Abr 11

Doutoramento de Manuel Monteiro

Ontem, longas horas num especial júri de doutoramento de Manuel Monteiro, que tive a honra de orientar, e que transformou o cabo da Tormentas en cabo da Boa Esperança. Lá se continuou uma velha tradição portuguesa de a universidade servir de plataforma de ligação entre a experimentação e a teorização de homens maduros que serviram a república. De Silvestre Pinheiro Ferreira a António Cândido, de Afonso Costa a Pimenta de Castro, de Trindade Coelho a António Sérgio e, mais recentemente, de José Magalhães Godinho a Luís Viana de Sá. Reflexões de reformistas que eram engenheiros de sonhos e que nos deram pátria e democracia.

Abr 11

Financial Times

Resultado da conversa com Peter Wise, do Financial Times: “People who remember how poor Portugal was before we joined are not going to say bad things about Europe,” says José Adelino Maltez, a political scientist at Lisbon’s Technical University. In terms of development, he says, Portugal has moved in a short period from a country comparable with Morocco to “somewhere near the suburbs of Madrid”. “We, the passive majority of the Portuguese, have seen our lifestyles improve over the past two decades, mainly for electoral reasons, without the same sense of sacrifice as some central European countries,” says Prof Maltez. “But we haven’t achieved the same levels of education or professional training.” “The political parties that formed in Portugal after the return of democracy in 1974 are all based on German models,” says Prof Maltez. “Many of our leading politicians were educated in German institutes. “Portuguese democracy is European from the inside out.”

A síntese da síntese não tem que ser a bipolarização do optimismo contra o pessimismo. Vale mais falar na esperança dos desesperados. Contudo, sempre me citam: “quem se lembra de como Portugal era pobre antes da adesão não dirá nada de negativo sobre a Europa”

Abr 11

No Portugal político que nos controla, através dos enferrujados canais representativos

Por causa da MAC, deu-me para procurar a casa onde nasci. E encontrei sinal num desses anúncios de vendas da casa ao lado. Até descobri que se chamava delegação de Coimbra do Instituto Maternal, instalada cinco anos antes, ligada ao dinamismo de Bissaia Barreto, mesmo ao lado da Sé Velha, mas pertencendo à freguesia da Sé Nova. Mudou de sítio mas homenageia o fundador.

No Portugal político que nos controla, através dos enferrujados canais representativos, não há espaço para populismos. Para aquilo que Alexandre Herculano qualificou como o despotismo dos césares de multidões. Esse modelo que acentua as virtudes carismáticas de um chefe encomendado e exalta as características específicas da comunidade popular, com valorização da nação e eventual xenofobia, quando não da pureza étnica. Os caça fascistas de tradução em calão enganam-se sempre.

Resposta a um amigo exilado, lá no outro lado do mundo: não há salvação com sinais de vestimenta mudada, mas simples confirmação da podridão do sistema… O hábito não faz o monge. Prefiro o eremita.

 

 

Abr 10

Quem vence, torna-se imperador, quem perde, passa a bandido

“Estamos disponíveis para poder chegar até a um texto que possa constituir um grande denominador comum entre o Governo e o PS sobre a questão da Europa, não sobre um texto que possa ser uma espécie de divisão mais próxima de uma das partes do que das duas”, disse Passos Coelho à agência Lusa, em Maputo, onde iniciou ontem uma visita oficial a Moçambique. Porreiro, pá! Não tarda que os dois, juntos, sejam menos que um só, no seu máximo histórico.

“Já me pronunciei uma vez sobre a situação, nunca mais. Nunca mais voltarei a pronunciar-me por uma simples razão: aquilo que os senhores têm escrito sobre o assunto não corresponde minimamente à verdade e já desisti de fornecer qualquer outro esclarecimento”. Eu também já desisti. De receber pronunciamentos.

