Abr 05

Estado social e Alfredo da Costa

Medina Carreira foi considerado profeta da desgraça. Pode orgulhar-se. O presidente do Banco Central Europeu já o ultrapassou, ao passar a certidão verbal de óbito ao chamado modelo social europeu. Entretanto, num exercício de mera propaganda, líderes políticos lusitanos prometem ou contraprometem coisas para o ano de 2015. E ainda há quem finja acreditar.

Vítor Gaspar não é apenas um tecnocrata, mas um mestre-pensador, esse caminho a que se acede pela definição de um conceito entendido como substância, donde, depois, se desce dedutivamente, do axioma para o concreto, através de um rendilhado lógico de definições e subdefinições, hierarquicamente arrumadas e terminologicamente controladas pelo dicionário ideológico. E nem o gato do Honório o apoquenta. Logo, vale a pena ver a coisa, presa no telhado e já sem rabo.

“Vérité dans un temps, erreur dans l’autre” (Montesquieu, Lettres Persannes). Dizem que o modelo social europeu está morto. “Vérité au deçà des Pyrénées, erreur au delà. » (Pascal). Os Pirinéus não existem. Dependem das campanhas eleitorais dos que querem saltar ao Eixo.

Morreu precocemente, este ilustre médico, ao 51 anos, no ano do 5 de Outubro, um pouco antes da República. Mas o respectivo sonho foi sendo semeado e, um ano antes do Estado Novo, a maternidade de Lisboa recebia a primeira parturiente. Foram milhares e milhares os naturais da freguesia de São Sebastião da Pedreira que integraram a ideia de MAC. Um dos meus rebentos aí veio ao mundo. Ficámos hoje a saber que, dois regimes depois, o sonho tem de continuar. Viva o goês Manuel Vicente Alfredo da Costa, que deu muitos novos mundos ao mundo. Obrigado!

O relatório do FMI é tão claro como o lapso: “Grande parte do ajustamento orçamental ainda tem de ser feito nos próximos anos. E, à medida que este ajustamento for ocorrendo, e se combinar, possivelmente, com um ambiente externo mais fraco, uma recessão mais profunda do que a actualmente prevista é bem possível”.

No tempo da ditadura, havia uns cigarritos, ditos fracos, a que todos chamavam mata-ratos. Eram sem filtro e já profetizavam os tempos que correm: todos os provisórios são definitivos, definitivamente provisórios, nesta supensão dos contratos, da palavra dada e dessa pesada herança dos direitos adquiridos.

O gozo que tenho de ver a campanha antiliberal do Portugal de hoje, ainda em ideologismos de trinta anos. Espreitem isto, ilustres preconceituosos:

 

 

Abr 04

você é engraçado, é pena ser tão radical

A verdadeira imagem do estado a que chegámos. Somos um estadinho dependente de super-Estados. Precisamos do cheque e ainda não ficámos chocados. Adoramos pirómanos-bombeiros.

A verdade: o memorando passou a ser superior à constituição. E 85% da nossa representação parlamentar subscreveu-o. A chamada ditadura dos factos.

A Europa inteira voltou hoje ao ritmo das três velocidades do tempo da ocupação romana. No topo, as colónias, para os cidadãos em plenitude, os do eixo. No escalão intermédio, os municípios, os que são dotados de alguma autonomia, embora com “apartheid”. Na base, as chamadas cidades estipendiárias, constituídas pela categoria ἰδιώτης, ou idiōtēs, os que apenas trabalham sem cidadania, ou, dito de outro modo, os que pagam mas não bufam.

Três parangonas, de um bom esquema de “agenda setting”. 1ª “Gaspar garante que suspensão de subsídios vigora só até ao fim do programa de ajustamento”. 2ª “Estamos perto do ponto em que maior parte do esforço» estará feito. 3ª A ida de hoje aos mercados foi um êxito. Podemos passar uma Páscoa feliz.

Mais uma última notícia: “Um idoso suicidou-se esta manhã com um tiro na cabeça na praça central de Atenas, provocando uma grande agitação entre as pessoas que passavam pelo local”. Logo a seguir, este comentário feliz para os povos do Sul: “Apesar da crise, a Grécia tem uma taxa de suicídio inferior à registada nos países do norte da Europa. Em 2009, a taxa de mortes por suicídio no país era de três por cada 100.000 habitantes, menos de um terço da média europeia, segundo a agência Eurostat”.

