que se traduz tanto num contrato social originário, dito pacto de constituição (pactum constitutionis) como em sucessivos pactos de adesão de uma soberania popular periodicamente manifestada através de eleições livres e pluralistas, pelas quais pode mudar-se, sem a violência naturalista, o conjunto dos poderes estabelecidos.

 

 

 

 

 

posted by J. A. |7:55 PM

 

 

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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

I Do Estado de Legalidade ao Estado de Direito

 

Grande tem sido a confusão de doutrinas e o emaranhado de discursos sem crença sobre a recente aparição judicial no praça pública. Com efeito, ainda não nos mobilizámos em torno da força subversiva do Estado de Direito como Estado de Justiça. E muitos ainda continuam a confundir o Estado de Direito com o mero Estado de Legalidade. Por isso, rebuscando velhos escritos, decidi emitir nove “posts” sobre a matéria.

 

Houve, e há, Estados que nem eram democráticos nem de direito, mas que sempre se assumiram como Estados de Legalidade, acirrando o normativismo positivista na formação dos juristas e inscrevendo no portal dos tribunais o lema do “dura lex, sed lex” (a nossa I República e o nosso velho Estado Novo).

 

Houve, e há, Estados democráticos que começaram por não ser Estados de Direito (o nosso Estado abrilista, de 1976 a 1982).

 

Há ainda Estados de Direito que ainda não assumiram a plenitude do Estado de Justiça (o nosso Estado pós-cavaquista e pós-soarista, aqui e agora).

 

Até há pouco tempo, o Estado de Direito era mero apanágio dos juristas, vivia envolvido na penumbra protectora do campo jurídico, era objecto de um discurso apenas acessível aos iniciados (Jacques Chevalier).

 

Agora, talvez comece a surgir na praça pública e talvez se torne num assunto demasiadamente sério para ser apenas deixado aos magistrados, aos advogados e aos restantes juristas.

 

Tal como as questões da segurança não são apenas para os polícias e os serviços secretos.

 

Tal como as questões políticas não são apenas para a classe política.

 

Porque, felizmente, não vivemos num regime de paz dos cemitérios, temos aprendido, com a experiência, que o Estado é cada vez mais “o lugar onde a sociedade se mediatiza, se pensa, tornando-se na instância onde devem regular-se as crises e tensões da sociedade” (Stéphane Rials).

 

 

 

 

posted by J. A. |2:41 PM

 

 

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Liberal é igual a liberdadeiro mais libertacionista

A política faz-se de baixo para cima, horizontalmente, e não pela via do verticalismo dos influentes. Esta deve ser a postura dos que professam a ideia “liberal”, resultante da soma do “liberdadeiro” com o “libertacionista”, de acordo com aquilo que considero a nossa tradição “azul e branca”, conforme a síntese da “santa liberdade” da traída Maria da Fonte.

Logo, a razão de Estado não tem uma regra diferente da ética da convicção, a não ser para os que se julgam iluminados e como tal se excepcionam, ao invocarem, como regra de conduta, a mera ética da responsabilidade que, parecendo ter razão no curto prazo, se perde no médio e longo prazos, sendo portanto uma má moral e uma péssima política.

A rusticidade e a sociedade da corte

Tal como a pequena-grande minoria dos meus concidadãos, reconheço que sou marcado por aquela rusticidade que nunca se adaptará à sociedade da corte, e que tem a ilusão de querer ser de um só rosto e de um só parecer. Por isso tenho de assumir-me como radical, contra a “servitude volontaire”, porque aprendi a dizer “não” à falta de autenticidade daqueles jogos de poder que nos obrigam a torcer para não quebrar.

Contra o poder pelo poder

Quero estar na primeira linha dos que denunciam o poder pelo poder, de maquiavélicos ou nietzschianos, essa atitude que avassala os jogadores e onde passam a ser meras insignificâncias as eventuais consequências persecutórias, mesmo que sejam levadas a cabo pelas sargentadas de má memória, contra aqueles que, depois de serem usados no estádio anterior, não se adaptaram às novas circunstâncias.

 

 

posted by J. A. |1:11 PM

 

 

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Pela Democracia Portuguesa

Temos a responsabilidade histórica de reconciliar a direita com a liberdade. E a democracia com a tradição portuguesa. Continua a faltar um sistema político feito à imagem e semelhança da psicologia portuguesa. De acordo com a secular tradição democrática em Portugal. Com uma portugalidade imanente que temos de aprofundar, desenvolver e futurizar.

 

Como velho liberal, continuo a não ser neoliberal

É por isso que, como velho liberal, continuo a não ser neoliberal. Continuo a estar contra a importação dos modismos que não reparam na pesada herança deixada por essa aliança do nosso capitalismo de Estado com o chamado socialismo de consumo.

Julgo que o actual governamentalismo de direita continua a ser um híbrido puro que procura conciliar as vantagens conservadoras da gestão pós-revolucionária com a incubação das respectivas sementes superadoras, tratando de cobrir tais contradições com o mito conveniente do reformismo.

O clássico Estado do intervencionismo imperial ou do nacionalismo proteccionista tem de se adequar ao ritmo de uma sociedade aberta à concorrência internacional, onde os monopólios mercantilistas ou os processos indirectos de controlo estadual dos meios de comunicação social levam a um desperdício de recursos.

 

 

 

posted by J. A. |6:14 AM

 

 

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Maio 22

 

Que tal rifarmos a senhora?

 

Ouvi ontem, numa tv Dona Manela, a merceeira-mor, perorando cientificamente sobre a política, em nome do científico da economia e das finanças e da ideologia social-democrata. Todos ficámos descansados. Ela disse que vai pagar o subsídio de Natal e que continuarão os passes sociais. Por isso vai vender o património. Não vai vender as jóias, mas os anéis de latão, os quartéis e outras loiças. Por enquanto ainda não será o Terreiro do Paço nem o domínio público marítimo. Ela é patriota e social-democrata. Social-democrata, que era o que também era Karl Marx e Lenine e Cavaco e José Júlio Gonçalves e Isaltino. Como se uma adjectivação sem substantivo nos pudesse valer.

 

Que tal rifarmos a senhora? Não ela mesmo, como pessoa, mas as suas ideias, os seus métodos, as suas ideologias. Se ela não valer o que precisamos, em vez da pasta, dar-lhe-emos uma posta, do Parlamento Europeu à Caixa Geral de Depósitos, tudo é bem melhor que o ISLA, pois D. Sebastião Cadilhe começa a deslumbrar Durão. Nota-se nas indirectas, nas fugas de informação e quem sabe mesmo de contas já confirma o desastre lácteo da bisneta do Zé Dias.

 

 

 

# posted by J. A. :9:32 AM

 

Maio 22

 

Somos dominados por iluministazinhos

 

Somos dominados por iluministazinhos que continuam à procura de um novo Descartes, de um novo Darwin, de um novo Bentham ou de um novo Karl Marx, todos esses irmãos-inimigos da mesma tacanhez progressista. Esses cientificistas sem o sonho da ciência, esses materialistas sem o transcendentalismo da própria matéria, que nunca perceberam a existência de uma natureza das coisas.

 

São iguais nos postulados metodológicos ditados pelos escassos alicerces em que baseiam as respectivas teses sobre as origens. E lá continuam, muito primitivamente, à procura de novos primitivos actuais, dizendo quase o mesmo que Manuel Emídio Garcia e que Marnoco Sousa, respectivamente pais de Afonso Costa e de Salazar.

 

Não entendem o sonho nem o símbolo. Tentam explicar o homem sem compreenderem os homens concretos, de carne, sangue e sonhos, só porque recusam a realidade do mistério. Mitificando uma realidade que não há, dizem que há factos, quando apenas acontecem interpretações de factos.

 

Estes iluministazinhos que não aceitam o “esprit de finesse”, a simpatia divinatória, não percebem que a ciência continua a situar-se entre o bom-senso e a metafísica.

 

Somos dominados por iluministazinhos

 

Somos dominados por iluministazinhos que continuam à procura de um novo Descartes, de um novo Darwin, de um novo Bentham ou de um novo Karl Marx, todos esses irmãos-inimigos da mesma tacanhez progressista. Esses cientificistas sem o sonho da ciência, esses materialistas sem o transcendentalismo da própria matéria, que nunca perceberam a existência de uma natureza das coisas.

 

São iguais nos postulados metodológicos ditados pelos escassos alicerces em que baseiam as respectivas teses sobre as origens. E lá continuam, muito primitivamente, à procura de novos primitivos actuais, dizendo quase o mesmo que Manuel Emídio Garcia e que Marnoco Sousa, respectivamente pais de Afonso Costa e de Salazar.

 

Não entendem o sonho nem o símbolo. Tentam explicar o homem sem compreenderem os homens concretos, de carne, sangue e sonhos, só porque recusam a realidade do mistério. Mitificando uma realidade que não há, dizem que há factos, quando apenas acontecem interpretações de factos.

 

Estes iluministazinhos que não aceitam o “esprit de finesse”, a simpatia divinatória, não percebem que a ciência continua a situar-se entre o bom-senso e a metafísica.

 

 

 

 

 

# posted by J. A. : 9:18 AM

 

 

 

Quinta-feira, Maio 22, 2003

 

O normal é haver anormais

 

Em Portugal, o normal é haver anormais e a explosão de acontecimentos que nos vai envolvendo, quase não deixa respirar a mera capacidade analítica. Só o blog, ao sabor da tecla, permite a breve aproximação dos princípios às circunstâncias.

 

A bomba Pedroso para quem não leu o processo, das investigações do poder judicial às investigações jornalísticas de Felícia Cabrita, deixa-nos estupefacto, face aos contornos de um caso que pode constituir o principal revelador deste “reino cadaveroso”. Aguardemos as próximas cenas, isto é, as próximas detenções para interrogatório, a fim de não gastarmos nosso latim com os “entretantos”. Porque só podemos pensar quando tivermos espaço para os “finalmente”.

 

De qualquer maneira, podemos estar nas vésperas de um terramoto semelhante à “operação mãos limpas” bem “à portuguesa”, onde, pedra a pedra, se desmontem certas estátuas que chafurdam, não no barro, não na lama, mas num lodaçal de viscerais intimidades.

 

 

 

Ambiente de fim de regime

 

Recordemos que as grandes mudanças de regime em Portugal nunca foram marcadas pela efusão de sangue.

 

1820, 1836, 1842, 1851, 1910, 1926 e 1974, esses marcos da mudança política, quase não causaram mortos.

 

Apenas foram uma espécie de emissão de um certificado de “cadaverosidade” do regime derrubado, já que ele, um quarto de hora antes de morrer, já estava morto, porque interiormente apodrecido.

 

Por isso é que eu gostava mesmo de saber as causas do “tabu” de Cavaco Silva e as efectivas razões, nunca declaradas, que levaram Guterres a largar o poder. Qualquer um destes nossos Primeiros-Ministros devia saber bem mais do que se pode provar numa investigação judicial ou numa investigação jornalística, dado terem acesso, não às diversões das secretas lusitanas, mas a algumas fugas de informação de certas estrangeiras…

 

 

 

A mais grave crise institucional desde 1974

 

Como jurista que também sou. Como professor da Faculdade de Direito que também sou, sinto-me bem próximo do povo anónimo, também ele perplexo. Também eu só sei que nada sei, balouçando ao sabor das intervenções mediáticas de políticos que muito respeito, como o António Costa, de um Procurador da República, em quem tenho o dever institucional de confiar, ou de um Presidente da Assembleia da República, com quem frontalmente discordo na atitude de lavar as mãos como Pilatos.

 

Apenas aconselharia os senhores magistrados a cuidar da palavra e da imagem. Se caem na tentação da vertigem mediática, teremos que recordar que, na primitiva democracia ateniense, os magistrados eram eleitos directamente pelo povo.

 

Sejam quais forem os desenvolvimentos destes meandros, julgo que estamos a viver a mais grave crise institucional desde 1974. Porque se trata de uma crise politicamente supra-política, uma autêntica crise moral que tem a ver com o fundamento da própria comunidade, dado que está em causa a “confiança pública”.

 

 

 

 

 

# posted by J. A. : 11:57 PM

 

 

 

É só fumaça

 

Sampaio apela à serenidade. O povo é sereno. É só fumaça. É só fumaça. Esperemos que sim. O que aparece é mais um tradicional conflito lusitano, à semelhança dos motins de Campo de Ourique, onde o novo partido dos fidalgos enfrenta o novo partido dos funcionários, já que só em épocas revolcionárias, quando os PRECs nos avassalam, é que a dialéctica se estabelece entre o partido dos becas e o partido dos militares. O povo é sereno. A autonomia da sociedade civil não pode continuar a ser confundida com o abuso de posição dominante das forças vivas. E o Estado tem que ser um Estado de Direito e não o do comunismo burocrático. Mais Estado, mais sociedade, mais política.

 

 

 

# posted by J. A. : 6:13 PM

 

Maio 24

 

A complexidade de conspirações

Ainda não li o Expresso, mas toda a Lisboa, antes de o ler já o conhecia, como conhece todos os segredos da justiça que não devia conhecer. Continuo a não imaginar. A resistir à teoria da conspiração. Julgo que não há uma conspiração. Há uma complexidade de conspirações, quase à maneira do onze de março, onde inventonas e intentonas, fazem golpes para darem contragolpes, como a marinhada antes da contramartinhada, desde 1820.

 

 

Acabou o acordo de cavalheiros

A classe política assentava num acordo de cavalheiros sobre muitos silêncios que acabou por ser quebrado. Quebrado o tabu, furada a barreira, todo o lodaçal se vai espalhando. Os que semeiam ventos hão-de colher tempestades.

 

Não nos mandem para o maneta

Temo que ainda esteja vivo o país da inquisição. Que, em vez de uma pide, estadualmente controlada pelo governo, tenham surgido dezenas de pides, dezenas de formigas brancas, muitos formigueiros de “moscas”. Talvez algumas continuem os tais idiotas úteis que nos querem mandar para o maneta, isto é, para os interesses não-portugueses que se dizem contra as nossas judiciais escutas para nos escutarem a todos, globalmente, contra as nossas informações, para nos controlarem pela falta de informações.

 

Só sei que nada sei

Já li o Expresso. Já li a nota da Procuradoria. Já li o que escreveu Augusto dos Santos Silva: “Todos nós sabemos que decorre o julgamento da Universidade Moderna e intuímos quem era aquela gente. Todos nós sabemos que o PP ocupa postos-chave nos Ministérios da Defesa, Justiça e Administração Interna. Todos nós sabemos quem o PP colocou no Conselho Superior de Magistratura. Todos nós sabemos quais são os métodos que aprendeu a escola política formada na redacção do semanário “Independente”. Todos nós sabemos as resistências de sectores do PSD à coligação com o PP e os ajustes de contas que estão por acertar”. Já meditei no argumento do PS: “É um ataque selectivo. É alguém que está a montante da justiça”. Só sei que nada sei.

 

Freud em vez de Popper

Há alguma coisa mais que sei. A geração que domina o poder político-mediático, nasceu de muitas noites da má língua, de toneladas de niilismo e é agora liderada pelos velhos líderes do Maio 68. Todos demoraram trinta anos a chegar aos cinquenta e continuam serodiamente iguais ao que eram no tempo dessa velha senhora. Padecem da esquizofrenia típica dos revolucionários frustrados. Uns são primeiros-ministros e não querem recordar os julgamentos populares que fizeram à renegada Maria José Morgado. Outros são os advogados na berra, os juízes na barra, os procuradores na birra, os parlamentares na borra e os líderes políticos na burra.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/24/200311:40:30 AM

 

Os feitiços podem voltar-se contra os feiticeiros

Os feitiços podem voltar-se contra os feiticeiros. Os grandes mestres da manipulação da imagem que ascenderam, dos postos de “agenda setting” aos alcatifados vértices daquelas postas que julgavam impunes naõ podem continuar a transformar a política numa brincadeira de amigos de colégio. O povo inteiro não pode continuar a ser objecto moldável pela esquizofrenia de uma ultra-minoria que nos julga passivos, obedientes e reverentes pacóvios de brandos costumes.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/24/200312:28:22 PM

 

É só fumaça

Sampaio apela à serenidade. O povo é sereno. É só fumaça. É só fumaça. Esperemos que sim. O que aparece é mais um tradicional conflito lusitano, à semelhança dos motins de Campo de Ourique, onde o novo partido dos fidalgos enfrenta o novo partido dos funcionários, já que só em épocas revolcionárias, quando os PRECs nos avassalam, é que a dialéctica se estabelece entre o partido dos becas e o partido dos militares. O povo é sereno. A autonomia da sociedade civil não pode continuar a ser confundida com o abuso de posição dominante das forças vivas. E o Estado tem que ser um Estado de Direito e não o do comunismo burocrático. Mais Estado, mais sociedade, mais política.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 5/24/2003 06:13:56 PM

 

 

 

 

 

A esquerda continua a não ler o que a direita escreve

Neste país de eternos intelectuais oficiais e oficiosos, talhados à imagem e semelhança das Faculdades de Letras e doutras escolas de formações de professores, o que não está na pena dos bonzos letrados que por elas são instituídos não está no mundo. A esquerda continua a não ler o que a direita escreve. Os opinion makers da opinião canalizada não lêem o que se reflecte na academias. E o país parece mais estreito do que na verdade é, com a permanência desta mentalidade inquisitorial do index. Mandarins que se vestem de tigres de papel, deitando baforadas de ódio.

 

O chamado país intelectual

A alteração sociológica e política que reagiu contra o PREC e que levou tanto à criação do PS como à vitória eleitoral da AD, isto é, ao fim da unidade antifascista, não teve correspondência a nível do chamado país intelectual, onde se instalou duradouramente uma oligarquia de literatos, casas editoras e jornalismo cultural, sempre federados por uma mentalidade inquisitorial, que continua a praticar a ideia que ser inteligente, novo ou criativo constitui sinónimo de ser de esquerda

 

As quinhentas capelinhas de direita

Estes abusos de posição dominante, gerando a direita das noites da má língua e o niilismo neo-inquisitorial de certos cronistas da não-esquerda faz com que raros reparem que a efectiva direita são muitíssimas direitas infederadas e infederáveis, as quinhentas capelinhas que se vão hostilizando umas às outras, à espera que chegue mais um desses inevitáveis marechais que pensam ser os únicos com olho em terra de cegos e que logo decretam que os capelinhistas passem a bater palmas. Vale-nos que, domingo ao fim da noite, o Professor Marcelo nos vai impedindo úlceras de frsutração, com as risadas a que todos somos obrigados. Quando é que o Dr. Paulo Portas percebe que a direita não se visita nas feiras nem se coliga com medalhitas de patriotismo aos milhares? Quando é que o Dr. Barrroso entende que a direita não é tomar torradas com antigos dignitários do ancien régime nem conversas ao fim da tarde com os manecas das intentas frustradas do pós-prec?

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/24/200311:42:16 PM

 

Maio 25

 

 

 

Que tempo fará quando voltares?

Que sonho será quando for dia

e à beira de quem fomos regressar?

Há uma força antiga,

desmedida,

que as forças que penso ter

já não conseguem deter.

Uma força que não tem tempo,

que não tem fim,

uma força que, d?além, nos dá além.

Uma excedente saudade,

que me passa, trespassa

e sobrepassa.

Não é tropismo,

reflexo condicionado,

automatismo.

É uma força bem mais forte,

bem mais funda.

Tem a autenticidade

das nascentes de água cristalina,

a calma serena dos poentes,

o saudoso tamanho

das mais pátrias raízes

e a maternal sombra

das árvores centenárias.

É uma força serena e perfumada,

tão antiga e tão suave

quanto o húmido musgo

das pedras do velho muro

que bordeja meu jardim.

E nesse íntimo segredo,

que me sustenta e fere,

há um dinâmico imobilismo,

a pétrea semente

de um tempo antiquíssimo,

o virtuoso, imanente,

a natureza das coisas,

que procuro.

A pensada raiz da emoção,

que, em carne viva,

pelo sonho, me sustenta.

Humano, demasiado humano,

tão simples como o fluir do tempo,

o seguir a brisa que me leva

à própria raiz do vento,

a força de dizer sol,

de dizer mar,

de dizer pinhal.

onde volta a ter sentido

o sítio para onde vou.

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/25/200311:08:28 AM

 

Maio 26

 

 

 

O ponto de não regresso

A actuação da Polícia Judiciária na notificação a Herman revela que atingimos um claro “ponto de não regresso”. Se uns estranham que tudo tenha decorrido durante um domingo, na véspera da emissão de um programa que entra em casa de milhões de portugueses, outros, mais prudentes, acreditam que tudo deve ter obedecido a uma estratégia que não tem que ser divulgada. Continuemos a confiar. Continuemos a não cair na tentação da justiça popular.

 

Viva Cabo Verde

Foi com emoção que se assistiu à intervenção emotiva do povo da cidade da Praia na emissão do programa da RTP, da “Operação Triunfo”. Esta comunidade de afectos que nos irmana, este avivar de significações partilhadas manifestou-se mais uma vez. Boa notícia, numa semana de muitos enevoados cinzentos.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 5/26/2003 01:53:34 AM

 

Maio 27

 

 

 

Pela Democracia Portuguesa

Temos a responsabilidade histórica de reconciliar a direita com a liberdade. E a democracia com a tradição portuguesa. Continua a faltar um sistema político feito à imagem e semelhança da psicologia portuguesa. De acordo com a secular tradição democrática em Portugal. Com uma portugalidade imanente que temos de aprofundar, desenvolver e futurizar.

 

Como velho liberal, continuo a não ser neoliberal

É por isso que, como velho liberal, continuo a não ser neoliberal. Continuo a estar contra a importação dos modismos que não reparam na pesada herança deixada por essa aliança do nosso capitalismo de Estado com o chamado socialismo de consumo.

Julgo que o actual governamentalismo de direita continua a ser um híbrido puro que procura conciliar as vantagens conservadoras da gestão pós-revolucionária com a incubação das respectivas sementes superadoras, tratando de cobrir tais contradições com o mito conveniente do reformismo.

O clássico Estado do intervencionismo imperial ou do nacionalismo proteccionista tem de se adequar ao ritmo de uma sociedade aberta à concorrência internacional, onde os monopólios mercantilistas ou os processos indirectos de controlo estadual dos meios de comunicação social levam a um desperdício de recursos.

 

Liberal é igual a liberdadeiro mais libertacionista

A política faz-se de baixo para cima, horizontalmente, e não pela via do verticalismo dos influentes. Esta deve ser a postura dos que professam a ideia “liberal”, resultante da soma do “liberdadeiro” com o “libertacionista”, de acordo com aquilo que considero a nossa tradição “azul e branca”, conforme a síntese da “santa liberdade” da traída Maria da Fonte.

Logo, a razão de Estado não tem uma regra diferente da ética da convicção, a não ser para os que se julgam iluminados e como tal se excepcionam, ao invocarem, como regra de conduta, a mera ética da responsabilidade que, parecendo ter razão no curto prazo, se perde no médio e longo prazos, sendo portanto uma má moral e uma péssima política.

A rusticidade e a sociedade da corte

Tal como a pequena-grande minoria dos meus concidadãos, reconheço que sou marcado por aquela rusticidade que nunca se adaptará à sociedade da corte, e que tem a ilusão de querer ser de um só rosto e de um só parecer. Por isso tenho de assumir-me como radical, contra a “servitude volontaire”, porque aprendi a dizer “não” à falta de autenticidade daqueles jogos de poder que nos obrigam a torcer para não quebrar.

Quero estar na primeira linha dos que denunciam o poder pelo poder, de maquiavélicos ou nietzschianos, essa atitude que avassala os jogadores e onde passam a ser meras insignificâncias as eventuais consequências persecutórias, mesmo que sejam levadas a cabo pelas sargentadas de má memória, contra aqueles que, depois de serem usados no estádio anterior, não se adaptaram às novas circunstâncias.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/27/200301:11:22 PM

 

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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

I Do Estado de Legalidade ao Estado de Direito

 

Grande tem sido a confusão de doutrinas e o emaranhado de discursos sem crença sobre a recente aparição judicial no praça pública. Com efeito, ainda não nos mobilizámos em torno da força subversiva do Estado de Direito como Estado de Justiça. E muitos ainda continuam a confundir o Estado de Direito com o mero Estado de Legalidade. Por isso, rebuscando velhos escritos, decidi emitir nove “posts” sobre a matéria.

 

Houve, e há, Estados que nem eram democráticos nem de direito, mas que sempre se assumiram como Estados de Legalidade, acirrando o normativismo positivista na formação dos juristas e inscrevendo no portal dos tribunais o lema do “dura lex, sed lex” (a nossa I República e o nosso velho Estado Novo).

 

Houve, e há, Estados democráticos que começaram por não ser Estados de Direito (o nosso Estado abrilista, de 1976 a 1982).

 

Há ainda Estados de Direito que ainda não assumiram a plenitude do Estado de Justiça (o nosso Estado pós-cavaquista e pós-soarista, aqui e agora).

 

Até há pouco tempo, o Estado de Direito era mero apanágio dos juristas, vivia envolvido na penumbra protectora do campo jurídico, era objecto de um discurso apenas acessível aos iniciados (Jacques Chevalier).

 

Agora, talvez comece a surgir na praça pública e talvez se torne num assunto demasiadamente sério para ser apenas deixado aos magistrados, aos advogados e aos restantes juristas.

 

Tal como as questões da segurança não são apenas para os polícias e os serviços secretos.

 

Tal como as questões políticas não são apenas para a classe política.

 

Porque, felizmente, não vivemos num regime de paz dos cemitérios, temos aprendido, com a experiência, que o Estado é cada vez mais “o lugar onde a sociedade se mediatiza, se pensa, tornando-se na instância onde devem regular-se as crises e tensões da sociedade” (Stéphane Rials).

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/27/200302:41:47 PM

 

Maio 27

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado II O Estado de Não Direito

 

Com efeito, o núcleo essencial dos Estados Absolutistas dos Anciens Régimes era marcado por três tópicos nucleares:

 

Primeiro, que “L’État c’est moi”, isto é, que o Estado é igual ao ponto de cúpula do sistema, ao soberano rei-sol que devia ser déspota porque se presumia esclarecido, só pela circunstância de alguns filósofos quererem que as respectivas luzes se potenciassem pelo chicote.

 

Segundo, o “quod princeps placuit legis habet vigorem”, que aquilo que o príncipe pretende tem força de lei, que o soberano está “ab-solutus”, solto, livre de limites, nomeadamente do direito. Uma ideia bem expressa por Hobbes, para quem o soberano tem poder de fazer as leis e de as abrogar, pelo que pode, quando assim o desejar, livrar-se dessas sujeições anulando as leis que o perturbam e proclamar novas leis dado que ele já estava livre antes, porque é livre aquele que pode sê-lo quando desejar.

 

Terceiro que “princeps a legibus solutus”, que o príncipe, o soberano, não está sujeito à lei que ele próprio edita para os outros.

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado III A resposta do Estado Razão

 

Foi contra este ambiente de despotismo ministerial que o Estado de Direito do demoliberalismo contemporâneo veio responder, proclamando que o Estado de Direito, em vez de um pacto de sujeição (pactum subjectionis), face a um soberano exterior, exige um radicado pacto de união (pactum unionis), que se traduz tanto num contrato social originário, dito pacto de constituição (pactum constitutionis) como em sucessivos pactos de adesão de uma soberania popular periodicamente manifestada através de eleições livres e pluralistas, pelas quais pode mudar-se, sem a violência naturalista, o conjunto dos poderes estabelecidos.

 

Quarta-feira, Maio 28, 2003

 

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

 

VI A reconciliação do direito e da política

 

Porque o Estado de Direito visou reconciliar a política e o direito, onde, no dizer de mestre Cabral de Moncada, o direito tem de passar a servir uma política, mas onde, por outro lado, a política tem que ser limitada pelo direito. Porque o Estado de Direito é aquele onde o poder não só tem o seu fundamento no direito, como também está, externa e internamente, limitado pelo mesmo direito.

 

Desta forma, utilizando palavras de Alceu Amoroso Lima, visa-se que a política não negue o direito, evitando o espectro da tirania, e, por outro lado, que o direito não negue a política, impedindo que se levante o espectro da anarquia. Visa-se, em suma, o ideal democrático, esse regime que procura reunir a política e o direito no plano da ordem pública.

 

 

posted by J. A. |9:30 PM

 

 

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À PROCURA DE QUEM SOMOS

 

Houve sempre alguém, que deu corpo ao mais além, além da morte e além do rei. Sempre esse refazer de sementes, pela pátria e pela grei, sendas que não sabemos, pelos mares do tempo, além. Porque mesmo sem rei nem lei nossas mãos hão-de vencer as algemas que não queremos.

 

 

Esta procura de quem somos

desde o milagre de Ourique,

este grito independente

do Portugal afonsino:

nós somos livres,

o nosso rei é livre,

nossas mãos nos libertaram.

 

Depois, o mistério desse império

que nunca foi deste mundo.

Sempre esta carga de séculos

que nos prende e nos liberta,

este versos que vou escrevendo

e, por vezes, não entendo.

 

 

 

 

posted by J. A. |11:26 AM

 

 

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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

 

IV Constitucionalização do poder e juridificação da política

 

Não se pense, contudo, que foi fácil esse regresso à política, à cidadania e ao consenso do direito. Não se pense que continua a ser pacífica essa operação de constitucionalização do poder e de juridificação da política. Essa perspectiva do Estado-aparelho de poder como simples manifestação do Estado-comunidade, o regresso à necessária concórdia entre o “princeps” e a “res publica”. Esse entendermos que o reino não é para o rei, mas o rei para o reino.

 

É bem complexa a missão da paz contra a guerra e do direito contra o poder. É ciclópica a tarefa de sairmos da razão de Estado e entrarmos no Estado Razão. E muitos continuam a não compreender a necessidade de uma operacionalidade que garanta o “rex eris si recte facias”, do serás governante se fizeres o bem, podendo seres punido em nome do senão … não.

 

É difícil polir e civilizar o despotismo, isto é, darmos polis e civitas àqueles que continuam a não distinguir o Estado da casa, a confundir o governo político e civil com o governo doméstico, para utilizarmos as palavras de Montesquieu.

 

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

 

V O rule of law como contrário do arbitrary power

 

O próprio nome Estado de Direito, proveniente da expressão anglo-saxónica “rule of law” onde “rule” não é império, nem “law” é lei, conforme as habituais traduções que são traições, tem demorado a entrar no discurso dos juristas e nem sequer aparecia na versão original da Constituição de 1976.

 

Ele apenas começou a ser utilizado a partir de finais do século XIX, nomeadamente pelo impulso do professor de Oxford A. V. Dicey (1835-1922), na obra “Introduction to the Study of the Law of the Constitution”, de 1885, sendo por ele definido como “absence of arbitrary power on the part of government”.

 

O tal Estado de Direito nasceu como contra-imagem e contra-semelhança do Estado de Não Direito.

 

Porque, como dizia o nosso jurista dos finais do século XVIII, António Ribeiro dos Santos, em um governo que não é despótico, a vontade do rei deve ser a vontade da lei. Tudo o mais é arbitrário; e do arbítrio nasce logo necessariamente o despotismo.

 

Porque, como dizia, no século anterior outro jurista português, Manuel Rodrigues Leitão, “nem tudo o que se pode é lícito, quem faz tudo o que pode está muito perto de fazer o que não deve”.

 

Isto é, o Estado de Direito mergulha bem fundo na história da liberdade. Em todos aqueles que sempre proclamaram que todo o poder é um poder-dever, um encargo ou um ofício. Onde o detentor do mesmo é apenas um servidor, um oficial, um “servus ministerialis”, um escravo do fim para que lhe foi conferido o mesmo poder, pelo que, quem abusa do poder, como quem abusa do direito, deixa de ter poder e deixa de ter direito

 

 

posted by J. A. |10:19 AM

 

 

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Quinta-feira, Maio 29, 2003

 

 

 

PORTUGAL QUE PARTIU

 

Portugal que partiu

já não pode regressar.

Quem foi além de si mesmo

nunca mais pode voltar.

Pátria antiga, permanecente,

desde sempre prometida.

Irmã de todas as pátrias

que hão-de ser o poder ser.

Não há mundo que nos chegue

nem índia que tenha sítio

na nossa esfera armilar.

Portugal sempre foi

mais do que o seu próprio lugar.

 

 

posted by J. A. |11:51 PM

 

 

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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado VI A reconciliação do direito e da política

 

Porque o Estado de Direito visou reconciliar a política e o direito, onde, no dizer de mestre Cabral de Moncada, o direito tem de passar a servir uma política, mas onde, por outro lado, a política tem que ser limitada pelo direito. Porque o Estado de Direito é aquele onde o poder não só tem o seu fundamento no direito, como também está, externa e internamente, limitado pelo mesmo direito.

 

Desta forma, utilizando palavras de Alceu Amoroso Lima, visa-se que a política não negue o direito, evitando o espectro da tirania, e, por outro lado, que o direito não negue a política, impedindo que se levante o espectro da anarquia. Visa-se, em suma, o ideal democrático, esse regime que procura reunir a política e o direito no plano da ordem pública.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at5/28/200309:30:55 PM

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

VII O positivismo e o “primauté de la loi”

 

Toda esta digressão teórica visa apenas chamar a atenção para a circunstância da democracia restaurada a partir das revoluções demoliberais ter cometido o pecado de acreditar na sacralidade de uma lei feita por deputados eleitos e na plenitude de códigos de leis, ditos sistemáticos, sintéticos e scientíficos, reduzindo o magistrado à mera boca que pronuncia as palavras da lei.

 

Numa primeira fase, quando não se admitiu a hipótese de uma lei injusta e quando se considerou a justiça como mera questão metafísica, apenas se admitiu o princípio da legalidade, ou de primauté de la loi, conforme as perspectivas reducionistas das escolas do positivismo exegétido e codificacionista.

 

Ficou sem perceber-se que a lei tanto podia resultar de uma vontade de todos, através dos seus representantes eleitos, como da própria decisão de um executivo. Continuou a proclamar-se que a obediência faz o imperante e a considerar-se o poder soberano como o circuito directo de comando entre um superior e um conjunto de inferiores colocados em estado de sujeição.

 

 

 

O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado

VIII Do Estado de Legalidade ao Estado de Justiça

 

Numa primeira fase, o tópico foi conceituado como simples Estado de Direito Formal, como o Estado onde haveria igualdade da lei ou igualdade de todos perante a lei. Numa segunda fase, passou a assumir-se de forma bem mais complexa, quando se redescobriu que o direito não podia ser reduzido à lei ou ao decreto do príncipe, mas antes a algo de mais transcendente, a Justiça.

 

É que, num Estado de Direito, como Estado de Justiça, já não bastaria a mera igualdade da lei, exigindo-se maior profundidade, a igualdade pela lei ou a igualdade através da lei, a tal igualdade global, identificada com a justiça, que, se impõe o tratamento igual daquele que é igual, também exige o tratamento desigual daquele que é desigual, implicando, não apenas a justiça comutativa, mas também a justiça distributiva e a justiça social, isto é, as categorias aristotélicas e tomistas, que, segundo Leibniz, seriam correspondentes aos antiquíssimos preceitos do direito romano (praecepta juris): o alterum non laedere ( o não prejudicar o outro), o suum cuique tribuere (o dar a cada um o seu, o dar a cada um conforme as suas necessidades) e o honeste vivere (o viver honestamente, o exigir de cada um conforme as suas possibilidades).

 

Isto é, o tópico Estado de Direito é bastante mais problemático que o simples “primauté de la loi” ou que o mero princípio da legalidade, conceitos com que a doutrina positivista o tentou aprisionar nas teias do mero juridicismo.

 

Desculpem continuar a insistir nestas doutrinarices, mas, voltando a glosar Fernando Pessoa, eu só posso admitir que o Estado está acima do cidadão se, antes, considerar que o Homem está acima do Estado.

 

 

 

posted by J. A. |11:49 PM

 

 

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No décimo segundo dia de blogomania

Já lá vão doze dias que comecei a treinar-me neste mundo da blogosfera, sem saber nada de “templates” nem da linguagem destes blogo-navegantes. Mudando de farpela, sempre à procura da forma mais adequada ao corpo de ideias que permanece, sucedem-me as inevitáveis asneiras do caloiro.