A audição parlamentar da ex-ministra revela que a montanha das irregularidades da Parque Escolar pariu um rato: “Sabia desde a primeira hora, tal como o Tribunal de Contas sabia. Promovi uma reunião com o presidente do Tribunal de Contas e, a partir do momento em que a dúvida se esclareceu, houve 300 contratos celebrados sem problemas”. O problema não está no rato, está na montanha. Mesmo que o rato apenas sirva para literatura de justificação do discurso do sucessor. Porque a montanha continua.

Quem vence, torna-se imperador, quem perde, passa a bandido. É lá. Por cá, podem ser todos alegres convivas, na mesa do orçamento e nas empresas de regime. Sempre em parceria, o tal “contrato pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outra ou outras um animal ou certo número deles, para estas os criarem, pensarem e vigiarem, com o ajuste de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção”, porque, se “o parceiro pensador é obrigado a empregar na guarda e tratamento dos animais o cuidado de um pensador diligente”, já “o parceiro proprietário é obrigado a assegurar a utilização dos animais ao parceiro pensador”. Uma questão de boa pecuária.

Antigamente, a caricatura política era terrível. Veja-se esta crítica das gorduras do Estado e do regime da engorda. Por causa de um artigo, de hoje, do Diário de Notícias, onde se lê: “Note-se que o PSD teve como tema da última campanha cortar “nas gorduras do Estado”. Ora parece, paradoxalmente, até ter vindo a engorda”. Nem digo o nome do autor.

Cada um de nós tem dois costados. Depois, quatro. Depois, oito. Depois, dezasseis. Há quem tenha costas mais largas, pela via colateral, da ficha, da cunha e dos favores prestados. Daí o reluzente currículo, como ainda hoje vi, de altas figuras do estadão. Uma garantia da manutenção do estado a que chegámos, porque interessa conservar o que está. E há parvos que ainda não acreditam na autoclausura reprodutiva. Depende do processo.

 

Abr 09

Je créai le mot pour tuer la chose

Todos os povos, que estão próximos, dizem sempre, uns dos outros: “Sempre nos invejaram e nos imitaram no estilo de vida, na forma de vestir, na educação, etc. Em parte são ambivalentes no amor que sentem por nós. Somos aquela raça superior que eles tanto querem ser” (análise do psiquiatra britânico que fez o retrato do prisioneiros nazi Hess). Isto é, análise dos povos que consideram que há povos superiores e inferiores.

“Je créai le mot pour tuer la chose” (Abbé Grégoire). Marinho e Pinto sintetiza de outra forma: a universidades “abandalharam”. O tal bandalho, em crioulo de Cabo Verde, deu “bandadjo”. Porque, se há quem diga que vem de bando, outros referem que vem de vândalo. Daquele povo que não deu o nome a Vandaluzia, porque, depressa, largou para o Norte de África, mesmo saqueando Roma em 455. Se calhar apenas vem do francês ‘vandalisme’, termo cunhado em 1794 pelo bispo constitucional Henri Grégoire: ” Les barbares et les esclaves détestent les sciences et détruisent les monuments des arts, les hommes libres les aiment et les conservent”.

Já há muito que quem faz tratados são os tratantes. Confirmam-no todas as vítimas de tais tratamentos de choque. Não são porreiros e já não somos pás.

As tropas de ocupação são sempre fiéis a quem ocupa. Mesmo que mudem de ocupante. Por ordens de quem mandou ocupar. Têm um projecto.

Ontem disse que o preço da água podia aumentar, hoje digo que não vai aumentar, este ano. É a serena linguagem ministerial. Perdem o jogo com tanta palavra e não podem dizer que a culpa é do árbitro. É de quem os seleccionou.

 

 

 

Abr 08

É mentira dizerem que Roma não paga a traidores

“Os homens de acção, quando destituídos de fé, jamais acreditaram noutra coisa que não fosse o dinamismo da acção”

“Enquanto houver inimigos, reinará o terror, e haverá sempre inimigos, enquanto o dinamismo existir e para que ele exista. Os inimigos são heréticos; devem ser convertidos pela prédica ou pela propaganda; exterminados pela Inquisição ou pela Gestapo”

Amen. Estava apenas a citar Camus. Mas eles andam por aí. E sem vergonha.