Li e reli este editorial. Ou a teoria da economia privada sem economia de mercado. Não é liberalismo, é apenas a continuação do salazarismo. Para a nossa vergonha.

Dizia há tempos uma alta figura de estadão para outro, pouco frequentador da Corte: “você é engraçado, é pena ser tão radical”. O primeiro figurante, excelente discursador de esquerda, converteu-se em consultor plural de várias parcerias, onde é ilustre parceiro pensador. E que bem comenta. O segundo nunca foi de esquerda, está farto da direita e defende os radicais do centro excêntrico. Confirmo: o situacionismo tem todo o interesse que os insatisfeitos se encaminhem para a utopia das margens. Mas pode acontecer que a maioria sociológica deixe de frequentar a esplanada do Bloco Central e procure saber o que é que a boneca tem dentro. Pode vir a mudança…

Para os devidos efeitos se recorda que a expressão esquerda moderna foi a qualificação que Cavaco Silva deu da respectiva liderança no PSD. Foi repetida a papel químico por Sócrates quando assumiu a chefia do PS e da nação. Só por estas duas razões é que Passos Coelho a não usou. Já estava gasta e teve a sorte de lhe chamarem liberal. Quando nunca o foi.

António Lobo Antunes, na revista “Visão”, faz o melhor elogio do situacionismo: “Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e ex-ministros a tomarem conta disto. Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar a ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem?”

Por acaso também há um parágrafo meu, de depoimento, na investigação sobre “O batalhão de Passos”. Sou apenas suave: “Revela uma falta de cultura de “civil service”. Isto é, conserva a habitual desconfiança dos políticos face aos mecanismos clássicos da administração pública, talvez porque sabem quanto a colonizaram, caindo na tentação gestionária de criação de sucessivos Estados paralelos, onde o ritmo da fidelidade acaba por superar o da competência dos modelos racionais-normativos”.

A literatura nunca se engana. Sobretudo quando se escreve com vida. A culpa apenas está naquela realidade que nem se apercebe quanto coincide esmagadoramente com a caricatura.

Antes colocavam-se no ministério os melhores nomes do Parlamento. Hoje, o ministério consegue ser pior do que a média do Parlamento que beira a mediocridade…As grandes mudanças só ocorreram quando o povo participou. Não se espere nada do Congresso, do Legislativo e do Executivo se o povo não estiver à frente.

O Parlamento é o espelho da nação. O PS e o PSD são espelhos um do outro. E o presidente, a mera consequência deste paralelograma de forças. O grande perigo está na eventual emergência de uma democracia sem povo. Se a partidocracia nos conduzir à democratura.

Más notícias para esta praia, com o espaço de acesso à Meseta quase desertificado: “”Espanha enfrenta uma situação económica de extrema dificuldade, repito, de extrema dificuldade, e quem não compreender isso está a enganar-se a si próprio” (Rajoy, hoje). Quanto melhor estiver o vizinho, menos mal estaremos.

Não, Zé Gomes Ferreira, não sou a favor do laxismo das ASAE, das polícias e das inspecções trabalhistas, com ministros e directores em arbitrário na aplicação das leis. Sou a favor de leis realistas, isto é, de menos e melhores, sem esta loucura da elefantíase legislativa, onde qualquer burocrata faz antologias de direito comparados, com traduções em calão. Mas arbitrário dos aplicadores políticos dá absolutismo.

 

 

Abr 03

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“É um verdadeiro protectorado comandado, não pelo Governo legítimo mas pelo exterior. Não há patriotismo que resista a uma tal situação”. Um dos pais da criatura, nos jornais de hoje.

“Ontem eu reparava no sorriso das vacas, estavam satisfeitíssimas olhando para o pasto que começava a ficar verdejante.” As afirmações não foram feitas pela senhora ministra. Porque a vaca que mediaticamente visitou não foi uma das que inspirou o nosso presidente. Esta ainda espera que chova e que lhe forneçam ração. São Pedro não a deixa pastar em paz.