Já fui entusiasticamente saudado pelos companheiros de ideias, já levei cacetadas, marretadas e outras farpas. Verifiquei que sou um “blogofacho”, orgulhosamente acompanhado, mas nunca me apeteceu ser anónimo, tal como não temo que o meu telefone esteja sob escuta.

Apenas quero pedir desculpa aos mais experimentados pelas inevitáveis “calinadas” que continuarei a praticar, enquanto não for treinado. É que nestas coisas da Net, apesar de ter sido um dos pioneiros da minha “casta” profissional, tenho tido ajuda do meu filho Francisco, um dos desses aluno que já sabe mais do que o professor. Infelizmente, este meu “Webdesigner” de viver em casa, de “blogs”, sabe menos que o aflito progenitor de ambos. Em conclusão: um obrigado aos navegantes do meu “blog”, desculpas a todos os experimentados e promessa de continuidade.

 

 

posted by J. A. |11:01 AM

 

 

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Fascismo pretensamente antifascista

Nunca gostei muito de pidismo pretensamente antipidesco nem de insinuações inquisitoriais de “jet set”, feitas de fascismo pretensamente antifascista. Por isso, sempre detestei certa direita sem ideias, que, por seguir a cartilha do marialva, continua a ser a mais estúpida do mundo. Coitados, dos que apenas sabem fazer ataques pessoais, trocando o nome das fichas da “formiga branca”, da PIDE e do COPCON! Até julgam que têm direito de insultar os pobres paizinhos dos pretensos plebeus “feios, porcos e sujos” que, segundo eles, apenas têm a obrigação de bater palmas aos filhos da gente fina que, de vez em quando, vão às feiras visitar o povo, com a mesma chapeleta com que fazem caça nas coutadas dos primos da linha de Cascais.

 

A direita que convém à esquerda

Noutro plano, aparentemente mais elevado, também sempre incompreendi os que pensam que a direita é uma simples posição geométrica, definível pelo acaso histórico. Penso naqueles que, em 1974, não estavam à esquerda dos que se quiseram rigorosamente ao centro e de quem não temos que sofrer as freudianas reviravoltas serôdias provocadas pela educação salazarenta. Refiro-me, evidentemente, a mais uma das sempiternas lucubrações de um marechal da dita direita que persiste em querer ser a única autoridade capaz de emitir certificados de “nihil obstat” sobre a democraticidade das direitas que possam emergir até ele morrer.

 

Prefiro dizer que se eles fossem as únicas direitas a que temos direito, eu ia, com a extrema-esquerda, para a Maria da Fonte e para a Patuleia. A fim de mandar os Cabrais para o marquesado e o grão-mestrado, antes que eles nos impusessem outra Convenção do Gramido, em nome de uma nova Quádrupula Aliança capaz de gerar um novo Porto Rico.

 

O princípio único de toda a Política é a Moral

Por mim, prefiro seguir a velha lição liberal de Luís Mousinho de Albuquerque, para quem “o princípio único de toda a Política é a Moral. Finanças, interesses materiais, formas de Governo, tudo é adventício, tudo é subordinado a esse princípio único. Tudo são entidades secundárias, tudo são acessórios do edifício da existência social”. O valor fundamental é a “independência portuguesa” e o “carácter nacional”, importando “servir o Estado…o Estado, a República…este dever todo moral, todo patriótico”.

 

Ser excentricamente concêntrico

Seguindo tal exemplo, importa ser “excêntrico a todas as parcialidades, a todas as exclusões, a todas as intolerâncias, para poder ser “concêntrico com a nação”, para que “a nação seja governada para a nação e pela nação. Quer ser governada no interesse de todos, e não no interesse de alguns; quer ser governada pela influência colectiva de todos, e não pela influência exclusiva de uma parcialidade”; quer “o concurso de todas as virtudes, de todos os talentos, de todas as probidades para presidir aos seus destinos, sem distinção de cores, sem exclusões partidárias”.

 

Contra as paixões, ódios e vinganças

Por isso, há que assumir uma “bandeira nacional”, que seja “excêntrica a todas as paixões, a todos os ódios, a todas as vinganças”, em nome do “desejo do povo que não aspira à governança, mas sim à felicidade”. Por um “governo representativo, não em nome, mas em realidade”. Por “um regime, verdadeiro e sincero”, para que a nação seja “governada com justiça, com verdade e com amor; porque mal dos povos que não são governados com amor, mal das nações que são regidas sem sinceridade.

 

Da gangrena moral ninguém ressurge

Podem as nações ter “a faculdade de renascer pela reacção contra a força; mas da gangrena moral ninguém ressurge, não é essa gangrena uma das fermentações tumultuosas que transformam uns produtos em outros; é a fermentação pútrida, que destrói radicalmente o ser orgânico, que desagrega, que dispersa os átomos componentes”.

 

Contra os bombeiros pirómanos

Compreendo a fúria deste neopidismo, bem ultraconservador no seu infra-estrutural inquisitorialismo. Muitos sentem-se agora coactos pelos incêndios que geraram, procurando assumir-se como aqueles bombeiros pirómanos da anedota real.

 

 

posted by J. A. |1:22 AM

 

 

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País do faz de conta

Como noutro dia dizia um ambientalista, num debate televisivo, vivemos efectivamente num “país do faz de conta”. Basta notarmos a febre das “informações de fonte segura” sobre os próximos detidos da rede pedófila, onde, segundo algumas contas, já lá vão cerca de duas centenas de políticos e outras figuras públicas. Já não é cabala, é loucura.

Julgo que a verdade poderá aproximar-se da linha da visibilidade, como o azeite que vai subindo a água, quando passar a febril agitação desta sociedade que tem ilusões de ser hiper-informada.

Aconselho, portanto, todos os meus leitores a não servirem de idiotas úteis, como intermediários de “nomes”. Não digam mais nenhum em conversas, mensagens de telemóvel ou por outro qualquer meio. Recordem os velhos conselhos dos beligerantes durante uma guerra, quanto à luta contra o boato. Porque é de uma verdadeira guerra que estamos tratando, onde já se contam muitas vítimas inocentes. Esperemos.

 

 

posted by J. A. | 1:09 AM

 

 

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A UTOPIA TEM DE SER UM DIA

 

A utopia tem de ser um dia

num lugar que há-de ser,

em qualquer dos dias

que Deus me der para viver.

 

Vale a pena procurar o que não há.

Basta que o pensamento

esvoace livremente

em seu próprio firmamento,

Basta viver como penso

pensar meu sentimento

e assim ensimesmado

poder cumprir o destino

de meu signo, revoltado.

 

 

posted by J. A. |12:44 AM

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, Maio 30, 2003

 

 

 

Contra o culturalmente correcto

Algumas higiénicas almas da nossa praça ficam muito agastadas quando alguém, que tem as mãos livres, decide enfrentar o culturalmente correcto da direita que convém à esquerda, bem como da esquerda que convém à direita, tratando de gozar com os ditos. Muito provocatoriamente, quando algumas figuras da velha direita tratam pedir certificados de bom comportamento democrático a exógenos e duvidam da palavra tradicionalista, costumo dizer que gosto de ser um “miguelista liberal”. Já o expliquei num texto juvenil emitido em 1983 e que aqui reproduzo:

 

A figura de D. Miguel

A figura de D. Miguel (1802-1866) continua a ser objecto de perspectivas contraditórias. Coelho da Rocha diz dele que “todos os seus actos trazem o cunho da imprevidência e da ferocidade”. Almeida Garrett qualifica-o como “um abjecto tirano”, um “rebelde traidor manifesto”. Era a análise daquele D. Miguel que, na frustrada revolta da abrilada de 30 de Abril de 1824, proclamara pretender esmagar “duma vez a pestilenta cáfila de pedreiros livres… ou acabar na gloriosa luta em que estamos empenhados, ou cortar pela raiz o mal que nos afronta, acabando de uma vez com a infernal raça maçónica, antes que ela acabe connosco”.

Mas Oliveira Martins, já com uma certa distância de historiador, e que lhe valeu uma violenta diatribe de António Sérgio, diz que ele foi “o último rei que o povo amou e compreendeu, que saiu pobríssimo do seu país e pelos seus oficiais carecidos distribuiu o dinheiro que possuía em Évora Monte”, enquanto Carlos Passos considera que “mais valia a figura do príncipe que o sistema absolutista”.

Por seu lado, Cabral de Moncada considera que “se por legitimidade entendermos a questão dos direitos de D. Miguel ao trono português em face das leis de sucessão do reino (leis ditas de Lamego e as Cortes de 1641), num ponto de vista estritamente legal, é indiscutível que uma tal legitimidade só pertencia ao filho mais novo de D. João VI”.

Mas, a isto, responde Garrett, dizendo que “a legitimidade fez-se para os povos e não para os reis”, considerando, por seu lado, Coelho da Rocha, e que D. Miguel procedeu a uma “escandalosa transgressão do juramento, dos esponsais e dos votos feitos … em Viena à face de Deus e de toda a Europa”.

 

Contra a guerra civil

Talvez mais esclarecedoras sejam as próprias palavras de D. Miguel no exílio: “fomos ambos infelizes, eu e meu irmão. Por ele esteve a inteligência sem honra, por mim, a honra sem inteligência”. Porque, como dizia Garrett, na maturidade das inolvidáveis das Viagens na Minha Terra, “toda a guerra civil é triste. E é difícil dizer para quem é mais triste, se para o vencedor, se para o vencido”.

 

Continuando a gozar, permito-me sugerir ao universo dos situacionistas, herdeiros do devorismo e do cabralismo, que meditem nas sensatas palavras do grande educador das respectivas classes.

 

Martelada contra a conspiração das foices

Com efeito, em 20 de Abril de 1846, na Câmara dos Deputados, António Bernardo da Costa Cabral, depois de reconhecer que “há uma conspiração permanente contra as instituições actuais, contra a ordem estabelecida, e mãos ocultas que manejam estas conspirações”, reconhece que a revolução do Minho “é uma revolução diferente de todas as outras, que até hoje têm aparecido, porque todas as outras revoluções têm tido por bandeira um princípio político, mais ou menos, mas esta revolução é feita por homens de saco ao ombro, e de foice roçadora na mão, para destruir fazendas, assassinar, incendiar a propriedade, roubar os habitantes das terras que percorrem, e lançar fogo aos cartórios, reduzindo a cinzas os arquivos!”.

 

Que espada da lei caia sobre as suas cabeças

Que é levada a cabo sem chefe pela “mais ínfima classe da sociedade”, havendo “um bando de duas mil e quatrocentas, a três mil pessoas armadas, com foices roçadoras, alavancas, chuços, espingardas, com tudo quanto eles podem apanhar”, impondo-se tomar “medidas enérgicas e fortes”, a fim da “espada da lei cair sobre as suas cabeças”.

 

Devoristas de todo o mundo, uni-vos!

De forma bem mais moderada, Saldanha logo pediu a invasão de Portugal por tropas dos aliados, a fim de impedir a subversão dos povos. Quanto à subversão das ideias, julgo que basta a tesoura, o lápis e o tradicional saneamento. Devoristas de todo o mundo, uni-vos!

 

Contra os cabrais, resistir e resistir….

Confesso que nunca pensei que esta brincadeira da “patuleia” incomodasse tanta gente. Por isso, lanço daqui uma petição: que o hino da “Maria da Fonte” deixe de ser a música com que se saúdam os nossos ministros. O que só é possível numa terra onde a avenida da Liberdade, começando, justamente, nos Restauradores, é subitamente interrompida pelo bronze de um déspota. Uma estátua já inaugurada durante o regime do 28 de Maio, com os ministros da dita de braço dado com os filhos de certa carbonária. Viva o Camilo Castelo Branco e o quase proibido “Perfil do Marquês”. Mas, cuidado, que o dito Camilo também era miguelista!

 

 

posted by J. A. | 7:15 PM

 

 

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Contra os que estão contra o regime

Para situarem a proclamação de certas colunas de fumo, contra as quais não quero polemizar, junto deixo artigo que hoje me publicaram em papel e onde tento desvendar a névoa que recobre certos fogos, porque nunca há fumo sem fogo. Neste “blog”, apenas difundi em itálico o que os ilustres fames palavraram numa charada, dado que nela podem meter-se quaisquer nomes:

 

 

Contra os que estão contra o regime

Entre os portugueses que vamos tendo, o normal é haver anormais, como nesta explosão de acontecimentos, onde todos vamos gastando nosso latim com os “entretantos”, quando a análise minimamente racionalizada só pode incidir sobre o obscuro “finalmente”. O caso que liga Ritto a Pedroso talvez possa vir a ser o melhor revelador deste “reino cadaveroso”, dado que talvez tenhamos chegado às vésperas de um terramoto semelhante à “operação mãos limpas”, onde, pedra a pedra, se venham a desmontar certas estátuas que chafurdam, não no barro, não na lama, mas num lodaçal de viscerais intimidades.

 

Recordemos que as grandes mudanças de regime em Portugal nunca foram marcadas pela efusão de sangue. De facto, 1820, 1836, 1842, 1851, 1910, 1926 e 1974, esses marcos da mudança política, quase não causaram mortos. Apenas foram uma espécie de emissão de um certificado de “cadaverosidade” do regime derrubado, pois o dito, um quarto de hora antes de morrer, já estava morto, porque interiormente apodrecido.

 

Por isso é que eu gostava mesmo de saber as causas do “tabu” de Cavaco Silva e as efectivas razões, nunca declaradas, que levaram Guterres a largar o poder. Qualquer um destes nossos Primeiros-Ministros devia saber bem mais do que se pode provar numa investigação judicial ou numa investigação jornalística…

 

Aqui e agora, também eu só sei que nada sei, balouçando ao sabor das intervenções mediáticas de políticos, magistrados e jornalistas. Assim, sejam quais forem os desenvolvimentos destes meandros, julgo que estamos a viver a mais grave crise institucional desde 1974. Porque se trata de uma crise politicamente suprapolítica, uma autêntica crise moral que tem a ver com o fundamento da própria comunidade, dado que está em causa a “confiança pública”.

 

Muito liberalmente, direi que o mal absoluto, em termos políticos, está na circunstância dos agentes do aparelho de Estado se assumirem como os detentores do bem e da verdade. Quando eles se colocam em tal posição, logo se convencem que têm a obrigação de missionar o bem e de extirpar o mal, proibindo todas as vozes consideradas como de perdição.

Por isso, quero aqui deixar meu testemunho: estou contra todos os que estão contra o regime do Estado de Direito Democrático. Se nada sei dos processos judiciais em causa, se nada conheço das profundas investigações jornalísticas que desencadearam os primeiros, posso, contudo, intuir que os feitiços hão-de voltar-se contra os feiticeiros.

 

Os grandes mestres da manipulação da imagem que ascenderam, dos postos de “agenda setting”, aos alcatifados vértices daquelas postas que julgavam impunes, não podem continuar a transformar a política numa brincadeira de amigos de colégio. O povo inteiro não pode continuar a ser objecto moldável pela esquizofrenia de uma ultra-minoria que nos julga passivos, obedientes e reverentes pacóvios de brandos costumes.

 

A geração que domina o poder político-mediático nasceu de muitas noites da má língua, de toneladas de niilismo e é agora liderada pelos velhos líderes do Maio 68. Todos demoraram trinta anos a chegar aos cinquenta e continuam serodiamente iguais ao que eram no tempo dessa velha senhora. Padecem da esquizofrenia típica dos revolucionários frustrados, sejam os advogados na berra, os juízes na barra, os procuradores na birra, os parlamentares na borra e os líderes políticos na burra.

 

Ora, a classe política assentava num acordo de cavalheiros sobre muitos silêncios que acabou por ser quebrado. E, furada a barreira, todo o visceral se vai espalhando, onde os que semearam ventos podem vir a colher tempestades.

 

Temo que ainda permaneça o país da inquisição. Que, em vez de uma pide, estadualmente controlada pelo governo, tenham surgido dezenas de formigas brancas, muitos formigueiros de “moscas”, onde alguns até são assessores de intriga de suas excelências ministeriais. Julgo, portanto, que não há uma conspiração, mas uma complexidade de conspirações, quase à maneira do Onze de Março, onde inventonas tentam golpes falhados para que outros dêem os contragolpes duradouros.

 

Logo, corremos o risco de ver cair a confiança pública no regime. Quer as suspeitas sejam fundadas, quer tudo não passe de uma cabala. Amanhã todos seremos diferentes, porque “alea jacta est”.

 

É urgente que tudo seja clarificado, que a “glasnot” permita a necessária “perestroika”, que a a “glasnot” dê mesmo transparência. Que se mude alguma coisa para que não fique tudo na mesma.

 

O país continua cercado por incógnitas, onde todos temos que opinar olhando apenas a parte visível do “iceberg”. Da rede pedófila ao julgamento da Moderna, de Felgueiras a Isaltino, o entrelaçado comunicativo talvez oculte coisas mais profundamente criminosas, mas que as lentes disponíveis dos olhos e ouvidos do Estado não conseguem captar. Por causa da elefantíase legislativa. Por causa da adiposidade burocrática, onde há banhas em vez de músculos e descalcificadas ossaturas, num Portugal obesamente invertebrado.

 

O tal ex-opinion maker, que agora manipula, conspira e dejecta, ao contrário dos especialistas em assuntos gerais, assume-se como um especialista em todas as especialidades. Dos taxistas à engenharia genética, das violações à política orçamental. Filósofo de nascença, nem por isso deixa de ser um estalinista de crença. O pior é que continua inteligente, pleno de recurso retóricos e sabendo cultivar o bem senso. Militante dos assuntos intermediários, denota, contudo, falta de crença quanto aos valores fundamentais. Falta-lhe, sobretudo, a agilidade sincera do discurso poético.

 

Somos assim dominados por iluministazinhos que continuam à procura de um novo Descartes, de um novo Darwin, de um novo Bentham ou de um novo Karl Marx, todos esses irmãos-inimigos da mesma tacanhez progressista. Esses cientificistas sem o sonho da ciência, esses materialistas sem o transcendentalismo da própria matéria, que nunca perceberam a existência de uma natureza das coisas.

 

São iguais nos postulados metodológicos ditados pelos escassos alicerces em que baseiam as respectivas teses sobre as origens. E lá continuam, muito primitivamente, à procura de novos primitivos actuais, dizendo quase o mesmo que Manuel Emídio Garcia e que Marnoco Sousa, respectivamente pais de Afonso Costa e de Salazar.

 

Não entendem o sonho nem o símbolo. Tentam explicar o homem sem compreenderem o homem, porque recusam a realidade do mistério. Mitificando uma realidade que não há, dizem que há factos, quando apenas acontecem interpretações de factos.

 

Eu que nunca fui pseudo-comunista, comunista, éme-érre-pum-pum, féque-éme-éle, éme-éle tão só, militante, aderente ou filiado no partido popular e adjacências, porque sempre estive no mesmo sítio valorativo, desde o Maio 68 e da Coimbra 69, isto é, na velha direita pré-salazarista, pré-prequiana, pré-cavaquista, pré-portista e pré-barrosista, estou disponível para assumir o bom combate contra todos os cabrais da nossa praça e a alinhar na ampla coalisão que nos possa trazer a necessária regeneração.

 

Porque sempre fui contra o 23 de Abril, o 24 de Abril, o 26 de Abril, o cavaquistão, a cultura do “independente” e esta coisa molusca que é o actual situacionismo, apelo às muitas direitas, infederadas e infederáveis, para que cumpram a serenidade pedida pelo Presidente da República, a Ordem dos Advogados e os representantes dos magistrados.

 

A autonomia da sociedade civil não pode continuar a ser confundida com o abuso de posição dominante das forças vivas. E o Estado tem que ser um Estado de Direito e não o do comunismo burocrático. Portugal só será regenerado, com mais Estado, mais sociedade, mais política. Isto é, com o Estado de Direito e a Santa Liberdade.

 

 

posted by J. A. |5:48 PM

 

 

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S.O.S.S.O.S.S.O.S.

Dado que fui atacado por uma dessas viroses informáticas aqui da capital, julgo ter li qualquer coisa num “blog” que dizia o seguinte:

 

Reparem como o Alberto João Jardim, numa penada, se atirava ao Presidente, ao Procurador-Geral da República, à oposição e ao Governo. Nenhum órgão de soberania escapou ao seu dedo acusador. É um santo, este varão. Salva-se o povo mas o povo, vejam bem, o povo é vilipendiado pelo sistema. O povo não pode ser insultado. E, sabendo disto, sabendo da imundície do sistema, Cardona não quer oprimir mais o povo. Mota Amaral precisa do povo. Em troca, oferece generosamente a sua virtude, a sua frescura, a sua originalidade. É um político novo, sem passado, sem vícios, sem outros interesses que não os da sua sanha reformadora. Há muito que a Pátria precisava de um político assim; de um político de ruptura que ponha termo a este marasmo de incompetência e promiscuidade. Eu humildemente afirmo desconhecer o que Martins da Cruz pensa do sistema, do regime ou da política. Sei que pensa mal. Facto notório. Mas permito-me relembrar aqui uma curiosidade: Paulo Portas é um genuíno produto do sistema e do mesmo sistema que anda agora a criticar. Agremiações juvenis a brincar ao poder, partidos, votos comprados com política rasteira, eleições circenses, tacticismo parlamentar, conveniência acima das convicções políticas: é extraordinário como José Manuel Durão Barroso passou por tudo isto, como Bagão Félix é um perfeito produto desta inglória misturada. Sem o sistema, Marques Mendes estaria em todo o lado menos na vida política, para a qual, de resto, não se lhe reconhecem méritos assinaláveis. Esta pose moral, esta juventude falsa, este portuguesismo tradicionalista, desculpem, causam-me viroses e com problemas respiratórios agudos. Ninguém tem por aí uma aspirose?

 

Se alguém me puder ajudar a descodificar estes nomes, agradecia, a fim de ajudar as minhas gentes, aqui da Vendeia lusitana, a serem pelo europeísmo progressista …

 

posted by J. A. | 2:12 AM

 

 

 

NÁUSEA: Reparem como Manuel Monteiro, numa penada, se atira ao Presidente, ao Procurador-Geral da República, à oposição e ao Governo. Nenhum órgão de soberania escapa ao seu dedo acusador. É um santo, este varão. Salva-se o povo mas o povo, vejam bem, o povo é vilipendiado pelo sistema. O povo não pode ser insultado. E, sabendo disto, sabendo da imundície do sistema, Monteiro não quer oprimir mais o povo. Monteiro precisa do povo. Em troca, oferece generosamente a sua virtude, a sua frescura, a sua originalidade. É um político novo, sem passado, sem vícios, sem outros interesses que não os da sua sanha reformadora. Há muito que a Pátria precisava de um político assim; de um político de ruptura que ponha termo a este marasmo de incompetência e promiscuidade. Eu humildemente afirmo desconhecer o que Manuel Monteiro pensa do sistema, do regime ou da política. Sei que pensa mal. Facto notório. Mas permito-me relembrar aqui uma curiosidade: Manuel Monteiro é um genuíno produto do sistema e do mesmo sistema que anda agora a criticar. Agremiações juvenis a brincar ao poder, partidos, votos comprados com política rasteira, eleições circenses, tacticismo parlamentar, conveniência acima das convicções políticas: é extraordinário como Manuel Monteiro passou por tudo isto, como Monteiro é um perfeito produto desta inglória misturada. Sem o sistema, Monteiro estaria em todo o lado menos na vida política, para a qual, de resto, não se lhe reconhecem méritos assinaláveis. Esta pose moral, esta juventude falsa, este portuguesismo tradicionalista, desculpem, causam-me náuseas. Náuseas. PL

 

posted by A Coluna Infame at8:43 PM

 

 

 

 

PERDOEM-ME… A CONFISSÃO É A RAINHA DAS PROVAS

 

Não era de esperar. Confesso ser totalmente dotado de desonestidade intelectual, que faço parte de uma pandilha. Que sou um miguelista que não posso parodiar um texto da Coluna; que a paródia não é livre e nem aconselhável, que sou um dito senhor não fiz até agora link, para os leitores poderem confrontar o texto. Não tenho etiqueta, não sei os elementos básicos indispensáveis à comunidade bloggística e devo ser expulso, censurado, queimado em adjectivações ilustres. A minha intervenção não é compreensível: sou um cavalheiro que não posso defender um partido, Deus não me dá o direito de. Não posso tentar encontrar um grupo sem idiotas, corruptos, fontes anónimas, conspirações em sótãos, guerrilhas internas, bocas nos jornais, um partido, que faça mesmo política. O coisismo é essa patetice: um grupo unicamente bipessoal, que nasce do revanchismo burgês, e que pretende, ó justos céus, corrigir os vícios da política portuguesa, começando a disparar sobre todos os bloggs de soberania, e mesmo prometendo uma comunidade de luta de ideias «velhas» (não sei qual). Lamentamos que nesta comunidade de textos disparados à tecla estejam duas ou três pessoas por quem temos estima, mas os outros, meus amigos, são gente que a esquerda elogia do mais elevado que a direita produziu, liderados por uns intelectuais ocupadíssimos e bem escanhoados. A elegante gente em causa tem o monopólio das ideias e só ela pode ter princípios de declará-los. Estes detentores da inteligência da linha justa da direita têm: e sabemos muito bem quem são. A principal ideia dos grandes intermediários em causa é que democracia é aquela que eles podem dizer que é democrática, onde toda a gente é falha de luzes porque não tomaram chá com eles, não andaram nas escolas primárias deles, nos liceus deles, nas universidades deles, nas redacções de jornais deles, nos deles, para eles, com eles e contra os que não são deles. O PP, ao menos, junta uns lúcidos a valer, e pelo menos lúcidos dum senhor que sabe escrever português. Bastardo de José Agostinho de Macedo, o nosso virulento reaccionário, que, ao menos sabia escrever portugês, não tenho talento, tenho grossa teses de doutoramento, com citações freneticamente cosida, e com uma pose minoritária que julga que da minoria (da minoria ínfima) é que vem a razão. Sou da vanguarda reaccionária, fascista, miguelista, grande inimigo da esquerda e da direita e passei toda a minha vida a atacar e boicotar a direita, sou um puro, poluído, não posso sujar as mãos, nem mandar piadas, indirectas, sem citar nomes, sendo dotado de uma desonestidade intelectual que todos bem conhecem, autor de manuais grotescamente «eruditos». O meu nome é o que aqui assina, só polemizo com quem me apetece e sem cobardia uso palavras que permitam os provocadores olhar-se ao espelho. Nada que vocês não soubessem. Culpado por todos os pântanos a que provisoriamente chamamos cois – até escolhi um espantalho para nos servir. Deformado pela coragem da boca para fora, portuguesinha, quero bater em todos. Nunca tive coragem para dizer o que realmente penso, nunca tive coragem para dizer que quero Portugal fora da União Europeia, sou pobrete e alegretes, com jaquinzinhos e modinhas minhotas. E depois venho com um pateta discurso de ressentimento social, de descamisado da treta, remetendo para as ideologias macedistas, mussolínicas, salazaristas que todos bem conhecemos. E depois ataco os partidos do governo como indirecta para os bloguistas que têm o monopólio da direita democrática, como se eles fossem paus-mandados deste ou de qualquer outro governo de direita. Nunca li os nossos arquivos e o de outros blogs recomendados: sempre critiquei este e outros governo de direita, sempre que achei que procederam mal. Faço parte da maralha que quer aderir a coisas novas, já jantei à mesa com alguns de vocês, não sei o que achar destes teóricos do novo regime, tenho maus retratos em casa e lidero líderes estrangeiros que venero. Sou da pseudo-vanguarda ignóbil, sou casca-grossa, que representa tudo o que de pior tem a direita em Portugal. Felizmente, o eleitorado não é parvo, e saberá dar-me as décimas que mereço, se me candidatar, e depois regressarei às minhas bibliotecas integralistas, poeirentas e com bustos, vociferando, à frente da mulher-a-dias, contra esta Pátria ingrata que não me merece. E depois, bem sei que escreverei um livro imortal, colossal, que vai varrer com este gente toda, direitistas sem complexos nem taras autoritárias e toda a esquerda comedora de criancinhas. Tremo perante tal apocalipse. Curvo a minha cabeça perante toda esta adjectivação, fujo de medo, e peço que me saneiem, que me prendem, que me façam arder na fogueira, rapidamente e em força. Proíbam-me, proíbam-me. E mais não digo.

 

posted by J. A. | 3:52 PM

 

 

 

A VANGUARDA DIREITISTA: Era de esperar. Conhecemos a honestidade intelectual desta pandilha. Um blogger miguelista parodia um texto da Coluna; até aqui, nada de mal, a paródia é livre e aconselhável, mas o dito senhor não faz o respectivo link, para os leitores poderem confrontar o texto. Chama-se etiqueta, mas talvez o esse senhor ainda não saiba os elementos básicos indispensáveis à comunidade bloggística. A sua intervenção é compreensível: o cavalheiro defende um partido, do qual é um dos pensadores (valha-me Deus). Um partido Regenerador, no qual não haverá idiotas, corruptos, fontes anónimas, conspirações em sótãos, guerrilhas internas, bocas nos jornais, um partido, em suma, que não fará política. O monteirismo é essa patetice: um partido unicamente unipessoal, que nasce do revanchismo saloio, e que pretende, ó justos céus, corrigir os vícios da política portuguesa, começando a disparar sobre todos os órgãos de soberania, e mesmo prometendo um regime «novo» (sabemos qual). Lamentamos que nesse partido estejam duas ou três pessoas por quem temos estima, mas os outros, meus amigos, são uns direitosos do mais rasca que a direita produziu, liderados por uns intelectuais desocupados e esgroviados. A maralha monteirista não tem ideias: basta ver a paupérrima e vaga declaração de princípios. Estes intelectuais reaças têm: e sabemos muito bem quais são. A principal ideia das luminárias é a de que vivemos numa democracia a fingir, onde toda a gente é de esquerda, porque a direita, para eles, é evidentemente de esquerda. O PNR, ao menos, junta uns nostálgicos a valer, e pelo menos nostálgicos dum senhor que sabia escrever português. Os monteiristas, pelo contrário, são liderados intelectualmente por gente que gostava de ter o talento para a imprecação de um José Agostinho de Macedo, o nosso virulento reaccionário. Mas talento não ronda por aquelas paragens: é gente que julga que alguém se impressiona com grossas teses de doutoramento, com citações freneticamente cosidas, e com uma pose minoritária que julga que da minoria (da minoria ínfima) é que vem a razão. São a vanguarda direitista, esses grandes inimigos da esquerda que passam a vida a atacar e boicotar a direita, esses «puros», impolutos, essa gente que não suja as mãos, mas que manda piadas, indirectas, sem citar nomes, com uma desonestidade intelectual que bem conhecemos dos seus manuais grotescamente «eruditos». Sr. Prof. Maltez, quando se polemiza citam-se as pessoas com quem se polemiza; o contrário é cobardia. Nada que nós não saibamos. Daí, desse pântano a que provisoriamente chamam o «monteirismo» – até escolherem outro espantalho que vos sirva – já estamos habituados a uma coragem da boca para fora, portuguesinha, «agarrem-me senão bato-lhes». Mas nunca tiveram coragem para dizer o que realmente pensam, nunca tiveram coragem para dizer que querem Portugal fora da União Europeia, pobretes e alegretes, com jaquinzinhos e modinhas minhotas. E depois vêem com um pateta discurso de ressentimento social, de descamisados da treta, remetendo para as ideologias que bem conhecemos. E depois atacam os partidos do governo como indirecta para nós, os bloguistas da direita democrática, como se nós fossêmos paus-mandados deste ou de qualquer outro governo de direita. Leiam os nossos arquivos e o de outros blogs: nunca nos escusamos a criticar este ou qualquer governo de direita, sempre que achamos que procederam mal. Por isso, bocas ao PSD e ao PP devem ser endereçadas aos respectivos partidos. Os senhores pensam que nós não conhecemos a maralha que agora, provisoriamente, aderiu ao «monteirismo», que nunca jantámos à mesma mesa, que não sabemos o que acham deste regime, que não conhecemos os retratos que têm em casa, ou os líderes estrangeiros que veneram. Aqui na Coluna Infame repudiamos totalmente essa pseudo-vanguarda ignóbil, casca-grossa, que representa tudo o que de pior tem a direita em Portugal. Felizmente, o eleitorado não é parvo, e saberá dar-vos as décimas que merecem, e que depois regressem às vossas bibliotecas integralistas, poeirentas e com bustos, vociferando, à frente da mulher-a-dias, contra esta Pátria ingrata que não vos merece. E depois, bem sabemos, escreverão o livro imortal, colossal, que vai varrer com este gente toda, direitistas sem complexos nem taras autoritárias e toda a esquerda comedora de criancinhas. Trememos perante tal apocalipse. PL / PM

 

posted by A Coluna Infame at 3:02 AM

 

 

 

 

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Sábado, Maio 31, 2003

 

 

 

O melhor remédio para as úlceras do tubo pensador

O melhor remédio para as úlceras do tubo pensador, dizem os conhecedores, é sabermos escolher as iguarias que neles lançamos e sabermos expulsar, com devidos condimentos meio-camilianos, aquilo que nele provoca absolutismo.

 

Para finalizarmos umas picardias que aqui ocuparam muito espaço, queremos assinalar que tudo quanto em itálico aqui publicitámos não são palavras nosssas relativamente aos outros, mas palavras dos outros relativamente aos respectivos fantasmas.

Com efeito, colocando num sistema de busca todos os nosssos textos, nunca dissemos de nenhum outro, mesmo adversário:

 

1-É um desonesto intelectual

2- Faz parte de uma pandilha.

3- Não tem etiqueta,

4-É Idiota

5- É Corrupto

6- Elabora fontes anónimas

7- Conspira em sótãos

8- Faz guerrilhas internas,

9- Lança bocas nos jornais

10- É um revanchista

11- Mal escanhoado

12- Bastardo de José Agostinho de Macedo

13- Virulento reaccionário

14- Escreve grossas teses de mestrado

15- Faz citações freneticamente cosidas

16- Tem uma pose minoritária

17- Tem manuais grotescamente «eruditos»

18- Pantaniza

19- É um espantalho.

20- Está deformado pela coragem da boca para fora, portuguesinha,

21 -Quer bater em todos.

22- Nunca teve coragem para dizer o que realmente pensa

23- Nunca teve coragem para dizer que quer Portugal fora da União Europeia

24- É pobrete e alegrete

25- Come jaquinzinhos

26- Gosta de modinhas minhotas

27- Vem com um pateta discurso de ressentimento social

28- É um descamisado da treta

29- Remete para ideologias que todos bem conhecemos.

30- Ataca os partidos do governo

31- É pau-mandado

32- Não leu todos os arquivos e blogs meus

33- Faz parte de uma maralha

34- Tem maus retratos em casa

35- Venera líderes estrangeiros

36- Faz parte de uma pseudo-vanguarda ignóbil

37- É casca-grossa,

38- Representa tudo o que de pior tem a direita em Portugal.

39- Nasceu de bibliotecas integralistase poeirentas

40- Continua a ter bustos em casa

41- Vocifera à frente da mulher-a-dias

42- Quer escrever um livro imortal, colossal

 

Confrontando meus mais de trinta anos de lutas políticas, sempre no mesmo chão de valores, reparei que nem na minha ficha da PIDE vinha um destes adjectivos.

 

Que nunca os meus adversários políticos da esquerda e da extrema-esquerda, como tal me qualificaram.

 

Que milhares de alunos meus, ao lerem os 42, apenas gargalharão.

 

Antigamente a “oligarquia dominante”, usava uma palavra bem mais sintética: “judeu”.

 

Depois foi a de “comunista”. Seguiu-se o “fascista”.

 

Manteve-se o “saloio”, o “provinciano” ou o filho de mãe indecorosa.

 

Gastar tantos objectivos para tal insignificância, não vale a pena.

 

Dentro de dias, dirão, como já o fez o fadista João Braga, que sou filho do capitão comandante da polícia de choque. Mas nessa altura, quando ofenderem o meu descamisado e falecido pai, que não era capitão de coisa nenhuma, perderei os limites da paciência, mas fora dos blogs.

 

Nada mais digo, a não ser que não fui efectivamente exterminado e que não vou pedir protecção ao GOL nem ao Opus Dei. Apenas quis contribuir com algumas palavras para o dicionário da cultura “independente”, a fim de ajudar José Pacheco Pereira na sua prometida teorização.