“Os escravos são tão culpados quanto os tiranos. É difícil de dizer se a liberdade poderá reprovar mais justamente aqueles que a atacam do que aqueles que a não defendem” (Beaumarchais).

É mentira dizerem que Roma não paga a traidores. Paga. E com prémios. Com comendas e encomendas.

Já ninguém quer ser marquês, ministro ou secretário de Estado. Pouco interessam as posses na Ajuda ou em Belém. Qualquer notável não quer nome de estádio, mas simples cunha junto de um desses “boys”, a quem deram “jobs”, ou um desses candidatos, de quem eles foram da de “honra”, para que interceda junto dos accionistas de referência, visando um lugar vitalício, para o pós-governo e o pós-regime. E o mais seguro é juntar, à fome interna, a vontade de comer, de estranhos e estrangeiros, dizendo que sim, que têm boa testa, de ferro e tudo. Quando quase todos minguam, há sempre alguns que crescem. É pena mostrarem as vergonhas naturais, sem tanga.

Para alguns que em nós fingem mandar, mas por vontade estranha, apenas estranho que eles se continuem a convencer que uma velha, patriótica e vigente lei, visando impedir agentes ditos públicos de estar ao serviço de potências estrangeiras, pode ser interesseiramente revogada, sempre que eles recebem cheque, invocando a globalização, as pedras, os serviços e as palancas. O que insulta mais é eles continuarem a discursar patriotorrecamente e algum povo aplaudir. Foi sempre a razão de Estado que nos traiu.

A situação vista de fora é insustentável, mas nós a vamos sustentando, enquanto outros, se sustentam uns aos outros. Começo a compreender a nervoseira de suas ministerialidades. Eles sabem mais do que nós, os impostados.

Quando o poder instalado se estreita absolutamente na rede dos micropoderes que já sustentaram o anterior sistema de feitores e capatazes, quem manda apenas mostra que é mandado pelos tradicionais donos do poder. E não há mobilização nacional que passe por este buraco da agulha. Estamos sob o fio da navalha. Já não somos camelos bíblicos nem estamos sobre o mesmo fio. Está frio. O do cadáver adiado que, um quarto de hora antes, emite notas oficiosas, o que apenas manda que os deslumbrados emitam sentenças de hierarquismos pretensamente insubstituíveis, como os da paz dos cemitérios.

Isto precisava de uma imaginação politicamente científica e não dos habituais cadáveres adiados que não assumem a loucura de quem quer grandeza.

Recebi mensagem de além Pirinéus. De alguém que acreditou no ferreiro. “Quem, com ferro matou, com o mesmo ferro pode morrer. O ferreiro só pensa na forja. E normalmente funde quem com ele se quis fundir. Porque passa a ser mero fungível para a infusão. Sobretudo, quando ardem os fusíveis e o GPS avaria”.

“O nosso principal défice democrático está na falta de uma adequada democracia fiscal.” (disse-o a Jornal de Negócios – 27/01/2010). Não me lembrava, nem desta fotografia, apareceu-me por acaso, durante uma pesquisa de outra coisa.

A blogosfera já consegue estar à frente das televisões. Ou de como um mediático magistrado fala ao mundo a partir do chão, de uma cerimónia religiosa e insinuando coisas através das cláusulas gerais equívocas como capela, congregação e obediência, como se o ser ou não se de uma crença, maioritária ou minoritária, pudesse ser mais ou menos valia. Parabéns ao Ânimo Dias Mais Leves, aqui do Facebook. Se um juiz, das Testemunhas de Jeová aparecer nas televisões, dizendo que isso é mais-valia, também acredito ser verdade. Um problema de força das convicções…

Abr 07

O país troikado, mas primeiro-ministro firme e hirto

Jaime Oliver mostra a receita de certas troikas e o modelo dos governos que a movem a hidróxido de amónio, depois de um prévio uso da máquina de lavar. Desculpem o carnívoro da comparação, mas quem observa este vídeo fica mesmo enjoado e com revolta. Ainda fica tudo vegetariano. Eu apenas gosto de pratos limpos.