Já somos pretexto para a gozação universal. No tempo em que havia bilhas, cântaros, púcaros e em que para bebermos alguém tinha de ir à fonte, por falta de água canalizada e de água mineral engarrafada ao preço da chuva, que é muitos, vários provérbios diziam que, de tanto irem, um dia quebrariam ou deixariam lá a asa ou o pescoço. Prefiro outro da sabedoria dos povos e das freguesias: “Tantas vezes vai o cão ao moinho, que alguma vez lá lhe fica o focinho”.

O mundo tem de saber que somos um povo de brandos costumes. Nunca a Grécia assassinou um rei e um príncipe real em 1908. Um presidente em 1918. Um chefe do governo e dois fundadores do regime em 1921. E um chefe da oposição em 1965.

O problema não está em sermos bons alunos. O problema não está sequer na aula. Está no capítulo. Nos directores ocultos da escola. E na crescente sensação de impunidade dos deslumbrados, dos que têm sempre respostas para as únicas perguntas que eles permitem fazer. Deitaram foguetes, incendiaram a mata e agora pedem condecorações como bombeiros, só porque se apressaram a apanhar as canas. Estou farto de notas oficiosas. E dos telejornais de Ramiro Valadão, os que precedem as conversas em família.

Receita da troika: arranjar as pescadinhas (retirar a tripa, cortar as barbatanas e lavar), retirar os olhos (pois ao fritar saltam) e arrepiar (esfregar com sal no sentido contrário ao das escamas para que o peixe fique às lascas no fim de frito). Temperar com louçã a gosto, jerónimo picado e regar com sumo de laranja, deixar a marinar em rosas. Passar os ministros por farinha, colocar o rabo na boca do bicho e premir com os dedos e fritar em eleições bem quentes. Pode servir com cavaco e acompanhar com arroz de durão e continuar tudo na mesma.

O maior poder de subversão da desordem instalada não reside nas jogadas de Corte ou no controlo da informação, mas antes no clássico processo do ir de consciência a consciência, de centro a centro, em termos de exemplo e de convicção. Quando a comunidade dos que pensam de forma racional e justa atingir o consenso não há chicote que chegue nem cenoura que compre. Sucederá a inevitabilidade da emergência, mesmo que se mantenham anteriores convergências e divergências. Teilhard de Chardin apenas precisou o “Space-Time” de Samuel Alexander.

“A separação pode vir a ser difícil, mas pode ser melhor do que ficar num mau casamento” (guru, nº 1 que ainda não almoçou comigo, embora saiba que não há almoços grátis). “Teremos de ver se [a medida] se tornará permanente ou não. Mas isso agora ainda não foi discutido” (funcionário nº 2, que nada tem a ver com a autoridade de “nəgusä nägäst”, derrubada em 1975). Nenhum estava a comentar a relação entre Portugal e a Europa. Melhor: as declarações de Gaspar na Dinamarca, depois de conversações com Constâncio.

O país não está a ser governado a partir de Bruxelas. Apenas vivemos, como a maior parte do mundo: em governança sem governo. Porque a maior parte dos factores de poder não é nacional. Porque acreditámos que a pilotagem automática era mais importante que a vontade de sermos independentes. Porque pensámos que a gestão de dependências, onde está o último grau da real independência, poderia ser accionada pelo GPS do poder banco-burocrático. E porque até não há ninguém que diga: basta!

Os compadres e as comadres do país oficial batem realmente palmas ao primeiro que grita: “L’État c’est moi!”.

Passei os olhos pela net, pesquisando o apelo espanhol a vocações sacerdotais. Mas fiquei a meio caminho, deliciado com esta questão de teologia pura. Ri e reli. E fui à estante para voltar a trazer para a cabeceira Andrés Torres Queiruga, o galego, autor de “Para unha filosofía da saudade”. A notificação da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé é um primor, mas o objecto de notificação ainda é mais estimulante. Leiam as duas coisas. Eu cheguei, há muito, à conclusão que só poderei estudar mais ciência política se souber um pedacinho teologia. Não é ironia, é verdade.