 

Quanto ao resto, basta-me executar mentalmente o gesto bem cultural do Zé Povinho do Bordalo. Não sendo do Minho nem comendo jaquinzinhos, dado que, quanto a animais menores, com escama e espinha, a União Europeia é bem explícita, sempre acrescentarei que prefiro o leitãozinho da Bairrada, a única maneira de comer projectos de porco, antes destes produzirem banha mental.

 

posted by J. A. |12:09 PM

 

 

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País do faz de conta

Como noutro dia dizia um ambientalista, num debate televisivo, vivemos efectivamente num “país do faz de conta”. Basta notarmos a febre das “informações de fonte segura” sobre os próximos detidos da rede pedófila, onde, segundo algumas contas, já lá vão cerca de duas centenas de políticos e outras figuras públicas. Já não é cabala, é loucura.

Julgo que a verdade poderá aproximar-se da linha da visibilidade, como o azeite que vai subindo a água, quando passar a febril agitação desta sociedade que tem ilusões de ser hiper-informada.

Aconselho, portanto, todos os meus leitores a não servirem de idiotas úteis, como intermediários de “nomes”. Não digam mais nenhum em conversas, mensagens de telemóvel ou por outro qualquer meio. Recordem os velhos conselhos dos beligerantes durante uma guerra, quanto à luta contra o boato. Porque é de uma verdadeira guerra que estamos tratando, onde já se contam muitas vítimas inocentes. Esperemos.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 5/29/2003 01:09:51 AM

 

HINO À GLÓRIA DE TER MEDO

Sei do abstracto bem do Estado

e do preço que não tem a vida humana;

sei máquinas automáticas que registam

todos os passos do suspeito.

Sei microfilmes, computadores,

e sofisticadas torturas que o não são,

sempre de acordo com os regulamentos.

Sei das regras todas, das leis,

das circulares, das convenções.

Sei prisões, direitos e garantias

códigos penais, processuais

e as teorias todas do poder.

Sei de cor os meandros do medo,

notificações, contestações, concentrações.

Sei, sobretudo, prisões sem culpa formada

e legalíssimas justificações de tudo.

Sei, de Abril, o medo e a repressão,

sei tudo isto e não estou calado.

 

Sei e valia mais não saber,

valia mais esquecer-me de quem sou

e, renegando os princípios

por que me querem prender,

entregar-me às doces polícias do pensamento

que, sem proibir, nos querem silenciar.

 

Valia mais censurar-me, arrepender-me

rasgar meus versos, não acreditar.

Isto é, ter o prudente medo

desse bom chefe de família

que tem de ganhar a vida.

Ter em suma a cobardia de não ser,

e parecer sempre do lado que convém.

 

Para quê defrontar o vento novo?

e arriscar causas perdidas

quando posso aplaudir o vencedor?

Ser definitivamente da casta dos moderados

desses que tendo dito sim ao não,

aparentando não dizer nada,

podem, depois, muito convenientemente,

demonstrar que não disseram o que calaram.

Enfim: sobreviver,

deixar a política para os políticos

e a pátria para os homens de sucesso!

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/1/200310:51:07 PM

 

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Abaixo os bonzos! Sejam endireitas ou canhotos…

Fim de mais um fim de semana, para que, amanhã, segunda-feira, comece uma dita nova semana, onde os portugueses todos, fiéis à Constituição, obedientes às ministeriais figuras, possam continuar bonzos, entre endireitas e canhotos, como se direita e esquerda fossem posições ontológicas, só passíveis de benzeduras teológicas. Disso, tentarei tratar em “post” mais reflectido, durante a semana, pois acabei de assistir, muito auditorialmente, a mais uma das homílias dominicais do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, abrindo os códigos, difundindo o Texto e preparando o povo, para que se mude alguma coisa para que tudo fique na mesma.

 

O poder de nomeação

Foi uma semana de curiosas cascas de banana, com muitos ódios à mistura, mas juro que não tenho mulher-a-dias e não convidarei ninguém a descerrar os retratos e os bustos que guardo em casa, porque sempre podem aparecer uns pirómanos dispostos a levar para a fogueira alguns dos meus livros, a sulfatarem de burguesismo as minhas provincianas raízes, a exterminarem a minha falta de camisas e outras loisas. Prefiro citar o meu companheiro de crenças, Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha, assinalando uma “prevenção excepcional”: que “há círculos ultra-minoritários, muito selectos, em que o ser-se de direita, da pureza da “direita” (expressão dita com enlevo quase religioso) é que é o santo e a senha. Aí compensa ser de direita, uma direita que se emula com a “esquerda caviar” (e à qual já ouvi chamar “direita jaguar”, expressão porém ainda sem curso legal), e por isso, tal como ela, tem a mesma concepção ritualística da propriedade dos nomes e dos labéus. Tal como a esquerda intelectualista e purista, essa direita crê que o poder lhe é devido por um qualquer direito divino, e ter poder é, antes de mais, nomear as coisas. Poder genesíaco original que o “primeiro rei”, Adão, teria tido ao pôr o nome aos animais – assim o diziam os velhos autoritários ingleses, que Locke refutou no Segundo Tratado do Governo Civil”.

 

Cartas Conspiradoras

Espero que o meu amigo e aparentado António Maria Marques, agora retirado na sua Beira Litoral, a quem peguei o recente vício da blogomania, continue a emitir as suas reflexões, a partir desse pequeno Vale de Lobos, onde há uma vaca chamada Pombinha e um cão dito Leão. Ele já não lançava as suas farpas desde 1987, quando ainda escreveu nalguns jornais de Lisboa, mas, segundo me disse, vai, esta semana, emitir mais duas cartas: uma sobre a nova arte de furtar da Senhora Dona Política e outra sobre a influência de certas associações discretas, abençoadas pela sacristia, que costumam desancar noutros congreganismos.

 

Não “blogarei” com quem odeia

Juro que não mais “blogarei” com quem odeia. Prefiro saudar o espírito de humor do Cruzes Canhoto que tão bem me qualificou como o “Gato maltez que toca o hino e só fala portuguez(sic)” no sua operação de “blogowatch”. Adorei a piada dos marretas sobre o Corte Maltez, que, gozando com o “tradicionalista nos princípios, liberal nas metodologias, radical nos objectivos…”, replicaram, saborosamente, “nós também somos tradicionalistas, liberais e radicais. Só não sabemos é em quê”. Acho, contudo, que os marretas erraram ao dizer que este blog era “muito pouco aconselhável a esquerdistas com problemas cardíacos ou respiratórios”. Afinal quem “lá de baixo” se “agitou” e “bateu que se fartou nos pratos da bateria” não foi um “Prof. vermelhusco”, mas outros que até são castanhos . Como respondi ao De Direita, que me chamou “pseudo-comunista”, “lunático” e “teatral”, continuo a preferir gozar e dizer que quero “continuar miguelista liberal, adepto do Padre Casimiro, orgulhosamente lunático, mas sem muita teatralidade narcisa. Depende dos óculos de quem espreita a coisa e antes de abrirem o melão já têm o melão nos olhos”. Quero descansar definitivamente o Valete Fratres, aqui nunca haverá “mais um round do combate Portas Vs Monteiro”. Até porque nunca fui monteirista e apesar de ser um dos fundadores de um projecto de partido muito odiado, nunca aqui, dele, farei propaganda directa ou indirecta.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/1/200310:56:27 PM

 

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Também nos “blogs” tem de haver justiça

Fiquei a saber que a declaração “quando ofenderem o meu descamisado e falecido pai, …, perderei os limites da paciência, mas fora dos blogs” significa acção directa, insinuação de cacete, pancadaria, bomba. Não tenham tanto medo da verdade. Continuarei a usar a arama das palavras até que a voz me doa. Eu pensava que tão notáveis defensores da constituição e, consequentemente, dos direitos da personalidade e dos tipos legais de crime vigentes, se consideravam, aqui, sujeitos aos mesmos princípios que todos os outros que, por limpeza de sangue, se consideram isentos das regras comuns, reclamando foro especial, só porque estão no “blog”. Ofensas ao fantasma da minha criatura terão, “blog” a “blog”, sua resposta e futuro árbitro, isento e objectivo, julgará o processo. Mas ofensas a quem não se pode defender, impõem o natural recurso ao que está fora e acima dos blogs e que talvez esteja por dentro daqueles que vivem como pensam, a comunidade dos que pensam de forma racional e justa. Estamos entendidos? Também aqui tem que praticar-se a deontologia. Nunca ataquei pessoal um PL e um PM, combati as ideias e as categorias gerais em que os mesmos se podem inserir. O que recebi foi aquilo que todos leram. A elegância da linguagem, a be

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200301:36:28 AM

 

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Teledemocracia, videopoder, teatrocracia

Atendendo a que um povo é uma comunidade de significações partilhadas, a emergência da televisão, depois da revolução das emissões radiofónicas e do cinema, gerou um novo modelo de Estado-Espectáculo, com novos fabricantes de símbolos.

Assim, a democracia transformou-se numa efectiva teledemocracia e o poder num real videopoder.

Salazar foi um produto da Emissora Nacional e do Rádio Clube Português, sob as lideranças de Henrique Galvão e Botelho Moniz, respectivamente, reforçando-se com a época de ouro do cinema português, onde o o bom pai tirano conseguiu unir a aldeia da roupa branca com o pátio das cantigas.

Foi quando os vascos eram santanas que o bom povo português se identificou com António Silva, Beatriz Costa, Vasco Santana ou Riberinho, passando-se as revistas do Parque Mayer para o celulóide, enquanto Artur Agostinho nos fazia relatos de futebol e Fernando Pessa nos trazia a Europa dos vencedores.

Com Caetano foram as conversas em família da televisão estadual a preto e branco, onde a evolução foi bem representada pelo Zip Zip de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz, com o anúncio dos baladeiros e de uma contra-cultura que, depressa, se transformou no politicamente correcto.

O 25 de Abril e o processo revolucionário que se lhe seguiu viveram ao ritmo do objecto mais democrático das sociedades democráticas.

Aliás, na segunda metade do século vinte, Portugal quase se identificou em torno das imagens de Salazar, Amália Rodrigues, Eusébio da Silva Ferreira e Mário Soares.

Entre o avô autoritário do antigo regime e o pai fixe da democracia, continuou o fado e o futebol, sempre com peregrinações a Fátima.

A partir do cavaquismo tudo mudou, com a chegada das televisões privadas, onde o guterrismo representou o apogeu da SIC e a ascensão de Durão e Portas acompanhou a resposta da TVI, com José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes. Resta saber se processo da rede pedófila não equivale ao terramoto da Contra-Informação?

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200301:40:01 AM

 

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Bustos e retratos do meu recato

A pedido de vários conhecidos e desconhecidos, terei de revelar quais os bustos e retratos de líderes que decoram meus locais de vida. Direi, em primeiro lugar, os que não tenho, mas gostaria de ter: um retrato de D. Pedro IV, com a frase: “comigo esteve a inteligência e entre os meus faltou a honra”. Ao lado, outro de D. Miguel, com a frase: “comigo esteve a honra, mas entre os meus faltou a inteligência”. Encimando-os, a esfera armilar da bandeira do Reino Unido de Portugal e do Brasil que é o actual símbolo englobante da República.

Em segundo lugar, gostaria de ter a bandeira que Guerra Junqueiro propôs para a mesma República, o azul e branco da liberdade, conforme proposta da Francisco Trigoso Aragão Morato, nas Cortes vintistas, com o abraço armilar, a elevar a coroa ao universa.

 

Quanto aos bustos que efectivamente tenho, destaca-se o velho mestre dos mal-amados, Alexandre Herculano, seguindo-se o de Joaquim Pedro Oliveira Martins e de um terceiro, da mesma estirpe, Agostinho da Silva. O primeiro tinha sido miguelista e acabou pai-fundador do liberdadeirismo. O segundo foi acusado de miguelista por António Sérgio. O terceiro preferiu ser tão reaccionário que andava sempre a invocar D. Dinis.

Finalmente, tenho uma velha estátua quioca, bem como um dos melhores símbolos de quem somos, o Zé Povinho de Bordalo. E é repetindo o gesto de revolta deste que eu queria saudar todos aqueles que nunca convidarei para este meu reino e face aos quais usarei a acção directa de lhe bater com as portas, se me continuarem a espreitar pela fechadura, pensando que estão a ver Braga por um canudo…

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200301:56:11 AM

 

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Há uma estátua quioca?

 

 

Há uma estátua quioca nas paredes do meu quarto, cujos olhos são dois sulcos que nos levam à raiz da lágrima. Lembrei-me agora desse artefacto, que efectivamente existe, mas que podia não existir, só porque me apeteceu pensar em qualquer coisa absurda. É que são três horas da manhã e já devia estar a dormir. O pior é que não tenho sono nenhum e se não me liberto destas imagens que me atormentam, não conseguirei adormecer.

 

Há muito tempo que não faço daqueles poemas que eu próprio não entendo, quando, por dentro, sinto a tendência para me lançar nos braços de não sei que noctívaga imagem, enchendo folhas de papel com palavras que me saem à toa. Mesmo agora, estou descontente comigo mesmo, porque estou a escrever coisas sem nexo nenhum e tinha a obrigação de cumprir o plano que previamente tracei. Mas apetece-me imaginar com liberdade activa, escrever frases sem pontuação ou preocupações de gramática, não pensando que outros me virão a ler. Aliás, o que estou a escrever talvez seja para queimar. É uma libertação semelhante àquela que temos em miúdos, quando nos apetece rabiscar palavras obscenas num caderno escolar. E preciso, aqui e agora, de largar todas estas imagens que o quotidiano subtilmente vai proibindo. Também não quero embrenhar-me na leitura de livros que já tragam, em estilo elegante, todas as respostas. Vou apenas tratar de problemas que ainda não têm solução.

 

Quando as ideias correm mais velozes do que as palavras e, no écran da memória, deslizam imagens vividas ou desejadas; quando uma qualquer força nos pega na caneta e nos obriga a escrever palavras negras sobre folhas brancas, sem sabermos o que vai acontecer na linha que começamos a escrever; quando tudo isto acontece sem o desejarmos, logo sentimos que estamos presos a uma força interior que nos é superior e que não podemos controlar conscientemente. É assim que arrecado palavras no baú do subconsciente, as quais, de um momento para o outro, podem brotar como vulcão imprevisto, abalando a pacatez do quotidiano. Por isso digo que vale a pena viver, que vale a pena tentar cumprir o doloroso caminho do direito à felicidade.

 

Estava a pensar na estátua quioca, que existe efectivamente, mas que podia não existir, quando verifiquei que tinha carne, sangue e sonhos, que era homem e que podia comunicar com os outros. Isto é uma coisa que toda a gente sabe… Acontece apenas não o ter escrito à toa, porque, ao pensar na estátua quioca que talvez não exista, cheguei realmente a tal conclusão, sem pensar nas lágrimas que chorou o respectivo escultor, ao ser chicoteado pela modernidade de um chamado progresso que o obriga a fazer artesanato.

 

Deixa-te de fingimentos intimistas, porque, quando começas a escrever, logo começas a mentir. Não procures viver como ousas sonhar. Apenas te admitem um pequeno espaço de íntimo intervalo para a clandestinidade dos sonhos proibidos, para essas platónicas aventuras que te continuam a atormentar. Trata de sublimar a frustração em finas ironias de literato, tentando a própria ficção, onde, gerando heterónimos, podes ser tudo aquilo que te apetece.

 

E lá continuo em plena madrugada, a bater teclas, noite dentro, sem ter qualquer ideia que me absorva e mobilize. Isto é terrível: termos necessidade de escrever e não termos mote. Apenas apetece dizer que há uma estátua quioca nas paredes do meu quarto, cujos olhos são dois sulcos…

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200302:00:24 AM

 

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Cartas Conspiradoras

O meu amigo de velhas lutas, António Maria Marques acabou de me anunciar que “semeou” no “blog” mais uma das suas cartas conspiradoras sobre os filhotes da Senhora Dona Política. Agradeço que não desista desta sua acção directa que aqui, o apoiarei. Também eu repito: “a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós”. Ao aceitar a regra de “viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende”, neste ponto,”errou o norte totalmente, porque tratou só do temporal sem pôr a mira no eterno”

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200302:15:39 AM

 

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Contra o abuso do poder

Todas as coisas se gastam pelo uso e se prostituem pelo abuso. Assim, tal como o abuso do direito já não é direito, também o abuso do poder não pode ser configurado como exercício legíitimo do poder. A não ser que consideremos que o poder não está vinculado a um fim, do qual derivam as consequentes limitações do mesmo.

A própria soberania, entendida como o uso do poder em momentos de excepção, não deixa de estar limitada pelo direito e pela moral.

Porque o poder tem o fundamento no direito e as consequentes limitações jurídicas.

Aliás, como salienta Karl Popper ?o problema fundamental da teoria do Estado é o problema da moderação do poder político da arbitrariedade e do abuso do poder através de instituições pelas quais o poder é distribuído e controlado?.

 

Ser liberal, ontem, hoje e sempre

Um liberal, ontem, hoje e sempre, é aquele que quer opor barreiras à tendência natural que o poder tem para se concentrar.

 

É aquele que teme pela circunstância do aparelho de Estado ser grande demais, a nível doméstico, clamando pela desconcentração, pela descentralizado e, às vezes, pela regionalização.

 

Logo, o liberal é o primeiro a reclamar uma efectiva separação de poderes, para que o poder trave o poder, para que, aos aceleradores inevitáveis da lógica concentracionária, se oponham os travões do Estado de Direito.

 

Contudo, o liberal não deixa de conceber o Estado como uma parcela daquilo a que os clássicos chamam sociedade civil, enquanto sociedade dos cidadãos, enquanto sinónimo de sociedade política, esse círculo maior onde o Estado é apenas um dos círculos menores que a integram.

 

Porque se o Estado está acima do cidadão e o Homem acima do Estado, a sociedade dos cidadãos, enquanto comunidade política, é bem maior que o Estado, enquanto aparelho de poder.

 

Ai do liberal que caia no vício do situacionismo, que perca esse inconformismo clássico de quem deve continuar saudoso da república romana ou dos foros medievais.

 

Contra a tirania democrática

Por isso é que o liberal prefere a igualdade à liberdade, onde a igualdade não é igualitarismo, mas antes o sinónimo de justiça, de tratar desigualmente o desigual.

 

Por outras palavras, e invocando Alexis de Tocqueville, o liberal não confunde a democracia com a tirania dita democrática.

 

Para um liberal, o poder tem que ser um poder político, tem que existir no seio da sociedade, nunca pode ser alguma coisa de exterior à sociedade e que a oprima.

 

O poder não pode ser exterior ao corpo social, actuando sobre ele e obrigando-o a marchar num determinado sentido.

 

O poder tem que estar no interior da sociedade civil, tem que circular na sociedade civil, no seio do povo que exprime a sua liberdade através do sufrágio universal.

 

A república é maior que o principado. A comunidade política é superior ao aparelho de poder. Logo, para um liberal, a verdadeira democracia é uma democracia social, o governo da sociedade civil, o processo pelo qual a liberdade emerge da igualdade social e contribui para manter essa igualdade.

 

Neste sentido, a igualdade é superior à liberdade, porque a vantagem da democracia não é, como se diz, favorecer a prosperidade de todos, mas apenas servir para o bem-estar do maior número, o que se consegue produzindo a igualdade social, através da difusão da propriedade por uma classe média cada vez maior.

 

O regime misto

Um liberal que se enraíze na tradição ocidental sabe que este modelo de balança do poder começou por identificar-se com o regime misto, conforme Políbio qualificou o ssitema de equilíbrio de poderes da República Romana, teorizado por Cícero e, depois, assumido por S. Tomás de Aquino.

 

Montesquieu: separação e equilíbrio

É nesta base que assenta a teoria da divisão de poderes de Montesquieu, marcada tanto por uma ideia de separação como por uma ideia de equilíbrio, através do sistema dito de “checks and balance”, um sistema de pesos e contrapesos.

 

Daí que tenha visionado dois poderes, uma função e três forças sociais (o rei, a câmara aristocrática e a câmara popular).

 

O poder legislativo seria exercido por dois corpos (dos nobres e do povo).

 

O executivo teria direito de veto sobre o legislativo.

 

Para que o poder devesse travar o poder.

 

Aliás, no interior de cada poder, para além de uma faculdade de estatuer, o direito de ordenar ou de corrigir aquilo que foi ordenado por outro, existiria a faculdade de vetar, o direito de tornar nula uma resolução tomada por outro poder.

 

Já o chamado poder judicial não era visto como um verdadeiro poder, mas antes como uma função.

 

Já o nosso António de Sousa de Macedo (1606-1682) dizia que um Estado não é outra cousa, senão “a sociedade de muitos homens debaixo da autoridade de um rei (que é a Monarquia) ou de principais ( que é a Aristocratia), ou de toda a multidão (que é a Democratia). Esta sociedade está fundada sobre a União, a União sobre a Obediência, a Obediência sobre as Leis, as Leis sobre a Justiça, pelo que tirada a Justiça caem as Leis, caídas as Leis falta a Obediência, faltando a Obediência se destrói a União, destruída a União, acaba-se a Sociedade, levantam-se inimizades, sedições e contendas”.

 

E António Ribeiro dos Santos (1745-1818), acrescentava: “em um governo que não é despótico, a vontade do Rei deve ser a vontade da Lei. Tudo o mais é arbitrário; e do arbítrio nasce logo necessariamente o despotismo (…) O Príncipe e a lei devem mandar uma mesma cousa, porque o throno e as leis têm a mesma origem, e dirigem-se a um mesmo fim”.

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/3/200310:44:57 PM

 

 

 

Desafio para duelo

O abaixo-assinado, pensador assumido, conhecido miguelista, ultramontano, talassa, integralista, fascista e reaccionário, vem, por este meio, declarar que está disponível para um duelo com o camarada-inimigo Gato Fedorento, dadas as afinidades felíneas bem evidentes e as pouco cheirosas qualificações que os caracterizam.

Deixa ao adversário a escolha da hora e do local, mas põe algumas condições quanto as armas a utilizar. Com efeito o signatário, apesar de ter muitos bustos em casa, não herdou, de nenhum dos seus avoengos, o famoso cacete e também não o aburguesou para bengala, nem o esquerdizou como punho cerrado. Da violência plurissecular dos respectivos egrégios, mantém apenas a sublimação gestual do Zé Povinho, a que jamais renunciará, e, de vez em quando, vai ronronando aquelas expressões cheias de “f…words” da boémia coimbrã, onde foi gerado, e que constituem um óptimo substituto dos calmantes.

Não tendo ficado com todos os dentes partidos, por causa da acção directa de Álvaro Cunhal, quando este os queria partir à reacção, conseguiu, no entanto, escapar do Campo Pequeno de Otelo Saraiva de Carvalho. Sugere, portanto, que se utilizem unhas brancas e pretas e que se escolha um local suficientemente suspeito, entre o Cemitério dos Prazeres, sem que as secretas nele marquem encontros para fuga de informações, e o Palácio das Necessidades, antes deste ir à falência.

Julgo que as boas ideias, para o poderem ser, se não passarem à fase das garras, das dentadas e doutras bem populares emoções, são ideias pelas quais não vale a pena lutar. Aguardando vossa felínea anuência, subscrevo-me com toda a raiva adversária. Deixo ao critério de vossa fedorenta gataria o processo de escolha de juízes suficientemente infames.

José A. M. (A de Agostinho, M de Macedo)

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/4/200308:54:44 AM

 

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Os epifenómenos da direita instalada

Se alguém pensa que a disputa que mantenho contra os epifenómenos da direita instalada tem a ver com questões pessoais, ou que reflectem qualquer atitude de ?prima dona?, tirem o cavalinho da chuva, que eu já arranquei todos os restos de punhos de renda que tinha disponíveis. Confesso que nada me move contra esses pétreos difusores do caminho e da verdade, que apenas pensam em personalização do poder, preferindo o Paulo ao Manel, quando eu não fui, não sou nem nunca serei monteirista. Pelo contrário, tenho fundas razões para combater uma corrente bem mais ancorada em certa atavismo lusitanista, que mistura a atitude do ?português suave? com um certo leninismo metodológico, considerando que, face a uma linha considerada justa, de se estar com o pretenso sentido da história, há perigosos desviacionismos, tanto à esquerda como à direita.

 

As raízes marcelistas da atitude

Há uma certa geração que se pensa vanguardista só porque foi educada pelo memorialismo de Diogo Freitas do Amaral e pelo niilismo da cultura dos ?soundbytes?, quando é bem mais pré-abrilista. Com efeito, quase repetem os argumentos do marcelismo, quando este proclamava que toda a não-esquerda, que estava contra o regime defunto, tinha que ser dos ultras. Mesmo os descendentes do Integralismo Lusitano, que, na senda de Paiva Couceiro, Afonso Lopes Vieira, Alberto Monsaraz, Luís de Almeida Braga, José Hipólito Raposo e Vieira de Almeida, participaram no Congresso da Oposição Democrática, eram bombardeados pela propaganda do regime com o epíteto de extrema-direita. Aliás, o próprio Salazar, durante a I República, namoriscando e lançando piropos a António Maria da Silva, era por este qualificado como “centrista”…

 

O marcelismo revisto e acrescentado

Seguiu-se o marcelismo revisto e acrescentado de Diogo Freitas do Amaral, com um melodramático pseudo-centrista que cantarolava: “a direita que não está comigo é naturalmente fascista”. Até um Francisco Lucas Pires não escapou à campanha, bastando recordar algumas tristes declarações dos bonzos freitistas que, situados na extrema-direita social e económica, tentavam inventar um fantasma em quem pudessem bater, a fim de obterem, da esquerda-baixa, um certificado de democraticidade. Não faltaram, aliás, idênticos epítetos para o actual bastonário da Ordem dos Advogados, marcelizando-se assim grande parte das estruturas de certo CDS ?rigorosamente ao centro?, onde a bola era naturalmente vítima das duas setas que a cercavam.

 

O renascimento do discurso marcelista-freitista

O discurso marcelista-freitista renasceu em força, quando a crise do sistema ameaçou romper a hipótese deste PP poder fazer o melhor seguro de vida possível, através da diluição no PSD. Daí a irritação contra todas as hipóteses de liberdade de associação vindas da não-esquerda e a imediata utilização do terrorismo verbal para desancar nos indisciplinadores colectivos.

 

Os grandes educadores da direitíssima instalada

De acordo com a adivinha sobre a pescada, que antes de o ser já o era, e conforme os próprios conselhos do ex-amigo-inimigo, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, já qualificado como a governanta do sistema, os grande educadores da direitíssima instalada, só concebem a existência de um qualquer agrupamento político novo que se baseie no populismo, no anti-europeísmo e na extrema-direita. Só um misto de Haider e Poujade, com pitadinhas de Le Pen é que poderá nascer. Tudo o que ultrapasse esta miopia desejada tem que ser destruído a golpes de terrorismo verbal, de fichas pidescas e de linguagem de arruaceiro de salão.

 

Os ?sim, senhor ministro(a)”

Patriotismo, atlantismo e europeísmo são o monopólio dos ?sim, senhor ministro?. Patriotismo mata-se com a distribuição em lata de certificados de herói. Anti-europeístas e anti-atlantistas têm que ser os novos diabos que apareçam, incluindo os que, em voz alta e por escrito, sempre contestaram o desvio anti-europeísta em que se envolveu a demagogia do respectivo inspirador. Eles querem ser a direita democrática e até ousam roubar títulos a quem, bem antes deles, assumiu o pioneirismo da ideia, aquela geração que deu emprego político ao mesmo inspirador que, na primeira curva do caminho, logo traiu pessoalmente quem nele confiara.

O que está em causa, caros ?blogueiros?, não é questiúncula típica daqueles portuguesinhos que andam sempre em bicos-de-pé ou de-pé-atrás. Está em causa uma questão de fundo.

 

Na esquerda da direita

Quem, como o subscritor destas linhas, não se situa na esquerda da esquerda nem na direita da direita, não tem que surpreender-se com a circunstância de ser detestado pelos nostálgicos da revolução perdida, que o continuam a qualificar como reaccionário, e de não ser aplaudido pelos saudosos da reacção não alcançada, que o alcunham como falso conservador.

 

Acontece que, muito singelamente, sempre gostámos de navegar nas águas teóricas daquilo que é o verdadeiro conservadorismo contemporâneo, o qual, por ser mais tradicionalista do que reaccionário, mais adepto do contrário de uma revolução que de uma revolução ao contrário, sempre se situou na chamada esquerda da direita.

 

Se pudesse expressar-me em anglo-saxónico, diria que me sinto mais numa linha que vai de Edmund Burke e dos federalistas norte-americanos até Hayek e Oakeshott. De forma galicista, invoco em defesa das minhas posições um Benjamin Constant e um Alexis Tocqueville, pelo que teria de alinhar, depois do Maio 68, com Raymond Aron e com aqueles que, como Malraux, desfilaram nos Champs Elysées, a favor de De Gaulle, contra os adeptos de Marcuse e Che Guevara.

 

Confesso ser o exacto contrário do políticamente correcto de todos os que hoje se carimbam como politicamente incorrectos. Continuo tradicionalista nos princípios, nos valores culturais e no enraizamento axiológico e comunitário. Insisto em ser liberal quanto ao modelo político. Persisto na radical defesa da justiça social quanto ao modelo económico.

 

A seita dos homens livres

Prefiro continuar a querer aderir à minoritária seita dos ?homens livres?, livres, sobretudo, ?das finanças e dos partidos?, para repetir o lema da revista que uniu seareiros e integralistas, sob o impulso de Raul Proença e Afonso Lopes Vieira, contra a sociedade da Corte que, já antes, impedira que a Maria da Fonte vencesse, quando, sob a protecção armada do estrangeiro se quebrou um impulso de autenticidade popular que mobilizou setembristas e miguelistas contra a degenerescência dos ?donos do poder?.

 

Fazer convergir radicais e tradicionalistas

Continua por cumprir o projecto de fazer convergir radicais e tradicionalistas, na linha do proposto por Alexandre Herculano ou Agostinho da Silva. Só quando admitirmos que os velhos crentes do sebastianismo foram os campeões do anti-absolutismo é que deixaremos de ter o mau gosto dos recentes epifenómenos, a quem trocaram as fichas pindystas.

 

Entre o miguelismo liberal e o federalismo nacionalista…

Apetece até dizer, muito provocatoriamente, que, depois, nos faltou uma espécie de miguelismo liberal, naquilo que, de forma mais tecnicista, poderíamos qualificar como consensualismo conservador, dado que não me apetece alinhar na moda anglo-saxónica e dizer-me mais ?wigh? do que ?tory?, à maneira dos teóricos de ?The Federalist?, entre nós traduzido pelo miguelista José da Gama e Castro, em pleno exílio brasileiro. Até acrescentaria, que, face à Europa, podemos ser federalistas e nacionalistas, ao mesmo tempo, escangalhando assim o argumentário dos epifenomenais assessores da central do grande educador.

 

O Estado continua a ser estrangeiro

É por isso que, repetindo o filósofo brasileiro Miguel Reale, me continuo a declarar como alguém que gosta de estar na esquerda da direita e que, deste modo, não pode alinhar no discurso antiliberal que, entre nós, pegou de estaca, dado não se vislumbrar que grande parte do Estado a que chegámos resultou de uma colonização não só estrangeira, como também estranha à nossa índole, numa linha recta que vai de Pombal e Costa Cabral a Afonso Costa e Salazar, propagando-se através de Vasco Gonçalves e Mário Soares.

 

E viva o Padre Casimiro!

É assim que continuamos a viver uma época do ?egoísmo e da traição?, onde raros são ?os homens grandes? e ?raríssimas? as pessoas ?sinceras e de sentimentos nobres?, dado que falha a capacidade de ?premiar o mérito?, como observava o Padre Casimiro José Vieira em 1882, numa carta a Camilo Castelo Branco, por ocasião da publicação dos ?Apontamentos? sobre a revolução dita da Maria da Fonte.

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/5/200312:07:46 AM

 

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Contra o manual de boas maneiras do “smart set”

Qualquer “bem-pensante” da actualidade que pretenda fazer “curriculum” para colaborador de jornais e semanários políticos, ou para ministro, secretário de Estado ou deputado, se quiser seguir as vias convenientes da não-esquerda, deve ter todo o cuidado em não afectar as “vacas sagradas” dos complexos de esquerda e dos fantasmas de direita, utilizando “charmosos” adjectivos para poder situar-se no “centrão” sistémico, de acordo com o manual de boas maneiras dos gladiadores da classe A do nosso “smart set”.

Caso tenha a ousadia de invocar nomes como os de António Sardinha, cuja “biblioteca poeirenta” está justamente instalada na Universidade Católica, corre o risco de virar defensor da “moca da terra do ministro Marques Mendes”, adepto da “ditadura à moda do Minho”, bastardo de José Agostinho de Macedo e outras efabulações do género cunhalista, ao ritmo dos textos de humorismo histórico do grande “entertainer” Herman José.

 

O fim do Portugal legítimo do “senão, não”

Em nome da informação básica, talvez seja justo recordar que um dos chefes dos “talassas”, Paiva Couceiro, foi exilado pelo salazarismo logo em 1937, depois de criticar publicamente a política colonial. Numa carta datada de 22 de Outubro do mesmo ano é frontal: “Cantam-se loas às glórias governativas e ninguém pode dizer o contrário. O Portugal legítimo do “senão, não” foi substituído por um Portugal artificial, espécie de títere, de que o Governo puxa os cordelinhos. Vela a Polícia e o lápis da censura. Incapacitados uns por esse regime de proibições, entretidos outros com a digestão que não lhes deixa atender ao que se passa, e jaz a Pátria portuguesa em estado de catalepsia colectiva. Está em perigo a integridade nacional. é isto que venho lembrar”

 

O método geométrico, coercitivo e glaciar

Já em 1935, Afonso Lopes Vieira escreveu, em “Éclogas de Agora”, que Salazar e o regime cometeram “o monstruoso erro psicológico de quererem governar este povo com… método geométrico, coercitivo e glaciar”, levando a “uma rotura no parentesco dos portugueses”.

 

Contra a salazarquia

Hipólito Raposo, num livro publicado em 1940, “Amar e Servir. História e Doutrina”, que foi apreendido pela polícia política e o levou ao desterro, considerou a existência de uma salazarquia. Demitido da função pública, apenas voltou a ser reintegrado em 1951.

 

Contra a eternização do provisório

Alberto de Monsaraz, em 1945, num folheto intitulado “Altura Solar. Marcando Posição”, chamou ao Estado Novo a II República, considerando-o como a “eternização do provisório”, como algo de “ilógico”, onde reinava uma ordem “à maneira sepulcral dos cemitérios”.

 

O domínio da pseudo-nação

Significativo foi o manifesto “Portugal Restaurado pela Monarquia” (8 de Abril de 1950), subscrito pelos sobreviventes do Integralismo Lusitano, como Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, onde, reconhecendo-se algum esforço do Estado Novo no sentido da nacionalização do regime, se considerou que “à truculência jacobina da Anti-Nação sucede ou substitui-se a hipocrisia da Pseudo-Nação”, referindo a “viciação e perversão da doutrina”.

 

Sem pedir licença ao rei a aos bobos da Corte

Luís de Almeida Braga, apoiante das candidaturas de Norton de Matos, em 1949, e de Humberto Delgado, numa entrevista ao “Diário de Lisboa”, em 1958, declarou: “condeno o híbrido sistema político tirânico e vingativo que está a arrastar-nos para a pior catástrofe da nossa história… a idolatria da autoridade, o materialismo da obediência passiva… tendo começado por ser uma ditadura administrativa, manhosamente se transformou em ditadura policial, contrária ao destino moral e pessoal do homem… O Estado Novo tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres… para me declarar monárquico não peço licença ao rei nem aos bobos da Corte”.

Já antes, em “A Revolta da Inteligência”, criticara o estatismo e o totalitarismo: “quando o Estado, tornando-se dono do homem, despreza as liberdades individuais e aniquila as autonomias locais, a si próprio prepara o fim por congestão. Município tutelado pelo Estado é município morto; corporação a que o Estado governa, é feira e alborque de consciências comandadas pela avidez do lucro. Para o normal funcionamento das qualidades nacionais, deve a corporação ser livre no município autónomo”.

 

A costela integralista do actual tradicionalismo

Um tradicionalista destes tempos de interregno não pode deixar de respeitar alguma desta herança pós-integralista. As atitudes sumariamente invocadas são prova inequívoca de uma oposição de direita ao autoritarismo salazarista, os tais “ultras” que, em tempo oportuno, denunciaram o despotismo e que merecem, pelo menos, respeito. Aqui fica mais um dos meus solenes protestos contra o argumentário de certo situacionismo.