O país troikado, mas primeiro-ministro firme e hirto: admitiu numa entrevista ao jornal alemão Die Welt que Portugal pode não regressar aos mercados em 2013. O tráfego médio diário nas autoestradas nacionais teve uma quebra na ordem dos 11 por cento. “Dou graças não ter sido eleito Presidente”, diz Alegre. Pacheco Pereira acusa o primeiro-ministro de “má-fé”. Passos tira 8500 euros a cada funcionário público. Medina Carreira diz que “Estado social colapsa daqui a seis anos”. A falta de padres em Portugal está a levar várias paróquias a serem atribuídas a sacerdotes estrangeiros.

Bem poderíamos esperar o folar da Páscoa, mas, neste sábado voltou a febre, com Relvas a emitir circular de pronunciamento verbal interpretando uma entrevistas de Passos e com o PS a espetar bandarilha comunicativa em tal jogo floral. Ainda não é o “out of control” e está longe o “point of non return”, mas que muitos metem os pés pelas mãos, não haja dúvida. Foi uma “semana horribilis” para o presente ciclo do regime. Para cúmulo, a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, não afasta a hipótese da Grécia entrar em bancarrota e ter de abandonar o euro e a União Europeia. E acrescenta: “ainda falta resolver várias coisas e isso é o que acontece na maioria dos Estados do sul da zona euro, mais a Irlanda”. Começo a compreender o labirinto.

 

 

Abr 06

António Arnaut, sobre o Abecedário Simbiótico

É-me grato estar convosco, na terra que foi o berço e o túmulo de Manuel Fernandes Tomás, o Patriarca da Liberdade, para vos apresentar – diria melhor, para vos falar- deste precioso livro, a que o autor, o nosso fraterno amigo José Adelino Maltez, deu o título, algo enigmático, de Abecedário Simbiótico. Obra indispensável para quem queira alargar a vasta bibliografia sobre a temática maçónica, veio preencher um espaço ainda aberto na abóboda da historiografia da Arte Real, ou, dito de modo simbólico, constituir-se como pedra de fecho – passe o oximoro – da obra, sempre inacabada, da Augusta Ordem.

O Professor Adelino Maltez é um dos mais cultos e respeitados académicos, e um dos mais lúcidos e argutos comentadores da actualidade. Conhecemo-nos quando, como Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, o convidei para proferir uma conferência integrada nas celebrações dos 200 anos da Casa-Mãe da Maçonaria Portuguesa. Essa conferência encheu o salão nobre da Ordem dos Advogados, em Lisboa, a 15 de Abril de 2004 e versou o tema: “A Influência da Maçonaria no Pensamento Jurídico-político do Portugal contemporâneo” e foi publicada com a chancela do Grémio Lusitano, em 2005.

Nesse tempo, Adelino Maltez ainda não conhecia a acácia e, assumindo-se como profano, “logo foi alvo de críticas e denunciações por conviver com os pedreiros livres”, como escrevi no prefácio à referida publicação. Creio, porém, que a investigação a que procedeu para abordar aquele tema, também desenvolvido em obra de maior fôlego, e a conclusão a que chegou sobre a influência construtiva da Maçonaria no nosso ordenamento jurídico-social, o levou a aproximar-se das duas colunas que, replicando o pórtico do Templo de Salomão, traçam as fronteiras entre o sagrado e o profano.

Ao usar esta expressão estou eu próprio a colocar-me no pórtico deste livro e a convidar os seus leitores a descobrir a sabedoria, a força e a beleza que irradiam das suas quase 800 páginas. Só um grande investigador, dotado de invulgar inteligência e cultura, poderia conceber e produzir uma obra desta natureza e complexidade, com o rigor de quem mostra saber usar o esquadro da rectidão e o compasso da probidade intelectual.