 

Abr 02

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Choveu e chove. As ribeiras floresceram. Mas nem todas desaguam no mesmo rio. Tal como nem todos os rios vão dar o mesmo sítio, chame-se praça, rotunda ou largo. Há muitas vias de chegar ao mar que todos procuramos. Alguns até são rios subterrâneos.

35,4% no emprego jovem. E os donos do negócio dos principais centros de formação ainda querem refinar a formosa táctica que nos conduziu ao desastre, com as habituais chouriçadas que os engordaram em títulos, honrarias e cargos, só porque a ditadura da incompetência continua a ser crime que compensa quem emite discursos de fazer chorar as pedras da calçada, só porque rimam com músicas e plágios falsamente celestiais.

Detesto burocratas broncos, sargentos de caserna, pobres de espírito e todos quantos conseguiram colocação adequada num posto de vencimento graças a eficaz cunha junto de um senhor director, bem colocado na pirâmide de sucesso da distribuição da posta. Normalmente, vêm daqueles neo-escolásticos de uma qualquer vulgata, ao serviço de um mestre-pensador, o que escreveu o livro que diz abrir todas as portas e desfazer todas as dúvidas de quem sofre a angústia da procura. Não tardará que chegue o mosca, o formiga ou o bufo e que voltemos às viradeiras do costume.

A Coreia do Norte reduziu a altura mínima exigida aos soldados de 145 centímetros para 142, uma vez que a geração atual sofre de raquitismo devido à fome que atinge o país. A propaganda do imperialismo é terrível. A fome ainda é pior.

Uma notícia altamente política que a Comissão de Censura não deveria ter deixado passar: “Depressão situada sobre a Península Ibérica está a criar instabilidade. É esperado granizo e trovoada.”

Jaquim tem sinal no pescoço. Todos os que têm esse sinal no pescoço são umas bestas. Logo, sempre que vejo um tipo com um sinal no pescoço já tenho argumento, chamo-lhe qualquer coisa. Até uso insecticida. Antes de poder mandar as moscas. Já estou habituado. Há séculos.

Segundo Weber, a moral da convicção (Gesinnungsethik) incita cada um a agir segundo os seus sentimentos, sem referência à s consequências, diz, por exemplo, para vivermos como pensamos, sem termos de pensar como depois vamos viver. Difere da moral da responsabilidade (Verantwortungsethik). A segunda apenas interpreta a acção em termos de meios–fins e é marcada pelo supra-individualismo, defendendo a eficácia de um finalismo que escolhe os meios necessários, apenas os valorando instrumentalmente, dizendo, por exemplo, como em Maquiavel, que a salvação da cidade é mais importante que a salvação da alma.

A intelectualice que emiti tem a ver com duas conversas que me chegaram. A primeira, de um velho patriarca da esquerda, sobre a instrumentalização de um velho direitista, dizendo que o deviam usar porque ele era inofensivo, vaidoso e até dava jeito. A segunda de um novo direitista no poder, dizendo exactamente o mesmo de um esquerdista. Ambos têm razão enquanto a não perderem. Com o factor mais criativo da história da humanidade: o imprevisto que produz mudanças.

Uma conclusão: em Portugal, o de hoje, e o de ontem, não há espaço para teorias da conspiração, para lutas de ideias ou para combates políticos. É tudo mais de amiguismos de jantarada e de troca de favores. No toma lá, dá cá, que nem feudalismo chega a ser. Porque este tinha lógica. De cavalaria, vergonha e dominação dos outros. Um colonizado está uns degraus abaixo do feudalizado. É mais barato.

Partilhando uma emoção. De Anna Marly, a exilada russa que desencadeou a coisa em Londres, 1943. Há quem pense que a canção tem a ver com um partido ou com uma revolução, o que não corresponde à conspiração de todos quantos criaram a libertação. Francesa e universal.

Sempre acreditei nos acasos procurados.

Um ex-ministro socialista democrático diz para um ex-secretário-geral social democrata que a social democracia está esgotada e os dois parecem de acordo. Estão ao mesmo nível da fúria do manso Seguro contra o ex-presidente do PSD, Marcelo. Não falta sequer o secretário-geral da UGT a criticar o Governo, fingindo estar zangado com Álvaro. É o chamado regime dos memorandos. Para memórias futuras. Mas, a médio prazo, com este ritmo, estaremos todos mortos, em nome das presidenciais.