 

Do consensualismo ao pluralismo, ou as raízes do liberalismo

A postura de certo tradicionalismo português tem, aliás, paralelo noutros contextos culturais europeus, bastando notar as raízes carlistas do nacionalismo basco e de muitos outros defensores das autonomias nacionais, regionais e comunais, proibidas pelo jacobinismo, que, tendo começado na esquerda, depressa se propagou a certas chamadas direitas, as que não querem compreender o pluralismo profundo do nosso consensualismo anti-absolutista. Contudo, não é raro vemos esses adeptos do modelo “bem-pensante” de certo situacionismo invocar grandes mestres anglo-americanos, dos federalistas norte-americanos aos conservadores britânicos, esquecendo, pura e simplesmente, que estes defensores da “revolução evitada”, como o foram a revolução inglesa ou a revolução norte-americana, se identificam com o nosso esquecido consensualismo anti-absolutista, onde António de Sousa de Macedo, António Ribeiro dos Santos ou Silvestre Pinheiro Ferreira deveriam figurar como inspiradores da maneira liberal portuguesa de estar no mundo.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/5/200305:01:36 PM

 

 

 

 

 

 

A lombada continua

A lombada continua, agora sem referências à lambada, e com tanto sentido de humor que nem sequer responde ao meu desafio para um adequado duelo. É a “indy-kultur” no seu esplendor: “não é monteirista mas está com o monteirismo (estou com fundador da Nova Democracia, confirmo), que não polemiza connosco (onde, quando e em que sítio querem debate ao vivo?) mas passa a vida a mandar-nos indirectas (directíssimas!), que não é da “direita que está” (certo, mas acresentando que não é da direita que está com os donos do poder) mas da direita que-foi (certo, não a que foi no 24 de Abril, mas a que já estava contra o 24 de Abril), que deve ser (certíssimo!), que nunca-será (enquanto continuar a direita que convém à esquerda), que nos etiqueta (como é que o posso fazer se tenho falta de etiqueta?) de «direitíssima instalada», «epifenómenos», «bem-pensantes», «politicamente correctos», «burgueses», «situacionistas» (as aspas confirmam). Não sei como responder a tanta salganhada. Será Santa Liberdade ou santa ignorância? (anti-salganhe-se, não leia estes “posts”, que não quero, de maneira nenhuma, fazer com que padeça de santa ignorância, porque eu, que só sei que nada sei, continuo à procura da tal “docta ignorantia”).

 

Ao Complot, e ao Mar Salgado

Se os companheiros admitem que o subscritor pode usar a palavra de honra sem ser em vão, queria dizer-lhes que foi através dos vossos “blogs” que tive notícia de uma reunião de “blogueiros” a que não compareci, por ser novo nestas andanças, apesar de ser muito mais velho noutras coisas, pelo que aconselho alguns dos mais velhos, bem mais novos do que eu, a não usarem o argumento autoritário do mais velho, como eu o poderia invocar se aqui não participasse em regime de plena igualdade.

 

Como já devem ter reparado, gosto da polémica, não temo, não invoco títulos, páginas escritas, nem digo que as páginas escritas pelos outros devem ser queimadas, mesmo quando as não li. Mas acontece que não sei como responder a insinuações. Não conheço quem possa ser o tal rapaz que interpelou um desses decanos blogosféricos que costuma usae e abusar da autoridade senatorial e da adjectivação inquisitorial que, numa das últimas emanações até me chama “bandido”, à boa maneira da “Besta Esfolada”, da “formiga branca” e dos seus herdeiros.

 

Declaro que o “tal rapaz”, dito da “santa ingenuinidade”, a quem agradeço, não é, de maneira nenhuma, meu familiar, nem, talvez, meu amigo ou conhecido. Não preciso de mandaretes, detesto mandarins, costumo assinar e talvez já tenha dado provas de mostrar a cara e o nome, diante do despotismo, incluindo o do micro-autoritarismo corporativo dos que querem transformar a blogosfera numa sociedade fechada.

 

Garanto-lhes que se, eventualmente, sou amigo do pai do tal rapaz, sou, de certeza, bem mais amigo, e de há muitos anos, do pai um dos meus míticos contestantes, com quem tenho relações literárias, científicas e editoriais há não poucos anos. Agradeço que não misturem certas coisas que não podem ser misturadas. Se me sentisse convidado para o debate, ou minimamente informado das regras do jogo, teria tido muito prazer numa discussão directa.

 

Tendo a mesma sido feita nas minhas costas, julgo que não é de bom gosto utilizar-se o ritmo do “diz-se que diz-se”. Ataco ideias, não ataco pessoas e tenho o direito a usar a palavra, com dureza, mas sem insultos, mesmo quando respondo a insultos. Continuarei o combate, enquanto a liberdade de expressão mo permitir, atacando “categorias” e não pessoas, porque a democracia, como institucionalização dos conflitos, deve ser um “diálogo entre adversários”, mas entre adversários “reais” e não dolosamente “deformados”, de acordo com a antiquada manha da “agit-prop” de quem quer ir à guerra, dando, mas sem levar, coisa que só os agentes das superpotências podem fazer. Aqui, ou há moralidade ou comem todos (dito do sapateiro acima de Fafe, o tal de Braga, pelo canudo).

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/6/200302:25:18 AM

 

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Esta cabala pode ser perfeitamente desfeita….

As chamadas provas irrefutáveis podem perfeitamente refutar-se, ao contrário do que pensam os inquisidores.

 

Em primeiro lugar, nunca pedi a adesão à UBL, como pode ser demonstrado pela mesma e por todos e cada um dos integrantes da entidade em causa.

 

Segundo, o texto que me imputam, que é verdadeiro, nada tem a ver com PL e PM, mas com a “categorias” onde julgo que se inserem. Foi escrito, “ipsis verbis”, noutra altura, face a outras circunstâncias, mas repetido perante a mesma “tipologia”.

 

Pode facilmente ser demonstrado o que proclamo, porque, então, já lá vão uns meses, o “mailei” a várias pessoas, de boa estirpe, incluindo o director do semanário que não tem preconceitos contra a minha violência verbal e um conhecido fadista próximo de uma das capelinhas de direita da qual PL e PM se aproximam.

 

Porque pode estar em causa o respeito pela UBL, estou perfeitamente disponível para indicar a prova bem mais irrefutável do que a pretensa prova irrefutável, mas não o farei em público, através deste “blog”, pois poderia parecer falsificação informática.

 

 

Que o PL e o PM indiquem um árbitro, diferente da águia com duas cabeças com quem disputo. Aceito qualquer pessoa capaz de ter honra para desfazer o equívoco.

 

Gosto de combater olhos nos olhos, com a clareza das ideias, ñão é meu hábito, atacar de forma oculta e clandestina.

 

A pretensa cabala será assim perfeitamente desfeita. Os ilustres PM e PL, se tiverem a coragem de reconhecer o indundado da acusação, demonstram assim que vão além do mero preconceito. Juro querer polemizar, posso cometer erros de análise, mas não quero ser acusado de pidismo.

 

Mudei de tom, porque agora não estão em causa ideias, mas pretensos factos que afectam a honorabilidade metodológica daquilo que é uma polémica. Já não há infames, mas nomes pessoais e passar esta fronteira é entrar na lama.

 

E, se assim for, saio. Não emprestarei meu nome a processos dessa índole. Porque não podem analisar-se, no escuro, candidaturas que nunca se assumiram, com julgamentos sem contraditório. No processo inquisitorial é que se usavam estes métodos.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 6/6/2003 11:13:38 AM

 

 

 

Comunicado sobre a suspensão da polémica com A Coluna Infame

 

Queria informar a comunidade bloguista que emiti hoje um “mail” pessoal, e não público, para os dois contendores da Coluna Infame, apresentando a chave da refutação daquilo que eles consideraram provas irrefutáveis. Suspenderei a polémica unilateralmente até obter resposta. Qualquer analista pode consultar a peça desencadeadora do processo (de PL), a minha contestação e a famosa réplica das “quarenta e duas adjectivações” (PL e PM) e perceberão cabalmente o ponto da situação.

 

Os contendores da Coluna Infame podem continuar a lançar as frechadas que entenderem contra o subscritor, não podem é pôr em causa outros blogueiros da UBL, por acaso fundadores da Nova Democracia, sobre quem recaem suspeitas. Podem também vetar aquilo que nunca existiu, uma candidatura minha à entidade em causa, mas fiquem a saber que nunca solicitarei tal adesão, a não ser que, eles, contendores, o assumam unilateralmente.

 

E mais aguardo. Mesmo na guerra há regras, porque todos os contendores estão limitados pela moral e pelo direito. Só é admitido o não-direito e a não-moral no uso do direito de veto pelas superpotências e grandes potências quando se admite o sistema hierárquico do directório, isto é, o feudalismo relacional. E também aqui, na blogosfera, quanto a polémicas, há os mínimos de deontologia da juricidade. Se fosse provado que fiz jogo escuro, que participei numa cabala, que ousei quebrar a confidencialidade e outros dislates gravosos, eu seria o primeiro a retirar-me e a pedir desculpa. Mas nunca esperem que capitule no combate de ideias, que me mova qualquer animosidade pessoal contra alguém, que não seja capaz de reconhecer os meus eventuais errros ou que não esteja disponível para assumir a paz dos bravos.

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/6/200310:15:04 PM

 

Voltando à luta de ideias…

Voltando à luta de ideias, talvez tenha o direito de proclamar que, politicamente falando, talvez não haja apenas o preto e o branco, mesmo que seja a direita pura e a esquerda imaculada. Entre o preto e o branco, há muitas tonalidades de cinzento e não apenas um espaço geométrico, mensurável em percentagem, com um centro, no rigoroso meio de uma qualquer recta imaginária. Politicamente falando, cada homem é sempre uma mistura, essa simples encruzilhada, onde o acaso e a necessidade do Criador fazem, de cada um, o tal ser que nunca se repete. Por isso, muitas direitas de hoje são esquerdas de ontem, tal como muitas esquerdas são antigas direitas.

 

Contra os falsos classificadores da direita e da esquerda

O pior da divisão entre direitas e esquerdas está precisamente nos pressupostos e preconceitos que classificam os valores de esquerda e os valores de direita. Permitam-me pois que insita com certas provocações como a possibilidade de um “miguelismo liberal”. Até poderia dizer, com toda a seriedade, que também sou um “realista republicano” e um “federalista nacionalista”. Eis a razão pela qual uso uma expressão de Miguel Reale, segundo o qual há quem esteja “na esquerda da direita” e que pode assumir-se pelo “liberalismo social”. Tudo depende dos tons de cinzento utilizados pelo politicamente incorrecto.

 

Quatro heresias, segundo a direita politicamente correcta

Partindo destes pressupostos posso dizer, com toda a coerência, o seguinte:

-Um liberal pode ser a favor da justiça social e da justiça distributiva.

-A direita pode ser a favor da regionalização.

-A direita pode ser europeísta.

-A direita pode não ser confessional.

Para tanto, podem encontrar-se alguns históricos e futuros da direita que não aceitem aquilo que a revista “Futuro Presente” pensa como direita, aquilo que o movimento “Nação Una” entendeu por soluções contrárias ao interesse nacional, ou aquilo que a idiossincrasia de Sua Excelência o Senhor actual Ministro da Defesa proclama como “ser de direita” ou “ser conservador”.

 

A ortodoxa heterodoxia

Pode haver gente de direita que prefira Leonardo Coimbra ao Cardeal Cerejeira, Fernando Pessoa a Monsenhor Moreira das Neves e Agostinho da Silva a São José Maria Escrivá. Pode haver gente de direita que tenha participado na equipa directiva do primeiro partido português do arco constitucional que se proclamou da direita e liberal, até ousando invocar o pessoano “nacionalismo liberal”. Pode existir gente de direita que sempre tenha sido europeísta e que se tivesse assumido contra o eurocepticismo daquilo que foi a conjuntural aliança de Portas com Monteiro. Pode haver gente de direita que, entendendo que não há um abstracto povo, mas uma federação de povos, se tenha assumido como defensora do “Portugal Plural”. Pode haver gente de direita a acreditar que, antes de haver pátria, têm que existir muitas pequenas pátrias e que o Estado não vem do vértice da soberania para os súbditos, mas antes de baixo para cima, dos cidadãos, enquanto república ou comunidade, para o aparelho de poder. Eu sou um deles. E talvez haja mais.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 6/6/2003 10:54:21 PM

 

É a complexidade, estúpido! É a heterodoxia, companheiro!

Convido, todos aqueles que navegam entre estas “postas”, a peregrinarem o Heterodoxias, do autor de “Miragens do Direito. O Direito, as Instituições e o Politicamente Correcto”, Campinas, Millenium, 2003, livro cuja dedicatória diz tudo “à esquerda democrática e ética; à direita democrática e social; e para além das direitas e das esquerdas”.

 

Numa das suas últimas setadas, Paulo Ferreira da Cunha, que, fora do blog, é o Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, decidiu criticar-me, sem que previamente mo anunciasse e veio agora, através de “mail” comunicar-me a circunstância. Eis um dos estímulos que me leva a continuar.

 

O fervilhar das ideias não se pauta pelo “um, dois, três” das caricaturas dialécticas, onde a “tese” leva à “antítese”, para que o autoritário chegue a uma “síntese” esmagadora do outro. Isso é para a serôdia garotada dos que perderam o sentido do diálogo. Por mim, que sou tão reaccionário que ainda acredito nas regras do clássico, julgo que o velho “três, dois, um” é bem mais circular, bem mais revolucionário, à Platão. Há “divergências” e “convergências” e a fase superior de luta é sempre a “emergência”, onde surgem novas “divergências” e novas “convergências”, através da tal “complexidade crescente” de que falava Teilhard de Chardin. Que venham todas as divergências, para que surjam novas convergências. É a complexidade, estúpido! É a heterodoxia, companheiro!

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 6/7/2003 10:13:30 AM

 

Realista e republicano

Muito ortodoxamente fui interpelado por alguns monárquicos que estranharam a circunstância de, muito heterodoxamente, me dizer “realista republicano”. Com todo o pragmatismo de quem não perdeu o sentido da aventura, posso observar que, no actual quadro político, não existe um problema de vértice do regime, existe um problema quantos às fundações morais de qualquer possível regime. Porque, se, formalmente, não vivemos em monarquia também substancialmente não temos um regime republicano, segundo os ideais dos revolucionários da Rotunda.

 

Viva a forma republicana de governo

Julgo pertencer ao grupo dos portugueses que, apesar de nunca se ter desligado da tradição monárquica, subscreve a exigência constitucional da “forma republicana de governo”. Com efeito, talvez seja capaz de dizer, com todo o cuidado literal e doutrinário, que foi alguém de formação monárquica que inspirou esse agregado de palavras. Com efeito, julgo não poder haver nenhum doutrinador monárquico, dos clássicos aos contemporâneos, incluindo os próprios integralistas, que não defenda a monarquia como forma republicana de governo.

 

O pacto de associação é superior ao pacto de governo

Em abono desta afirmação, poderia, aliás, começar por invocar Francisco Suarez e depois passar aos clássicos do tradicionalismo contra-revolucionário e anti-absolutista, dado que todos eles assentaram as suas crenças consensualistas no pacto de associação e na consequente origem popular do poder.

 

Diria até que, para poder ser profundamente constitucionalista, teria que começar por reverenciar a matriz de todos os constitucionalismos modernos, que é o muito “res publicano” constitucionalismo da monarquia britânica, um constitucionalismo que nunca precisou do conceito de Estado nem do conceito de Constituição para ser a matriz de todos os Estados de Direito Democráticos dos nossos tempos contemporâneos.

 

Em louvor da constituição histórica

E mesmo na nossa história portuguesa, talvez convenha dizer que, antes das constituições monárquico-liberais escritas, nós já tínhamos sido, até à recepção do iluminismo absolutista, com o seu despotismo ministerial, um Estado Constitucional e, desse modelo de Constituição Histórica, ainda hoje poderíamos extrair muitas lições de consensualismo para alguns desvios absolutizantes do nosso tempo.

 

Até tivemos uma monarquia e uma constituição, as nossas tão esquecidas leis fundamentais, antes de se terem elaborado os conceitos de Estado Moderno e de soberania, nos séculos XV e XVI. Isto é, a organização política dos portugueses tinha não só uma espécie de Estado pré-estadualista como também um género de constituição pré-constitucionalista.

 

Do Princeps ao General

O facto de a Primeira República ter sido caricaturalmente parlamentarista e partidocrática, transformando o Presidente da República num simples instrumento do partido dominante , eleito pela “classe política” num colégio eleitoral, apenas provocou um vazio na simbologia máxima do Estado.

 

A partir do 28 de Maio e, muito principalmente, com a institucionalização do Estado Novo, através da Constituição de 1933, gerou-se um formal presidencialismo bicéfalo, onde efectivamente imperava o Presidente do Conselho de Ministros que, mesmo depois de abandonar a titularidade da “ditadura das Finanças”, continuou a ser o efectivo “Princeps”.

O salazarismo, com efeito, liquidou em Portugal o dilema Monarquia/República, gerando um hibridismo que a dita III República, posterior ao 25 de Abril ainda não conseguiu superar.

Com efeito, o estilo salazarista de chefia do Estado foi particularmente acirrado com o General Ramalho Eanes que, apesar de legitimado pelo voto popular, nunca se libertou de uma outra superior legitimidade: a de ser militar, a de pertencer a uma entidade que a si mesma se considera diversa da “sociedade civil”.

 

Soares e a restauração da república

Só com a eleição de Mário Soares se deu uma efectiva restauração da República a nível da chefia do Estado, uma restauração que, contudo, não foi feita contra os monárquicos nem marcada por sucedâneos cesaristas e que levou o próprio Duque de Bragança a qualificar a actuação de Soares como a de um verdadeiro monarca.

 

Quem derrubou a monarquia em Portugal

A monarquia em Portugal não foi derrubada pelo 5 de Outubro. A monarquia já tinha sido derrubada muito antes, tanto com o absolutismo como com o revolucionarismo de inspiração jacobina, e continuou a ser derrubada depois dessa data, com as subserviências face ao cesarismo e às ditaduras. Porque a monarquia, como instituição de direito natural, apenas existe quando a instituição tem efectiva legitimidade, isto é, quando ninguém a discute e todas a praticam como instituição viva, tão natural como o ar que se respira ou a nação que todos os dias se plebiscita.

 

Com efeito, não haveria monarquia em Portugal, nos termos da legitimidade das velhas leis fundamentais, se, por exemplo, através de um referendo, a maioria absoluta ou a maioria qualificada da população optasse pela monarquia. Enquanto a ideia monárquica continuar factor de divisão entre os portugueses, enquanto continuar vivo, mesmo que minoritário, um partido republicano, a monarquia nunca poderá conquistar a legitimidade.

 

A monarquia não existe se depender da obediência e não do respeito. Só existe monarquia se o rei for tão natural como a família, sem estar dependente dos factores da conjuntura. Por isso é que a existência de partidos que se qualificam como monárquicos continua a ser um dos principais atentados contra a própria ideia monárquica em Portugal.

 

Monárquicos e aristocretinos

Do mesmo modo, será impossível qualquer instauracionismo monárquico se persistir na opinião pública a confusão entre a ideia monárquica e o aristocratismo, muito principalmente daquele que continua a ser ostentado por certos aristocretinos da nossa praça, maioritariamente descendendentes da falsa fidalguia do baronato liberal, que usurparam os títulos através da especulação financeira e dos golpes partidocráticos.

 

Muito republicanamente monárquico

Na verdade, qualquer instauracionismo monárquico só seria viável se a política portuguesa voltasse de novo a ter aquela necessária temperatura espiritual geradora de efectiva legitimidade e de democráticos consensos populares. Enquanto a política que temos continuar a traduzir em calão os discípulos de Maquiavel o monarquismo não passará de emblema para certas castas falsamente monárquicas e que são as verdadeiras responsáveis pela efectiva não popularidade da ideia monárquica em Portugal.

 

Diria, pois, à maneira de Fernando Pessoa que, apesar de sempre ter sido monárquico, se houvesse, agora, um referendo sobre a questão, teria que optar pela República para defender os verdadeiros princípios monárquicos.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/7/200311:16:11 AM

 

Homossexuais, pedófilos, políticos e judiciais

O meu amigo, António Maria Marques emitiu, a partir da sua Sardoeira, mais uma das suas Cartas Conspiradoras, agora sobre homossexuais, pedófilos e políticos afectados pela complexidade e pela verdade. Depois de a lerem Verão como quem lê títulos sem atender ao conteúdo pode dizer que o preto é branco e o branco é preto, numa situação próxima à que leva o Bloco de Esquerda a confundir-se, pela distinção, com o Partido Popular. E lá se vai mais uma das vacas sagradas do sistema.

 

 

Em defesa de Leo Strauss

Confesso que sou um leitor que segue com prazer as crónicas de Alfredo Barroso nesse semanal repositório de quem fingimos ser chamado Expresso, porque neste as falsas vanguardas nunca reparam que acabam por ser o mais conformista dos situacionismos. Mas Barroso interpela-nos sempre com seus requintes camilianos e, às vezes, acaba por trocar a ordem das coisas, sem voltar a pôr as ditas na devida prateleira donde as foi buscar, no que é sedutor.

 

Contra os straussianos de trazer por casa (branca)

Por isso, sem defender os rumsfeldianos, a quem vivamente tenho contradito, mas sem seguir as pisadas do tio do mesmo dr. Alfredo, bem como de um dos próximos medalhados no 10 de Junho, especialista em descobrir que tudo o que se lhe opõe é sórdido, quero aqui defender a honra de Leo Strauss, que não pode confundir-se com os chamados straussianos de trazer por Casa (Branca).

 

Não confundam os criadores com as criaturas

Tal como os cristãos não são Cristo e os marxistas não são Marx, importa reparar que as ideologias são criaturas que se libertam do invocado criador. Marx diria, face ao Gulaga, que não era marxista. E Strauss diria, face àquilo que escreveu Barroso, praticamente o mesmo.

 

Dizer que Leo Strauss é o Marx de Bush é o mesmo que reduzir Maomé a Bin Laden ou João Paulo II, a um dos comendadores da DCI que acumulava com a Máfia.

 

Quase equivale a dizer que os socialistas podem ser nacionais-socialistas ou que os liberais acabam todos em Jirinowski.

 

Uma ideologia nunca se confunde com a ideia invocada, até porque os fiéis da dita, porque vivem mais e da emoção e do dito, podem não ter infra-estrutura para receber o subsolo filosófico do mestre que convenientemente invocam.

 

Abaixo os mestres-pensadores

Strauss, o ilustre judeu alemão, feito cidadãos norte-americano, sempre insinuou que não pode haver mestres-pensadores, pelo que invocar o nome de Strauss em vão pode levar-nos ao ridículo, mesmo que o suporte das desgarradas citações venha em certas revistas a que, quem conhece a rede, pode aceder imediatamente, quotidianamente.

 

Ao contrário de ontem, os avançados de hoje já não são os que acedem, com maior velocidade, aos pacotes remetidos de Paris, através do expresso de Vilar Formoso.

 

É evidente que o dr. Alfredo Barroso não é destes, digo-o sem ironia e com toda a solidariedade camiliana, e, de certeza, que compreenderia a razão deste meu protesto de straussiano sem straussianês, dado que também eu quero desmantelar os rumsfeldianos, principalmente os da nossa casota, mas utilizando a própria fundura de Leo Strauss, sem citações truncadas.

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/7/200304:24:26 PM

 

DO CIMO DESTA COLINA

 

 

Do cimo desta colina,

olhando a barra do tejo,

trafaria, bugio

e uma nesga do mar sem fim

que, outrora, desvendámos.

 

Do cimo desta colina,

de lisboa cidade

que foi porto de partida

e, agora, apenas passagem

e memória do passado.

 

Do cimo desta colina,

olhando a barra do tejo,

onde rio e mar se diluem

no mistério da viagem.

 

Do cimo desta colina,

de olhos postos na bruma,

sobre mim mesmo

vou pensando em portugal.

 

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/8/200312:30:29 AM

 

 

 

 

 

Iluminados à procura de novo déspota

Sempre detestei toda a espécie de absolutismos, bem como a casta dos intelectuários que continuam à procura de um qualquer cacete que possam esclarecer, em troca da prebenda ou da comenda. Daí que ponha no mesmo plano de coisa abjecta, tanto os absolutistas defensores do trono e do altar, quanto os rebespierres que poderão voltar a usar a guilhotina para nos tornarem súbditos da Santa Razão.

 

Abaixo o positivismo

Da mesma maneira repudio os positivistas que continuam à procura da religião única da humanidade. Que ainda há por aí alguns seguidores de Auguste Comte que nos querem pintar de verde, mesmo quando se assumem como defensores da selecção das elites, essa nova ilusão de raça pura.

 

Abaixo o elitismo

Estou a pensar nos que acreditam que só, de certas escolas, saem os super-homens da raça dos senhores. Que só, de certas famílias, podem emergir homens de génio. Que só, de certos colégios, podem ejectar-se os novos plantadores dos amanhãs que cantam.

 

Detesto todos os elitismos congreganistas, incluindo os dos próprios anti-congreganistas.

 

Quero um seguro contra o absolutismo

Muitos não querem compreender que o tradicionalismo sempre foi o seguro mais eficaz contra aquilo que foi e continua a ser o absolutismo, essa bestialidade que, depois, se transformou em autoritarismo, cesarismo e totalitarismo.

 

Contra progressistas e reaccionários

Muitos não ousam concluir, a partir da observação da história, que o vício do progressismo, despoticamente terrorista, infectou o próprio irmão-inimigo reaccionário. Que continua a passar da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, mesmo que, eventualmente, possa parecer do centro.

 

Um povo feito de muitos povos

Detesto, por isso, que tentem transformar meus restos de pátria numa república de professores, numa república de militares, numa república da classe política, numa república de advogados ou numa república de juízes. Prefiro que ela resista como uma república de povo, feito de muitos e variados povos.

 

Que venha D. Sebastião

E muito republicanamente desejaria que nos chegasse um D. Sebastião, que se restaurasse um qualquer nobre povo, uma qualquer nação valente. Mas que nunca se restaurasse D. José I ou D. João III. Prefiro as cortes de 1641, as cortes de 1385, as leis fundamentais que nos trouxessem de volta os foros medievais, a coroa aberta de um D. Dinis, com um reino não-monárquico, à espera que D. João II pudesse semear a armilar do estilo manuelino, essa nossa perdida Idade de Oiro, em torno da qual poderíamos fazer a necessária revolução evitada.

 

Detesto intelectuais iluministas

Detesto intelectuais iluministas. Esses que pensam que pensam só porque dispõem de púlpito e que, aí, tiveram um qualquer encontro imediato de primeiro grau com a luminária do que pensam ser o transcendente. Detesto todos os que usam da sanha diabólica e que a consideram vinda do altíssimo.

 

Contra a constituição-pudim de monsieur Valério

Detesto certos filhos de Auguste Comte, mesmo aquele que é representado pelo que foi o presidente do Instituto Auguste Comte, na terra onde este nasceu. Um tal Valério que agora é de direita mas que, outrora, inventou o rigorosamente ao centro e nos quer impingir uma constituição-pudim, onde, eventualmente, todos chegarão a acordo, mesmo que não saibam em quê.

 

Nacionalista por princípio e federalista por conclusão

Cá por mim, nacionalista por princípio e, eventualmente, federalista por conclusão, porque sou um federalista ferozmente antijacobino, desejo uma Europa como a nação de nações e a democracia de democracias, onde até não repudio um Estado feito de muitos pequenos, médios e grandes Estados, numa complexidade que ultrapasse a cortesã procura do Texto.

 

Contra os engenheiros de conceitos

De nada nos pode servir a redacção de muitas cláusulas gerais equívocas, de muitos conceitos indeterminados. Prefiro muitas lacunas cheias de crenças, plenas de valores. Não vale a pena substituirmos o sonho por uma pirâmide de conceitos, usar muitos engenheiros conceptuais, vestidos de beca, quando nos faltam sonhadores activos, europeus à solta, dotados de imaginação criadora, com pragmatismo e aventura. De nada nos serve uma pretensa teoria geral, higienicamente assexuada, para ser executada pelos funcionários de Bismarck, mesmo que sejam deputados ao Parlamento Europeu. Desses que assentes no pretenso centro do comunitarismo, espalhem seus missionários e agentes pelas periferias para melhor nos poderem colonizar, em torno de um pronto-a-vestir de boa marca. Prefiro a feira de Carcavelos, porque uma constituição valéria pode ser pior emenda que o soneto.

 

Português e europeísta

Continuo federalista e nacionalista, português e europeísta e, portanto, contra todos os modelos de Estados e Super-Estados de marca jacobina, venham do jacobinismo de direita ou do jacobinismo de esquerda. Nisto, até continuo a ler e a reler Proudhon e a reflectir nas farpas que nos deixou contra a herança soberanista.

 

Pela pluralidade dos políticos

O político tem que passar sempre pela pluralidade dos políticos. Porque, sobre o mesmo espaço de terra e sobre o mesmo pedaço de gente, pode estabelecer-se uma rede de pertenças políticas, uma poliarquia de participações cidadânicas, com variadas repúblicas e articulados aparelhos de poder, mesmo que passem por uma pluralidade de Estados. A poliarquia não exclui a unidade. Porque a unidade nunca foi unicidade, unidimensionalização, terramoto pombalista para que um arquitecto iluminado nos trace o futuro, segundo um qualquer desenho geométrico.

 

Evitar que os Estados destruam o político

Tenho que repudiar, aqui e na Europa, qualquer tentação de centralismo dito democrático e todas as degenerescências de um novo pombalismo comunista. Mesmo aqui e agora, a necessária restauração da autoridade do Estado, passa por comprimirmos a extensão do aparelho de Estado. Politizar o Estado, evitar que o Estado destrua o político, impõe que se diga menos Estado e mais política. Menos público em quantidade e mais público em qualidade.

 

Não pode confundir-se o estadual com o comunismo burocrático. Não pode confundir-se o político com o intervencionismo do aparelho de poder. No social, no económico e no individual. Tanto temo o estadualismo doméstico como o estadualismo dito da Europa.

 

 

 

Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at6/8/200308:05:25 PM

 

Domingo, Junho 08, 2003

 

Elogio do blog

Têm os blogues a beleza do breve, da nota solta que se esvai num écran, ou numa folha de papel. São folhas que voam num ápice, na brisa do tempo que passa. Até podem ser introspecções, restos de poema por cumprir. Ou farpas difusas, ferroadas, palavras contra palavras, num corropio.

 

Os blogues sempre foram. Já o eram antes de o serem. Cadernos de notas esparsas que, na gaveta guardávamos, impressões, esboços, pequenos gestos, grãos do próprio tempo pensado, escorrendo pelos olhos dentro, pelo corpo além, por dentro de nossa mente.

 

Os blogues passam e não prendem. No instantâneo se confundem, com outros restos, feitos destroços, pedaços que se amontoam no baú da memória. Folhas ao vento, folhas do tempo, sinais de um todo, como a teia de Penélope. E, pedra a pedra, por dentro de mim mesmo, onde, cá por dentro, outros me vão lendo, em raiva, em comunhão, em lava…

 

 

posted by J. A. |8:06 PM

 

 

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Iluminados à procura de novo déspota

Sempre detestei toda a espécie de absolutismos, bem como a casta dos intelectuários que continuam à procura de um qualquer cacete que possam esclarecer, em troca da prebenda ou da comenda. Daí que ponha no mesmo plano de coisa abjecta, tanto os absolutistas defensores do trono e do altar, quanto os rebespierres que poderão voltar a usar a guilhotina para nos tornarem súbditos da Santa Razão.

 

Abaixo o positivismo

Da mesma maneira repudio os positivistas que continuam à procura da religião única da humanidade. Que ainda há por aí alguns seguidores de Auguste Comte que nos querem pintar de verde, mesmo quando se assumem como defensores da selecção das elites, essa nova ilusão de raça pura.

 

Abaixo o elitismo

Estou a pensar nos que acreditam que só, de certas escolas, saem os super-homens da raça dos senhores. Que só, de certas famílias, podem emergir homens de génio. Que só, de certos colégios, podem ejectar-se os novos plantadores dos amanhãs que cantam.

 

Detesto todos os elitismos congreganistas, incluindo os dos próprios anti-congreganistas.

 

Quero um seguro contra o absolutismo

Muitos não querem compreender que o tradicionalismo sempre foi o seguro mais eficaz contra aquilo que foi e continua a ser o absolutismo, essa bestialidade que, depois, se transformou em autoritarismo, cesarismo e totalitarismo.

 

Contra progressistas e reaccionários

Muitos não ousam concluir, a partir da observação da história, que o vício do progressismo, despoticamente terrorista, infectou o próprio irmão-inimigo reaccionário. Que continua a passar da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, mesmo que, eventualmente, possa parecer do centro.

 

Um povo feito de muitos povos

Detesto, por isso, que tentem transformar meus restos de pátria numa república de professores, numa república de militares, numa república da classe política, numa república de advogados ou numa república de juízes. Prefiro que ela resista como uma república de povo, feito de muitos e variados povos.

 

Que venha D. Sebastião

E muito republicanamente desejaria que nos chegasse um D. Sebastião, que se restaurasse um qualquer nobre povo, uma qualquer nação valente. Mas que nunca se restaurasse D. José I ou D. João III. Prefiro as cortes de 1641, as cortes de 1385, as leis fundamentais que nos trouxessem de volta os foros medievais, a coroa aberta de um D. Dinis, com um reino não-monárquico, à espera que D. João II pudesse semear a armilar do estilo manuelino, essa nossa perdida Idade de Oiro, em torno da qual poderíamos fazer a necessária revolução evitada.

 

Detesto intelectuais iluministas

Detesto intelectuais iluministas. Esses que pensam que pensam só porque dispõem de púlpito e que, aí, tiveram um qualquer encontro imediato de primeiro grau com a luminária do que pensam ser o transcendente. Detesto todos os que usam da sanha diabólica e que a consideram vinda do altíssimo.

 

Contra a constituição-pudim de monsieur Valério

Detesto certos filhos de Auguste Comte, mesmo aquele que é representado pelo que foi o presidente do Instituto Auguste Comte, na terra onde este nasceu. Um tal Valério que agora é de direita mas que, outrora, inventou o rigorosamente ao centro e nos quer impingir uma constituição-pudim, onde, eventualmente, todos chegarão a acordo, mesmo que não saibam em quê.

 

Nacionalista por princípio e federalista por conclusão

Cá por mim, nacionalista por princípio e, eventualmente, federalista por conclusão, porque sou um federalista ferozmente antijacobino, desejo uma Europa como a nação de nações e a democracia de democracias, onde até não repudio um Estado feito de muitos pequenos, médios e grandes Estados, numa complexidade que ultrapasse a cortesã procura do Texto.

 

Contra os engenheiros de conceitos

De nada nos pode servir a redacção de muitas cláusulas gerais equívocas, de muitos conceitos indeterminados. Prefiro muitas lacunas cheias de crenças, plenas de valores. Não vale a pena substituirmos o sonho por uma pirâmide de conceitos, usar muitos engenheiros conceptuais, vestidos de beca, quando nos faltam sonhadores activos, europeus à solta, dotados de imaginação criadora, com pragmatismo e aventura. De nada nos serve uma pretensa teoria geral, higienicamente assexuada, para ser executada pelos funcionários de Bismarck, mesmo que sejam deputados ao Parlamento Europeu. Desses que assentes no pretenso centro do comunitarismo, espalhem seus missionários e agentes pelas periferias para melhor nos poderem colonizar, em torno de um pronto-a-vestir de boa marca. Prefiro a feira de Carcavelos, porque uma constituição valéria pode ser pior emenda que o soneto.

 

Português e europeísta

Continuo federalista e nacionalista, português e europeísta e, portanto, contra todos os modelos de Estados e Super-Estados de marca jacobina, venham do jacobinismo de direita ou do jacobinismo de esquerda. Nisto, até continuo a ler e a reler Proudhon e a reflectir nas farpas que nos deixou contra a herança soberanista.