Na conferência acima referida, Adelino Maltez escreveu a concluir: “Julgo que há toda uma concepção do mundo e da vida que está à espera de inventário, a fim de se demonstrar a influência do humanismo laico, de raiz maçónica, no pensamento jurídico-político português”. Essa semente – afirma ainda – lançou raízes que nunca mais serão decepadas.

O inventário de que fala é este precioso livro, cujo título nos interpela. Abecedário significa, além do mais, rudimentos de qualquer ciência, cujos conceitos são ordenados por ordem alfabética.Simbiótico ou simbiose respeita, como sabemos, à associação de dois seres ou de duas coisas diferentes, que harmoniosamente convivem e se completam. A simbiose verifica-se aqui entre a Maçonaria e a História ou entre a Pátria e a nossa Augusta Ordem, por isso que a Maçonaria ajudou a escrever a História de Portugal desde que um católico inglês, chamado Dugood ou Dogut, abriu a primeira Loja em Lisboa, conhecida pela Loja dos Hereges Mercadores, em 1727 ou 1728, já lá vão quase 300 anos. É desde esses recuados tempos que os valores maçónicos, mais largamente difundidos após a criação do Grande Oriente Lusitano, em 1802, impregnaram a vida e moldaram as instituições portuguesas, deixando plantadas, ao longo dos últimos três séculos, as pedras vivas que ainda hoje, como os velhos landmarks, adaptadas às exigências do presente, apontam o caminho do futuro.

Recordo-vos que os pedreiros livres traçaram os planos e ajudaram a construir, primeiro a monarquia constitucional, e depois a república democrática ou a democracia res-publicana. Foram também eles que construíram, literalmente falando, a Lisboa pombalina após o terramoto de 1755. Do liberalismo vintista ao Estado Social de hoje, ou seja, da Constituição de 1822 à de 1976 foi, com alguns incidentes de percurso, longa a caminhada que tem a marca identificadora dos valores que nos são caros: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Progresso, Tolerância, Justiça. Foram os nossos Irmãos do Sinédrio, no qual pontificaram Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho que desencadearam o Movimento de 24 de Agosto de 1820 que derrubou o regime absoluto e iniciou a construção do Estado de direito, ainda e sempre em aperfeiçoamento. Foram prevalecentemente os “filhos da viúva” que difundiram os ideais republicanos e implantaram a República, em 5 de Outubro de 1910, de que destaco Sampaio Bruno, Basílio Teles, João Chagas, José Falcão, Miguel Bombarda, Almirante Reis e Machado Santos. Acrescento três Ilustres Grão-Mestres do GOL: Magalhães Lima, Bernardino Machado e António José de Almeida, os dois últimos Presidentes da República. Entre as duas datas é oportuno referir os reformadores Mouzinho da Silveira, Passos Manuel e Sá da Bandeira, os juristas e legisladores António Luís Seabra, Levi Maria Jordão, Vicente Ferrer Neto Paiva e o Bispo António Aires de Gouveia, que começaram a construir o Estado moderno, garantindo direitos civis e políticos, abolindo a escravatura e a pena de morte, traçando uma nova arquitectura administrativa e judiciária.

As letras pátrias são também iluminadas por Irmãos tão ilustres como Garrett, Antero, Camilo, Herculano e Eça. As ciências brilham com o contributo de Avelar Brotero, Ribeiro Sanches e , mais tarde, Egas Moniz.

Após a proclamação da República destacam-se as reformas profundas de António José de Almeida e Afonso Costa, com as suas leis relativas à instrução e à saúde – o primeiro – e da família, do divórcio, do registo civil e da separação da Igreja do Estado – o segundo – que ainda hoje vigoraram nos seus princípios essenciais.

Os maçons do liberalismo monárquico ajudaram decisivamente a consolidar a liberdade. Os construtores da República reforçaram essa coluna e levantaram outra -a da igualdade, pois a Constituição de 1911 aboliu todos os títulos e privilégios nobiliárquicos. Os maçons do nosso tempo, que criaram as condições para o derrube da ditadura do Estado Novo e participaram na Revolução de 25 de Abril de 1974, estão a trabalhar a coluna da fraternidade, através da construção do Estado Social, baseado na Justiça, na solidariedade e na dignidade da pessoa humana.