Quando os do vértice pensam que ganham deixando crescer a onda, pode acontecer o que sucedeu aos que, dizendo que lutam contra os corporativismos, atacam zonas do Estado como os magistrados, os tropas, os professores ou os autarcas. Até há quem diga que alguns já lá estão desde o 25 de Abril. Sem repararem nos que lá continuam desde antes do 25 de Abril e continuam a mandar para que os de sempre continuem a pagar. Até com sentimento de culpa. E com razão. Continuamos a deixar que outros escolham por nós.

 

Abr 02

Chantal Maillard

Mesmo aqueles que acedem ao clube do pensamento pela via das vulgatas e da propaganda, quando se tornam militantes, podem atingir a autenticidade. Até no fundo de uma ideologia materialista se pode chegar à ascese. Conheço niilistas que no tudo do seu nada encontraram a dúvida criadora que lhes deu a beleza do espírito. E assim ascenderam. Daí, a importância dos símbolos.

No existe el infinito:
el infinito es la sorpresa de los límites.
Alguien constata su impotencia
y luego la prolonga más allá de la imagen, en la idea,
y nace el infinito.
El infinito es el dolor
de la razón que asalta nuestro cuerpo.

(Chantal Maillard)

Há quem jure, em palavras de mentira, que quem, como eu, fala publicamente anda de braço dado com o poder, porque, para tanto, é remunerado. Para os devidos efeitos, comprometo-me a oferecer todos esses proventos a quem vier à rede, provando-o. Basta que solicite tal informação ao fantasmagórico remunerador, naquilo que deve ser informação pública. Não cobro nada pela ofensa. Apenas reivindico a verdade. Porque, calando, pago duas vezes: pelo que não recebo e pelas doçuras com que o poder me trata. Amen!

Hoje, ando às voltas com Chantal Maillard: “cuando la lógica se aplica en ámbitos que rebasan el conocimiento, es un juego parecido al del ajedrez: tienes unas piezas y se juega en el tablero, pero si pretendes que ese tablero es la realidad exterior, es tramposo. Juegos metafísicos los hay en todas partes, pero la trampa es creer en los grandes conceptos, cuando creemos que las palabras dicen algo de lo concreto. Lo concreto es singular, y los conceptos son universales”.

O máximo de poder a que podemos aceder é renunciarmos a poder que manifestamente nos deram. Aquele poder feudal que apenas nos é fingidamente ofertado, para que, depois, ele se retribua em obediência sem consentimento. O que só se consegue quando se rejeita o título, o símbolo e a pretensa honraria que o exercício do poder parece.

A principal forma de poder que se pode exercer é alcançar aquele estatuto que permite a cada um poder não saltar para o cavalo do poder com que nos podemos cruzar. O que impõe não ter cavalariça onde gaurdá-lo. Ou sacristia onde ele possa ser exibido. Só com o anarquismo místico da procura da verdadeira ordem se alcança tal forma de ascese, isto é, de não dependência face aos bobos da Corte.

Ter poder com autoridade é não ser como aqueles politicamente correctos que, quando querem ser ouvidos, têm de proclamar que aquilo que vão dizer não é politicamente correcto. Mesmo quando, como é costume, eles continuam sem dizer nada.

Passámos do que estava para o que está. O que estará pode vir a ser aquilo que esteve. Se continuar o estar em vez do ser.

Há certas modas que deveriam já ter passado de moda. Nomeadamente, o neomarialvismo da revolução por cumprir, a que, assumindo o hierárquico e o proibicionismo do poder formal, diz que não pode cumprir a sua função porque há capitalismo, Estado, tempestades de granizo e trovoada.

Há nomes que, para corresponderem às coisas nomeadas, precisam de formas humanas que não estejam gastas pelo mau uso de certo estilo e, muito menos, se tenham prostituído pelo abuso discursivo. Esse disco riscado continua a provocar-nos alergia. Mas vai tocando o mais do mesmo. Não sou rei para o mandar calar. Apenas desligo.

