Há mudanças necessárias em Portugal que se fazem em menos de uma semana. Bastam meia dúzia de decretos, à Mouzinho da Silveira. Como foi no governo da Regência de D. Pedro, no Governo Provisório da I República e nos seis governos provisórios de Abril. Desde que não voltem os devoristas e que reforme quem sabe e pode viver como pensa. O que falta é coragem e um mínimo de patriotismo científico, capaz de nos livrar da permanente conspiração, reaccionária ou revolucionária, de avós e netos, com a geração da ditadura da incompetência como intermediária. Os bonzos não o conseguirão, mesmo que recrutem os endireitas e os canhotos do costume.
Uma coisa é a “révolution d’en haut”, a decretina, vagamente despótica, que se diz iluminada, outra o finge que muda para continuar tudo na mesma, com música celestial e discursos de fazerem chorar as pedras da calçada. Outra é mudar mesmo. Há quem não deixe, porque, em nome do poder pelo poder, o conquistou, o vai gerindo clientelarmente e não quer sair de cima nem fazer, ou saber. O feudalismo só acaba quando se extirpam as raízes da bandocracia, bem como as formas doces de compra do poder, extinguindo as pequenas cortes das guerrazinhas de homenzinhos que se julgam eternos, só porque os serviçais todos os dias os engraxam.
O conluio de patos bravos, banca e partidocracia, explorando o desejo de cada português ser proprietário de uma casinha não só nos endividou como agravou a hipótese de um mercado mínimo de arrendamentos prediais. O congelamento dura há mais de cem anos, uma herança da I República que o salazarismo manteve e o abriríamos reforçou. Logo, não há hipótese de qualquer regresso a um mercado que nunca houve, sem a instauração de condições que o permitam. Entre os remediados, vítimas da gleba hipotecária e os pobres, ameaçados pela fome, há todos os sinais de potenciais revoltas do desespero que pode tornar-se no calcanhar do presente Aquiles.
Os náufragos agarram-se todos aos restos de tábua, mas arrastarão na corrente os palermas que continuam a confundir o poder com a autoridade. Esta só a tem quem é autor. Não quem é mero actor ou simples auditor.
Portugal está doente. E todos os dias, em todos os grandes jornais do mundo dos grandes, há quem, não nos conhecendo, faça diagnósticos e aponte terapêuticas, para que aqueles que nos desgovernam há décadas continuem cata-ventos, delegados de propaganda médica, caixeiros viajantes e vendedores de banha da cobra. O único remédio para a cura é livrar-nos de tais curandeiros.