Perguntarão: a que prepósito vem este arrazoado, se eu apenas me propus apresentar-vos esta última obra de Adelino Maltez? Respondo que todos os factos e personagens acima referidos, constituem matéria nele explanada. A obra tem duas partes: a primeira é, efectivamente, um abecedário de signos, conceitos e expressões correntes e maçónicas. Vou exemplificar, apenas com a letra A, que o autor nos elucida representar a pedra filosofal  e símbolo do homem como senhor da terra: abóbada, absolutismo, acácia, ágape, agnosticismo, alma, alquimia, altos graus, anarquia, anticlericalismo, aprendiz, areópago, arquitecto do universo, arte real, avental e axioma.

segunda parte é, como lhe chama o autor, uma Cronobibliografia Maçónica cobrindo o período de 1717, ou seja, o início da maçonaria moderna ou filosófica até 2011. Aqui se faz a verdadeira simbiose entre Maçonaria e História através da ligação e enquadramento de eventos maçónicos, sociais, culturais e políticos. Se a primeira parte é um dicionário com entradas conceituais e onomásticas de A a Z, a segunda é uma sinopse histórica-maçónica, um verdadeiro Digesto, ou seja, uma compilação metódica, e sintética à maneira do Digesto do Imperador Justiniano, de 530, não de textos jurídicos, mas de personagens e acontecimentos relevantes que moldaram a História Pátria e Universal nos últimos 300 anos. Vejamos a súmula cronobibliográfica-maçónica dos primeiros 10 anos (pag 555/6): 1717- acto fundador da maçonaria iluminista ou especulativa com a instituição da GrandLodge of London and Westminster, em 24 de Junho, dia de S. João Baptista. Em 1718 é eleito grão-mestre George Payne e em 1718 Jean Théofile Desaguliers. O grupo assume o livre-pensamento, expressão surgida em 1697, quando W. Molineux, numa carta dirigida a John Locke qualifica Tolland como a candid freethinker. Também em 1717 Voltaire é preso por ter publicado várias sátiras políticas e religiosas. É nesse ano que se inicia a construção da Biblioteca da Universidade de Coimbra e o Convento de Mafra. Em 1718 é publicada a edição póstuma da História do Futuro do padre António Vieira. Em 1723 são apresentadas as Constituições de Anderson e surge a Grande Loja da Irlanda. O médico Ribeiro Sanches, a que atrás aludi, é obrigado a deixar Portugal para fugir à Inquisição, em 1726. Em 1727 funciona em Lisboa uma Loja maçónica de comerciantes ingleses, também já referida. Em 1720 é fundada a nossa Academia Real de História e em 1725 morre Pedro o Grande. No ano seguinte o Irmão Motesquieu publica Lettres Persannes e Leibniz os Principia Philosophiae ou Monadologias.

Dei-vos uma pequena amostra do conteúdo e consequente indispensabilidade deste livro. Deve ficar na nossa estante ao lado de obras marcantes, como as do nosso saudoso Irmão A.H.Oliveira Marques. É um trabalho que honra e investigação histórica e a narrativa maçónica. O autor chamou-lhe, em subtítulo “Um digesto político contemporâneo com exemplos sagrados e profanos”. Eu chamo-lhe uma excelente e preciosa peça de arquitetura. Há aqui muita pedra desbastada muita aresta polida, muitas verdades desocultadas. A nossa Augusta Ordem só ganha com trabalhos desta amplitude e seriedade.

Antes de terminar, parece-me útil, até para sublinhar a oportunidade desta obra, reproduzir uma pergunta que, recorrentemente, é lançada ao vento com boas ou obscuras intenções: nas sociedades abertas e democráticas, onde há liberdade de associação e de filiação partidária, ainda se justifica uma instituição de natureza secreta ou discreta, que usa rituais e símbolos milenares, cultiva o esoterismo, trabalha com instrumentos da construção e utiliza vestes arcaicas, de entre as quais o avental que é, frequentemente, objecto de irrisão de plumitivos provocadores ou ignorantes?