 

Abr 01

Dia das mentiras

Presidente Cavaco passa serão em Boliqueime com José Sócrates Pinto de Sousa. A reconciliação será anunciada hoje, dia 1 de Abril, antecedendo o formal anúncio do pacto de regime, a que vão juntar-se Seguro e Passos. Abrilhantará o evento a banda Homens da Luta. O professor Marcelo Rebelo de Sousa moderará o recontro.

 

Mar 31

Manifestação das freguesias

Perspectiva tirada de um colóquio dos estudantes de relações internacionais em austeridade. Um IPad de maçã norte-americana feito na China. Um microfone “wireless” feito no México para uma aparelhagem gerida à portuguesa. E um texto que não apetece ler, porque há gente com esperança à minha frente e que tem de ser mobilizada para o futuro. E a universidade, se for universidade, pode ajudar.

A cabeça da manifestação já chegou ao Rossio. Aqui vai a minha bandeira. Do que já foi concelho. É a minha bandeira, hoje. Da pequena pátria.

É deprimente o tempo que muitos gastam com meras questiúnculas de chefe de posto e de administrador colonial a que dão o nome de política, reduzindo-a a meras redes de vassalagem, naquilo que Hannah Arendt qualificou como governo dos espertos: a despolitização típica do governo da burocracia, com uma administração que apenas aplica decretos, como acontecia com o czarismo russo, a monarquia austro-húngara e certos impérios coloniais, pretendendo suprimir as autonomias locais e centralizar o poder. Mesmo que os donos do poder apenas exerçam uma opressão externa, deixando intacta a vida interior de cada um, ao contrário dos totalitarismos.~

Mais de 200 000 pessoas na rua, pelas freguesias. Apenas isso. Claro que os contribuintes pagaram os autocarros. Exactamente os mesmos que pagam a subvenção pública aos partidos. E o apoio aos sindicalistas. Mas talvez há mais autarcas de freguesia, não sei quantas vezes, que os militantes activos dos partidos e os mobilizados pelos aparelhos sindicais. Já havia freguesias e concelhos antes de haver Estado, antes de haver sindicatos e antes de haver partidos. E era melhor que as autarquias, os partidos e os sindicatos fossem todos pelo povo. Destroikem-nos.

Só foram vendidos 231 carros eléctricos, em Portugal, desde 2010 e até Fevereiro passado. No entanto, só em Monsanto, junto da minha escola, já há três postos de abastecimento no parque de estacionamento. Um erro de previsão explicável, mas que me permite olhar para esta imagem com um adequado sorriso. Porque todos os meses pago a factura sem poder estacionar.

Mais de 200 000 pessoas na rua, pelas freguesias. Apenas isso. Claro que os contribuintes pagaram os autocarros. Exactamente os mesmos que pagam a subvenção pública aos partidos. E o apoio aos sindicalistas. Mas talvez haja mais autarcas de freguesia, não sei quantas vezes, que os militantes activos dos partidos e os mobilizados pelos aparelhos sindicais. Já havia freguesias e concelhos antes de haver Estado, antes de haver sindicatos e antes de haver partidos. E era melhor que as autarquias, os partidos e os sindicatos fossem todos pelo povo. Destroikem-nos. Claro que prefiro pagar às freguesias…em vez dos carros eléctricos. Ressalvo os amarelos da Carris…

Sobre a última grande manifestação do povo organizado, como a democracia de muitas democracias, poderemos questionar: “se isto não é o povo, onde está o povo?”. Logo, se o dinheiro é um bem escaso, há que escolher o que melhor produz investimento. Eu prefiro o das autonomias, ao da agiotagem.

 

Mar 30

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No comboio descendente, lendo os bailados comunicativos dos semanários da partidocracia capitaleira, onde os situacionistas continuam a fingir dinamismo, só porque são oposição à oposição, nesses cansativos passos de dança do rotativismo devorista.

Ao contrário do que diz a CiA, o maior grupo de pressão em Portugal é aquele que não parece grupo de pressão. Em segundo lugar vêm aqueles que apenas são federações de grupos de pressão e de grupos de interesse, visando a conquista do poder. De qualquer maneira, a CIA já não é por cá um influente grupo de pressão. Dependia do seu rival, o KGB.