 

Pela pluralidade dos políticos

O político tem que passar sempre pela pluralidade dos políticos. Porque, sobre o mesmo espaço de terra e sobre o mesmo pedaço de gente, pode estabelecer-se uma rede de pertenças políticas, uma poliarquia de participações cidadânicas, com variadas repúblicas e articulados aparelhos de poder, mesmo que passem por uma pluralidade de Estados. A poliarquia não exclui a unidade. Porque a unidade nunca foi unicidade, unidimensionalização, terramoto pombalista para que um arquitecto iluminado nos trace o futuro, segundo um qualquer desenho geométrico.

 

Evitar que os Estados destruam o político

Tenho que repudiar, aqui e na Europa, qualquer tentação de centralismo dito democrático e todas as degenerescências de um novo pombalismo comunista. Mesmo aqui e agora, a necessária restauração da autoridade do Estado, passa por comprimirmos a extensão do aparelho de Estado. Politizar o Estado, evitar que o Estado destrua o político, impõe que se diga menos Estado e mais política. Menos público em quantidade e mais público em qualidade.

 

Não pode confundir-se o estadual com o comunismo burocrático. Não pode confundir-se o político com o intervencionismo do aparelho de poder. No social, no económico e no individual. Tanto temo o estadualismo doméstico como o estadualismo dito da Europa.

 

 

 

posted by J. A. |8:05 PM

 

 

 

 

 

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Terça-feira, Junho 10, 2003

 

 

 

Adeus, até à próxima conspiração!

Depois de comemorar o meu dia de Portugal, vou passar das ideias à prática e “desblogar” durante uns dias. Quando voltar à tecla, irei descodificar alguns “blogues” que aqui emiti, repetindo palavra a palavra, textos emitidos há mais de um século e que, curiosamente, suscitaram surtos de borbulhagem adjectiva bem interessantes. Antes deste breve interregno, gostaria de assinalar que meu amigo António Maria, com quem, a partir de amanhã, irei conspirar, emitiu mais uma carta conspiradora sobre “os que, temendo os boaventurais, tremem diante dos neoliberais”.

 

Os ares da Sardoeira deram-lhe para ser cada mais Frei António de Beja, cada vez mais Velasco Gouveia, cada vez mais João Pinto Ribeiro. Apenas lhe quero dizer, citando de ouvida, que Hayek, ao receber o Prémio Nobel, em 1974, declarou expressamente que seguia os neo-escolásticos portugueses e espanhóis dos séculos XVI e XVII. Julgo que os discursos foreiros do Campo Grande ainda não descobriram que os muitos liberais que por aqui resistem não cabem dentro de uma simples tenda ou de um mero acampamento manifestativo.

 

Agradeço os pequenos sinais de comunhão recebidos dos meus minoritários leitores, daqueles que, resistindo à barreira de fogo das adjectivações exterminadoras, conseguem, prendendo uma coisa com outra, compreender e soprar a névoa, sem acabar com o necessário nevoeiro.

 

posted by J. A. |6:37 PM

 

 

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Tudo Pela Humanidade, Nada Contra a Nação

Foi em 10 de Junho de 1989. Na Sociedade Histórica da Independência Nacional. Palavrei sobre Tudo Pela Humanidade, Nada Contra a Nação. Mantenho tudo o que disse. Ainda hoje digo. E direi. E outros dirão se eu não puder dizer. Porque não fui eu que disse. Fomos nós.

 

posted by J. A. | 2:10 PM

 

 

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Bafiento, petulante, caprichoso, desbragado e loquaz

Sei que os radicais me condenam como herético, que os conservadores me repelem como inoportuno, que os ultramontanos me fulminam como preverso. Acoimado de miguelismo, condenado como espírito azedo e pessimista, tive a sorte que esperava, e os motivos desta minha expectativa provaram fundados. Levou-se a mal, como era de supor, que eu procurassse deslindar da teia de lendas absurdas ou risíveis o carácter pessoal de D. Miguel: chamou-se a isso uma apologia. Nem um facto, nem uma indignação legítima, foram, todavia, contestados, o que não me leva a alterar o retrato desse príncipe, simpático para mim na sua infelicidade. Recorrendo a papéis velhos, ousei interrogar-me sobre se há recursos bastantes, intelectuais, morais, sobretudo económicos, para subsistirmos como povo autónomo. Fiquei a saber que os tempos dão razão aos sebastianistas. Porque, entre nós, surgiu um novo sistema de governo, não previsto por Aristóteles. Transaccionou-se com todos os vícios históricos da sociedade, dando ao comunismo burocrático uma expansão tal que, satisfazendo a todos, atrofiasse as sementes das futuras revoluções. Às engrenagens administrativas de que o Estado já dispunha, juntou-se a legião nova dos beneficiados de obras públicas; muitos milhares de funcionários, mais ou menos opiparamente prebendados; muitas centenas de concessionários enriquecidos. Mas há quem continue a escrever com a pena molhada no fel amargo do ódio. Há uma decadência no caracter e uma desnacionalização na cultura. E se hoje se levanta esporadicamente alguma excepção, o facto é que se cindiu a tradição intelectual, que se perdeu o hábito de pensar, que apenas se escreve, por arte ou por indústria, numa linguagem mascavada, o que vem cozinhado e requentado de uma qualquer capital dos grandes deste mundo. Mas, ai dos que não tiverem olhos para ver! Porque a marcha dos tempos, o andar das coisas não param; e se em vez de educar, seguirem destruindo; se em vez de proteger explorarem o povo as classes que agora o dirigem, a democracia nem por isso deixará de vir. Mas virá com um balão incendiário, um grito de guerra, uma foice, um chuço, um machado, vingar-se de quem não soube cumprir o seu dever.

 

 

posted by J. A. |12:12 PM

 

 

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SOMOS AINDA QUEM FOMOS

 

Somos a Europa mais perto

de todos os continentes,

os mais ocidentais do ocidente.

Somos a praia da Europa

aberta ao mar e ao vento.

Fomos o princípio

do caminho marítimo

para o sonho de um novo mundo,

fomos a primeira partida

para todas as sete partidas

e o último regresso de além mar.

Somos ainda quem fomos

e na raiz do mais além

continuamos a procurar

o mistério de império

que não foi nem há-de ser.

(quinto império que Deus tem

que outro nome pode haver?)

Somos o centro da rosa dos ventos,

abstracto porto de passagem

para todos os caminhos do mundo.

Somos ainda quem fomos,

bandeirantes, caminhantes

do sonho de Portugal.

 

 

 

posted by J. A. | 11:38 AM

 

 

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Segunda-feira, Junho 09, 2003

 

10 de Junho: Portugal como nação

Somos talvez a mais antiga nacionalidade permanecente da Europa. Pelo menos, a nível da Europa ocidental, constituímos a única entidade estadual sem problemas de minorias nacionais.

 

Até somos a única nação que inventou o seu próprio nome.

 

Nestes termos, o realizado programa do nacionalismo português, que gerou uma nação antes de haver nacionalismo propriamente dito, assentou em bases radicalmente diferentes dos projectos de nacionalismos que ainda estão marcados pela ebulição do separatismo, do expansionismo ou do imperialismo

 

Porque somos um pequeno Estado, acreditamos no small is beautiful e temos, naturalmente, como aliados, todos aqueles povos das pátrias sem Estado que constituem grande parte das populações da Europa que vai do Atlântico aos Urais.

 

Somos nacionalistas das Nações-Estados e não dos Estados que querem construir nações. Assim, nada temos a ver com os ditos nacionalismos daqueles Estados europeus, restos de impérios continentais frustrados, que construíram aquilo que designam como nação a partir do aparelho de Estado.

 

O nacionalismo português na actual balança da Europa tem, pois, de sentir-se como peixe na água no universo do modelo supra-estatal da União Europeia, que mais não faz do que os sistemas da medieval Res Publica Christiana.

 

O modelo de nação-Estado chamado Portugal já existia antes de Maquiavel baptizar o Stato e de Jean Bodin teorizar a souverainité. O mapa de Portugal já estava feito antes da Paz de Vestefália e a última guerra que tivemos com um vizinho territorial foi há cerca de duzentos anos.

 

Talvez tenhamos a receita que vai constituir um modelo revolucionário no presente século: mais do que o regionalismo das nações frustradas, a conciliação dos grandes espaços com os princípios da autodeterminação nacional

 

O nacionalismo português, depois de encerrado o ciclo do Império e perante o desafio da projecto europeu, tem, assim, todas as condições para se regenerar, sem estar dependente da “razão de Estado”. Somos cada vez mais uma nação cultural e cada vez menos uma nação política.

 

O homem não é apenas um animal político e social. É também um animal simbólico, porque a imaginação, ao lado da razão e da vontade, é também uma das potências da alma.

 

Bem gostaríamos que, muito simbolicamente, pudessemos elevar a formal lei fundamental Os Lusíadas, revistos e acrescentados pela Mensagem, para que os poetas-profetas da nossa alma atlântica acendessem a temperatura espiritual de um Portugal por cumprir. Porque esse sonho de Portugal está acima de qualquer ideologia a que os portugueses adiram, mesmo que seja a ideologia nacionalista

 

Continuo a considerar válido o conceito estratégico dos descobrimentos, essa mistura de pragmatismo e aventura, de empirismo e de sonho, onde havia lugar tanto para o ócio dos filósofos como para o negócio dos mercadores e onde a intuição sempre preponderou sobre o planeamentismo. Aquela dose de empirismo franciscano e de organização jesuítica que nos fez dar novos mundos ao mundo, ou melhor, europeizar o mundo.

 

 

posted by J. A. |11:10 PM

 

 

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10 de Junho: Portugal também é pátria

Portugal também é pátria. A terra dos nossos antepassados, a terra sagrada pelo suor e pelo sangue dos nossos avós, que a desbravaram, defenderam, regaram e semearam.

 

Nesta terra construímos a nossa casa, a nossa eira, o muro do nosso quintal. Casa a casa, fizemos a aldeia e, caminho a caminho, nos fomos unindo em freguesia

 

Por fim, erguemos a comunidade pátria com federação das nossas muitas pequenas pátrias. É a nossa santa terrinha, a que veneramos, mesmo quando dela nos distanciamos, pelo exílio, pela emigração, pela expansão.

 

Nascidos daquilo que Agostinho da Silva qualificou como o comunitarismo agro-pastoril e uma economia de cooperação, bem diversas do ética do capitalismo protestante, também nos conformámos num regime que era um agregado de repúblicas municipais, cada qual com a sua própria necessidade de constituição, e assim fomos construídos a ferro e a foral, pelos conquistadores e pelos juristas.

 

Aliás, o nosso rei medieval, não governava, coordenava, não se fixava num centro, como veio a ser Lisboa, dado que preferia andar pelo país. Até era um rei de eleição, porque podíamos escolher um rei em vez de outro. Era uma espécie de rei-democrata, ordenador de repúblicas municipais.

 

E, do sentimento pátrio, fizemos saudade. Somos, assim, saudosistas, não com o sentido passadista, mas com pessoanas saudades de futuro.

 

Porque, voltando a Agostinho da Silva, Portugal era um delicioso cais de partida, para dar a volta.

 

Aliás, o patriotismo é o contrário do uniformismo. É o direito à diferença. E porque a história nos fez nação, fomos, pouco a pouco, construindo uma cultura distinta no universal.

 

Somos assim tradicionalistas. Porque ser tradicionalista é recuarmos para melhor avançarmos. Porque só é novo aquilo que se esqueceu. Porque só é moda aquilo que passa de moda. Porque o moderno já foi antigo de que o antigo há-de ser moderno. Porque tudo o que é novo é o que vem de trás, reelaborado para um novo fim. Só há o verdadeiro, que tendo tempo e lugar, fora do tempo que nos prende.

 

 

 

posted by J. A. |11:04 PM

 

 

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10 de Junho: quero crer em Portugal

Acreditoem Portugal. Nãopelo facto de ter nascido no seu território por um acaso divino, do providencial Deus único, judaico-cristão, ou da pluralidade dos divinos, greco-romana, onde emerge a fortuna, com uma venda nos olhos, nesse fortuito que nos prende sem libertar.

 

Acredito em Portugal, como ternas algemas que nos podem libertar e não pela mera circunstância ocasional de ser portador de um bilhete de identidade que me atribui a qualidade de cidadão da República Portuguesa, de acordo com cinzentas leis de burocratas disponíveis para o carimbo da conformidade com uma qualquer fórmula abstracta.

 

Quero saber Portugal como realidade exotérica e tentar pensá-lo como entidade esotérica, isto é, como identidade cultural a que, enquanto português, posso e devo aceder, por um esforço de amor e de intelectualização, onde importa uma quase conversão.

 

Portual é um acaso que podemos transformar, por convicção, numa necessidade, nesse amor de pátria que pode tornar-se real no interior de cada português. Para que a pátria, expropriada pelo estuadualismo, se não transforme numa heteronomia, susceptível de produzir alienação.

 

Os portugueses de todos os quadrantes têm de exorcizar todos os fantasmas que impedem a efectiva libertação de Portugal e de cada um dos portugueses.

 

Os portugueses têm de refundar, reestabelecer e reinstaurar Portugal (Agostinho da Silva).

 

Porque, como dizia Antero de Quental, o todo é mais um caos que coisa susceptível de definição. É o ponto em que se encontram todas as diversidades que foram a grande desarmonia. Há uma fermentação de elementos contraditórios de uma coisa que vem ainda longe, no meio da dissolução de uma coisa que não pode já voltar

 

 

posted by J. A. |10:07 PM

 

 

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Dureza verdadeira

Com a devida vénia, quero transcrever o que hoje escreveu José Pacheco Pereira: É pena que Nelson de Matos tenha desistido de continuar o seu blog Textos de Contracapa , e , se a sua decisão pode ser alterada , faço-lhe daqui um apelo a que reconsidere . As suas razões , que expõe numa nota chamada “Equívocos” , são duras ( e verdadeiras) para muito que se passa por aqui :

“Não há dúvida, enganei-me. Onde julgava poder haver debate de ideias, critica, conversa, troca de informações – há apenas, fora algumas honrosas excepções, disparate, insulto, exibicionismo, parvoeira, perda de tempo. Daí que o que sobra é um espaço estreito e desinteressante, não muito diferente das conversas dos miúdos, trocando gracejos através da net, brincando às escondidas com os computadores do papá. De facto não há tempo para isto, mesmo respeitando aqueles que procuram e insistem noutros níveis de conversa. “ Espero não cair nesta tentação, mas ainda espero resposta a um “mail” não público que enviei, ao suspender uma certa polémica.

 

 

 

 

posted by J. A. |7:56 PM

 

 

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Lusitana antiga liberdade

Quero saudar a chegada à blogosfera de Lusitana Antiga Liberdade. Sai à terça-feira e anuncia como colunistas o meu querido mestre Henrique Barrilaro Ruas, bem como Fernando Quintais, Teresa Martins de Carvalho e Manuel Alves. Eis que a frente dos Homens Livres se alarga, com a chegada destes legítimos herdeiros do grito de Almacave. Com eles, poderemos esperar que as simbólicas Actas das Cortes de Lamego voltem a ser lei fundamental!

 

 

 

posted by J. A. |7:21 PM

 

 

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Quarta-feira, Junho 11, 2003

 

 

 

Não é desta que a ZEE passa a ZEERO!

Pronto, já cheguei à Sardoeira, mas, dando um salto até ao supermercado da vila, verifiquei que também por cá podemos “postar”. Por estas paragens, o país das realidades parece feliz, depois de tomar conhecimento que não é desta que a ZEE virou ZEERO para as nossas pobres pescarias. Mais felizes andam as gentes depois da excelente prestação de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional em Monsanto que, depois de testemunhar, assumindo a sua ensaiada pose de Estado, proclamou: “agora, deixem-me governar”. Depois, de chegar, testemunhar e vencer, a notável ministerialidade prossegue o rumo, de vitória em vitória, até à derrota final. Logo, sem novas da investigação policial sobre os pedófilos, os militantes do bom povo português, antes de assistirem em directo à conferência de imprensa da Senhora de Felgueiras, ficam sem saber que todos devemos estar “gratos” aos convencionais da Europa que, depois de autorizados pelo descendente de Bismarck e pelo descendente de Napoleão, se preparam para nos dar mais uma Senhora Dona Constituição. Com efeito, os grandes partidos lusitanos, vinculados ao Partido Popular Europeu e ao Partido Socialista Europeu, têm pouco espaço de manobra, pelo que terão de dar uma no cravo independentista, outra na ferradura supranacional, já que o recurso ao fantasma anti-europeísta pode, desta feita, não resultar porque muitos dos mais tradicionais europeístas, poderão contestar, em nome da Europa, esta brincadeira de pseudo-elites. E lá dizia o Zé: “Queres Constituição? Toma!”.

 

posted by J. A. | 5:19 PM

 

 

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Quinta-feira, Junho 12, 2003

 

Nas raízes da minha pequena pátria

Aqui à beira-mar, na praia primeira dos meus dias. E sempre a areia molhada da manhã. Aqui, nas raízes da minha pequena pátria, o próprio centro do mundo, neste beira-mar de Portugal, a perder de vista. Além, na curva do horizonte, a aldeia dos meninos loiros e das mulheres de xaile negro. O espaço deste povo de pescadores e lavradores, arando as águas e colhendo as redes. O tempo todo, no vaivém das onda, o eterno movimento que a vida não detém.

 

O mar, hoje, veste-se de verde cinzento e o um tímido azul se dilui na tristeza de uma névoa esbranquiçada. Sinto que a pátria é estar aqui assim, diante de mim mesmo. Viajar por dentro da memória e sentindo meus estes caminhos de terra batida, estas sombras, poder voltar ao silêncio da serra. Pátria é estar aqui e ser antigo, estar aqui, aquém, além, com minha gente à minha beira.

 

Ter o nós dentro do eu

Restos de fogo no esvair deste crepúsculo de Junho, quando os dias tardam em ser noite e as cigarras, muitas, nos acalentam, vencendo restos de vento, esquecendo o tempo, nestes sinais de um Verão que vem chegando. É o crepúsculo sustendo-se, para que, passeando pelas ruas da minha terra, volte a saudar os velhos sentados nos beirais. Que o tempo todo seja sempre este interregno, a breve pausa que antecede a amargura do regresso ao “stress” de todos os dias, ao desencanto de uma cidade que perdeu sentido.

 

De nada vale sentir a mensagem que ninguém cumpre por dentro de si mesmo. Deixa que a hipocrisia se esboroe, nós feitos pasta de um unidimensional rebanho de quem se tornou pastor a golpes de cajado e de insídia. Prefiro sentir a história vivida, aqui e agora, como novo drama.

 

Em nome da comunhão pelas coisas que se amam

E desculpem que escorra, deste blogue, muito que dentro de mim resguardo. O blogue é apenas um pretexto para convidar todos os outros a olhar mais por dentro. Para que uns e outros nos sintamos nós. Pedaços diversos de um ser comum. Blogue pode ser um pouco mais do eu de cada um, tentando trazer o nós dentro do eu, tentando desvendar a pátria que todos sentem, essa pátria dos homens comuns, essa comunhão pelas coisas que se amam e que nunca poderá ser definida por abstractas doutrinas, nem decretada por autoritários donos.

 

Deixem governarmo-nos!

Não, não ouvi em directo, das cariocas paragens, a Senhora de Felgueiras. Também não me foi dado conhecer o despiste de Vara contra Sampaio,por falta de adequada segurança rodoviária. Mas qualquer observador dos títulos de noticiários, pode concluir que o Partido Socialista marca hoje a agenda política, embora pelos piores motivos, para gáudio do Dr. Barroso e do Dr. Portas que, assim, podem declarar o “deixem-nos governar”. Eles até estão a procurar elevar o socialista António Vitorino a secretário-geral da NATO e o engenheiro António Guterres a presidente da Comissão Europeia (“deixem governar-vos”)! Resta saber se, com tanta razão de Estado, não andam todos a dizer: “deixem governarmo-nos”.Quanto mais Fátima, menos Constituição europeia. Quanto mais Vitorino, menos Rumsfeld. Quanto mais Monsanto, menos pedofilia. Quanto mais pedofilia, menos Monsanto.

 

Que a palavra emitida volte a adequar-se à vida

Portugal não pode estar dependente da idiossincrasia ambiciosa de certos ministros, ex-ministros e outros líderes políticos, no activo, na reforma, na jubilação ou no estado de cadáveres adiados que procriam vindictas. Especialmente dos que conseguem fingir que é verdade, a mentira que tão completamente vão ensaiando. Portugal não pode depender de certas formas secundárias de personalização do poder, onde as cabeças visíveis da emanação mediática recobrem as moluscas fundações onde os coisas assentam. Portugal precisa que a palavra emitida volte a adequar-se à vida vivida. Não podemos continuar a viver entre o palco que todos vemos, encenado pelos bastidores a que só alguns acedem, e que muitos vão agora cerrando com as portas blindadas do falso segredo de Estado.

 

 

posted by J. A. |1:00 PM

 

 

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Sexta-feira, Junho 13, 2003

 

Uma história da Patagónia….

Não resisto a contar uma pequena história que se passou recentemente numa universidade bem próxima da Patagónia e de que só hoje tive conhecimento, por andar na “blogosfera” há menos de um mês, por não conhecer todas as sumidades papais que por aqui imperam, e por demorar a teclar os “links”. Com efeito, um jovem aprendiz de assistente-estagiário, talvez por não gostar das barbas brancas de um velho professor da respectiva escola, talvez por ter tido algum complexo freudiano num anterior exame, talvez por ser tão profundo no conhecimento das causas e na emissão dos juízos com que dá notas, decidiu declarar que, na escola dele, se convidavam professores catedráticos a partir de uma pandilha marcada pela desonestidade intelectual, com falta de etiqueta, que alinharia com grupos de idiotas, corruptos, fontes anónimas, e que, além disso, fariam conspirações em sótãos, guerrilhas internas, bocas nos jornais, sempre dispostos a fazer revanchismo saloio. Mais acrescentou o dito assistente estagiário que o dito professor catedrático, tal como outro professor catedrático da mesma terra e da mesma área, não passaria de um intelectual desocupado e esgroviado, membro de uma maralha que não tem ideias, que é uma luminária, que tem com grossas teses de doutoramento, com citações freneticamente cosidas, dotado de uma pose minoritária que julga que da minoria (da minoria ínfima) é que vem a razão. Que o mesmo seria membro de um pântano, dotado de uma coragem da boca para fora, que produziria um pateta discurso de ressentimento social, de descamisados da treta, remetendo para as ideologias que todos bem conheceriam. Aliás o dito estagiário também disse conhecer os retratos que o mesmo professor tinha em casa, bem como dos líderes estrangeiros que o mesmo veneraria, sabendo que ele faria parte de uma pseudo-vanguarda ignóbil, casca-grossa, que representaria tudo o que de pior tem o mundo.

 

Contributo para a teoria dos “blogues”

O velho professor em causa, que me mostrou documentos fiéis, onde isto se prova, reparou como, na Patagónia, era arriscado ter sentido de humor e parodiar um texto sem atentar na catedrática prosápia do assistente-estagiário que o emitiu. O professor em causa confessou-me que tem agora receio de tomar café no bar da referida escola, porque o assistente-estagiário anda a clamar por todo o lado que o velho lhe quer bater, quando o velho nem sequer conhecia tal génio e está disposto a trocar com ele de gabinete e de estatuto, para além de ter intenções, naturalmente, de invocar a constitucional objecção de consciência, para os devidos efeitos, coisa que é o preciso inverso da suspeição. O velho professor perguntou-me se em Portugal ainda haveria sentido de escola e essa estúpida definição de regras de direito não escrito. Anda extremamente triste por chegar à conclusão que foram em vão cerca de três décadas de vida escolar, mas espera que o assitente-estagiário atinja depressa o alto da carreira para poder, de vez, salvar a Argentina de descamisados. Para bom entendedor, estas muitas palavras bastam. E a teorização de José Pacheco Pereira sobre os “blogues”, terá aqui mais um “case study”.

 

A nova inquisição, entre o canino e o camélico

O velho professor mostrou-me também um texto que, há uns anos, escreveu em defesa de dois catedráticos da sua escola, humilhados pelo mesmo semanário onde o mesmo assistente-estagiário é estrela: “o nihilismo inquisitorial, adepto da terra queimada pela intriga, instrumentalizando a liberdade de expressão e, sobretudo, a liberdade de imprensa, não pode ser compensado pelo rigor da protecção coactiva de uma qualquer lei, nem pelos meios de defesa do poder judicial. Para além do direito, há a moral, aquele valer a pena estar de acordo consigo mesmo, mesmo que pareça estar-se em desacordo com todos os outros.

O velho provérbio de que os cães ladram, mas a caravana passa, não é reconfortante e pode não ser verdade, porque implica deserto, caravana, camelos e cães disponíveis para ladrar. Há quem não ande em caravanas, há sítios que não gostam de ser deserto e há os cães que obedecem sempre à voz do dono ou daqueles que os assanham. Talvez não valha a pena termos de escolher, do mal, o menos, isto é, entre o canino e o camélico, quando se prefere a terra dos homens, quando apetece caminhar e há tanto que fazer neste nosso tempo que já não é de vésperas, mas de insensível caminhada para um vazio de poder cultural, para onde correm lestos os iconoclastas dos novos camartelos colonizadores”.

 

 

 

posted by J. A. |7:58 PM

 

 

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A anarquia madura

Para os que querem saber como se teoriza a anarquia madura, já chegou a tradução portuguesa do inspirador de algumas das lusitanadas de certos sindicatos da citação mútua. Só é novo aquilo que se esqueceu, mesmo que seja aquilo que se copiou e não se citou. O neofeudalismo e a anarquia ordenada continuam, onde tem razão quem vence, mesmo que esteja fora de direito (“outlaw”). Ministeriais figuras, em pose de Estado, ilustríssimos oposicionistas, todos continuarão a fingir que é verdade a mentira que difundiram. Que há sempre novos e velhos clérigos, activos, hiper-activos, jubilados, aposentados, caquéticos ou de uma jota serôdia, dispostos a entrar na nova ordem decretada. Ai dos vencidos! Não serão subsidiados, nomeados ou indicados. Serão vetados, mesmo que, antes, tenham sido eleitos. Só que a lexívia não apaga as edições anteriores. As bibliotecas guardam-nas. Os arquivos não serão incendiados e a verdade é como o azeite num copo de água, mesmo que o conteúdo saiba ao pantanal em que visceramos.

 

posted by J. A. |5:34 PM

 

 

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Política de Federação Europeia

Apesar de toda a política de segredo de Estado, acabámos de tomar conhecimento de uma missiva do chefe de governo aos nossos agentes junto das chancelarias da Europa. Por isso, vamos imediatamente dar-lhe a forma de “post”:

 

A criação de uma Federação Europeia constitui uma das ideias dominantes da política actual, pelo que os problemas que se levantam à sua volta e as decisões já tomadas, orientadas no mesmo sentido, têm sido objecto de atenta consideração por parte do Governo Português.

Por se tratar de uma questão que continua a manter a maior actualidade, convém marcar a nossa posição em face de tal política.

 

No fundo, temos apenas duas realidades – uma ideologia americana e uma política francesa. Possibilidades de realização da ideia, ambiente político ou moral, necessidade absoluta da sua execução para solução dos problemas económicos ou políticos europeus – tudo está em muito secundário plano, e no entanto isso seria o essencial a ter em conta.

 

Quando digo acima uma ideologia americana, devia dizer talvez com maior justeza uma ideia de partido ou de partido governamental.

 

Quando me refiro a uma política francesa, quero exprimir de facto a adesão, aliás pouco entusiástica, duma fracção dos políticos franceses, porque a França, se anseia por não ter de bater-se, também procura não ser mandada por outros.

 

Quando aludo ao receio de se perder o auxílio americano, penso que esse receio não tem razão de ser, porque a Europa é tão necessária à América como esta à subsistência da liberdade europeia. E é sobre tão frágeis fundamentos que se anda a construir a federação da Europa.

 

Que no domínio lógico é possível federar a Europa – é. Simplesmente essa federação só haveria a meu ver duas maneiras de fazê-la com viabilidade – o acto de força de um federador ou uma lenta evolução que pode levar séculos. Se Hitler tem ganho a guerra, era possível que obrigasse a Europa a federar-se sob a hegemonia alemã; e pelos frutos e demoras da evolução não se quer esperar.

 

O conjunto e as dificuldades dos problemas a resolver por acordo excedem a capacidade dos homens e das negociações entre Estados. Se há um vencedor, esse impõe a vitória e com a força desta pode não resolver, mas corta os problemas. Abandono de terras, arrumação ou concentração de indústrias, deslocação de populações, desequilíbrios económicos, perdas de interesses e capitais – tudo isso ele o imporia, criando um condicionalismo diferente à vida dos povos sujeitos. Mais, talvez muito mais do que isso se viu no decurso e depois da última guerra. São sofrimentos sem conta, alterações profundas nas maneiras de viver e de pensar, mas retoma-se a vida em novas bases, e no futuro, num futuro largo, pode até ser melhor para todos os que então existam.

 

O que um conquistador faz em nome e pelo direito da força, não podem fazê-lo os políticos, ao menos de pé para a mão, contra interesses relevantes e inconciliáveis e sentimentos muito vivos das populações.

 

A Europa nasceu de certo modo e o processo da sua formação imprimiu-lhe carácter. A sua diversidade, se por um lado é motivo de fraquezas, verificou-se por outro ser fonte de radiação universal. Há neste conjunto nações de tão antiga independência que o arreigado nacionalismo quase se confunde com o sentimento, com o instinto de propriedade e de uma propriedade não transmissível. Nestas circunstâncias é duvidoso que se possa constituir por combinações ou tratados um Estado europeu. Ou melhor: podem os governos acordá-lo, mas os povos dificilmente se ajustarão a ele.

 

Este ponto é muito importante, porque, desejando-se a federação para aumentar e reforçar a capacidade de defesa europeia, não pode perder-se de vista que esse Estado europeu deverá ser por muito tempo destituído de verdadeira coesão e de força colectiva.

 

 

Para evitar confusões, importa descansar o Doutor Ernâni Lopes: o papel foi emitido em 19 de Março de 1953. Falando mais seriamente, importa assinalar que hoje foram emitidos violentos artigos contra a Constituição Valéria, onde, para além do que publiquei, importa destacar o de Jorge Bacelar Gouveia no “Euronotícias”, dias depois de Paulo Ferreira da Cunha ter atirado a sua lança no “Jornal de Notícias”. Daqui a uns meses, alguns dos mais indignados de hoje, irão, naturalmente seguir os ditames do “rolo compressor” e acusar os europeístas que estão contra esta versão do europeísmo oficialista, de “traidores à pátria, à Europa, à civilização”.

 

 

posted by J. A. |5:04 PM

 

 

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Stanley Ho e nova (a)Fundação do Ocidente

E lá voltamos a ter que navegar nas notícias politiqueiras. Ferro diz que “não sou cristão e não perdoo”. Sampaio “desva(i)rou-se”. Portas foi, veio, testemunhou e diz que venceu. Durão continua a durar. E, acima de tudo, Stanley Ho, muito chinesamente, disse que, “ele”, o mais chinês dos portugueses, “está a seguir na direcção certa. Neste mundo, por melhor que se seja, é-se sempre criticado”. Aliás, tem o apoio, de “um homem muito esperto e encantador”, o Pedro do casino. Será que está para ser lançada uma “Fundação Ocidente”, destinada a cultivar, com olhos em bico, esta cabeça do Atlântico, onde o leme do novo comando da NATO se confunde com uma “slot machine”?

 

posted by J. A. |4:12 PM

 

 

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Memória de São Francisco

 

Viver é saber saborear

a poesia dos silêncios procurados.

Sentir o realismo de uma flor,

chamar irmão ao sol,

irmão ao lobo

e livre, silvestre,

vencendo muros e algemas,

ter a ilusão de me cumprir

como ser que nunca se repete.

Esse fim de si mesmo,

na divina dignidade humana,

feita à imagem e semelhança,

de um homem qualquer

que a multidão despreze.

Sentir a profunda diferença

que nos faz universais

e viver acontecimentos

que também nunca mais sucedem,

Religados, vivos,

pela raiz da identidade,

só conseguimos ser unos

na plural diversidade.

O homem é que faz a história

sem saber que história vai fazendo.

Eis o mistério de viver:

procurar por procurar,

sem me preocupar porquê,

para, de novo, regressar,

neste vaivém de viver

que é cair e levantar-me,

sentindo que sou mais além

no sítio que me deu mãe .

Viver é nascer de novo,

descobrir meu signo

no próprio ovo.

Ir além de mim,

perder meu corpo,

e diluir-me

no sonho donde provim.

Até sempre, se Deus quiser!

 

 

 

posted by J. A. |3:35 PM

 

 

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Que viva santantoninho!

É sexta, é treze, mas sem azar, neste dia de santantoninho, nosso querido Fernando, o tal do sermão aos peixes, esse santo feito à nossa imagem e semelhança. Que sempre conformámos hereticamente o próprio martelo dos heréticos. Aliás, foi só na segunda metade do século XX que começámos a traduzir as obras do franciscano, porque o dito vale mais pelo que dele imaginamos do que por aquilo que terá escrito. Por isso, este feriado. Que em Lisboa é sardinhada, alfama, martim moniz e marchinhas inventadas pelo salazarismo, para gáudio do João Soares e do Santana Lopes, mas que lá na minha terra eram “cavalhadas”, iguais às dos Açores, de Cabo Verde e do Nordeste brasileiro. Estas antiquíssimas heresias que levaram ao sincrético de um catolicismo bem popular, pouco dado a teologismos, beatérios e hierárquicas disciplinas, deste neo-catolicismo bem luterano por aí vigente, que nos vai minguando em pseudo-ortodoxias de salão. Que viva santantoninho, meio místico e meio pagão, todos esses deuses pequeninos que a disciplina eclesial ainda nos permite, muito franciscanamente, muito à maneira da nossa santa terrinha!

 

posted by J. A. | 3:33 PM

 

 

 

 

 

 

Domingo, Junho 15, 2003

 

Compadrismo

Portugal continua a ser marcado pelo conjunto d’os compadres e as comadres que constituem o país legal, como dizia Alexandre Herculano. Com efeito, do país da realidade, vem a constante da indiferença que, vez em quando, explode em revolta populista ou em apoio a césares de multidões, isto é, a experiências de poder pessoal, onde o carismático e o messiânico se aliam.

 

A herança do capitalismo de Estado

Já no século XVI, por exemplo, quando nos podíamos ter transformado na primeira potência capitalista da Europa, preferimos ceder à mentalidade castelhana, expulsámos os judeus e, ao cheiro da canela, acirrámos um capitalismo de Estado que beneficiou fundamentalmente o negocismo de certos cortesão. Entretanto perdeu-se o sentido do anterior comunitarismo e a própria lógica de Estado que comandou o processo da expansão.

 

O barão revolucionariamente usurário

Mais tarde, a revolução liberal, vitoriosa em 1834, preferiu substituir o frade do antigo regime pelo barão devorista. É a época da venda em hasta pública dos bens nacionais e da energência de uma nova classe política que gera uma nova aristocracia social, marcada pelo barão usurariamente revolucionário e revolucionariamente usurário, segundo as palavras do desiludido Garrett.

 

O comunismo burocrático

Depois do interregno setembrista, o cabralismo fez acrescentar a este baronato financeiro e fundiário, a nova classe dos burocratas, todo um clientelismo estatizante que vai degenerar naquilo que Oliveira Martins qualificou como o comunismo burocrático: burocracia, riqueza, exército: eis os três pontos de apoio da doutrina; centralização, oligarquia; eis o seu processo.

 

O proteccionismo e a privilégio

A Regeneração também não passou de mais um capitalismo de Estado que, em vez de instaurar a liberdade económica, cedeu ao proteccionismo e a privilégio. Com efeito, o nosso liberalismo regenerador veio apenas agravar o peso morto da estatização, proibindo a livre associação da sociedade civil, muito especialmente das estruturas sócio-profissionais.

 

O neofeudalismo

O mal baronal é típico de todas as oligarquias patidárias geradas à boleia do poder, mantendo zonas de encomendação ou grupos de amigos, relativamente aos grupos dominantes do situacionismo anterior. Em todas estas situações sempre a mesma tendência neofeudal de alguém económica, social ou politicamente enfraquecido se colocar sob a protecção de uma certa personalidade ou de um determinado grupo, bem colocados que, a troco de fidelidade, lhe vão dar emprego estável, a avença compensatória, a facilidade burocrática ou o acesso a círculos íntimos do poder económico, social ou político.