A Maçonaria é, no tempo mercenário que vivemos, cada vez mais necessária pelos valores humanistas que perfilha e difunde, porque pratica a filantropia e o aperfeiçoamento moral dos seus membros para, dessa forma, ajudar a construir uma sociedade mais justa. A História Pátria e Universal mostra-nos que os maçons estiveram sempre na primeira linha da defesa dos direitos fundamentais, da dignidade e da libertação do Homem. Mas além de necessária, porque é constituída por pessoas de bem, de honra e probidade, é também insubstituível: nenhuma outra instituição acolhe no seu seio homens e mulheres de todas as ideologias democráticas, de todas as raças e religiões, ou descrentes de todas as sensibilidades, em total fraternidade. Por isso nós dizemos que uma Loja é a imagem do mundo futuro: um espaço de convívio ético, onde as diferenças, simbolizadas pelo pavimento em mosaico branco e negro, conjugam a harmonia do colectivo e onde todos se tratam como irmãos.

Perguntar-se-á, contudo, se os partidos políticos não poderão realizar o objectivo de aperfeiçoamento cívico e de construção de um mundo melhor. Como já escrevi, “os partidos, essenciais ao regime democrático, não substituem a Maçonaria como forma de intervenção ético-social”, até porque alguns se transformaram em “simples máquinas de conquista do poder. Os seus fins e modos de actuação são completamente distintos. A Maçonaria quer despertar no Homem o sentido do eterno. Os partidos procuram no eleitor a adesão ao efémero” (*).

Os que criticam os rituais e as alfaias maçónicas não conhecem o valor dos símbolos nem o papel da semiótica na expressividade humana. Deixo aqui, em resumo, alguns exemplos, para ilustração dos profanos (não maçons), retirados do livro que aqui nos convocou:

Cinzel: simboliza o princípio activo e masculino. Recebe os impulsos do malho e direcciona-os de forma precisa – que podemos equiparar à capacidade de análise, classificação, cálculo e pensamento racional.

Compasso: símbolo cosmológico que serve para traçar o círculo, que, por sua vez, representa a criação do universo.

Esquadro: significa equidade, rectidão, rigor, precisão, identificando-se com a ideia de justo. O esquadro e o compasso são emblemas universais de Maçonaria, simbolizando a associação entre o espírito e a matéria.

Avental: símbolo do obreirismo dos maçons. É totalmente branco para os dois primeiros graus, mas têm orlas vermelhas (ou azuis conforme o rito) para os Mestres.

Quanto à natureza secreta dos ritos maçónicos, isso acontece, como escreveu o Grão-Mestre Norton de Matos na carta endereçada ao Presidente da Assembleia Nacional, em 1935, tentando travar a lei que ilegalizou o Grande Oriente Lusitano, “ não porque nelas haja qualquer coisa a ocultar, mas pela força do sentimento que leva cada família e cada irmandade a celebrar as suas cerimónias íntimas sem a presença de estranhos”. O ritual e os símbolos maçónicos estão hoje largamente difundidos em diversas publicações e na internet. É certo que as reuniões rituais se realizam “a coberto da indiscrição dos profanos”. Mas também o Conselho de Ministros, como anotou Fernando Pessoa no seu conhecido artigo em defesa da Ordem Maçónica, devia qualificar-se de secreto porque se reúne à porta fechada (*).

O que dizem ou o que fazem os maçons em Loja para se resguardarem da devassa dos curiosos? No início dos trabalhos o presidente, a que chamamos Venerável Mestre, pergunta:

-Para que se reúnem os maçons em Loja?

Responde ao 1º Vigilante, segundo o Ritual de aprendiz:

-Para combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, glorificar o direito, a justiça, a verdade e a razão.