Ontem, um pasteleiro dos Olivais, acompanhando o filho num desses concursos dos milhões televisivos, mostrava um livro que tinha publicado sobre as suas memórias transmontanas. Não consta que se esteja a candidatar a presidente da república, apesar de ter levado claque. Mas em menos de trinta segundos mostrou garra. Ainda pode levar o meu voto. Em nome dos pastéis de Belém.

O parlamento nacional sabe lidar tão bem com a diferença que até vamos lendo notícias destas, confirmando que o memorando com a troika é superior à primeira palavra da letra constitucional:

Quem está pelo 5 de Outubro e pelo 1º de Dezembro não é patriota, segundo o memorando da troika. Será que o Parlamento nos vai levar a isto? Espero que não..

Os troikados, que são os da maioria, juntamente com os da abstenção que, nessa posição, julgam que votam simultaneamente a favor e contra, querem tomar-nos por parvos, proclamando que os restantes são irredentistas. Infelizmente, nem sequer estão do lado certo da história. Apenas escolheram não ter história, como se os trocos tivessem a ver alguma coisa com a essência de um povo. Não vou esquecer. Quando voltarem a estar aflitos, chamem o Álvaro! Nisso sou irredentista. Nem para a junta de freguesia podem contar comigo.

O situacionismo do caracol sempre foi uma ampla coligação entre a esquerda moderna e a direita dos interesses, com a habitual disputa entre os irmãos inimigos do velho rotativismo devorista.

Mar 29

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Ontem, na RTP, num comentário à entrevista de Passos Coelho, reconheci que ele não foi hipócrita, quando reconheceu uma situação de emergência nacional que não foi ultrapassada, mas também não disse a verdade, ao declarar que “não darei más notícias que são evitáveis”. A maior parte dos factores de poder já não são controláveis pelo governo, pelo partido maioritário e até pelo parlamento.

O nosso primeiro-ministro é bom aluno de dois super-estados (FMI e UE) que estão interessados em que sejamos bons alunos, que tenha êxito esta governança sem governo, cada vez em regime de piolotagem automática. Só que falta a mobilização da república ou comunidade e poderemos entrar em anomia, mesmo que há bons padrões de gestão do estado-aparelho de poder. Pode deixar de haver portugueses, enquanto cidadãos individuais, enquanto autonomia da sociedade civil e enquanto empresas.

Mar 28

Só se for um curto-circuito que provoque um apagão

Europa. Numa esquina do Chiado, às três da tarde. Um autocarro turístico desembarca uma chusma da terceira idade. Turistas italianos de digital na mão. Que fotografam ávidos um começo de manifestação da Inter. Outros autocarros turísticos descarregam pequenas chusmas de manifestantes, vindos algures, do interior. Há activistas e netos de activistas, com farnel ao tiracolo. E entre os manifestantes, à volta da estátua de Camões, um velho líder nosso, maoísta e com acento, mas engravatado, passeia sua solidariedade. É a Europa social, com nostalgia da revolução perdida. Mas tudo bem ordenado. Em ritual. Apenas falta um Giovannino Guareschi que os retrate, aposentados.

Não vi polícia nos arredores. O Pessoa estava de bronze, petrificado. Quase diante do António Ribeiro de Chiado. Alguns manifestantes estavam sentados nas escadas da igrejinha. E um deles até fazia a contabilidade, recebendo as quotas. Tudo como deve-ser. Isto é, tudo sem ser. Basta o parecer. Do marcar do ponto. Até na revolução.

O vermelho cheira ao glorioso, o do Sport Lisboa e Saudade. Com águias amestradas, antes do jogo.

Uma só fagulha pode incendiar a pradaria. Uns dizem que é de Mao. Outros são mais restritos e falam em Pushkin. Eu sou mais pela tese de Prometeu, quando roubou o fogo a Zeus e permitiu a invenção do cozido contra o cru. Do cozido à portuguesa. E reconheço que já não há dessas fagulhas. Nem para o fogo posto. Só se for um curto-circuito que provoque um apagão. Nem que seja uma cegonha num fio de alta-tensão, como aconteceu antes de haver chineses como accionistas da REN e da EDP.