 

A sublimação da cunha

É toda uma teia de aristocracias semiclandestinas em que os nossos regimes se têm enredado que, sem atingir as dimensões dos mafiosos padrinhos ou dos mafiomaçónicos polvos, eleva a tradicional cunha aos requintes da tecno-estrutura. Enquanto isto, a maioria do país da realidade tanto adopta a esperança do sapateiro de Braga (ou há moralidade, ou comem todos) como se torna indiferente, caindo, o primeiro, no engodo sensacionalista e distanciando-se, o segundo, dos reais problemas da coisa pública, dado que apenas é chamado a participar nos banhos de multidão do folclore eleitoral. Não há estados de graça que sempre durem nem pecados que nunca acabem…

 

Portugal político continua a ser Lisboa

Apesar das muitas revoluções que nos aconteceram, Portugal político continua a ser Lisboa, onde o resto é paisagem, onde se fazem campanhas eleitorais e para onde se emitem telejornais, apenas com uma pequena cedência à tradicional autonomia do burgo portuense, quando este tenta imitar Lisboa e se assume como a capital do Norte, como se expressa na caricatura da futebolítica, onde algumas lideranças dos dragões, como se chama ao Futebol Clube do Porto, chamam mouros aos da capital e cantam o querer ver Lisboa a arder, num frenesim bairrista que, muitos, confundem com regionalização, quando invocam os paralelismos vocabulares de alguns líderes históricos das ilhas atânticas que, aos continentais, chamam cubanos.

 

Aliás, o bairrismo vem do árabe barri, o mesmo que terra, e, depois, passou a qualificar uma das partes em que se divide uma cidade. Significa parcialidade, tendência para se sobrevalorizarem as características de uma das divisões de um todo político ou administrativo.

 

A oligarquia partidocrática

A política portuguesa persiste em viver no círculo vicioso de um pequeno grupo populacional. Mesmo nestes primeiros anos do milénio, se poderá haver cerca de cem mil formais filiados em partidos políticos, eis que este universo gera apenas pouco mais de cinco mil militantes activos que costumam participar em congressos partidários. Contudo, mesmo estes são devidamente enquadrados por um escasso milhar de dirigentes ou potenciais dirigentes políticos, os quais constituem o núcleo duro da chamada classe política.

 

A soberania já não reside no povo

A política portuguesa persiste assim em ser marcada por este desvio oligárquico da partidocracia, onde predomina a lei do baronato, zona onde se recrutam os deputados, os ministros e todos os que, graças à vitória eleitoral do respectivo partido, podem invocar o esforço militante para passarem a viver à mesa do orçamento, sem necessidade de mais curriculum.

 

Citando Lorenzo Caboara,em Partitocracia Cancrenadello Stato, Roma, Volpe, 1975, podemos dizer que, neste modelo, a soberania já não reside no povo, dado ter passado para as mãos dos partidos políticos que a exercem através dos seus órgãos e das suas administrações próprias.

 

Se o mal não é tipicamente português nem exclusivo do nosso tempo, o facto de alguns nos terem continuado a qualificar como uma jovem democracia, onde existiu, durante cerca de uma década, a maioria absoluta de um só partido, e ainda por cima do partido que há mais tempo estava no governo, tudo isso contribui para agravar o distanciamento do país político face ao país real.

 

O Portugal político, traumatizado pelas memórias contraditórias do autoritarismo e do revolucionarismo, constitui, na verdade, um terreno fértil para o dessangramento da democracia pluralista.

 

 

posted by J. A. |12:40 AM

 

 

 

Caro J.A.

 

Em primeiro lugar, não me chamo Amilcar Carrapato. O Amilcar é um velho

amigo, ‘personagem’ noutras andanças, mantenho o email para

eventualidades.

Como esta. Mas não o quero maçar com grandes explicações.Apenas lhe

escrevo

porque leio o seu blog, a ‘patuleia’…confesso a minha falta de paciência

para textos muito compridos de cariz mais politico, mas vou lendo (o seu

blog e mais uns quantos, bastantes para ir tirando as medidas à tal

blogsfera), talvez à espera de encontrar um momento ao qual retorne,

primeiro com espanto, depois por gosto, um daqueles que se guardam. Como

este seu:

 

‘Têm os blogues a beleza do breve, da nota solta que se esvai num écran,

ou

numa folha de papel. São folhas que voam num ápice, na brisa do tempo que

passa. Até podem ser introspecções, restos de poema por cumprir. Ou farpas

difusas, ferroadas, palavras contra palavras, num corropio. ‘

 

Abomino os cumprimentos inter blogs. Cheiram sempre a graxa e a uso,

principalmente se forem de um blog novo para um dos mais citados. Essa é a

razão de usar o endereço do Carrapato. Não gosto que as coisas se

confundam:

o seu texto é muito bonito. Só lhe escrevo para lhe dizer isso. Nada mais.

 

Melhores cumprimentos (anónimos)

 

C.

 

 

 

Li agora o 100nada e foi-me dado compreender a sua carta. Não vou dizer o

que me levou a extravasar a tolerância de frequentar certas praças públicas.

Não fugi. Há lugares próprios para o ritmo que levei a cabo, numa breve

experiência de um mês apenas, onde corria o risco de ter que entrar num

rebanho contra outro rebanho, diluindo-me no atávico colectivismo moral dos

nossos contra os outros. Se voltar, será o mero individual, falando para

outros, para dentro, nestas viagens de silêncio e solidão. Digo que li tudo

o que de 100 muito tinha. Que ao contrário dos muitos “delete” que fiz nos

favoritos, o 100nada ficou, para ir prendendo coisa com coisa, compreendendo

que, afinal, há quem seja tão diferentemente igual. E assim vou conhecendo

quem desconheço. Para que um dia talvez possa conhecer.

 

 

Out 06

Entrevista a Focus

Foi publicada em 6 de Outubro de 2001 parcela de um entrevista que concedi à revista Focus, analisando o actual desencanto político. Aí assinalo que existe um evidente afastamento das pessoas em relação aos mecanismos institucionais da política partidária e da política parlamentar. Assumo que a democracia portuguesa está a passar por uma crise de crescimento, advertindo que esta crise pode ser de luxo se for bem aproveitada. Porque Portugal tem reservas de energias suficientes para fazer uma revolução individual e é preciso provocar uma balbúrdia criativa para que os melhores possam destacar-se e distinguir-se dos ineptos. isto é mais do que liberdade: é a libertação dos melhores contra o sistema que esconde os ineficientes. Concluo assinalando que a única forma de fazer uma revolução política é dando aulas, porque ser professor é preparar uma nova elite. Acrescento que estes políticos não sabem nada de psicologia dos portugueses: o português sempre foi bom quando lhe deram capacidade para ter ideias, mas agora fomentam-se os papagaios repetitivos. Aliás, as oligarquias dos partidos não querem alargar espaços de intervenção e faltam estímulos para as autonomias pessoais.  Mais: os portugueses sempre souberam resistir, emigrando, mas desde 1974 o fenómeno mudou: estamos cá todos e o País não sabe o que fazer com a nova geração que está a ser educada e que irá formar a nova elite. Assim, estamos à beira de um novo Portugal, onde as pessoas vão procurar o paraíso da liberdade individual. Temos que fazer uma revolução libertacionista. Temos que libertar o indivíduo. Ora, acontece que o sistema político português está marcado pelo jacobinismo absurdo, de importação francesa: Afonso costa. António de Oliveira Salazar, Vasco Gonçalves, Mário Soares e Cavaco Silva são todos filhos do mesmo pai que é o centralismo. Isto impede o espaço de participação das pessoas e é por isso  que tem de haver um reforço da individualidade. Neste sentido, a democracia portuguesa tem um problema estrutural na formação das suas elites políticas, quando há dois desafios fundamentais que cercam a democracia: o indiferentismo e a corrupção, enquanto processo de compra de poder… por enquanto os partidos ainda resistem às elites, mas vão acabar por ceder. Nas últimas palavras: o drama dos sistemas políticos é cada vez mais a abstenção e o problema é que não se trata de uma abstenção de desleixo, mas sim de uma abstenção que atinge a classe que devia ser politicamente activa. O maior partido em Portugal é o dos abstencionistas. eu não estou para aturar estes políticos…

Set 11

Twin Towers

Nova Iorque, a capital da nossa breve aldeia global, essa cidade feita quase por subscrição mundial, foi ferida de morte no postal ilustrado do seu próprio coração. Tudo aconteceu num dos últimos dias do primeiro Verão do século XXI, quando um breve fio de linho nos fez passar da ficção para a realidade, dos efeitos especiais hollywoodescos e dos simuladores de jogo da microsoft, para o eterno mistério da divina dignidade humana, através da exposição pública, e em directo, da íntima banalidade do mal. Eram duas torres gémeas, orgulhosamente feitas com a fragilidade do aço e do cristal, onde se concentravam algumas das principais sedes da geofinança que, muito higienicamente, iam maquinando negócios e especulações que, hora a hora, afectavam a vida de milhões de homens. De um momento para o outro, alguns guerrilheiros suicidas, treinados pelos sucessivos Lawrences da Arábia dos nossos serviços secretos, e armados com canivetes, decidiram não obedecer ao guião do produtor e, invertendo a posição das armas, fizeram sair o tiro pela culatra, em nome ódio. Afinal, esta bela ordem mundial, procedente de Yalta, esta paz dos vencedores, imperialmente comandada, que durante meio século nos iludiu, inventou demónios fora de nós mesmos, dizendo que o inferno eram os outros, quando, afinal, eles estão dentro de nós mesmos e não serão exterminados se, muito cientificamente, apenas assassinarmos aqueles que pensamos ser os mandantes do crime. Uns falam no ataque à própria democracia, outros num confronto entre a civilização e a barbárie, numa eterna luta do mal contra o bem. Muitos tratam de justificar o horror, usando argumentos cobardes, com um pau de dois bicos que recordam Hiroshima e Nagasaqui. E alguns outros alibis se vão lançando. Repetem-se anedotas sobre a burrice de Bush, não se reparando que a presidência norte-americana é, sobretudo, uma instituição, onde, conta mais a pilotagem automática do que a interpretação do actor que a representa. Não faltam sequer os comunistas cunhalistas que retomam os tiques escleróticos de certos discursos da guerra fria. Sei tudo isto, mas não quero lavar as mãos como Pilatos. Prefiro sujá-las no apoio que conscientemente dou às instituições da república norte-americana e aos líderes incontestados do bloco de aliados a que me orgulho de pertencer. Mas não posso deixar de dizer, angustiadamente, que, para além da necessária acção de polícia reprimindo os prevaricadores, importa dar força a um mais eficaz direito internacional. O compreensível e necessário acto de polícia, capaz de lancetar o terrorista, não deveria ser qualificado como acto de guerra, dado que este último depende da incerteza quanto ao vencedor, joga na roleta do acaso e na incerteza do jogo de morte. Queria que a acção de punição fosse duradouramente eficaz, sem necessidade de guerra, que sempre foi um terror institucionalizado e legalizado, assente no esquecimento de muitas outras “twintowers”, onde quem com ferro mata com ferro morre. Prefiro Kant a Rambo. O tal acto punidor que se avizinha, visando eliminar os autores morais e materiais do horror a que todos assistimos, pode ser terapêutico, mas nunca será suficientemente preventivo se não houver coragem para a criação de uma semente de Estado de Direito Universal. Sugiro que os norte-americanos, em nome dos princípios da bela constituição que os gerou, adiram, agora, aos modelos do tribunal penal internacional. É evidente que o mundo, aqui e agora, não vai vencer o inferno e aceder à salvação, que só a eventual vida eterna e a paz dos santos nos pode trazer. Mas, porque não somos anjos, mas homens, que caem e se levantam, que pecam e se arrependem, também não somos bestas. O mundo é imperfeito, mas podemos aperfeiçoá-lo, criando instrumentos para um mundo menos mau, ao contrário do que proclamam os Hobbesianos, desesperados com o homem-lobo-do-homem, sempre em luta com os adeptos da utopia, à procura do bom selvagem. Apesar de não ser adepto do pacifismo da paz dos cemitérios, julgo que todas as guerras são inconscientes nos seus mortos. Em todas as guerras do bem contra o mal, mesmo quando o bem triunfou, sempre perdemos muitos pedaços de bem. Em todas as guerras, os guerreiros sempre contabilizaram, de forma utilitarista, que os actos de violência são menos violentos do que os estados de violência que se combatem. Tenho medo que o mundo entre em regime de loucura sem regresso, caso se opte pelo aventureirismo da Lei de Talião e o instinto de “cowboy” esmague o sentido do “rule of law”. Porque se os norte-americanos seguirem a puritana sede de vingança, sofrerão a frustração de não poderem cumprir os respectivos objectivos. Seria trágico cairmos na tentação do conflito de civilizações, de cruzadas contra guerras santas, onde cristãos e muçulmanos, se deixem enredar no fanatismo cego de todos os talibans e inquisidores que temos dentro de nós, mesmo quando satirizamos os diáconos remédios. O terrorismo é uma das raízes permanecentes das sociedades contemporâneas. Todos os agentes da Razão de Estado, que com ele, agora, se alarmam, já, outrora, o instrumentalizaram. Todas as ideologias justificaram guerrilheiros do bem contra o mal e elaboraram teorias de guerras justas, quando não de guerras santas. Só abandonamos as teses de Hobbes quando tememos que a violência destrua as flores do nosso quintal. Porque tem razão quem vence e nem sempre vence quem tem razão. Porque a terra de ninguém que separa o amigo do inimigo acaba sempre por ser uma espécie de jogo de soma zero, onde se anulam as virtudes os defeitos de ambas as partes. Há palavras que matam. Há silêncios que são cúmplices do terror. Há ideias com boas intenções que, quando mal interpretadas, nos podem conduzir ao inferno do terror. Já fizemos de milhares de mortes um registo de frieza estatística que guardamos nas páginas coloridas de uma revista. Já todos contribuímos para esse grande pecado que é a banalidade do mal. Mas não nos esqueçamos que, desta, só sairemos se combatermos o crime, não pela guerra, mas por essa anti-razão ao serviço da razão, a que damos o nome de direito. Prefiro Kant a Rambo. O primeiro é real, o segundo, uma figura da ficção.

Dez 18

E agora novos lobos

A crise portuguesa é muito como outras crises de outros europeus: esperamos que a onda cresça, vinda de fora, e nos arraste. Hoje, estão assim os nossos fascistas, sobretudo os fascistas cobardes ou encobertos, exactamente como estão os socialistas, com saudades do DSK, e os centristas, os efectivamente europeístas. Todos à espera da bela ordem importada e da morte da bezerra.

Releio Glucksmann: “Alemania está en plena enfermedad, y su interés por Europa no existe: solo les interesa su pequeña familia, Polonia, Países Bajos, la República Checa, la amistad rusa y el gasoducto de Gazprom. Desde la caída del muro, el egoísmo alemán le ha alejado todavía más del mundo, en realidad nunca han tenido una idea del mundo y creen que modernidad es igual a democracia, olvidando que en los años veinte y treinta ellos eran los más modernos, con Japón, y eso no se tradujo en democracia. Mientras tanto, Rusia se juega en el casino occidental el dinero del petróleo, y Sarkozy imita a Alemania: ellos les venden Mercedes, nosotros Mistral.”

Éclogas de Agora, livro proibido, de 1935, de Afonso Lopes Vieira: …
que nunca ao pé consinta
as cortesãs beatas,
os duques descarados,
os condes financeiros,

Éclogas de Agora, livro proibido, de 1935, de Afonso Lopes Vieira:

E agora novos lobos
com fereza gelada
devoram as ovelhas,
assaltam a manada,
mandando que nem brado ou voz se solte
por que não se importunem tais orelhas!…

Em França vai ganhar quem melhor fizer coligação negativa…no votar contra, porque o votar a favor é minoritário.

 

 

Out 03

O ensino superior à procura de bom senso

Que Deus queira, que o homem sonhe, que a obra nasça…

Instituto Francisco Sá Carneiro, 3 de Outubro de 2000

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

Não é certamente por acaso que a principal força de oposição ao actual governo decidiu promover, aqui e agora, no começo do último trimestre do século XX, no mês do cair da folha e do regresso às aulas, um colóquio sobre as perspectivas do ensino superior. Mas é certamente uma honra ter sido convidado para dar um testemunho, bem existencial e bem angustiado, sobre uma matéria que, dia a dia, professo.

 

Especialmente quando a sessão decorre sob o signo de uma instituição que tem Francisco Sá Carneiro como inspirador e onde o acaso das circunstâncias, e o escrever direito por linhas tortas, esse anti-acaso da necessidade que brota das convicções, dos valores e dos princípios, colocou na moderação do painel, o Dr. João Bosco Mota Amaral.

 

Senhor moderador e senhor Presidente do IPSD! Recordo-me que, um dia, V. Exª deu uma lapidar definição de Francisco Sá Carneiro quando o qualificou como alguém que tinha a vertigem do risco. Bela caracterização essa que, hoje, importa trazer a este tempo de moleza laxista, de carreirismo oportunista e até de sociedade de casino.

 

Porque Francisco Sá Carneiro era alguém que sentia a política como missão, como vocação, como apelo interior, e que, assim ancorado, era capaz de viver como pensava, sem pensar como iria viver. Porque estando de acordo consigo mesmo, ainda que parecesse em desacordo com o politicamente correcto das circunstâncias, assumia o risco do tudo ou do seu nada, visando actuar sobre a tirania do statu quo.

 

Na verdade, Sá Carneiro era o exacto contrário dos pretensos executantes da actual política da barganha, dos que, não tendo uma ideia de Portugal, da democracia, e do Estado de Direito, substituíram a estratégia pelo tacticismo, e, navegando ao sabor das circunstâncias do Estado-Espectáculo, chamam a esse vazio, compromisso e diálogo. Jamais podem ter o sentido pessoanp do Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Julgo ser este o pano de fundo onde se insere a questão que aqui nos trouxe: as perspectivas do chamado ensino superior, depois deste sofrer o terramoto da paixão guterrista, cujos últimos escombros estão patentes na já analisada lei de 23 de Agosto, pactuada entre o PS e o Bloco de Esquerda e que, nalgumas especialidades mais loucas, até recebeu o apoio em comissão de dois deputados do CDS/PP.

A entropia do nosso sistema educativo

Há algumas semanas, ainda antes de entrarmos no novo ciclo, escrevi um polémico artigo num semanário de pouca divulgação, onde lancei uma das raras farpas surgidas na opinião publicada face à condução da política educativa, então nominalmente entregue ao meu amigo e companheiro de geração Guilherme d’Oliveira Martins. Dizia então o que agora repito: sinto-me no dever de proclamar, quase à maneira de Guerra Junqueiro, que o nosso sistema educativo, caso se mantenha a actual entropia e o consequente lixo não incinerado, corre o risco de só poder dar alguma luz quando arder.

 

O comunismo burocrático da 5 de Outubro

E isto por uma óbvia razão: as adiposidades do comunismo burocrático da 5 de Outubro, esse inferno dos aparelhos inventados para o cumprimento das boas intenções dos nossos educacionólogos, avaliólogos e outros ornitólogos, continua a pautar-se por um dicionário autista, incapaz de se relacionar com o concreto das circunstâncias da vida e de servir os valores a que diz obedecer.

 

A nomenclatura dos reformadores

A culpa, apesar de não ter que morrer solteira, também não está, por inteiro, no Professor Veiga Simão, no Engenheiro Roberto Carneiro, no Doutor Marçal Grilo e em toda essa honrosa nomenclatura de reformadores, tão magnificamente sustentada pela excelência dos construtivistas vindos da Universidade de Lourenço Marques e que, como lobby reitoral, se fundacionaram misticamente, confundindo o público com o privado, para destruírem o privado que com ele não privatiza e concordatiza, ou que a ele não vai recorrer depois de, também por ele, ser entrameado, de acordo com a regra do pirómano bombeiro.

 

As fábulas do educacionês

Metaforizando, direi que a culpa está no educacionês que nos impede de dizer que o rei vai nu, e que, fábula por fábula, continua a a esgrimir os argumentos do velho, do rapaz e do burro, de tal maneira que o dito burro acaba por ser menos burro que todos os que lhe chamam burro, enquanto os velhos continuam a pensar que são rapazes e o rapazes, apesar da idade, são, talvez, mais velhos que os velhos, não sabendo que só é novo aquilo que se esqueceu e que o antigo é o moderno, de que o moderno há-de ser antigo, para vieirizarmos um pouco, nestes tempos em que os modernistas já são todos pós-modernos e os reaccionários pensam que são reformadores.

 

Um vazio de cultura geral e de senso comum

Com efeito, o sistema educativo insiste em laborar no preconceito que, já nos anos setenta, foi denunciado pelo meu querido Professor Guilherme Braga da Cruz: menospreza as virtudes da verdadeira sabedoria científica, esse espaço de conhecimento situado entre a metafísica e o bem senso, e, por isso, usa e abusa da hiper-departamentalização educativa, gerando inúmeros especialistas em casca de árvores que não conseguem compreender a floresta, com o consequente vazio de cultura geral e de senso comum.

 

Educacionólogos, avaliógos e outros ornitólogos

Se já tínhamos os educacionólogos, esses especialistas no cartesiano despedaçar da boneca, mas que, de análise em análise, nem sequer a essência do todo conseguem intuir, eis que, mais recentemente, inventámos os avaliólogos, abstractas entidades do mesmo género avícola, herdeiras do nosso ancestral inquisitorialismo, que, utilizando a técnica do pombalismo, do miguelismo, do devorismo, do positivismo, dos salazarentos e do gonçalvismo, por enquanto ainda sem cacete, se entretêm a escrever vários capítulos de uma nova Dedução Cronológica e Analítica, onde, apesar de não ousarem o estabelecimento de um novo livro único, invocam sacrossantos paradigmas ultrapassados, não percebendo que só é moda aquilo que passa de moda e não sabendo o que são revoluções científicas, conforme o manifesto do Thomas Kuhn. Porque os nomes nunca conseguiram fazer a coisa, eis que o hábito de reformador, mesmo que usado por um revolucionário arrependido, não gera, por si mesmo, o monge criador da ratio studiorum.

 

A luta de facções do educationally correct

E isto, para não falarmos nas fundacionais nomeações das comissões avaliadoras, onde, desrespeitando-se frontalmente o princípio da imparcialidade, se arregimentam os filiados numa facção científica dominante em certas escolas, para, nas conclusões do relatório, se elogiarem mutuamente os seguidores da regra carneiral e se perseguirem os concorrentes, eliminando o direito à diferença e a liberdade de ensinar e aprender fora da cartilha do educationally correct dos novos e iluminados candidatos a saneadores. Porque o segredo de seita ainda não é segredo de Estado, talvez não seja inconveniente perguntar se vale a pena sermos dominados pela geração dos doctorats de troisième cycle do Mai 68 e das passagens administrativas, que, muito carrilhamente, nos querem transformar no caixote de lixo das revoluções perdidas. Se, ao menos, lessem o que vem dizendo Luc Ferry…

 

Os custos do sistema

Liberalmente, direi que, com estes especialistas em sucessivas derrotas, o sistema não merece os custos que actualmente são suportados pelos contribuintes. Aliás, os educacionólogos criaram não sei quantos ministérios dentro do mesmo ministério, com uma série de círculos concêntricos de lobbies, onde, num piso, estãos os fiéis dos ministros reformadores já reformados; noutro, os devotos de certas maçonarias; mais adiante, os seguidores de algumas sacristias; depois, os comunistas, os laranjinhas, os cor de rosa e eventualmente um ou outro CDS, não excluindo os avençados e os quadros técnicos com escolares médias de suficiente-menos, convidados para professores das escolas que podem vasculhar.

 

Tentação burocrática e espírito retroactivo

Por seu lado, os avaliólogos, também marcados pela mesma tentação burocrática, estão a gerar uma espécie de contra-ministério só aparentemente colaborador do actual, onde abundam jubilados, reitores aposentados e políticos que querem ser pares vitalícios, os quais, depois de falharem como reformadores e gestores de universidades privadas, são agora chamados para, muito retroactivamente, mas sem feedback, avaliarem o que, antes, deformaram.

 

A dimensão decretina

Todos estão irmanados pela legitimidade da simples nomeação política centralista, assumindo a mera dimensão decretina. E muito positivisticamente, cumprindo o plano da revolution d’en haut, vão nomeando, de cima para baixo, os seus hierarcas, cobrindo gnosticamente, com o manto diáfano da ciência e da tecnoburrocracia (sic), meras decisões políticas e até de vindictas carreirísticas, mas sem que assumam a responsabilidade política dos que são eleitos. E tudo vão colorindo com o sofisma provinciano e terceiro-mundista dos convites a peritos ditos internacionais que nos países donde são provenientes ninguém conhece.
Contra a autonomia das escolas e a experiência dos professores

Essa fauna ornitológica, além de cara e inútil, começa a ameaçar a essência da chamada autonomia das escolas e a experiência viva dos professores que professam e ainda contactam directamente com a vida.
Se não invertermos o rumo do neomarcelismo que confunde terceira via com terceira idade e persiste em semear fantasmas, teias de aranha e gerontocracia na 5 de Outubro; se continuarmos a ter saudades do ministro Sottomayor Cardia e pena que António Barreto não se tenha guterrizado, só poderá haver uma saída para a autofagia: extinguir o actual Ministério da Educação.

 

Reformar os reformadores

Para que o sistema educativo continue aberto para baixo e para cima, para a realidade e para os valores; para que o ministério cumpra a sua paixão; e para que os ocupantes de tal pasta possam vencer a frustração de António Sérgio, basta que, com o conhecimento modesto de coisas supremas, se abram as janelas da descentralização e da devolução de poderes, mesmo que haja correntes de ar e algumas constipações. E terminava tal artigo, invocando Frei Bartolomeu dos Mártires em Trento: excelentíssimos e reverendíssimos reformadores, precisais de uma excelentíssima e reverendísisma reforma!
A lei de 23 de Agosto

Poucos meses volvidos, na sequência da remodelação governamental, voltei à carga, assinalando as consequências da lei de 23 de Agosto que consagra as doutrinas do Professor Doutor Vital Moreira e de outros anteriores hierarcas do PREC, os verdadeiros intelectuais orgânicos da Secretaria de Estado do Ensino Superior, os quais quase monopolizam a acumulação parecerística dos grupos de missão e das avaliações.

O regresso do gonçalvismo

Declarei então e declaro agora, sem papas na língua, que estamos a assistir a um reciclado regresso do gonçalvismo com muitos pontos de não retorno, onde as principais vítimas são os estabelecimentos de ensino superior privado, dado que muitos políticos do poder, marcados por um marxismo-leninismo de formação, continuam obcecados pela circunstância de certas figuras de direita terem sido as fundadoras e continuarem a ser as principais gestoras do sistema privado e cooperativo de ensino superior.

E o facto de algumas personalidades oriundas do salazarismo aparecerem a sufragar o processo, elas que não são propriamente “idiotas úteis”, apenas revela a inevitável aliança de colectivismos estadualistas de sinal contrário. Antiliberais de todos os quadrantes, uni-vos…
A anaciclose

Vamos, pois, entrar na anaciclose da política educativa, marcada por uma “paixão” proibicionista, estadualista e burocratista. Uma punição desproporcionada face ao desprestígio provocado pelos responsáveis do ensino superior privado, combalidos pelo chamado “caso da Moderna”, onde não soube distinguir-se o trigo do joio e onde uma hábil manobra tomou a parte pelo todo.

O colectivismo permanecente

O ambiente que denunciei constitui, sem dúvida, um excelente exemplo de “abertura à sociedade” da política governamental, que não tenho dúvidas em qualificar como padecendo do vício da falta de autenticidade. Não acuso, evidentemente, os titulares em causa de qualquer acto doloso. Digo apenas que alguns deles, devido a um defeito educativo de origem, nunca, do colectivismo, se desformataram, pelo que jamais poderão “compreender”, ou ter “intuição” da essência, da sociedade aberta, do pluralismo e do Estado de Direito, por muito que cantarolem as respectivas fórmulas.

A tirania do statu quo

Concluía em tal artigo que, perante a tirania do “statu quo”, me sentia pessimista. Para desfazer anos de investimento, bastou um acordo de bastidores em São Bento com um partido de trotskystas não arrependidos. Para construir, foram precisos muitos e pacientes anos. Julgo que certos sectores de Portugal voltaram a cair nas garras de revolucionários frustrados do Maio 68, os quais, usando heterónoma lixívia rosa, conseguiram apagar, do respectivo passado, anterior à queda do muro, certas práticas antidemocráticas a que se dedicaram no PREC.

A educação como factor de poder do Estado

Esta breve retrospecção de algumas das posições públicas que recentemente tomei servem apenas como pretexto para alguns tópicos mais sistematizados que aqui quero lançar.

Quero, em primeiro lugar, começar pelo mote inserto na carta-convite para este colóquio, onde, de forma incisiva se refere que a educação representa na actualidade um dos mais importantes factores de poder de um Estado; que o nível de formação dos cidadãos é proporcional á capacidade nacional de enfrentar os novos desafios do sistema internacional: e que o Ensino Superior assume uma importância crescente nesta evolução.

Infelizmente, tenho de reconhecer que, pelo menos a nível da política educativa, o modelo de Estado a que chegámos neste novo ciclo do guterrismo, depois do gonçalvismo, do soarismo, da AD, do Bloco Central e do cavaquismo, tende, cada vez mais a ser uma simples bissectriz de um paralelograma de forças, mas forças essas que os restos de factores nacionais de poder controlam cada vez menos.

Ora um pequeno-médio Estado como o português suicidar-se-á se não perceber que tanto são escassos os recursos financeiros de que dispõe para a formação dos seus intelectuais de alta competição, como também são escassos os meios humanos de alta qualidade que pode formar. Ora, a ausência de sentido de Estado no comando das finanças públicas e a ausência de humanismo na política demográfica levam a que tenhamos indíces de república das bananas terceiromundista quanto ao despesismo, à evasão fiscal e à corrupção, ao mesmo tempo que, pardoxalmente, adoptamos uma política populacional de novos ricos.

Por outras palavras, se, como efeito da democratização do ensino, aumentámos a quantidade dos candidatos ao ensino superior, verificamos, em cada ano que passa, como vai diminuindo o grupo dos que têm alta qualidade. Utilizando uma metáfora desportivo, diremos que está a acontecer ao ensino superior o que ainda agora sucedeu à nossa representação olímpica: em termos quantitativos e de despesas, tivemos o maior número de sempre; em termos de qualidade, um dos piores resultados de sempre (cerca de sete vezes menos que a Grécia). Também no ensino superior se passa algo de semelhante: estatísticas de luxo quanto ao número de alunos, mas assombrosa falta de qualidade, que quase roça a iliteracia quanto aos licenciados médios, com a consequente falta de produtividade em termos de mestrados e doutoramentos, onde continuamos a viver em níveis terceiromundistas.

Por outras palavras, gastamos demais face aos resultados que produzimos, dado que, com menos que fosse melhor, poderíamos atingir objectivos de excelência.

Eis, a meu ver, o primeiro dos vícios da nossa política educativa: a falta de uma ideia de Portugal e a falta de bom senso na gestão dos recursos escassos de que dispõe. Ora, sem metafísica nem senso comum, não é possível a ciência, conforme a inesquecível noção de ciência do nosso Antero de Quental.

Um ministério sem a instrução, sem o nacional, sem a cultura e sem a investigação
Utilizando outra metáfora, direi que o resultado deste duplo vício está na existência de um Ministério da Educação que não passa de um conjunto de escombros. Ele já não consegue ser o primitivo Ministério da Instrução Pública, da monarquia liberal e da I República, nem o velho Ministério da Educação Nacional, do salazarismo, e, pior do que isso, porque perdeu as amarras que, com o 25 de Abril o ligaram à Cultura e, depois, à Investigação Científica, não consegue entender a questão do ensino superior e, muito menos, a das Universidades.

O regime dos secretários da administração educativa

Reduzido a simples ministério da administração educativa, entre o pré-escolar e o secundário, (e não é certamente uma coincidência o facto dos dois últimos ministros terem sido promovidos a partir do cargo de secretários de Estado da administração educativa), não há paixão que resista à inevitável tentação burocratista e intervencionista.

A educação e a independência nacional

A formação de uma elite nacional, nomeadamente pela utilização do investimento público no ensino superior e na política de investigação científica, ainda hoje constitui um dos raros factor de poderes dos Estados Nacionais tanto face à globalização e à internacionalização da sociedade civil, como perante o processo de integração e de unificação europeias. Por outras palavras, sem uma ideia de Portugal que integre a política educativa na estratégia nacional, ou na defesa nacional em sentido amplo, não haverá independência nacional, isto é, independência do Estado Português e independência de todos e cada um dos portugueses.

Tratar o patriotismo de forma científica

Para tanto, importa tratar o patriotismo de forma científica, pelo que não basta a distribuição pelas escolas de kits com patriotismo enlatado ou discursos de requentado republicanismo maçónico. Aliás, Portugal não precisa de traduzir em calão o modelo de contrutivismo nacionalista dos Estados sem nação, ou dos Estados plurinacionais que querem esmagar minorias nacionais. Somos nação antes do nacionalismo. Somos nação antes de terem sido inventadas coisas tão abstractas como o Estado e a soberania.
Por isso não precisamos de traduzir republicanismos nacionalitários em calão.

Assumir o universal através da diferença
Como salientava Alexandre Herculano, os portugueses foram independentes porque o quiseram ser. Como acrescentarei hoje, os portugueses apenas continuarão independentes se uma formação individual lhes incutir essa vontade de quererem ser mesmo independentes.

O risco da terceiromundização

Portugal está a terceiromundizar-se em termos de ensino superior e sobretudo em termos universitários. E à circunstância não são estranhos cinco preconceitos que continuam a enredar o ensino superior:

(1) A estupidez do regime de numerus clausus, face aos nossos principais concorrentes em matéria de liberdade de circulação de pessoas, nomeadamente a Espanha e a França. Especialmente a Espanha que, muito naturalmente, aproveita o nosso vazio de ideias no domínio de uma política defensiva para assumir um nítido expansionismo cultural. Vejam-se as crescentes cadidaturas de jovens portugueses ao ensino superior espanhol, a onda de doutorados espanhóis que já ocupa lugares do nosso ensino superior, privado e pública, ou a autêntica fábrica de títulos de mestrado e de doutoramento que, em regime de hipermercado e de venda por correspondência, ocorre em certas zonas do país vizinho, ao mesmo tempo que continuamos a impedir que alguns jovens masculinos, em crise de adolescência, sossobrem face ao regime de competitividade de gineceu que surge em certas zonas do ensino secundário, onde também continuam a chumbar de forma massificada jovens portugueses de origem africana.

(2) A estupidez do neocorporativismo de certas ordens profissionais, lançando uma política absurda de restrições quantitaivas que acabam por defender os medíocres instalados contra o mérito dos mais novos

(3) A estupidez de um sindicalismo que dá cobertura à reivindicação dos incompetentes, onde se prefere a defesa de postos de vencimento sem produtividade, contra a da criação de novos postos de trabalho, num chauvinismo reaccionariamente gerontocrático.

(4) A estupidez da dupla formação profissional com a criação de centros para exames de mandarinato, quando, através de simples protocolos com as escolas superiores existentes se poderia melhorar a formação permanente ou estabelecer-se um programa integrado de creditação. Para não falarmos na ilusão do senhor dr. que impede o enraizamento do ensino politécnico.

(5) A estupidez de um modelo napoleónico de normaliens segundo o ritmo do Mai 68. Andamos a formar professores para que estes tratem de formar novos professores num ciclo de sucessivas intelligentzias que nunca sabem o que é a vida. Há cada vez mais professores de história, mais professores de filosofia, mais professores de literatura e mais professores de semiologia e cada vez menos historiadores, filósofos, literatos e de comunicadores. Como se muitas das actividades profisisonais não nascessem desse pequeno grande nada que é a vocação, desse pequeno grande nada que é a vontade. Como se não pudesse haver self made men, e portadores dessa centelha de génio que é a inspiração.

A necessária aposta numa educação personalista

Só com um suplemento de alma que permita a moralização da política é que podemos optar por um modelo educativo assente numa clara concepção do mundo e da vida que prepare os indivíduos para a agressividade de uma globalização selvática e uniformista. Só com uma educação personalista que reforce a dimensão individual e a dimensão social da pessoa, onde o nós está dentro do eu e onde cada eu tem de ser entendido como um verdadeiro centro do mundo é que podemos, pela educação moral e pelo civismo, reforçar o autocontrolo do indivíduo e semear a dimensão social do comunitarismo.