Tendo objectivos tão nobres, a Maçonaria é também uma instância moral que nos momentos difíceis, em que os valores éticos e civilizacionais são postos em crise e a Pátria agoniza, devia ter, como acontece com a Igreja Católica e outras Instituições, uma palavra justa e ponderada para unir e mobilizar os portugueses, como fez grão-Mestre do GOL em 15 de Janeiro de 2003, numa “Mensagem ao Povo Português”, a primeira que um Grão-Mestre dirigiu à Nação, denunciando o descrédito das instituições e da generalidade da classe politica, a corrupção e a degradação dos valores éticos”, procurando acender uma luz de esperança e incentivar os portugueses para a tarefa colectiva e patriótica de “trabalhar para vencer os males do presente e construir um Portugal soberano mais livre justo e fraterno, que nos honre e nobilite”.

Espero que numa próxima edição, Adelino Maltez inclua no lugar próprio uma referência a esta mensagem histórica, que foi difundida em conferência de imprensa, com a presença de muitos jornalistas, pois foi a primeira vez que o Palácio Maçónico recebeu os órgãos da comunicação social para significar que a Maçonaria está aberta ao mundo e trabalha para o bem da Pátria e da humanidade.

Já me alonguei mais do que pretendia. Por isso remato esta “prancha” pedindo emprestadas ao Grão-Mestre do GOL, Fernando Lima, que saúdo fraternalmente, as últimas palavras do seu prefácio para confirmar que esta Digesto “ficará para sempre como um livro de referência e uma obra monumental a acrescentar à grande cultura e humanidade do José Adelino Maltez”.

 

___________________

 

(*) Introdução à Maçonaria, 6ª ed, Coimbra Editora, 2009.

 

 

F.Foz 6/4/2012.

Abr 06

Untitled

Há milhões de portugueses que dizem sinceramente: eu quero trabalhar! Só que, depois de procurarem adequada informação, chegam a uma simples conclusão: ora bolas, andamos a trabalhar para o boneco! O do estado a que chegaram. E não basta dizerem: já chega! Muitos vieram para ficar e não são da marca japonesa. Gripam mesmo, por falta de óleo.

Dantes era a “Blitzkrieg” e “the tiranny of the status quo”, agora é isto. Continuamos o “Lemos, ouvimos e lemos”, mas continuamos a querer ignorar.

 

Abr 05

A ditadura dos factos

Um ano depois, podemos reconhecer a verdade da ditadura dos factos: vivemos em protectorado, o memorando passou a ser superior à constituição, e 85% da nossa representação parlamentar subscreve o estado de excepção. Por outras palavras, a UE, com duas cabeças na troika, bem como o FMI, são uma espécie de super-estados da geo-finança e da geo-economia. E o dito bom e velho Estado, o estado a que chegámos, tem de parecer bom aluno, isto é, governança sem governo, em regime de pilotagem automática, para que os protectores lhe possam dar boa notação e troikos. Infelizmente, ficou à solta o foco colonizador das velhas companhias majestáticas, as dos privilégios da economia privada, mas sem economia de mercado, privatizando os lucros e nacionalizando os prejuízos. E sem justiça, tanto não há a mobilização da república, ou comunidade, como poderá responder-se, ao regime do governo de espertos, com esse estádio superior do indiferentismo que é a anomia. Por outras palavras, podemos deixar de ter portugueses, enquanto cidadãos individuais, autonomia da sociedade civil, instituições e empresas. Logo, o Parlamento é o espelho dessa nação sem a força viva do povo; o PS e o PSD/CDS, espelhos um do outro; e o presidente, mera bissectriz de tal paralelograma de forças. Daí, o perigo de uma democracia sem povo, se a partidocracia nos conduzir à democratura. Porque, nesta Europa a várias velocidades, sem solidariedade nem inclusão, com o modelo social declarado morto pelo presidente do BCE, poderemos ser apenas estipendiários, os que apenas trabalham sem cidadania, ou, dito de outro modo, os que precisam do cheque e não podem chocar-se muito, até porque adoram pirómanos-bombeiros, mesmo com emblema de ministros.