Daí que nos pareçam anacrónicos programas de educação cívica de matriz jacobina, excessivamente individualistas e excessivamente estadualistas, quando entendem a cidadania como simples diálogo directo do indivíduo com o Estado, onde a pátria aparece abstractamente solta. Quando importa fazer assentar a pátria noutras instituições comunitárias e dar-lhe o húmus da sociedade civil. Só através de valores personalistas e pluralistas, simultaneamente individuais e comunitários, poderemos evitar o processo de desenraizamente que anda inevitavelmente associado ao europeísmo e à globalização, de maneira que o bairrismo não expulse o municipalismo, e que o provincianismo não se volva num simples ódio da periferia contra o centro. Só desta forma poderemos lutar contra o colectivismo da personalidade autoritária eliminando os fantasmas do salazarismo, do comunismo, bem como os espantalhos do jacobinismo burgês.

Contra o legalismo e a corrupção

Mas o sistema educativo português, e principalmente o modelo de ensino superior, não peca apenas nos princípios. Falha também no domínio dos instrumentos, da metodologia. A começar pelo vício da elefantíase legislativa, com a consequente interpretação da lei pela via do hierarquismo da circular e a crescente irresponsabilidade do comunismo burocrático.

Quase todas as leis emitidas em Portugal sobre o ensino superior privado nunca foram cumpridas até à exaustão. Primeiro, porque o abstracto legislador nunca ouviu o avisado conselho dos que mais sabem teoricamente sobre a matéria e que por acaso até são os mais práticos. Ora, o pior que pode acontecer a uma lei é que os respectivos executantes, reconhecendo a impotência na passagem da vigência para a eficácia e faltando-lhe a cobertura da validade de uma lei justa, tratem de a pactuar pela barganha, abrindo necessariamente a porta à corrupção individual e institucional.

Por causa deste erro da política legislativa é que somos o quarto país mais corrupto da União Europeia. O que também deve ser verdade no âmbito da política educativa. Porque quanto mais proibicionismo emitimos, mais corrupção temos. Com efeito, os países onde melhor a dimensão pública da política educativa são aqueles onde mais importância o sector privado do ensino superior.

Se é verdade que quanto mais Estado, pior Estado, não é, contudo necessariamente verdade o laxismo do quanto menos Estado, melhor Estado, como muitos colectivistas interesseiros da nossa história acabaram por praticar.

Neste últimos anos de Portugal não é só no âmbito da política de segurança que, depois de uma aparente bonança de laxismo, se sucedem erupões cutâneas de ciclotímico furor de autoritarismo intervencionista e proibicionista, num ritmo quase esquizofrénico. Também na política educativa, depois de um largo período de “salve-se quem puder” desregulativo, onde foram sobretudo abolidas as regras da conjunta justa e se esqueceu que nem tudo o que é lícito é honesto, depressa chegou o regulamentarismo inquisitorial.

Contra o planeamentismo e o inquisitorialismo

Neste sentido, importa eliminar, de forma exaustiva, a mentalidade planeamentista dos burocratas da educação. Há que pedir ajuda a pais, professores, alunos e empregadores, sobretudo a quem vive a aventura quaotidiana das escolas, das aulas, da sucessão de gerações

Os burocratas ministeriais, sindicais e estudantis

A burocracia dos tecnocratas da educação, aliada à burocracia do corporativismo sindical e à burocracia do associativismo estudantil contituem as principais barreiras que nos desfocam a realidade da educação viva e vivida. Entre discursos abstractos, chavões de fotocópia e reivindicações repetitivas, continuamos a ser pautados por uma renda de bilros que nos embaciam o bom senso.

A consequência: um regime de sargentos verbeteiros

É neste ambiente que voltam a medrar os sargentos verbeteiros que apenas seriam ridículos se não se desse a tragédia de poderem alcançar as cadeiras governamentais, os quais fazem sempre perder as energias colectivas na construção de um grande ficheiro, esquecendo que hoje o Big Broter já não é escrito por Aldous Huxley mas pelas produções Teresa Guilherme.

Os revolucionários frustrados

Há também que atender ao facto dos revolucionários frustrados do Maio 68, que assaltaram lugares universitários no tempo do PREC, quando as passagens administrativas e o privilégio do não concurso público se conjugaram com o saneamento selvagem dos mais qualificados, terem agora concluído o seu termo nos domínios do cursus honorum universitário, ocupando muitos deles lugares cimeiros na estrutura de certas universidades públicas. Ora, muitos deles não perderam o sentido inquisitorial e pidesco do animal de horda e continuam a ter como modelo o voyeurismo da delação.-

Superar a falsa dialéctica público/privado

Finalmente, importa superar a falsa dialéctica público/ privado. Com efeito há que distinguir a titularidade da função e ter a humildade de reconhecer que uma entidade na titularidade de privados pode, na verdade, exercer funções públicas e que uma entidade na titularidade pública pode apenas encobrir interesses privados. Ora, sou capaz de dizer que parte significativa do sector público do ensino superior é bem pior que parte importante do ensino superior privado.

A aventura da qualidade

Não há universitário sem sentido de risco. Porque o universitário é aquele que, pela sua maturidade, conquistada pela concorrência pública, por um concurso público, fica habilitado a poder proferir juízos responsavelmente justos, sem necessidade de se acobertar na irresponsabilidade de uma qualquer remessa para o comunismo burocrático de um hipócrita à consideração superior.

Ser justo, avaliar pelo mérito é o preciso contrário da arbitrariedade, onde, dentro da legalidade, se estabelece um escalonamento, apenas susceptível de ser atacado por abuso de poder ou desvio de poder.

Libertação, liberdade e igualdade

Importa talvez recordar que a missão fundamental da educação é ajudar o homem a libertar-se por si mesmo e dentro de si mesmo; ajudar o homem a lutar contra a despersonalização do homem; transformar cada homem numa ilhota de subjectividade que só mediante a comunicação pode participar no ser (Gabriel Marcel). Só depois desta libertação é que a liberdade social é possível; só depois desta libertação é que a igualdade se torna realizável. Porque a igualdade, enquanto sinónimo de justiça, sempre foi o exacto contrário da inveja igualitária, dado que sempre impôs que se tratasse desigualmente o desigual.

Regresso à ideia clássica de universidade

Daí que a universidade, enquanto universitas scientiarum, deva ser o sítio onde se procura passar da mera opinião sobre todas as coisas ao conhecimento de todas as coisas, enquanto conhecimento do todo; onde se procura integrar o socialmente útil no sentido da existência do homem na sociedade e no cosmos; onde se procura passar da técnica à sabedoria, ajustando a alma ao movimento global do universo. A universidade, como a escola primeira, não é uma escola do saber fazer, mas uma escola onde apenas se aprende a aprender; onde cada um dos que nela se consideram formados obtêm o título de licenciados, de homens que obtêm licença para continuarem a estudar por si mesmos.

Conclusões um pouco metapolíticas

Nestes termos, deixem-me concluir de forma um pouco metapolítica:

1ºA principal riqueza de qualquer país está nas pessoas que constituem. A principal riqueza de Portugal está nos portugueses.

2ºCada português é um homem concreto que dentro de si deve descobrir e conquistar o homem completo. A função da educação é a de ajudar o homem a libertar-se da servidão. Portanto, ai da educação que vegete na mediocracia; que, desculpando-se com a quantidade, trate de diminuir a qualidade; que sob o pretexto da massificação, ponha o superior ao serviço do inferior; o transcendente ao serviço do rasteiro; seja o homem ao serviço de uma abstracção; seja a sabedoria ao serviço da técnica.

3ºSó pode ser autêntica uma educação que siga o lema pessoano do “tudo pela humanidade, nada contra a nação”. Dito de outra forma: só pode ser autêntica uma educação que atinja o universal através da diferença e que não esvazie o homem de história; que o não desenraize do chão físico da sua ecologia e do chão moral da sua história. Só podem ser iguais os que são dignos.

4º A escola não deve ser uma fábrica de saber fazer ou um mero centro de formação de postos de vencimento; a escola pode e deve ser tudo isso se antes for uma escola de cidadãos e um centro de comunicação de valores; isto é, deve ser uma instituição, onde os métodos estejam ao serviço dos fins.

5º Portugal empobrecerá, envelhecerá e injustiçar-se-á se, a nível do sistema de ensino, não se puserem os meios ao serviço dos fins; isto é, a escola ao serviço do homem; a técnica ao serviço da sabedoria; a organização ao serviço de uma ideia de escola.

Que Deus queira, que o homem sonhe, que a obra nasça…

Abr 14

Repertório Português de Ciência Política

Repertório Português de Ciência Política

O projecto de investigação tem, pelo menos, cinco anos de maturação e de lançamento de caboucos, bem como quase vinte e cinco de pesquisas parcelares.

Pretende agora lançar-se um sistema generalizado sobre redes informativas em matérias de ciência política.

 

A ideia de obra

O Repertório tem uma ideia de obra ou de empresa. Assenta num trabalho de Escola. Parte de trabalhos universitários típicos do cursus  universitário.

Neste sentido, não quer ser mais um grosso fratras de milhentas fichas cinzentonas, marcadas pela hiper-informação. Nem uma inócua e neutra base de dados, com muitos nomes e listas infindas de cronologias.

 

Forma final de apresentação

A forma de apresentação prevista para o resultado do trabalho é a do clássico abcedário. Prevemos a edição de cinco tomos com cerca de 2 500 páginas, utilizando o corpo 9 (cerca de 7,5 milhões de caracteres, sem contar os espaços).

Haverá cerca de 8 000 entradas autónomas e outras tantas remissões.

Um dos tomos será constituído por anexos com sistemas e listas informativas remissivas.

 

Dar colectivo à matéria

À maneira de algumas experiências estrangeiras, pretendemos colectivizar a matéria pelo recurso a um corpo de consultores que irão rever o material já preparado e aconselhar novas pesquisas complementares.

Nesse sentido, com consultores, pesquisas e revisores, entra-se-á na fase fundamental do trabalho de equipa.

 

Produto final

O produto final tanto se concretizará no clássico papel em cinco tomos, como através de

Uma edição electrónica em CD ROM.

Grande parte do material estará disponível on line pela Internet.

Aliás, parte do material da pesquisa já pode ser consultado em http://www.iscsp.utl.pt/cepp.

 

Edição electrónica

Visando a edição electrónica, importa agora o reforço do trabalho no âmbito informático, principalmente pela constituição de um banco de imagens, abrangendo:

Autores, aspectos gráficos de bibliografia, registos de acontecimentos e de simbólicas políticas, com a consequente:

Administração técnica e burocrática de um lote de material que estará disponível pela Internet.

Base de consulta pública

O acervo recolhido constituirá uma base de consulta pública, com especial incidência no âmbito pedagógico, tanto para licenciaturas e mestrados como para eventuais cursos de formação para a cidadania.

 

Conteúdo do Repertório:
As palavras e os conceitos

Inventário e pesquisa do léxico da ciência política, nomeadamente pelo recurso à etimologia e à evolução semântica, com indicação dos processos de recepção dos termos.

Determinação dos conceitos políticos, da vertente filosófica à análise sistémica, passando pela própria linguagem do direito público.

 

Pensamento Político

Bibliografia histórica: determinação bibliográfica do património comum civilizacional dos grandes autores dos nossos 25 séculos de civilização ocidental.

Listagem bibliográfica dos mesmos, com indicação das fontes primárias e das fontes secundárias e referência às bibliotecas electrónicas disponíveis.

 

Teoria Política

Listagem e análise dos principais autores por área cultural e por época histórica

Recensão breve das principais obras políticas. Cerca de quinhentas entradas.

 

Ideologias

Inventário das ideologias e do processo da respectiva difusão

Dicionário dos ismos e do subsolo das ideias que os organiza. Com indicação dos elementos emocionais e míticos que andam associados ao elemento racional.

 

Redes Informativas

Será estabelecido o processo das redes informativas da ciência política, especialmente no seu relacionamento com os actuais meios electrónicos

Classificam-se cerca de 5 000 sites, mas também se indicam de forma clássica bibliotecas, editoras, universidades, centros de pesquisa e associações profissionais.

 

Cronologias

Procede-se a um inventário cronológico de factos políticos, principalmente da história portuguesa contemporânea, utilizando-se o método do dia a dia (cerca de cinco entradas por mês desde 1820 no tocante à história portuguesa).

O processo estende-se especialmente à história do presente da segunda metade do século XX, com listas de factos da história europeia e do grande ambiente das relações internacionais.

 

Eleições

Faz-se uma listagem exaustiva das várias eleições parlamentares e presidenciais portuguesas, com indicação pormenorizada dos resultados e da distribuição dos mandatos.

Faz-se ligação ao processo das leis eleitorais e das relações com os governos, com indicação das principais medidas e debates ocorridos.

 

Governos

Será estabelecida uma exaustiva lista dos governos portugueses de 1820 à actualidade com indicação completa dos respectivos membros e tempos de duração.

Abranger-se-á as principais medidas tomadas pelos mesmos e as ligações às actividades parlamentares, bem como ao ambiente político geral.

 

Revoltas

Indicam-se todos os processos de revoltas, sedições e outras formas violentas de reacção ocorridas em Portugal desde 1820, procedendo-se ao respectivo inventário cronológico e sistemático.

As turbulências constituem, de facto, um normal anormal do processo político português, estando na base da dinâmica do processo político.

 

Partidos, movimentos e facções

Faz-se um inventário cronológico e sistemático de todos os partidos, movimentos e facções desde 1820 com indicação dos líderes e das principais actividades desenvolvidas.

Com efeito, ultrapassa-se em muito os partidos formais, procurando atingir-se os grupos de pressão, as facções e as próprias sociedades secretas.

 

Regimes Políticos

Inventário cronológico e sistémico dos vários situacionismos portugueses desde 1820, através do método da análise tridimensional do poder.

Analisam-se cerca de meia centena de regimes portugueses, estabelecendo-se os modelos de forma, imagem e sede do poder, com recurso aos grupos sociais e às influências externas.

 

Classe política

Inventaria-se sob a forma de processo individual a classe política portuguesa desde 1820, analisando o respectivo cursus honorum.

São estabelecidos linhas biográficas e curriculares fundamentais de cada um dos actores políticos portugueses.

 

Listagens bibliográficas

Para além da bibliografia histórica, com recurso a fontes primárias e secundárias e acessos a bibliotecas electrónicas, estabelece-se também

Cerca de 10 000 referências bibliográficas indexadas de obras de ciência política da actualidade.

 

Sínteses biográficas

Cada autor e actor referenciado é objecto de uma síntese biográfica de de uma lista bibliográfica. Sempre que possível reproduzida a respectiva imagem. Haverá assim um processo selectivo fundamental, visando ressaltar os elementos de ligação ao conteúdo politológico procurado.


 

Mar 16

Almerindo Lessa

Não fui aluno de Almerindo Lessa. Nem sequer tive a honra de ser um dos seus íntimos. Também não me ligaram a ele, em termos quantitativos, longas páginas daquelas agendas onde alguns têm a ilusão proteica de medir o tempo, nesta era da quantidade. Do mesmo modo, nunca nada lhe pedi, nem ele nada me deu, em termos da contabilidade de favores e serviços feudais, nesta sociedade de barganha corporativa feita de gentlemen’s agreements, mas sem gentry nem trust. Dele apenas tive o muito da intensividade e do qualitativo. Sobretudo, a intuição da essência, de ambos fazermos parte daquela corrente que nasce da mesma ciência de princípios e da mesma communitas amoris, que tenta cumprir idênticos sonhos. Se calhar aproximámo-nos por causa de Oliveira Martins. Por causa de Leonardo Coimbra. Por causa de Teilhard de Chardin. De certeza que por causa de Portugal. E desse sonho de Portugal que é o de cumprir Portugal, cumprindo. E de um sonho maior: o da unidade do género humano, daquilo que o mestre qualificou como abraço armilar, expressão que intercedi junto do Professor Carvalho Rodrigues para ser levada no primeiro satélite português, e que fisicamente foi lançada como semente de logos nesse quase supraceleste da estratosfera. Não estranhem, pois, que, muito politologicamente, comece por invocar um médico. Como médicos foram Aristóteles ou John Locke. Desses verdadeiros médicos, tão especialistas na análise que nunca acreditaram na pretensa ciência dos excelsos especialistas em cascas de árvore; desses que, sabendo tudo das ínfimas parcelas, recusam compreender o todo da floresta. Almerindo Lessa, discípulo de positivistas, ditos naturalistas da matéria, sempre andou à procura da metafísica, porque, ao bisturizar, nas entranhas do pormenor, o corpo do homem, chegou à conclusão que não havia conclusão, que só sabia que nada se sabia e que, portanto, importava procurar o mais além. Porque no fundo do corpo do homem, não deixa de existir o mais profundo dos mistérios da condição humana, o acaso e a necessidade do gene, do DNA. Por dentro das nossas coisas mais coisas até há o mistério do cosmos, o sistema geral feito para procurarmos sem o conforto das respostas, mas fazendo ainda mais perguntas. A matéria encerra a abertura à liberdade do espírito. Eis o porquê de Almerindo, aqui e agora, neste sítio de ciência política. Porque o homem não é apenas a soma dos rácios com a vontade. É também imaginação, simbólico, poesia mais verdadeira do que a história, história que vamos escrevendo sem saber que história vamos efectivamente fazendo, onde as acções superam sempre as intenções. Porque por dentro das coisas é que as coisas realmente são, esse um pouco de mais além que nos dá asa. Onde o eu nas circunstâncias pode mudar o determinismo das circunstâncias. Porque Almerindo ficou felizmente por cumprir, em nome desse sonho, queremos dizer Presente. Há os que da lei da morte se libertam. Porque, ousando olhar a morte de frente, isto é vivendo, tratam de procurar o impossível, acabando por semear eternidade nos outros que os vão vivendo. Ei-lo, portuense de raiz, desse burgo donde houve nome Portugal. Ei-lo descendo para o cais de Lisboa, praia de todas as partidas, mas para andar sempre a partir, vaga-mundo, das Franças e Brasílias, dos matos da América, às ruelas de Macau, da encruzilhada de Cabo Verde a sítios sem lugar, mas presos ao aqui e agora. Ei-lo, portuguesmente estrangeirado, sempre a nacionalizar as tendências importadas e a revivificar do passado mortos que nunca morrem, misturando cientificismo com o ardor da beleza, o estampido do extâse com a serenidade da palavra. Ei-lo, ensinando-nos muito epistemologicamente que não vale a pena descobrir o que já está descoberto nem inventar o que já está inventado. Ei-lo profundamente político, profundamente repúblico, a desprezar os maquiavéizinhos do essencial do Poder se configurar como o procurar manter-se. Entre monárquicos era republicano, entre republicanos, monárquico, quando havia monárquicos e republicanos, antes de certos republicanos se tornarem monárquicos de conveniências, antes dos monárquicos autênticos terem de ser republicanos. Ei-lo, conservador para revolucionários e revolucionário para conservadores. Porque não conseguia separar a honra da inteligência e o pragmatismo da aventura. Por iso preferiu ensinar filosofia a médicos, poesia a contabilistas e medicina a burocratas. Sempre sem o pretenso desleixo dos que pensam ser génios, ousou o perfeccionismo dos que consideram que a inspiração é feita de muita expiração. Porque o ora sem labora é tão impotente quanto o labora sem ora. Por todas as escolas onde professou, sempre semeou a heterodoxia a que ousamos continuar fiéis. E noutras escolas semeou o sonho de escola que outros hão-de continuar a tentar. Esse sonho de universidade como universitas scientiarum, onde o saber pelo saber tem de integrar e mobilizar o saber fazer, sem pôr o superior ao serviço do inferior. Perdoem-me um pequeno testemunho, de um simples e complexo episódio, um meorialismo sem literatura de justificação. Era nos idos do ano 1987, pouco antes da maioria absoluta de Cavaco Silva, ainda na era Delors, dos bons alunos. Na política portuguesa havia então a ilusão de um partido meio heterodoxo, ao que parece discípulo de Bartolomeu Dias. Um partido antipartido que a opinião publicada, sob o rigoroso controlo de uma central que apenas pretendia uma direita conveniente à esquerda e que taxava como ortodoxa uma entidade que tinha a coragem de esquerda de então se dizer de direita. Na altura havia fortes hipóteses desse grupo alinhar num governo de coligação, o que até era verdade, diga-se, mas essa minha gente de cépticos entusiastas parecia efectivamente mais entusiasmada em discutir a mais prática das teorias, a de procurar saber se Portugal valia a pena. Encarregado de dar corpo ao projecto ficou este que vos escreve, então muito jovem e hoje ainda com a mesma idade da ilusão. E lá se deu corpo a um colóquio com a pessoana invocação do cumprir Portugal. E por lá passaram, poucos dias antes de uma desastrosa campanha eleitoral, figuras tão apartidárias como António Quadros, Luís Forjaz Trigueiros, Lima de Freitas, João Maia, Agostinho da Silva e Almerindo Lessa, para só falarmos nos que já deixaram esta vida. Pois fiquem sabendo que, na imprensa, nem uma linha, quase. A excepção de Fernando Dacosta, honra lhe seja, apenas confirmou a regra. Enquanto outros do mesmo partido se ministerializavam, deputavam ou presidencializavam, este grupo de sensatos lunáticos tratava de procurar descobrir como podíamos cumprir o sonho de Portugal. Claro está que esse esboço de partido desapareceu no fragor de um derrota eleitoral e até acabou por ser dirigido por quem na altura era propagandista ao serviço do partido adversário. Apesar dos que se queriam ministerializar terem sido ministros. Dos que se queriam deputar terem sido deputados. Dos que se queriam presidencializar chegarem a candidatos a presidente. Evidentemente, que por outro partido, mesmo que no que diz ter o mesmo nome, mas que não é a mesma coisa. Claro está que tudo isto foi antes da queda do muro e de muitos outros muros. Os que queriam viver como pensavam sem pensarem como iriam viver, ficaram mesmo a só com a profissão de pensar. E quase todos deixaram a ilusão da política partidária. Mesmo alguns acabaram como acabam todos os que ficam de mal com el rei por amor dos homens e de mal com os homens por amor de el rei. Porque o universal é o local sem os muros, como dizia Miguel Torga. Tudo isto para recordar o que nesse colóquio professou Almerindo Lessa, misturando o lume da razão com o lume da profecia. Disse, por exemplo, que era urgente estudarmos a ecologia do homem português. O que, aliás, importa recordar nestes tempos de interregno em que muitos patriotorrecamente tanto falam em Portugal esquecendo que tal entidade só pode existir se viverem portugueses. Que tal essência de mátria só tem realidade quando se radica na existência de homens concretos, de carne, de sangue e de sonho. E Almerindo mais disse: que temos predisposição para sobrepôr o espírito à matéria; que temos tendência para a sobreposição da ideia de Deus à ideia do Ouro. E que para cumprirmos este objectivos revolucionários, até somos conservadores da tolerância, sobretudo no domínio racial, onde, por acaso, na Ilha dos Amores, ao regressarmos da Índia, até criámos um novo tipo de homem. E mais proclamou: que os homens até são animais filosofantes. E que só poderão filosofantear quando desenvolverem a investigação científica e adquirirem para tanto as tecnologias necessárias. O que passa por descobrir o que já está descoberto e inventar o que já está inventado. Mas onde a técnica tenha sempre uma cobertura ética. E mais profetizou: que uma nação que perca os seus mitos e lendas vai morrer de frio, concluindo que cumpre-se Portugal cumprindo. Cumprir Portugal, cumprindo, eis o lema do tal abraço armilar. Onde cumprir cumprindo também é ascendermos à unidade do género humano, título de outro colóquio, numa certa escola, a minha, realizado em 1965, onde Almerindo nos trouxe o crescer para cima e crescer para dentro desse outro mestre da heterodoxia chamado Teilhard de Chardin. Eis o imperativo que me levou a meditar sobre este mestre. Daquelas razões do coração que certa raison não conhece. Quando a razão, enquanto logos, ou discurso, também é coração. Emoção, imaginação, amor. E mais não digo. Que fique dito o que fica por dizer. Almerindo está aqui. Está aqui, ausente, presente, nesta comunidade de família e amigos, de mestres e discípulos. Mas nunca de seita. Sempre de homens livres. Para que continuemos a procurar. A morrer tentando. Para que, da lei da morte, nos possamos libertar. Semeando no poder-ser o dever-ser do que há-de ser e que não é. Que esperança é spera e sphera. Muito armilarmente. Porque ela nos foi dada por quem tinha como lema o pola ley e pola grey e mudou as tormentas em boa esperança.. Para, depois da Índia, continuarmos na senda da Índia que não há e não ficarmos desempregados à espera dos subsídios…

Abr 03

Crendo com todo o nosso ser, atingiremos o máximo da dúvida

Tomo como guia a recente publicação em Brasília de um inédito de um mestre destas viagens sem fim… Com efeito, o editor Victor Alegria deu à estampa um caderno inédito de Agostinho da Silva, numa belíssima edição, que inclui a reprodução do manuscrito: Reflexões, Aforismos e Paradoxos, Brasília, Thesaurus, 1999, com apresentação de Constança Marcondes Cesar. Impossível fazermos recensão formal destes escritos intemporais do Mestre, obrados em Lisboa, talvez em meados da década de oitenta, e agora editados em Brasília. Porque boa leitura é aquela que leia o que não há entre página e página da mesma folha (fragmento nº 138). Porque a matéria não deve andar antes do mestre (nº 231). Porque é possível que a imaginação espiritualize o poder.  Há que ingressar, de vez em quando, no tempo que vamos esquecendo. Que regressar a esse poiso que nos sustenta. Na tal imanência que é transcendência, no devagar regresso ao profundo silêncio da leitura daquelas obras que não têm princípio nem fim. E estes escritos de um português execedente de Portugal só podiam ser primacialmente editados no Brasil onde se sente Portugal à solta.  E li, de um sôfrego, tais linhas, longas demais para tão curto tempo, quando apetecia que a viagem destes quinhentos anos fosse devagar. Passo a passo, absorvendo as milhas, absorvendo as letras, sentindo o deslizar dos dias e das sílabas, a mudança da mente, a mudança do corpo, nessa eterna adaptação à alma do lugar. Infelizmente, recensão é corrida, desprezando o espaço, sem lugar para a procura do mais além, aqui. Agostinho, nascido em 1906, no Porto, terá morrido em Lisboa em 1994. A três de Abril, dia da Ressurreição. Por isso ressuscita sempre que, por dentro das suas palavras, ousamos renascer, ao integrá-las no movimento da vida, numa corrente de pensamento que nos faz estar antes e depois da nossa própria vida. E desta escola da Junqueira que o acolheu depois do exílio, ouso proclamar-me seu discípulo. Não apenas da pessoa, mas da tal corrente antiquíssima, intemporal, eterna, a que ambos aderimos, que ambos ousamos servir, porque é antes e depois de nós. Neste sentido, segue a presente recensão. Tão anti-recensão quanto esses escritos, originariamente sem título, me provocam. Da criação, vem o fenómeno. Da criatividade, o imprevisto. Pelo que importa descobrir. Porque o pensamento não só relaciona, mas cria (218). E todo o concreto vem de imaginar (230). E as obras primas são sempre capelas imperfeitas para os que vêm depois de nós continuarem a criação, confirmando o sublime de descobrirmos o que já está descoberto e de inventarmos o que já foi inventado, dando continuidade à angústia, à preocupação, à dúvida.  Bem precisamos, portugueses e brasileiros, de diálogos transversais que entendam esta nossa pluralidade de pertenças. E os pensamentos agora publicados são, de facto, novo hino à heterodoxia luso-brasileira, lusitana, lusófona, quase ibérica. Desse mais além de que Portugal foi simples agente, sem saber quem foi o verdadeiro autor do impulso que nos levou de partida, sem regresso (304). Porque também navegámos nas ondas de um mar interior que nos deu ensimesmamento e porque, para continuarmos a navegar, nesse navegar é preciso, temos de nos converter ao signo maior de um tempo que tem de ser. Esse comunitário amor universal que é diluir-nos em todos os outros.  Porque, quando a viagem nos faz peregrinos, eis que podemos ser romeiros de um sentido que transforma cada um dos nossos passos em missão. E todos os que são bafejados pela força desse sentido nunca terão um sítio que os limite. Em todo o mundo poderá haver a nossa terra. Viajemos, pois, com o sentido da viagem, sem a mácula daquele que tudo pensa poder captar porque apenas viaja para fazer suas preconceituosas sensações, já registadas por outros. Sem que lhe apeteça ser Pero Vaz de Caminha. Porque não se sente parcela da mudança, dessa tal viagem onde apetece cumprir livremente nosso destino. Quando importa sermos sempre os mesmos em qualquer lugar, mas convertendo-nos ao espírito da mudança. Porque, se formos desenraizados pelo preconceito da abstracção, apenas conseguiremos ver aquilo que é a confirmação das nossas próprias previsões. E tudo isto a propósito do último texto de Agostinho. Onde se diz da busca do Perfeito (3), do chamar Deus ao pensamento (4), de, contra ortodoxias e heterodoxias, proclamar o paradoxo (5), criticando o presente e projectando o futuro. Porque toda a história que vale é do futuro (9). Aliás, o permanente é arquitectar o futuro e nele ir transformando o presente (300). Porque, crendo com todo o nosso ser, atingiremos o máximo da dúvida. Porque se não há liberdade no homem toda a profecia é inútil (195). Eis o começo de uma viagem interior, que a direita dirá de esquerda subversiva, que a esquerda dirá de direita conservadora (308). Onde o panteísmo é amor daquilo a que outros chamam Deus. Onde o dito anarquismo é verdadeiro regresso da política, da procura da ordem que deve ser contra a desordem instalada. Onde até Portugal é o universo, porque, no ínfimo da semente, pode estar o sinal do largo horizonte. Porque no átomo, no microcosmos tem de mimetizar-se o cosmos, se o cosmos for um macro-antropos, se o homem for um micro-cosmos. Porque vale a pena sonhar que um dia nada será de ninguém (30). Nesse mais além onde deixará de haver governo exterior, quando nos governarmos a nós mesmos (31).Quando dissermos que não há liberdade minha se os outros a não tiverem (50). Até porque seremos mais nós, quando a loucura nos inspirar e a razão nos exprimir (47). Para tanto, há que perspectivar a política ao contrário, não a virando de cabeça para os pés, mas pondo-a, novamente, com a cabeça por cima dos pés, sem rebaixarmos os fins. O que sucederá quando ela deixar de ser a arte de obter a paz por meio da injustiça (62). Quando a justiça der paz, quando a paz nos der justiça. O que não basta.  Porque, depois de chegarmos à Índia que vem nos mapas, temos de querer ir além da Tapobrana, em busca da Índia que não vem nos mapas, para podermos ser premiados com a Ilha dos Amores (133), a utopia portuguesa que é uma anti-utopia, porque tem lugar, tem aqui e tem agora. Esse depois da viagem de comércio e de guerra, quando há o repouso de um momento sem tempo e de um lugar sem espaço (327). Onde posso mudar se me penso mudado (335). Esse império sem império que vem depois das políticas apenas cartografáveis e geometrizáveis, dessas que exigem fronteiras, outros, ameaças, inimigos, momentos excepcionais que nos soberanizem e desumanizem. Anarquista? Sim, mas sem inveja. Porque além da classe dos que têm e da que se lhe opõe (isto é, os que querem ter, e não necessariamente os que não têm), há uma terceira: a dos que podem ter e não querem ter (141). Porque cada indivíduo tem de governar-se a si próprio, sendo sempre o melhor que é; porque tudo tem de ser de todos (324). Contra o capitalismo, economia comunitarista. Contra o cesarismo, democracia directa. Contra o inquisitorialismo, educação pela experiência da liberdade criativa, sociedade de cooperação e respeito pelo diferente, metafísica que não discrimine quaisquer outras, mesmo que pareçam antimetafísicas. Uma análise do poder que finge não ser análise do poder. Porque a política é louca quando parece certa, enquanto a teologia está certa quando parece louca (159). Uma fidelidade à verdadeira ciência que finge parecer não científica, quando reconhece que a ciência apenas cresce quando regada de ironia, coragem e paixão (179). Homem destes não poderia criar instituições. Apenas movimentos. Corrimão ou muletas que ajudem os outros a caminhar. E esse homem foi, muito simbolicamente, o primeiro responsável pelo Centro de Estudos Luso-Brasileiros desta escola da Junqueira. Num acaso que tem de ser convertido numa necessidade. Depois, Agostinho sonha Portugal. Que trouxe o de fora à Europa e que agora tem de levar para fora a Europa (63). Um Portugal, como planta destinada a povoar a terra que ousou ser tudo, para não ficar em simples nada (266). Um Portugal que, depois do ciclo do Império terrestre, não pode ser simples sobrevivente (269), preso apenas às brumas da memória, minguado no presente e sem saudades de futuro. Quando tem de continuar a lançar sementes que germinem pelo mundo (301). Porque é dever do mestre fazer com que seu discípulo seja o que é; para o transformar nele mesmo, só tem que deixá-lo ir sendo, consigo e todos e tudo aprendendo o que é; e, a cada experiência com ele o mestre reflicta. Eis-me, portanto, parcela desta viagem, por acaso parte de uma viagem que apetece, deste cumprir livremente a missão e o destino que nos são propostas”. Quanto à homenagem que gostaria de fazer na próxima segunda-feira na escola, juro que, se pudesse mobilizar gente, não admitiria nenhum discurso. Juntava a malta do ISCSP, da Veterinária e de Arquitectura e a multidão de professores e alunos assim reunidos iria dar uma volta peripatética pelo bosque de Monsanto, diante da barra do Tejo, e, parando na Rotunda da Universidade, semearia um pinheiro manso no centro do relvado, recordando Brasília. Apenas desfraldaria um cartaz de linho onde colocaria a seguinte frase: “A fonte do poder não é, para portugueses, nem delegação de transcendências, nem figuração de imanências, nem contrato ou consenso; a fonte do poder é a unidade essencial do homem, da paisagem e do sonho que numa e noutro anda; o poder emana das aldeias no curtido das faces, na aspereza das rochas, no fumo das lareiras, no mugido dos gados, no escampado horizonte, na imobilidade e no gesto, no silêncio e na palavra; o primeiro elemento é o do homem e o seu chão e o seu cão; depois se forma a aldeia, ainda pequena e desvalida para ser política; mas com o município a primeira república se forma e sobre ela tudo o resto se tem de modelar; a Federação começa aqui;com a junção das economias aldeãs; a catedral começa aqui; com esta pedra de muro ou este ladrilho de piso; conhece a nau seus primeiros redemoinhos nas águas bravas do cabril; e é o primeiro Reino o deste Rei, com o seu chão e o seu cão; repeti-lo não sobra”

Out 30

Macau: na procura do abraço armilar

MACAU: NA PROCURA DO ABRAÇO ARMILAR

 

Comunicação apresentada no ISCSP

30 de Outubro de 1997

©José Adelino Maltez

 

Macau, uma cidade-península com imprecisa superfície (4,8 km2 há oitenta anos; cerca de 7 km2, nos dias de hoje), quatro quilómetros no seu comprimento máximo, 1690 metros na sua maior largura, sobre um chão em movimento expansivo, dito, até há bem pouco, política de terras, onde os aterros vão secando as baías, as pontes atravessando as águas e os istmos destruindo as ilhas, numa confusão entre a terra e o mar que também leva àquelas águas turvas das interpenetrações do poder burocrático com as forças vivas do negocismo, mercê da especulação imobiliária e da consequente compra do poder, para não falarmos nas areias para os aterros trazidas da vizinha China, de onde também vêm os principais compradores dos prédios que se vão construindo.

Terra habitada por uma gente, ancorada ou flutuante, documentada ou ilegal, onde os extremos se reconciliam (Benjamim Videira Pires), onde os nossos (amicus, Freund) – portugueses ou chineses, conforme a perspectiva – sempre se misturaram com os bárbaros (hostes, Feind) – nome que todos os que se consideram o centro do mundo vão dando aos outros – desfazendo as teses de Carl Schmitt sobre a essência do político e pondo em causa aqueles que continuam a pensar as comunidades políticas dando primazia quase ontológica ao chamado instinto territorial e à necessidade de um espaço vital. Chão de sonhos, onde nós e os outros nos descobrimos pela amizade (poema chinês do século XVIII), mas também sítio de muitas perdições, essa Sodoma de vaidades, corrupção, jactância, prostituição e desvario, esse paraíso do jogo, dos jogos eróticos e dos próprios genes.

Tal local foi por nós chamado, em primeiro lugar, Amagao, e recebeu, depois, entre outras, as sucessivas designações de Porto do Nome de Deus, de Povoação do Nome de Deus de Amacao na China, até atingir o qualificativo de Cidade do Santo Nome de Deus (1585), a que se acrescentou, em 1642, o título de Não Há Outra Mais Leal. Está prestes a ser Região Administrativa Especial de Macau, sujeita à soberania da República Popular da China.

Um conjunto territorial a que, depois da Guerra do Ópio e de Ferreira do Amaral, acresceram mais cerca de 10 quilómetros quadrados das ilhas da Taipa (desde 1847) e de Coloane (desde 1864) e que foi sendo objecto de várias adjectivações político-jurídicas, conforme as modas reinantes em Lisboa, em termos de concepção do político e da linguagem do chamado direito internacional, quando este era fundamentalmente um direito colonial comparado. De assentamento a cidade, de estabelecimento (textos constitucionais de 1822, 1826 e 1838) a domínio (expressão do Acto Colonial de 1931), de província ultramarina (designação da lei ordinária de 1836) a colónia (expressão oficial, a partir de 1910), para voltar a ser província (revisão constitucional de 1951), até que, em 1976, de forma neutral e provisória, mas ainda sem data marcada para a saída, ficou apenas território. Porque, conforme a paráfrase do último deputado de Macau em Lisboa, Diamantino Ferreira – eleito em 1975 para a Assembleia Constituinte –, vivíamos num chão emprestado e em tempo emprestado. Com mais rigor internacionalista: território chinês, sob administração portuguesa.

Diremos que, hoje e desde o primeiro quartel do século XIX, Macau é uma cidade de matéria esmagadoramente chinesa, mas assente numa polis que os portugueses, depois de inventarem, quase a partir do nada, deram forma. Aliás, actualmente, nos talvez 400 000 habitantes do território, os portugueses que não são considerados chineses pela lei da nacionalidade da República Popular da China – reinóis, ou metropolitanos, e macaenses ou filhos da terra – não representam mais do que uns restritos 3% do total, apesar de haver cerca de 180 000 passaportes nossos. Deste modo se inverteu uma relação que ainda era de paridade entre comunidades étnicas no ano de 1800. Neste ano, existiam apenas cinco mil chineses no território, mas o número cresceu, logo em 1825, para 18 000, atingindo-se, no último quartel do século XIX, os cem mil. Nas primeiras décadas deste século deu-se novo desequilíbrio, com 145 000 chineses em 1920 e 200 000, um lustro volvido. Isto é, as convulsões internas na China, de guerras civis ou exteriores a mudanças de regime, transformaram Macau num lugar de refúgio ou numa porta aberta para o restante mundo. Ontem, hoje e talvez depois de 1999, Macau continuará a ser sítio de procura por todos os chineses que pretendem mudar de vida, isto é, por todos aqueles que, dentro do mesmo país, tratam de encontrar outro sistema.

Porque, antes de chegarem os homens de longas barbas e grandes olhos – esses bárbaros que comiam pedras (pão) e bebiam sangue (vinho), ainda por cima, utilizando as mãos … –, apenas existiam uma inicial aldeia rural, dita Mong Há Chun, e uma pequena aldeia de pescadores, A Van Kai, dando-se ao conjunto o nome de Ho-Keang (baía do espelho em forma de concha) ou Ou-Mun (porta da baía do espelho de mar).

 

Eis uma pequena cidade, quase um pucarinho de barro que ousou aconchegar-se no seio da gigantesca panela de ferro que sempre foi a China e que, entre 1841 e 1997, viveu acompanhada, no outro lado do delta, a 65 quilómetros, pelo couraçado e dourado pote da colónia britânica de Hong Kong.

Macau, cidade que alguns, entre os portugueses da Europa que conjugavam de forma colonial o verbo ter, sem perceberem o ser, julgaram nossa, mas onde, apesar de tudo, ainda hoje vão tremulando, ao sabor das brisas, dos tufões, das cíclicas monções e dos inesperados sismos, com intervalos de longas e abafadiças calmarias, tanto a bandeira das quinas como a formal soberania da República Portuguesa. Contudo, para além dos portugueses reinóis e dos filhos da terra, pouca gente se encontra que saiba usar o nosso linguajar, que aqui parece uma pequena casca de nós navegando no gigantesco oceano de chinês. Acresce que, para um português comunicar com um chinês, precisa, muitas vezes, de utilizar o inglês, do táxi ao hotel, do restaurante ao próprio comércio mais recente.

Vão longe os tempos em que, entre portugueses e chineses, se trocavam palavras, quando recebíamos expressões como chá e pinga, mas deixávamos pão, tomate, amigo e adeus, para não falarmos de algumas influências na designação dos dias da semana. São também antiquíssimas as memórias, segundo as quais, da China, nos chegaram a bússola, a pólvora, o chá, as tangerinas (ou mandarinas, em castelhano), a açucena, os crisântemos, as camélias, as esteiras, etc., dando-lhe nós em troca o milho, o amendoim, a batata doce, a alface, a couve, os agriões (ainda hoje lhe chamam a hortaliça de Portugal), a mandioca, a papaia, a anona, o ananás, a goiaba, a azeitona, o vinho, o café, o leite, o queijo, a manteiga, a maçã, as uvas, o tabaco, a melancia, etc., para não falarmos de uma galinha à portuguesa que, afinal, veio de Malaca.

Depois de quase cinco séculos, para além das efectivas consequências desse pioneirismo português nas relações entre os europeus e os chineses, ficam muitos ses sobre tal processo. E se Pequim se tivesse convertido ao catolicismo, sinificando-o? E se os jesuítas não tivessem sido expulsos pela fobia do Marquês de Pombal? E se Portugal tivesse tido forças, vontade e conveniência para o alargamento territorial de Macau, depois de 1839? E se Sun Iat Sen ou Mao Tse Tung tivessem acabado de vez com a administração portuguesa do território? E se Hong Kong nunca tivesse existido? E se o aeroporto tivesse sido construído nas décadas de sessenta ou setenta? E se houvesse um porto de águas profundas? E se existissem mais portugueses a falar chinês e muitos mais chineses a falarem português? De pouco valem estas conjecturas. Vale mais deter-nos na ditadura dos factos e na força dos sonhos, assentes nas estacas da realidade…

Aqui, onde Luís Camões terá passado e Bocage desesperou, aqui, onde Camilo Pessanha viveu, eis esta cidade de Macau, que, no dia 20 de Dezembro de 1999, se integrará, pela primeira vez na sua história de mais de quatro séculos, na soberania do Estado chinês, quebrando-se assim aquele ciclo imperial português, iniciado em 1415, com a conquista de Ceuta, onde, sob administração espanhola, as bandeira das quinas continuará, aliás, a flutuar.

Macau, onde, manda a humildade, que reconheçamos a nossa pequenez actual em termos de influência política e de capacidade económica, mas onde também não podemos esquecer a grandeza quase mítica de uma singularíssima história de relações com o Oriente, que ainda permanece tanto nalguma cultura portuguesa de feição universalista como em certa capacidade de relacionamento humano. Esse abraço armilar, segundo a qualificação do saudoso Almerindo Lessa, que, sendo passado presente, tem que continuar a mobilizar a nossa saudade de futuro.

Macau, a beleza de Macau, esse encanto que nos vem das memórias e das sensações de cumplicidade pátria, numa terra onde, paradoxalmente, a esmagadora maioria da população é chinesa e cujo vulgo ainda nos vê de forma indistinta, como meros ocidentais, pouco diferentes de britânicos, americanos e outros mais.

Macau, terra que não é possível conhecer numa simples visita que apenas dure uma semana. Terra que nem sequer pode chegar a conhecer-se com anos de permanência, se não ousar compreender-se o seu mistério. Terra a que, aliás, só pode aceder-se através de uma espécie de osmose, passo a passo, descobrindo, todos os dias, novos recantos, novas ruelas, novos pátios e, sobretudo, novas gentes e novas contemplações. Terra que não se entende se a tentarmos detectar pela lufa-lufa do stress turístico, nesse percorrer de lugares que todos temos que ver, para aí registarmos a nossa presença física, através de uma fotografia. Macau tem que se apreender pela vivência do quotidiano, deixando escorrer o tempo, sorvendo, pouco a pouco, o seu mistério.

Eis Macau, um processo ingenuamente democrático, de acordo com as mais íntimas, mais antigas e mais autênticas concepções portuguesas do poder político. Com aquilo que Jaime Cortesão imorredoiramente qualificou como os factores democráticos da formação de Portugal. A comunidade precedendo o governo, a assembleia que aparece antes do executivo, o concelho que precede a câmara, isto é, a adopção daquele princípio fundamental do processo democrático, segundo o qual o principado, ou governança, deve ser uma emanação da república, ou comunidade. Macau transformava-se assim naquilo que Almerindo Lessa qualifica como a primeira república democrática do Oriente. Aliás, o citado Cortesão, comentando a vitória de Macau sobre os holandeses, em 1622, considera que a causa da mesma esteve na origens e na organização social e política da cidade, fundação urbana puramente democrática, e que aproximava Macau, sob esse aspecto, dos grandes burgos medievais.

As teses negativistas sobre a presença portuguesa em Macau, confundindo a parte com o todo, mantêm, aliás, uma certa lenda negra sobre a dinastia de Aviz, não entendendo essa linha de criatividade universal que, depois de ter sido precoce no estabelecimento do reino – essa novidade dos séculos XII e XIII que leva à restauração da autonomia do político contra o império e o patrimonialismo feudal e que, aliás, foi feito à imagem e semelhança do concelho –, assinala um processo de expansão, num crescendo que vai da esfera armilar, de D. João II e de D. Manuel I, ao quinto império da geração do padre António Vieira.

De fora, colonialmente, só vêm o governador ou capitão (o militar) e o magistrado (o poder judicial), mas ambos passam a depender do jogo de poder local, até porque a segurança só pode pagar-se com os financiamentos mobilizados pelos residentes e com o conhecimento profundo das circunstâncias que os mesmos, juntamente com os missionários, detêm. Por outras palavras, o distante poder central fica condenado a confirmar e a conformar aquilo a que localmente se vai dando matéria.

No entanto, a distância dava o símbolo unificador e nunca a autonomia local se fez contra o nome de Portugal, o rei e a própria Igreja, dado que a lealdade a tal via de acesso ao universal constituía condição sine qua non da própria ontologia do estabelecimento.

Antes de receber foral, a terra já passara de estabelecimento, ou assentamento, a povoação e, desta categoria, a cidade. Porque, primeiro, chegou a solidariedade horizontal da Misericórdia e do hospital e só depois se fixou a fronteira.

A pequena polis que recebeu o nome de uma prévia deusa local, logo construiu uma igreja, primeiro de madeira e, depois, de pedra, confirmando-se assim o predomínio do animal de trocas, materiais e espirituais, sobre o animal de guerra.

Uma perspectiva que já em 1547 era reconhecida por um funcionário chinês, Lam Hei-Yuen: os portugueses não invadiram as nossas fronteiras, não mataram a nossa gente, não nos roubaram e os chineses desejam comerciar com eles.

Aliás, nas relações com a China, os portugueses de Macau, como salienta o Padre Benjamim Videira Pires, no seu magnífico trabalho de 1988, Os Extremos Reconciliam-se, continuando uma imagem do Padre António da Silva Rego, em vez da postura do antes quebrar que torcer, sempre tiveram uma política de flexibilidade como a do bambu, que dobra, mas não quebra, onde torcemos sem quebrarmos. Por exemplo, em 1573, quando foram levantadas as Portas do Cerco, nunca tivemos nelas ameias guarnecidas com peças de artilharia nem outros fortes anteriores voltados para ela. As bocas dos canhões sempre estiveram voltadas para o mar, de onde poderiam vir os piratas e os salteadores, principalmente os nossos aliados cristãos e ocidentais…

As circunstâncias impunham-se, até porque os chineses facilitaram o assentamento em tal local, considerando-o como um mal menor, preferindo um porto cercado de terra china por todos os lados e, aliás, frequentado por piratas, do que uma ilha isolada e mais distante de terra, donde poderíamos desferir ataques com a flexibilidade e a força dos nossos navios. Assim se cumpriram os clássicos preceitos da arte da estratégia, segundo os quais as potencialidades podem tornar-se vulnerabilidades e as vulnerabilidades, potencialidades.

O gigantismo da multidão dos chineses, que não tinha a tecnologia dos nossos navios nem as nossas peças de artilharia, preferiu remeter-nos para um porto interior, fazendo-nos depender do abastecimento de víveres e água, e das ameaças de embargo sobre o sal, de encerramento do comércio, da saída dos chineses residentes e do mandar a pique os nossos barcos estacionados no porto. E nós, fechada a hipótese de utilização da força dos soldados, tivemos que usar dos factores imateriais do comércio, da religião e da cultura. Da mistura dessas forças e fraquezas, nossas e chinesas, nasceu Macau, condenado, desde sempre, ao diálogo de culturas e à mistura de civilizações, para não falarmos do cruzamento de genes, ficando-nos uma cidade cheia de semi-portugueses e de semi-chinas, e que, pelo menos, durou quatro séculos.

Em 1614 o Vice-rei de Cantão Chang Ming-Kan, em memorial apresentado à Corte Imperial ainda salientava: alguma gente é de opinião que os portugueses devem ser afastados para Lang-pai ou apenas autorizados a comerciar connosco a bordo dos seus navios, que devem permanecer em mar aberto. Na minha opinião, não devemos recorrer à força das armas sem pesar devidamente as consequências. Uma vez que Macau se encontra dentro dos limites do nosso país … sabemos como colocá-los às portas da morte ao primeiro sinal de deslealdade. Mas se os empurrarmos para o mar aberto, como podemos castigar os malfeitores estrangeiros e como podemos mantê-los submissos e defender-nos contra eles?

Um processo democrático que foi, muitas vezes, objecto de incompreensões pelos que como tal se proclamavam em Lisboa, principalmente a partir de 1820, quando os radicais liberalistas, confundindo tradicionalismo com absolutismo, sem perceberem que, muitas vezes, continuavam absolutistas, trataram de usurpar a plurissecular autonomia das instituições locais de autogoverno, comprimindo as liberdades e os privilégios foraleiros do Senado, quando substituíram as entidades eleitas por funcionários de nomeação e usaram, quase exclusivamente, do poder de um delegado militar do poder central, o governador, essa entidade que efectivamente estava ligada à qualificação que os chineses lhe davam de cabeça de soldados.

Macau, que fora obra de comerciantes, navegadores, missionários, degredados e aventureiros, onde sempre faltaram os soldados, acabou por ser dominado, neste último século e meio, por oficiais graduados em políticos. Até porque alguns políticos para lá despachados, não raras vezes, trataram de servir-se, em vez de servirem, comissionando o que devia ser missão…

A partir do Marquês de Pombal e com os decretos de Joaquim António de Aguiar chegou a vaga do anticlericalismo, comprimindo e quase liquidando essa forma de extensão do poder português que era actuada pelas congregações religiosas, não faltando sequer que o poder lisboeta despachasse representantes das nossas associações secretas como delegados do poder central, que, brincando com o fogo das seitas chinesas do mesmo teor, quase conduziram ao desastre da nossa presença.

Mais recentemente, alguns prosélitos portugueses de ideologias exóticas tentaram um abandono em nome do internacionalismo, como se fosse possível ensinar o padre nosso ao vigário, isto é, ao universalismo tradicional de chineses e portugueses. Para vergonha da cabeça do Império, mas para bem do nome de Portugal, valeu-nos a fidelidade, o sentido de honra e o respeito pelo princípio da continuidade das instituições históricas, manifestado por alguns filhos da terra e outros tantos chineses, bem como as excepções de alguns enviados de Lisboa, que conseguiram, apesar de tudo, vencer as tormentas do PREC e aquelas desditas corruptas da pós-revolução que procuraram em Macau algumas prebendas e outras tantas postas para o sôfrego clientelismo dos detentores do poder lisboeta.

O plano que pretendia integrar a variedade e a diferença de Macau num todo unidimensional, sujeito a modelos imperiais alienígenas, não podia ser concretizado e vinham ao de cima os métodos tradicionais da nossa diferença. Aliás, as seitas chinesas logo arranjaram uma lucrativa actividade, quando, a partir de Macau, organizaram o célebre tráfico dos cules, a emigração, mais ou menos forçada, de mão de obra chinesa para a Malásia, Bornéu, Austrália, Cuba e América do Sul, ao mesmo tempo que continuavam outros contrabandos, incluindo o do ópio. Refira-se que o tráfico de cules, começado em 1851, durou até 1873, constituindo uma fonte extraordinária de rendimentos para o território.

Macau continuava um acaso nascido de uma efectiva e profunda necessidade. Em Macau, os portugueses reinóis, os filhos da terra e os chineses residentes iam fazendo história, sem saberem da história que iam fazendo, para parafrasearmos Alexis de Tocqueville. E, obedecendo àquele instinto que manda submeter-nos para que sobrevivamos, ao mesmo tempo que impõe que lutemos para continuarmos a viver, contornaram a revolta dos Taipingues e dos Boxers, o turbulento processo da implantação da república na China, bem como as posteriores guerras civis e a própria instalação do maoísmo.

Julgo que só com o esotérico das esperanças de Portugal no futuro do mundo podemos entender o percurso de Macau, esse supremo hibridismo que tanto se mostrou legítimo como eficaz. Esse resto do Primeiro dos Impérios que os portugueses, continuando Alexandre, puderam edificar. Esse milagre que se foi tecendo por conclusão, onde as virtudes públicas aconteceram, mesmo quando assentaram em vícios privados.

Não concordamos com Gilbert Durand, quando este salienta que o sebastianismo é … uma espécie de quixotismo lusitano que afirma a surrealidade do sonho em que vive um povo contra as mesquinhas verdades do Sancho Pança, dado que, muitas vezes, chegámos ao sublime do Quinto Império, utilizando as próprias manhas do Sancho Pança, que sempre ousámos a aventura sem desdenharmos o pragmatismo.

A história Macau é um excelente laboratório que prova este escrever direito por linhas tortas segundo a política da flexibilidade do bambu. Figuras controversas, como o Ouvidor Miguel Arriaga, fazem parte de uma galeria, ainda recentemente continuada, onde se demonstra que podem ser atingidos objectivos patrióticos sem limpeza de mãos, havendo também o inverso, isto é, impolutos e garbosos servidores públicos que fracassaram por serem de antes quebrar que torcer.

E valerá a pena recordar que alguns dos nossos mitos literários que passaram pelo território caíram naqueles vícios que só nos traseiros do Oriente se encontram, no exacto inverso de muitos degredados que aí acabaram por seguir a via da regeneração?

O facto é que Macau, apesar das valetas do sórdido e da podridão, sobreviveu como a flor que nasce do lodo. E talvez possa continuar o seu ciclo de esperança depois de 1999.

Éramos no século XVI pouco mais de três milhões de almas, apertados entre o oceano e o muro de Castela. Tínhamos sobretudo fome de terra e dessedentámo-la no mar. E, pelo Atlântico, a caminho do sul, depois de dobrarmos a Boa Esperança, começámos a nortear.

Quisemos a Índia que visionámos do rio dos Bons Sinais. Mas a própria Tapobrana não bastou. Descemos para Malaca e voltámos a subir, flanqueando o Grã Catai, pelo mar oriental. Pousámos na encruzilhada de Macau, situada estrategicamente entre Goa e o Japão e que também vai servir para seguirmos China dentro.

Tudo acontecia quando os Habsburgos de Madrid e de Viena comandavam a resistência europeia à pressão turca, vencendo em Lepanto (1571) e em Viena (1638). Quando os russos começavam o avanço cristão para Leste (vencem em Kazzhan em 1552 e conquistam Nerchinsk em 1689). Na mesma altura em que os espanhóis se estabeleciam nas Filipinas (1570). E depois de termos conquistado Ceuta (1415), Goa (1510), Malaca (1511) e Ormuz (1515). Depois de Vasco da Gama, de D. Francisco de Almeida, de Afonso de Albuquerque e de D. João de Castro.

Mas onde o modelo ofensivo da Blitzkrieg de Albuquerque não pôde repetir-se, depois da tentativa falhada de Simão de Andrade. Recorrendo, então, à táctica do doux commerce de Leonel de Sousa, fomos ficando, mas acrescentando-lhe as da religião, bem como as armas dialogantes da política e as manhas da diplomacia, apesar de, por vezes, termos caído na tentação do chicote e da fanfarronada dominadora. Mas sem nunca deixarmos de mobilizar o arcabuz e o canhão, usados ciclicamente contra os inimigos convenientes, isto é, os inimigos comuns de chineses e portugueses, desde os piratas chineses aos corsários ocidentais.

E assim fizemos, até hoje, a nossa peregrinação permanecente nessas paragens. Tínhamos uma estratégia que era animada pela ideologia de um humanismo católico renascentista e ainda vigorava alguma coisa da raiz relativista de um aristotelismo tomista, restaurado pela neo-escolástica da Contra Reforma, segundo os quais a verdade tem sempre um bocado de erro e o bem, sempre um bocado de mal, tal como a verdade tem muitos erros e o bem, alguns pedações de mal. Uma doutrina para a qual as essências só se realizam através da existência e pela consequente aplicação dos princípios gerais às circunstâncias. Esse realismo não desligado dos princípios que nos permitiu conciliar o pragmatismo e a aventura, sem recurso às drogas estáticas da utopia e da ucronia, porque, como referia Camões, vale mais experimentá-lo do que julgá-lo, deixando as especulacionices para que o julguem os que não podem experimentá-lo.

Tínhamos também a táctica precisa de enquadrar o small is beautiful da pequena polis macaense no grande quadro da república maior do reino de Portugal, como o demonstraram as lealdades de Macau durante a guerra da Restauração e as invasões francesas, quando o intermediário goês mais foi ajudado do que pôde ajudar.

Trazíamos connosco a experiência de um reino filho da Europa da respublica christiana, num ambiente universalista que conseguia conversar com o Império Celeste, onde também vigorava o império da ideia e o governo pelo pensamento. Sendo fiéis a Portugal, íamos além de Portugal, mobilizando pretensos estrangeiros como São Francisco Xavier ou Mateo Ricci, sem esquecermos todos esses africanos, asiáticos e insulíndios que, connosco, deram o corpo nos combates de vida e de morte para bem do nome dessa super-nação ainda por cumprir, desse projecto maior que nos irmanou.

Segundo a Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China, assinada em Pequim em 13 de Abril de 1987, o governo de Pequim passará a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999, data a partir da qual se estabelecerá uma Região Administrativa Especial de Macau, dentro da República Popular da China e directamente subordinada ao respectivo Governo Central, onde manter-se-ão substancialmente inalterados os actuais sistemas social e económico, bem como a respectiva maneira de viver durante cinquenta anos, pelo que a região poderá por si própria definir as suas políticas de cultura, educação, ciência e tecnologia, bem como as suas políticas orçamentais e fiscais, tendo como línguas oficiais o chinês e o português.

Macau, esse originário concelho medieval que, primeiro, teve o consenso dos mercadores e missionários e, só depois, foi super-estruturado por burocratas e soldados, poderá assim continuar a cultivar a memória de ter sido uma pequenina república portuguesa. Talvez seja esse um dos melhores seguros de garantia para resistir face ao rolo compressor uniformista do grande Estado Continental onde se inserirá.

Não temos ilusões quanto a poder continuar a funcionar o small is beautiful da pequena polis, mesmo que compensado pelo pragmatismo do buscar canela, nem que possa ser reanimado o fazer cristãos. A actual herança macaense que se integrará na República Popular da China já pouco tem a ver com a memória de autogoverno da comunidade dos séculos XVI e XVII, tanto nos aspectos de organização política como no próprio equilíbrio étnico e religioso que lhe deram ser. A crescente sinificação do território nos séculos XIX e XX e a inevitável resposta da nossa gestão colonial, até pela integração nas realidades geopolíticas posteriores à guerra do ópio, retiraram base de apoio a tal projecto. Aquilo a que hoje damos o nome de Macau é apenas vaga memória de um tempo que já não há: inverteram-se esmagadoramente as relações étnicas; quase desapareceram os restos de filhos da terra; e os portugueses, que por lá ainda estão, só formalmente são descendentes dos portugueses que desembarcaram. Apesar das excepções confirmarem a regra. Daí a contradição de sairmos sob o comando de um cabeça de soldados sem soldados, mas com garantia de fidelidade face às brumas da memória e um certo sentido de Estado.

O sonho da língua portuguesa poder volver-se na língua oficial de mais uma das minorias nacionais integradas na grande China não passa de mero símbolo que não depende do voluntarismo, optimista ou pessimista, dos gestores da actual administração pública do território. Resta a honra de ainda poder haver alguns, embora poucos, militantes do sonho português de Quinhentos, desses para quem ser português implica um saber de experiência feito e pela experiência pensado. Não o veni, vidi, vinci de quem traz os manuais de acesso à verdade já todos escritos, esse chegar, ver e concluir, conforme a tese prévia que se procura demonstrar com bocadinhos da experiência.

Porque são sempre possíveis argumentos feitos com pedacinhos destacados da realidade e que conseguem dar ar de justificação a qualquer hipótese. Não! O que vale é procurar compreender, apanhar as coisas da realidade em conjunto, coisa com coisa, todas as coisas no todo, tentando chegar ao global, detectando que cada coisa parcelar pode ter o sentido do todo. Que no singular, na diferença, pode, e tem que estar, o universal.

Talvez seja esta seja a maneira portuguesa do europeu aceder ao universal. O respeito pela diferença dos outros e a tentativa de assumirmos a contemporaneidade filosófica de todas as civilizações, como diria Toynbee, para que, expatriando-nos nas nossas próprias origens, possamos dialogar com o outro, conforme o conselho de Heidegger.

Portugal, como entidade estadual, nunca teve soberania sobre o território. Os portugueses chegaram a Macau antes de haver o conceito de Estado e antes de haver o conceito de soberania.

Diremos, a respeito da perspectiva absolutista do soberanismo, que vai dominar a teoria oficial portuguesa até aos tempos mais recentes, que Macau foi bem diferente das praças do norte de África, porque, para tal sítio, não fomos fazer a guerra, nele deixando, apesar de tudo, uma pequena comunidade mista de filhos da terra, que faltou em Marrocos. Aí, a convivência e a simbiose foram e são mais fundas que a nossa passagem pelo Magrebe, apesar de, nas pedras, não sermos tão resistentes, como no norte de África.

Aliás, tal mistura lusotropical chegou ao final do século XX, apesar da distância e das abissais diferenças entre a China o Ocidente.

De certo que houve intolerância. Houve muitos soberanistas e alguns outros esclavagistas, mas estes talvez tenham sido compensados pela paixão do diálogo e pelo interesse no negócio.

Viemos à procura de bugigangas, enquadrados pelos que acalentavam fazer cristãos e, comerciantes e missionários, uns e outros, quando aqui pousaram, sempre usaram a espada embainhada.

Aqui chegámos antes de podermos trazer a soberania. Aliás, só Ferreira do Amaral com fortalezas e fronteiras vai tentar implantar o que nunca podia ter havido até então.

Aqui não se deu a chamada exportação do Estado referida pelo falecido Professor Doutor Jorge Borges de Macedo. Pagávamos foro de chão, os chineses tinham alfândegas dentro do território de Macau e os mandarins chineses assumiam jurisdição criminal sobre os chineses residentes e reclamavam-na relativamente a portugueses que ofendessem o Imperador. Da mesma forma, o Senado de Macau praticava uma constante negociação com as autoridades chinesas, utilizando meios irregulares de pressão e negociação, como as ofertas e os subornos.

Os dogmas do soberanismo e do centralismo administrativista da modernidade política que marcam o edifício do Estado a que chegámos fazem com que pareçam naturais modelos políticos artificialmente instituídos pelas terapias de choque do terrorismo de Estado absolutista e pelo construtivismo das reformas administrativas do liberalismo que, entre nós, passaram pelo terramoto pombalista e pela instituição dos modelos de reforma administrativa da primeira metade do século XIX com que acedemos ao esquema organizacional napoleónico, desde o centralismo de Mouzinho da Silveira ao concentracionarismo de Costa Cabral.

Aliás, foram estes chicotes lisboetas que aqui tiveram reflexo com a instituição da omnipotência do governador, delegado da soberania, da Coroa ou da República, nomes que fomos dados à abstracção do Estado.

Sopra uma brisa fresca e as árvores agitam-se levemente. Ao longe a Ilha da Lapa, numa breve aguarela de um cinzento acastanhado. Aliás, nesta terra, em cada dia que passa, surgem novas cores, com a variação da tonalidade do horizonte, pelo que a paisagem nunca corre o risco de monotonia. As mesmas coisas, conforme os dias, são outras coisas. Os próprios sítios passam a depender das circunstâncias do tempo, da atmosfera que os envolve, desde a densidade do ar aos próprios sons que os rodeiam.

Aqui ficámos pelo comércio, pela religião e pelo prazer do exótico. Aqui ficámos porque quisemos fugir de Portugal, procurando Portugal fora do próprio Portugal. Aqui ficámos para podermos ser portugueses à solta, excedendo-nos, a fim de nos diluirmos em todos os outros.

Ainda hoje Macau conserva resquícios de uma longa tradição de real autogoverno, apesar da cobertura que lhe é dada pelo diáfano manto da legalidade e da administração pública portuguesa, tal como antes se fingia a existência de uma colónia plenamente integrada no império português. Com efeito, não é Macau que está dependente de Lisboa, dado que, desde há muito, é o próprio status de Macau que determina as decisões de Lisboa quanto aos interesses de Macau.

E a China nunca esteve arredada deste processo, tendo algo mais que a mera influência no governo do território. Partidos, ainda hoje, não existem, dado que dominam os lobbies formais e informais, transformados em verdadeiros canais de poder.

Neste sentido, Macau aproxima-se de uma espécie de corporacionismo presidencialista, dado que a síntese de todo este paralelograma de forças acaba por ser o governador que, sem forças de bloqueio institucionais, face à não existência de efectiva separação de poderes, acaba por ser uma espécie de Vice-rei que concentra as funções executivas, legislativas e moderadoras. Tem sobretudo o poder confederativo de que falava John Locke, o poder de representação que lhe advém das relações externas.

Aliás, o regime ainda hoje vigente é tipicamente colonial, advindo-lhe a autoridade do flutuar da bandeira portuguesa nos mastros oficiais e nos mastros imateriais do prestígio.

Acresce que o governador não tem, como fonte da respectiva legitimidade, qualquer ligação à vontade popular, difícil de canalizar-se, até pela circunstância de só uma restrita minoria da população estar territorialmente enraizada pela nascença ou pela residência permanente.

O regime não é efectivamente democrático, embora exista uma democracia da sociedade civil integrada nos quadros de uma autoritarismo tipicamente colonial, dado que a Assembleia Legislativa já não é o auto-organizado Senado de antigamente.

Do mesmo modo, existe uma sociedade pluralista que é, ao mesmo tempo, uma não sociedade aberta.

Finalmente, se procura instituir-se um Estado de Legalidade, não funcionam, nem podem um funcionar, os mecanismos de um verdadeiro Estado de Direito Democrático.

Macau já não é a república de antanho, nem pode volver-se na fortaleza de uma qualquer cidade-Estado. Ficou um principado negociado entre Lisboa e Pequim, sem qualquer intervenção daquilo que o Senado, ainda em 1808, reconhecia como os seus negócios estrangeiros. Desapareceu a comunidade que lhe dava suporte. E não pode haver democracia numa megapolis, a não ser que se decrete o apartheid ou que se consiga um altar ou outro qualquer símbolo que gere uma comunhão pelas coisas que se amam.

O tempo de Macau vai chegando ao fim. Olho o último entardecer nestas terras com o sol caindo por trás dos montes da China que se acumulam na distância num sombreado sucessivamente esbatido. A calma domina. Do cimo da colina da Taipa, vou olhando os dias que passei e revivendo as sensações. Ao longe, seguem os jetfoils para Hong Kong. Olho o cair do dia dentro de mim, despeço-me desta cidade com este humor merancórico, com esta dor da saudade que nos distingue por dentro daqueles outros que não sentem o esotérico português.

Aqui é impossível sermos eurocêntricos, mas devemos ser europeus e portugueses, mesmo quando falamos para não europeus e para não-portugueses. Porque todo o pensamento tem uma pátria; porque só através da autenticidade das nossas raízes podemos aceder ao universal e dialogar com outros pensamentos, outras pátrias, outras formas de aceder ao universal.

O resto é cosmopolitismo balofo, mundialismo de pacotilha, pretensiosismo que sempre disfarça uma efectiva vontade colonizadora, mesmo que os agentes palrantes da mesma o façam inconscientemente, servindo como idiotas úteis de um projecto a que são alheios.

Talvez Macau não acabe em 1999. No dia 20 de Dezembro desse mesmo ano, cerca de dois anos e meio depois de Julho de 1997, data da devolução à China de Hong Kong, deixará de ser hasteada a bandeira da República Portuguesa neste território, mas Macau há-se permanecer a cidade de Macau, sob administração chinesa.

Ser fiel a Portugal há-de ser, a partir de então, manter a lealdade básica face a uma criatura que os portugueses contribuíram para fazer nascer, crescer e desenvolver. O mistério de Macau passará, a partir de então, por saber se a personalidade dessa entidade vai ou não resistir à vaga unidimensionalizadora dessa megapolis que é a República Popular da China.

Alguns apostam em pedras de calçada, no cimento armado e no betão das grandes obras, ditas de regime. Outros nas televisões, nas bibliotecas e nas instituições de ensino. Certos tácticos falam mesmo na potencialidade disseminadora dos quadros intermediários da administração pública localizada. Mas a fase das grandes obras públicas terminou com a nova ponte, o aeroporto e o centro cultural ainda em construção. E sentimos falta de tempo nessa apressada aposta nos bens imateriais. Alea jacta est…

Jan 08

Europa

A Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República submeteu a um conjunto de professores de universidades portuguesas em 4 de Janeiro de 1995, um documento titulado Preparação da XII CISAC. Acompanhamento da CIG 96. Grupo de Trabalho da reunião do Tratado da União Europeia. Proposta da Presidência. 29 de Dezembro de 1994, solicitando os comentários tidos por convenientes. Assim nasceu este parecer, cujas conclusões são as seguintes:

 

A Europa que interessa a Portugal é a Europa que tenha uma alma, como dizia Schuman.

 

A Europa que possa recomeçar pela cultura, como acrescentava Monnet.

 

Não haverá Europa se esta não for entendida como uma polis, como um conjunto de cidadãos, onde só é cidadão aquele que participa nas decisões.

 

Mas a polis Europa só o poderá ser se se assumir como o resultado da complexidade das polei que a história gerou, como ânimo comum assente nas comunidades efectivas que a formam e conformam.

 

Qualquer europeísmo que caia na tentação de criar um super-Estado, uniformizado, centralizado e concentracionário, em nome de um despotismo esclarecido e utilizando a metodologia da Europa confidencial, através da elefantíase legiferante e do regulamentarismo, nada mais faz do que elevar o soberanismo absolutista à escala europeia.

 

Destruir o soberanismo dos Estados, mantendo-o num centro político supra-estatal é deixar entrar pelo sótão aquilo que pretendeu, em boa hora, defenestrar-se.

 

Só uma Europa consciente de que os problemas económicos só podem ser resolvidos por medidas económicas, mas não apenas por medidas económicas, pode ser viável e fiel ao ideal europeu.

 

Isto é, uma Europa que crescer a partir de um mercado único e de uma união económica e monetária, só pode ser diferente dos modelos de free trade, se assumir uma identidade política, se ascender a uma alma, se for mais cultura, mais cidadania e mais política, mas através de uma perspectiva pluralista e poliárquica.

 

A autonomia política dos portugueses que, desde a sua conformação medieval, esteve na vanguarda de uma construção racional do político através do consentimento comunitário, considerando que só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença pode atingir-se o universal, não pode deixar de continuar a ser vanguarda na construção de uma Europa que queira ser unidade na diversidade.

 

ISCSP, em 17 de Janeiro de 1995